Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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I -Decisão interlocutória é a decisão que tem como consequência o arquivamento ou encerramento do objecto do processo, mesmo que se não tenha conhecido do mérito.
II - Na versão actual da al. c) do art. 400.º do CPP, não é admissível recurso «de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objecto do processo». Esta expressão não significa outra coisa senão “decisão que põe termo ao litígio da forma sobredita”.
III - A questão das nulidades invocadas é uma questão prévia, não sendo nesse sentido atinente ou conexa com a questão substantiva, essa sim objecto de apreciação da decisão final. Tratando-se de uma questão interlocutória, a circunstância de não ter sido objecto de recurso autónomo não lhe confere recorribilidade, podendo e devendo ser dela cindida.
IV - Tem este Tribunal entendido que o STJ só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo, se da decisão resultar que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido. A violação do princípio in dubio pro reo, dizendo respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, pode ser sindicado pelo STJ. Todavia, essa sindicação tem de exercer-se dentro dos limites de cognição desse Tribunal, devendo por isso resultar do texto da decisão recorrida, em termos análogos aos dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, ou seja: quando, seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção, a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção.
V - A ideia fundamental que preside ao instituto da atenuação especial da pena e que constitui a sua razão de ser político-criminal é a de que funciona como uma válvula de segurança. Significa ela que a atenuação especial da pena deve abranger apenas aqueles casos em que se verifique a ocorrência de circunstâncias que se traduzam numa diminuição acentuada da ilicitude e da culpa ou da necessidade da pena – casos verdadeiramente excepcionais em relação ao comum dos casos previstos pelo legislador ao estabelecer a moldura penal correspondente ao respectivo tipo legal de crime. Em tais hipóteses, porém, a atenuação especial é obrigatória – o tribunal atenua, diz a lei, após a revisão de 1995 – segundo um critério de discricionariedade vinculada e não dependente do livre arbítrio do tribunal.
VI - Nessa perspectiva, o facto tem de revestir uma tal fisionomia que se possa dizer, face à imagem especialmente atenuada que dele se colha, que encaixá-lo na moldura penal prevista para a realização do tipo seria uma violência. Por outras palavras, sendo as molduras penais correspondentes aos diversos tipos de crimes pensadas para, dentro de uma latitude suficientemente ampla, nelas caber a vasta gama de situações que a vida real nos oferece, desde as mais simples às mais complexas, por vezes sucede que uma dada situação, por excepcional, não se amolda a nenhuma das gradações comportáveis pela moldura penal, nomeadamente quando o caso reveste uma fisionomia particularmente pouco acentuada em termos de gravidade da infracção, seja por via da culpa/ilicitude, seja por via da necessidade da pena. Para estes casos é que foi concebida uma moldura penal especialmente atenuada, que actua sobre a moldura penal abstracta cabível aos diversos tipos de crime. VII- Não ocorre a circunstância prevista na al. b) do n.º 2 do art. 72.º do CP, ou seja, provocação da vítima, numa situação em que: -o comportamento da vítima foi violento, tendo arremessado pedras para dentro do café [no interior do qual se encontravam, entre outras pessoas, o arguido, a sua mulher e dois filhos menores de ambos], de onde tinha sido expulso pelo dono, tendo uma delas ido cair junto de um dos filhos – o mais novo – do arguido, que era transportado ao colo pela sua mulher; -o comportamento posterior do arguido revela que teve um único propósito: vingar-se da vítima, puni-la pelos seus actos e, porventura, pela sua marginalidade ligada à toxicodependência e ao álcool; esse propósito foi tão obsessivo, que o arguido, para além de ter retornado ao local com uma arma e de ter dito que «não lhe dava mais de 24 horas», ainda se deu ao trabalho de ir com a mulher e os filhos dentro do seu carro ao hospital de B…, para onde a vítima tinha sido transportada, tendo aí divisado a ambulância que o levou, e regressado à V…, acabou por enxergar a vítima, já depois de ter sido tratada no hospital, no Largo …, 3 h depois dos factos ocorridos no café, tendo então consumado o seu propósito [efectuado dois disparos que atingiram a vítima na região occipital e na face dorsal do tórax, que lhe causaram lesões que foram causa directa e necessária da sua morte]; estas circunstâncias, ao contrário de terem carga atenuativa, têm-na agravativa, não podendo fundamentar uma atenuação especial da pena.
VIII - Tendo em conta que: -a ilicitude, compreendendo o bem jurídico posto em causa, a forma como o foi, com utilização de uma arma de fogo, o modo como o arguido actuou, disparando a uma distância não superior a 30 m, dentro do campo visual dos faróis do seu automóvel, quando a vítima estava desprevenida, e metendo-se logo de seguida no carro em direcção a casa, onde se refugiou sem querer saber mais da vítima, é de grau muito elevado; -no tocante à culpa, há que destacar que o arguido actuou não só com dolo directo, mas com uma particular intensidade dolosa, mostrando-se determinado a cometer o crime, tendo ido a casa propositadamente munir-se da arma e afirmando antes de o ter praticado que não dava à vítima mais de 24 h; seguidamente, andou às voltas com o carro, com a mulher e os filhos pequenos dentro dele, perseguindo o rasto do ofendido, deslocando-se ao hospital, em B…, regressando à V… e, por fim, tendo divisado a vítima, 3 h depois dos factos ocorridos no café, já de madrugada, inverteu o sentido de marcha, estacionou e alvejou a vítima; trata-se de um crime que se diria preencher o tipo qualificado de culpa do art. 132.º do CP, não obstante o inicial comportamento da própria vítima; o arguido quis pura e simplesmente vingar-se desta, matando-a por causa do seu comportamento, que, vistas as coisas friamente, não era dirigido especialmente ao arguido, nem à sua família, e praticamente se traduziu apenas num susto, já que a pedra arremessada de fora para dentro do café “passou próximo do seu filho mais novo”; a persistência na intenção de matar quase se aproxima do exemplo-padrão mencionado na al. i) do n.º 2 daquele art. 132.º (ter o agente actuado com frieza de ânimo e/ou com reflexão sobre os meios empregados) e a forma como o arguido actuou é muito censurável; estando tal actuação muito perto ou na fronteira do crime qualificado, a culpa do arguido é muito intensa; -o arguido limitou-se a confessar parcialmente o crime, em aspectos que praticamente não podia recusar, face à sua objectividade, e em contrapartida não revelou arrependimento, nem minorou quaisquer danos; -o arguido trabalhou como vigilante para uma empresa de segurança, o que significa que deveria ter uma maior preparação para suportar a violência alheia e sobretudo para evitar a sua própria violência; -muito embora não conste nada no seu CRC, o certo é que tal circunstância não tem grande relevância, sobretudo face a esta irrupção violenta da sua personalidade; -do ponto de vista da prevenção geral, as exigências comunitárias são muito acentuadas neste tipo de crime; -do ponto de vista da prevenção especial, a personalidade revelada pelo arguido mostra carência de socialização; a pena aplicada pelas instâncias pelo crime de homicídio – 13 anos e 6 meses de prisão – não se mostra exagerada.
         Proc. n.º 809/08 -5.ª Secção Rodrigues da Costa (relator) Arménio Sottomayor
 
I -O recurso extraordinário de revisão de sentença é estabelecido e regulado pelo CPP, como também pelo CPC, como forma de obviar a decisões injustas, fazendo-se prevalecer o princípio da justiça material sobre a certeza e segurança do direito, a que o caso julgado dá caução, já que este tem na sua base “uma adesão à segurança com eventual detrimento daverdade”, como observou Eduardo Correia (cf. Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, Coimbra, Livraria Atlântida, 1948, pág. 7).
II - E se tanto no processo civil, como no processo penal, a certeza e a segurança do direito cedem, em certos casos, ao triunfo da justiça material, há-de convir-se que no processo penal esta se impõe com muito mais pujança, dado o realce diferente e mais exigente de certos princípios que constituem a raiz mesma dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos: daí que a Constituição, no seu art. 29.º, n.º 6, estabeleça que “Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos”.
III - A revisão extraordinária de sentença transitada, se visa tais objectivos, conciliando-os com a necessidade de certeza e segurança do direito, não pode, por isso mesmo, ser concedida senão em situações devidamente clausuladas, pelas quais se evidencie ou, pelo menos, se indicie com uma probabilidade muito séria a injustiça da condenação, dando origem não a uma reapreciação do anterior julgado, mas a um novo julgamento da causa com base em algum dos fundamentos indicados no n.º 1 do art. 449.º do CPP.
IV - No caso concreto, não se autoriza a revisão uma vez que o que o recorrente verdadeiramente pretende é obter uma alteração da decisão, em termos próprios de um recurso ordinário – que, oportunamente, não interpôs –, sendo certo que o recurso de revisão não visa a correcção do decidido, nem a sua alteração, mas um novo julgamento.
         Proc. n.º 1781/08 -5.ª Secção Rodrigues da Costa (relator) Arménio Sottomayor Simas Santos
 
I -A circunstância de o tempo de prisão já sofrido pelo recorrente não ter sido abordado nem incluído na decisão de cúmulo jurídico de penas, embora constituindo uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (vício decisório previsto no art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP), não reverte em decisão de reenvio quando, como é o caso, os autos fornecem os elementos necessários e suficientes para a plena integração da questão, emergindo todos eles de documentos autênticos (certidões) constantes do processo. Este ponto é crucial, atenta a redacção conferida ao art. 80.º, n.º 1, do CP pela Lei 59/2007, de 04-09, em conexão com o desconto já expresso no art. 78.º, n.º 1, do mesmo Código.
II - No que concerne à determinação concreta da pena do concurso de crimes deve ter-se em consideração a existência de um critério especial, o que obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena única (Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, § 420, pág. 291), cuja inobservância determinará, de acordo com a jurisprudência maioritária, a nulidade da decisão cumulatória, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP.
III - Como se extrai do Ac. do STJ de 20-02-2008, Proc. n.º 4733/07 -3.ª, a fundamentação no caso de concurso de infracções afasta-se da prevista, em termos gerais, no art. 374.º, n.º 2, do CPP, tudo se resumindo a uma especial e imprescindível fundamentação, onde avultam, na fixação da pena unitária, a valoração, em conjunto, dos factos, enquanto “guia”, e a personalidade do agente, mas sem o rigor e a extensão pressupostos nos factores de fixação da pena previstos no art. 71.º do CP – cf., em idêntico sentido, o Ac. de 09-04-2008, Proc. n.º 1125/08 -5.ª.
IV - Numa situação em que o acórdão recorrido não se limitou a enunciar as condenações, os tipos de crime, as penas aplicadas, as datas de comissão dos ilícitos e das decisões e dos trânsitos, não deixando de consignar ainda, ao tratar do enquadramento jurídico e medida da pena, que «são modestas as condições económicas e sociais deste arguido, tal como o é o seu nível cultural (…); a personalidade manifestada por tal arguido nos factos e no seu grau de culpa, a sua maturidade demonstrada na execução dos crimes e a sua desinibição, apesar da sua idade ainda jovem; (…) as fortes exigências (…) de prevenção especial, ante a personalidade manifestada pelo arguido, surpreendendo-se já alguma tendência para este tipo grave de criminalidade», deixando expresso, a final, ter ponderado «as condições pessoais e familiares deste arguido», cumpriu o dever de fundamentação no que respeita à apreciação conjunta dos factos e da personalidade do agente, não havendo, assim, falta de fundamentação por carência de factos atinentes à caracterização da personalidade do arguido, e não se configurando a nulidade do acórdão recorrido, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, por referência ao art. 374.º, n.º 2, do mesmo diploma legal.
V - A nova redacção do art. 78.º, n.º 1, do CP, introduzida pela Lei 59/2007, de 04-09 – com a supressão do trecho «mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta» –, estabelece que o conhecimento superveniente de novo crime que se integre no concurso não exclui, antes passou a abranger, as penas já cumpridas, prescritas ou extintas, procedendo-se ao desconto da pena já cumprida (neste sentido se pronunciava alguma jurisprudência, como, por exemplo, os Acs. do STJ de 24-05-2000, CJSTJ, 2000, tomo 2, pág. 204, e de 30-05-2001, CJSTJ, 2001, tomo 2, pág. 211; em sentido oposto, o Ac. de 09-02-2005, CJSTJ, 2005, tomo 1, pág. 194).
VI - E a suspensão da execução da pena de prisão não constitui óbice à sua integração em cúmulo jurídico de penas aplicadas a crimes ligados entre si pelo elo da contemporaneidade, não seccionada por condenação pela prática de qualquer deles.
VII - Não é líquida a questão da formação de uma pena única em caso de conhecimento superveniente do concurso, que pressuponha a revogação de penas suspensas na sua execução aplicadas por decisões condenatórias transitadas em julgado.
VIII - Uma corrente defende que não é possível a anulação desta pena com o fim de a incluir no cúmulo a efectuar, atendendo a que a pena suspensa é uma pena de substituição, autónoma face à pena de prisão substituída, uma verdadeira pena e não uma forma de execução de uma pena de prisão, antes tendo a sua execução regulamentação autónoma – cf. sustentado parecer formulado pelo MP neste Supremo Tribunal no processo decidido em 06-10-2005, no qual veio a ser elaborado o acórdão do TC n.º 3/2006, podendo ver-se neste sentido os Acs. do STJ de 02-06-2004, CJSTJ, 2004, tomo 2, pág. 217; de 06-10-2004, Proc. n.º 2012/04; de 20-04-2005, Proc. n.º 4742/04; da Relação do Porto de 12-02-1986, CJ, 1986, tomo 1, pág. 204; e, na doutrina, Nuno Brandão, em comentário ao Ac. do STJ de 03-072003, na RPCC, 2005, n.º 1, págs.117-153.
IX - A posição predominante é no sentido da inclusão da pena suspensa, defendendo-se que a “substituição” deve entender-se, sempre, resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso, e que o caso julgado se forma quanto à medida da pena e não quanto à sua execução.
X - Figueiredo Dias (Direito Penal Português, Parte Geral, II – As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, §§ 409, 419 e 430) defende que quando uma pena parcelar de prisão tenha sido suspensa na sua execução, «torna-se evidente que para efeito de formação da pena conjunta relevará a medida da prisão concretamente determinada e que porventura tenha sido substituída», que «de todo o modo, determinada a pena conjunta, e sendo de prisão, então sim, o tribunal decidirá se ela pode legalmente e deve político-criminalmente ser substituída por pena não detentiva», e que não pode recusar-se, em caso de conhecimento superveniente do concurso, «a valoração pelo tribunal da situação de concurso de crimes, a fim de determinar se a aplicação de uma pena de substituição ainda se justifica do ponto de vista das exigências de prevenção, nomeadamente da prevenção especial».
XI - Paulo Dá Mesquita (O Concurso de Penas, págs. 95-98) concorda com a orientação dominante na jurisprudência dos tribunais superiores em atenção à natureza das penas cuja execução foi suspensa, defendendo não existir obstáculo ao cúmulo de uma pena de prisão cuja suspensão foi suspensa com uma outra qualquer pena de prisão.
XII - Na jurisprudência dos Tribunais Superiores a orientação dominante é no sentido da integração da pena suspensa no cúmulo, como se pode ver, designadamente, dos seguintes acórdãos do STJ: de 04-03-2004, Proc. n.º 3293/03 -5.ª; de 22-04-2004, CJSTJ, 2004, tomo 2, pág. 172; de 02-12-2004, Proc. n.º 4106/04; de 21-04-2005, Proc. n.º 1303/05; de 27-04-2005, Proc. n.º 897/05; de 05-05-2005, Proc. n.º 661/05; de 09-11-2006, Proc. n.º 3512/06 -5.ª, CJSTJ, 2006, tomo 3, pág. 226; de 29-11-2006, Proc. n.º 3106/06 -3.ª; de 0310-2007, Proc. n.º 2576/07 -3.ª; de 27-03-2008, Proc. n.º 411/08 -5.ª.
XIII - Como vem sendo jurisprudência firme do STJ, a pena suspensa pode ser englobada num concurso de infracções com outras penas, suspensas ou efectivas, decidindo o tribunal do cúmulo, após apreciação em conjunto dos factos e da personalidade do agente, se a pena conjunta deve ou não ser suspensa, pois só faz sentido colocar a questão da suspensão em relação à pena conjunta. Por isso, não será pelo facto de terem sido suspensas originariamente e de ainda não terem sido revogadas tais suspensões que essas penas serão excluídas do cúmulo – cf. Ac. do STJ de 06-10-2005, sobre o qual incidiu a apreciação do TC que, no Ac. n.º 3/2006, de 03-01-2006 (in DR, II Série, de 07-02-2006), decidiu não julgar inconstitucionais as normas dos arts. 77.º, 78.º e 56.º, n.º 1, do CP, interpretadas no sentido de que, ocorrendo conhecimento superveniente de uma situação de concurso de infracções, na pena única a fixar pode não ser mantida a suspensão da execução de penas parcelares de prisão, constante de anteriores condenações.
XIV - Esclarece o TC, nesse aresto, que se trata da «solução que, na perspectiva do legislador corresponde ao critério da culpa e às preocupações de prevenção em que se funda o sistema punitivo, cuja lógica obedece a dois vectores: -no caso de conhecimento superveniente do concurso, tudo se deve passar como se passaria se o conhecimento tivesse sido contemporâneo; -mas a decisão sobre a suspensão da pena deve atender à situação do condenado no momento da última decisão e sempre reportada à pena única; e, a respeito do caso julgado, salienta-se que, na lógica do sistema, tanto não viola o caso julgado a não manutenção, na pena única, de suspensão de penas parcelares, como a suspensão total da pena única, mesmo que nela confluam penas parcelares de prisão efectiva». XV- Na concretização desta última proposição pode ver-se o Ac. deste STJ de 10-10-2001 (CJSTJ, 2001, tomo 3, pág. 189), onde se decidiu: «Apesar de ter transitado em julgado o despacho que revogou a suspensão da execução de uma pena, é admissível suspender-se a execução da pena única resultante da reformulação de cúmulo jurídico em que aquela se integra».
         Proc. n.º 2891/08 -3.ª Secção Raul Borges (relator) Fernando Fróis 5.ª Secção
 
I -Toma-se por dado adquirido doutrinal e jurisprudencialmente o de que os arts. 495.º e 496.º do CC (respectivamente em sede de danos patrimoniais e não patrimoniais) consagram no domínio da responsabilidade civil extracontratual uma excepção ao princípio de que o detentor do direito à indemnização é o próprio portador do direito violado.
II - Na esteira de tal entendimento, que se perfilha, considera-se que o direito de indemnização na titularidade das pessoas a que se refere aquele normativo é um direito próprio que só depende do facto de elas assumirem a posição de poderem exigir alimentos à vítima da lesão de morte (Ac. do STJ de 16-04-1974, BMJ 236.º/138). O normativo em causa consagra, assim, e a título excepcional, um direito indemnizatório dos que podiam exigir alimentos ao lesado, ou daqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural. O nascimento de tal direito na sua esfera jurídica está dependente de existir a possibilidade legal do exercício do direito aos alimentos, e mesmo que não estejam a receber da vítima qualquer prestação alimentar por carência efectiva dela. Ou seja, no caso vertente, atento o disposto no art. 2009.º do CC, conclui-se que os demandantes têm direito a indemnização pelos danos que eles próprios tenham sofrido em consequência do óbito de seu marido e pai.
III - O óbito do lesado provoca sempre, no próprio momento em que se verifica, para além do dano consistente na perda do bem da vida, um dano patrimonial, também indemnizável, que se traduz na perda da capacidade produtiva pelo tempo de vida que previsivelmente lhe restaria, dano esse cujo valor só pode ser aferido tendo em conta o próprio rendimento susceptível de ser produzido mediante a concretização dessa capacidade; e os sucessores do lesado directo têm direito também à indemnização correspondente a esse dano patrimonial sofrido pelo lesado, direito esse que se lhes transmite, integrado na herança.
IV - O direito de indemnização atribuído aos lesados indirectos na hipótese prevenida nesse preceito tem, como qualquer outro, a medida estabelecida nos arts. 562.º e ss. do CC.
V - Na verdade, é em função da denominada teoria da diferença, conjugada nos termos do art. 562.º e ss do citado Código, que é definido o direito de indemnização de que são titulares as pessoas referidas no art. 495.º, n.º 3, independentemente da necessidade efectiva de alimentos.
VI - Como, nomeadamente, estipulado no art. 563.º – e se bem que a tal limitada, como determina o advérbio “só”, omitido na transcrição que segue –, «a obrigação de indemnização (...) existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão».
VII - Significa isto que também aos lesados indirectos quer a lei que se atribua o que na realidade perderam, ou seja, tudo aquilo com que o lesado directo efectivamente os vinha beneficiando e, provavelmente, continuaria a beneficiar se não tivesse falecido. Com a morte do lesado directo ocorre efectiva perda patrimonial, em termos de previsíveis danos futuros, correspondente ao que o falecido vinha efectivamente prestando, ou, quando não assim, poderia eventualmente vir a prestar, à família.
VIII - Os danos indemnizáveis ora em questão são, desde logo, constituídos por tudo quanto, independentemente do montante de alimentos eventualmente exigível – e sem com tal ter, enfim, qualquer correlação –, o lesado directo efectivamente prestava à família, e com toda a probabilidade continuaria a prestar se fosse vivo.
IX - Estamos assim reconduzidos ao princípio de que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que se verificaria se não tivesse ocorrido o evento que obriga à reparação, fixável em dinheiro no caso de inviabilidade de reconstituição em espécie (arts. 562.º e 566.º, n.º 1, do CC).
X - A indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado à data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não tivesse ocorrido o dano, e, não podendo ser avaliado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (art. 566.º, n.ºs 2 e 3, do CC).
XI - Estando em causa um dano futuro, abrangendo um longo período de previsão, entende-se que a solução mais correcta é a de conseguir a sua quantificação no momento de avaliação, tentando compensar a inerente dificuldade de cálculo com o apelo a juízos de equidade.
XII - Em sede jurisprudencial tem obtido consagração na prática quotidiana a utilização de fórmulas e tabelas financeiras de variada índole, na tentativa de se conseguir um critério mais ou menos uniforme, o que, como bem aponta a decisão deste STJ de 12-12-2003, se não coaduna com a própria realidade das coisas, avessa nesta matéria a operações matemáticas, pelo que há que valorizar essencialmente nesta matéria o critério da equidade.
XIII - O principal eixo de tal definição fundamenta-se no pressuposto de que a indemnização a pagar quanto a danos futuros por frustração de ganhos deve representar um capital produtor de um rendimento que se extinga no fim do previsível período de vida activa da vítima e que garanta as prestações periódicas correspondentes à respectiva perda de ganho.
XIV - Nesse quadro de cálculo sob juízos de equidade devem ponderar-se, entre outros, factores tais como a idade da vítima e as suas condições de saúde ao tempo de decesso, o seu tempo provável de vida activa, a natureza do trabalho que realizava, o salário auferido, deduzidos os impostos e as contribuições para a segurança social, o dispêndio relativo a necessidades próprias, a depreciação da moeda, a evolução dos salários, as taxas de juros do mercado financeiro, a perenidade ou transitoriedade de emprego, a progressão na carreira profissional, o desenvolvimento tecnológico e os índices de produtividade. E, uma vez que a previsão assenta sobre danos verificáveis no futuro, relevam sobremaneira os critérios de verosimilhança, ou de probabilidade, de acordo com o que, no concreto, poderá vir a acontecer segundo o curso normal das coisas.
XV - Essencialmente, o que está em causa é o prudente arbítrio do tribunal, nos termos do art. 566.º, n.º 2, do CC, e tendo em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida.
XVI - Quer se considere a existência de uma obrigação de indemnização delineada nos termos do art. 562.º do CC, quer se considere a existência de uma obrigação alimentar, consubstanciando a perda de rendimentos inerentes ao desaparecimento da capacidade de trabalho, existem sempre elementos constitutivos do direito invocado que devem ser alegados e provados, e por forma alguma nos podemos reconduzir a um automatismo, assumindo como demonstrado aquilo que importa provar. À aplicação de tal regra apenas se furtam os factos notórios – art. 514.º, n.º 1, do CPC –, ou seja, aqueles que são de conhecimento geral no país, os conhecidos pelo cidadão comum, pelas pessoas regularmente informadas, com acesso aos meios normais de informação.
XVII - À luz de uma interpretação restritiva do art. 495.º do CC, numa situação em que, face ao teor da materialidade de facto provada, se constata a insuficiência de factos que, em concreto, permitam afirmar a existência de um dano patrimonial efectivo, qualquer que seja a perspectiva adoptada em relação à configuração do direito indemnizatório [pois a demandante omitiu qualquer indicação sobre a contribuição da vítima para a globalidade dos rendimentos patrimoniais comuns, bem como sobre despesas e encargos a incidir sobre os rendimentos de trabalho da vítima, sendo certo que não podem ser superadas as omissões em termos probatórios por um infundamentado apelo a presunções de facto ou a uma inconsequente notoriedade do facto], seria de responder afirmativamente à questão de saber se está excluída qualquer tutela indemnizatória do dano patrimonial sofrido pela demandante.
XVIII - Porém, é possível reconduzir a questão a um outro plano, como em situação similar este STJ reconheceu no Ac. de 27-01-2005, pois que, em relação à demandante, há um elemento fundamental a ter em conta: o regime de bens do seu casamento com o falecido, aqui o regime supletivo de comunhão de adquiridos, por não ter havido convenção antenupcial (art. 1717.º do CC).
XIX - Uma vez que neste regime de bens o produto do trabalho dos cônjuges é bem comum (art. 1724.º do CC), pode afirmar-se que, falecido o marido, a viúva e o filho herdeiro daquele perdem um bem comum que tinha expressão patrimonial pura e que, como tal, pode, e deve, ser quantificado monetariamente, porque aquela perda acarreta um dano patrimonial.
XX - Como se refere na decisão citada, «o ressarcimento deste dano patrimonial jamais se pode fazer pela medida da obrigação de alimentos; tem que se fazer em função do seu valor de mercado tal como sucede com todos os restantes bens comuns do casal atingidos pela lesão (veículo automóvel, casa do casal, etc.)».
XXI - Consequentemente, também aqui os danos patrimoniais sofridos pela demandante e pelo filho da vítima devem ser computados tendo em atenção a perda do salário do falecido. Se o salário era um bem comum do casal que foi eliminado pelo lesante terá que ser este a ressarcir patrimonialmente esse bem ao cônjuge meeiro sobrevivo e ao herdeiro. XXII -Assim sendo, e admitindo-se como válida a consideração de cerca de 30% de dedução nos rendimentos patrimoniais líquidos para efeitos fiscais, e considerando a afectação de 1/3 para as despesas pessoais da vítima, obtemos um montante que se fixa em € 200 000, por aplicação da fórmula contida no Ac. de 07-12-2007. XXIII -Deste montante, que constitui a imputação que a vítima faria, em circunstâncias normais, no património do casal, em resultado do seu trabalho, metade integraria a sua meação de cônjuge, sendo certo que à mesma corresponderia idêntica prestação da demandante, por forma a integrar a globalidade daqueles rendimentos. Metade desse montante corresponde ao dano sofrido pela demandante, ou seja, o que receberia como meeira e herdeira e a restante metade corresponde ao montante que o demandante sempre receberia, como sucessor, do capital assim determinado. XXIV -Porém, como é evidente, tal conclusão, atribuindo ao demandante uma parte, mais concretamente metade daquele capital, tem, também, o efeito de excluir a indemnização que lhe foi arbitrada a título de alimentos, sob pena de se incorrer numa injustificada duplicação ou enriquecimento injustificado. XXV -Em consequência, é de arbitrar ao demandante [filho do falecido] e à demandante [viúva] a quantia de € 100 000, a título de indemnização por danos patrimoniais. XXVI -No que respeita à determinação do direito à vida, a jurisprudência, sem nunca ter caído na arbitrariedade, tem feito apelo à regra da equidade, acentuando-se hoje em dia uma tendência para salientar o valor absoluto de um direito fundamental, génese de todos os outros direitos, perante objectos referenciados como parâmetros da sociedade de consumo em que vivemos. Desde os 150.000$00 em que foi valorado o direito à vida de um jovem de 22 anos (cf. Ac. do STJ de 13-05-1986) percorreu-se um caminho de sucessivo afinamento de critérios jurisprudenciais que levam, hoje em dia, à consideração de valores que, na jurisprudência deste STJ, se situam entre os € 50 000 e os € 60 000, sendo, no caso vertente, de considerar equitativa a compensação, de € 50 000, fixada pelo acórdão recorrido. XXVII -É um dado adquirido em termos dogmáticos o de que a indemnização por danos não patrimoniais deverá constituir uma efectiva e adequada compensação, tendo em vista o quantum doloris causado, oferecendo ao lesado uma justa contrapartida que contrabalance o mal sofrido, pelo que não pode assumir feição meramente simbólica. A sua apreciação deve ter em consideração a extensão e gravidade dos prejuízos, bem como o grau de culpabilidade do responsável, a sua situação económica e a do lesado e as demais circunstâncias do caso. XXVIII -Tal segmento indemnizatório deve, assim, ser fixado segundo o prudente arbítrio do julgador, temperado com os critérios objectivos a que se alude no art. 494.º do CC. XXIX -Adquirido que o menor [demandante] padeceu daquela profunda dor de quem perde o progenitor que, em termos normais, deveria assumir o papel parental essencial no seu processo de socialização, constata-se que na jurisprudência deste Supremo se afirma um patamar de valor que se situa pelo menos nos € 20 000 em relação a situações similares.
         Proc. n.º 2860/08 -3.ª Secção Santos Cabral (relator) Oliveira Mendes
 
I -O sistema de punição do concurso de crimes consagrado no art. 77.º do CP, aplicável ao caso de conhecimento superveniente do concurso, adoptando o sistema da pena conjunta, «rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente». Por isso, determinadas definitivamente as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulares factos, cabe ao tribunal, depois de estabelecida a moldura do concurso, encontrar e justificar a pena conjunta, cujos critérios legais de determinação são diferentes dos propostos para a primeira etapa.
II - Nesta segunda fase, «quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que esteve na base da construção da moldura e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. A perspectiva nova, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova conexão de sentido. Aqui, o todo não equivale à mera soma das partes e, além disso, os mesmos tipos legais de crime são passíveis de relações existenciais diversíssimas, a reclamar uma valoração que não se repete, de caso para caso. A este novo ilícito corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa pelo facto) mas, agora, culpa pelos factos em relação. Afinal, a valoração conjunta dos factos e da personalidade, de que fala o CP.
III - Tal concepção da pena conjunta obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso…só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um acto intuitivo – da «arte» do juiz – …ou puramente mecânico e portanto arbitrário», embora se aceite que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor nem a extensão pressupostos pelo art. 71.º do referido diploma legal.
IV - Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, não já no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
V - Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de culpa, numa perspectiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal em relação a bens patrimoniais. Por outro lado, importa determinar os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência, bem como a tendência para a actividade criminosa expressa pelo número de infracções, pela sua permanência no tempo, pela dependência de vida em relação àquela actividade.
VI - Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade, que deve ser ponderado.
VII - Relativamente à prevenção importa verificar, no âmbito da prevenção geral, o significado do conjunto de actos praticados em termos de perturbação da paz e segurança dos cidadãos e, num outro plano, o significado da pena conjunta em termos de ressocialização do delin-quente, para o que será eixo essencial a consideração dos seus antecedentes criminais e da sua personalidade expressa no conjunto dos factos.
VIII - Mas a avaliação da personalidade em função dos factos não se pode reconduzir a um apelo a repetidas fórmulas de natureza genérica (que induzem a elaboração de um cúmulo jurídico à revelia dos concretos factores a ponderar), sem qualquer significado ou valor para a situação concreta, antes deve traduzir, e ponderar, as concretas circunstâncias que rodearam e motivaram o agente na prática da pluralidade de crimes.
IX - Assim, é destituída de fundamento a alusão, na decisão recorrida, a especiais razões de prevenção geral, positivas ou negativas, sem qualquer concretização, perante um burlão que fez dessa actividade a sua profissão [diz-se no acórdão recorrido que o percurso criminoso remonta ao ano de 1978], mas sem que as quantias alcançadas tenham atingido um valor muito elevado, ficando a dúvida sobre o motivo pelo qual o crime de burla ou de falsificação passou a exigir do intérprete uma especial atenção. É que a frequência dos actos ilícitos praticados carece de fundamento legal se perspectivada unicamente em termos de prevenção geral intimidatória.
X - E não se vislumbra, na mesma decisão, um sopesar das finalidades das penas, nomeadamente numa perspectiva de prevenção especial, de ressocialização, quando, pela prática de crimes de burla e falsificação com a dimensão exposta, é aplicada uma pena de 17 anos de prisão. Tal sanção encontra-se desligada do princípio da proporcionalidade das penas.
XI - Na verdade, as penas têm de ser proporcionadas à transcendência social – mais que ao dano social – que assume a violação do bem jurídico cuja tutela interessa prever. O critério principal para valorar a proporção da intervenção penal é o da importância do bem jurídico protegido, porquanto a sua garantia é o principal fundamento daquela intervenção.
XII - E é exactamente essa proporcionalidade, em função de ponto de vista preventivo geral e especial, avaliada em função do bem jurídico protegido e violado, que está em causa com a aplicação de uma pena de 17 anos de prisão, sendo certo que, em abstracto, em termos parcelares, o crime a que corresponde o limite máximo de moldura penal se situa nos 8 anos de prisão.
XIII - Por outro lado, a forma como foram valorados os antecedentes criminais (que constituem, aliás, o único factor concreto que é indicado em termos relevantes na definição da pena conjunta) – repetida, pois, para além de terem sido devidamente ponderados na determinação de cada uma das penas parcelares, são referidos quando a decisão recorrida aprecia a personalidade do arguido e ainda quando equaciona as necessidades de prevenção geral – traduz a violação do princípio da proibição da dupla valoração.
XIV - Finalmente, a decisão recorrida, ao ignorar a questão fundamental dos presentes autos, relevante em termos de culpa e de prevenção, qual seja a de o relatório pericial considerar que o arguido é portador de uma entorse caracterial que transporta e que lhe rouba a margem de manobra no governo de si, autorizando a proposta de uma imputabilidade diminuída – pois, não manifestando qualquer discordância face ao teor das conclusões do relatório pericial, não lhes atribuiu qualquer relevância e, consequentemente, não as aferiu, e valorou, em função da globalidade da actuação criminosa –, incorreu em omissão de pronúncia sobre questão que tinha de apreciar e decidir, o que determina a nulidade prevista no art. 379.º do CPP.
XV - O art. 20.°, n.º 1, do CP impõe que a anomalia psíquica, como substrato biopsicológico do juízo de inimputabilidade, se verifique no momento da prática do facto.
XVI - E é em relação a cada um dos concretos actos praticados que deve ser aferido o juízo sobre a imputabilidade do arguido.
XVII - Um dos factores que pode afectar a capacidade de culpa são as perturbações psíquicas que o CP contempla no referido art. 20.º, fazendo apelo a dois pressupostos: o biológico e o psicológico. O primeiro consubstancia-se na existência de uma qualquer anomalia psíquica e o segundo na circunstância de terem ficado afectadas faculdades decisivas para a formação da vontade do homem.
XVIII - É exactamente aqui que entronca a questão suscitada pelo caso vertente, trazendo à colação o facto de a anomalia psíquica de que o arguido é portador ter como efeito norma-tivo, não a sua incapacidade para avaliar a ilicitude do facto, mas a sua capacidade de determinação de acordo com essa avaliação, ou seja, uma capacidade ainda subsistente mas em grau sensivelmente diminuído.
XIX - Nessa compreensão normativa se situa o Prof. Figueiredo Dias quando refere que a questão da imputabilidade diminuída não necessita de um tratamento legislativo próprio, devendo ser resolvida à luz da culpa e da inimputabilidade, sustentando: «Se, nos casos de imputabilidade diminuída, as conexões objectivas de sentido entre a pessoa do agente e o facto são ainda compreensíveis e aquele deve, por isso, ser considerado imputável, então as qualidades especiais do seu carácter entram no objecto do juízo de culpa e por ela tem o agente de responder. Se essas qualidades forem especialmente desvaliosas de um ponto de vista jurídico-penalmente relevante, elas fundamentarão – ao contrário do que sucederia numa perspectiva tradicional – uma agravação da culpa e um (eventual) aumento de pena; se, pelo contrário, elas fizerem com que o facto se revele mais digno de tolerância e de aceitação jurídico-penal, poderá justificar-se uma atenuação da culpa e uma diminuição da pena.»
         Proc. n.º 2288/08 -3.ª Secção Santos Cabral (relator) Oliveira Mendes
 
I -Nos termos do art. 98.º, n.º 1, do CPP, o arguido pode apresentar exposições, memoriais e requerimentos em qualquer fase do processo, embora não assinados pelo defensor, desde que se contenham dentro do objecto do processo ou tenham por finalidade a salvaguarda dos seus direitos fundamentais. Trata-se da concretização do direito constitucional de petição, previsto no art. 52.º da CRP.
II - Porém, aquele direito de petição não serve para que o arguido substitua a intervenção do respectivo advogado, devendo ser assistido por defensor em todos os actos processuais em que participar, nomeadamente naqueles em que se colocam especiais exigências de rigor jurídico.
III - E, na verdade, a lei exige e impõe obrigatoriamente a nomeação de defensor ao arguido que não tenha advogado constituído quando contra ele for deduzida acusação (art. 64.º, n.º 3, do CPP). Tal nomeação é, pois, imperativa.
IV - Não obstante, o facto de o arguido ter subscrito e apresentado uma série de requerimentos onde impugna decisões proferidas por este Supremo Tribunal – actos, por isso, em que se colocam especiais exigências de rigor jurídico –, sem que os mesmos se encontrem também subscritos pelo respectivo mandatário/defensor, não impede a sua apreciação.
V - Tais requerimentos não têm, porém, a virtualidade de impedir o trânsito em julgado das decisões e despachos proferidos nos autos, desde que devidamente notificados nos termos legais.
VI - A lei processual penal, no seu art. 113.º, respeitante às regras gerais sobre notificações, distingue três situações diferentes: -em primeiro lugar, as relativas à acusação, à decisão instrutória, à designação de data para julgamento, à sentença, às medidas de coacção e de garantia patrimonial, e ao pedido de indemnização civil, que devem ser notificadas aos sujeitos processuais por elas visados e aos respectivos advogados, valendo a data da última notificação (ou do sujeito ou do seu advogado) como termo inicial de qualquer prazo para a prática de acto processual subsequente. Neste elenco da lei não se incluem os acórdãos dos tribunais de recurso, cuja notificação deve ser feita apenas aos defensores e advogados (cf. Acs. do TC n.º 59/99 e do STJ de 06-02-2002, CJSTJ, tomo 1, pág. 199); -em segundo lugar, todas as demais decisões que visem o arguido, o assistente ou a parte civil representados por advogado, que devem ser notificadas aos advogados dos sujeitos processuais por elas visados; -por fim, todas as demais decisões que visem o arguido ou a parte civil não representados por advogado, que devem ser notificadas aos próprios visados.
VII - A lei não impõe, portanto, que as notificações das decisões, designadamente deste STJ, tenham de ser feitas aos próprios arguidos. Aliás, este é entendimento pacífico deste Supremo Tribunal.
VIII - Por outro lado, tal interpretação do art. 119.º, n.º 9, do CPP não viola qualquer preceito constitucional, designadamente o art. 52.º, n.º 2, da CRP, pois a notificação da decisão ao advogado do arguido é suficiente para assegurar os direitos de defesa deste, resultando do art. 63.º, n.º 1, do CPP que o defensor exerce os direitos que a lei reconhece ao arguido, salvo os que ela reservar pessoalmente a este.
         Proc. n.º 2300/08 -3.ª Secção Fernando Fróis (relator) Henriques Gaspar Pereira Madeira
 
I -O legislador do nosso CP consagra no domínio da sexualidade uma ampla concepção, despida de todo e qualquer propósito moralista, só sendo proibida a manifestação sexual que não for consentida, fazendo excepção relativamente a crianças, por presumir, juris et de jure, que, atenta a sua idade, não têm capacidade para se autodeterminarem sexualmente, perceberem o significado do acto sexual, estando a sua liberdade sexual, naturalmente, afectada.
II - O que se intenta com a punição do crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelos arts. 172.º, n.º 1, e 177.º, n.º 1, al. a), do CP é o desenvolvimento imperturbado da sexualidade, de modo a que decorra sem sobressaltos, por forma a que, ultrapassada a fase da inocência, a pessoa possa exercê-la sadia e responsavelmente.
III - A lei penal sobrepõe-se, pois, para proteger o bem jurídico em causa, que é a liberdade sexual, a liberdade de crescer na inocência, até a criança atingir maturidade física e psíquica, bem como capacidade, com presciência e autenticidade, para avaliar a entrega sexual.
IV - A relevância do acto sexual não pode abstrair das realidades sociais, das concepções sociais reinantes, da própria evolução dos costumes, só autorizando a concluir que o é quando ofenda o normal sentimento de pudor da vítima, se e na medida em que é sustentada naquelas envolventes. Ele tem que comportar um peso de censura, extraído do sentimento comunitariamente reinante, para ser havido como grave e relevante; se a censura for epidémica e não bulir com sentimentos de feição dominante não atingirá patamar de reprovação penal, possa embora atingir outros de menor dignidade e reprovação. Esta a orientação do STJ expressa em numerosas decisões – cf. Acs. de 31-10-1995, Proc. n.º 48119, de 30-11-2000, Proc. n.º 2761/00 -5.ª, e de 15-06-2000, CJ, Ano VIII, tomo II, pág. 226.
V - Dentro da margem de indeterminação do conceito, atingem sobejamente o sentido e alcance de actos sexuais de relevo, tipicizando o crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelos arts. 172.º, n.º 1, e 177.º, n.º 1, al. a), do CP, os seguintes actos praticados pelo arguido e vertidos na factualidade assente – por este confessos, mas aos quais atribui uma função educativo-sexual da menor, sem carga malévola, sem intenção libidinosa: -em data indeterminada da semana que antecedeu o Natal de 2001, encostou o seu corpo nu ao da filha menor quando esta se achava deitada, a pretexto de ficarem “mais quentinhos”, e introduziu, pelo interior das cuecas, os dedos, a fim de medir o espaço internádegas, tocando a vagina da menor, então com 10 anos de idade; -repetiu estes actos quando a filha tinha 11 anos, por vários dias dos meses de Julho/Agosto de 2002, depois de, previamente, lhe passar as mãos pelo corpo, particularmente pelos seios, abraçando-a pelas costas; no mesmo período, numa praia fluvial, sita próxima da casa onde viviam, completamente nu, nadou por sobre a filha, abraçando-a, passando-lhe os braços sobre a barriga; -no período de férias de 2003 repetiu a aproximação, nu, à filha, bem como a medição do espaço internádegas; numa noite, em que passou as mãos pela vagina, disse-lhe estar a verificar se já tinha líquido lubrificante, explicando-lhe que permitia cópula sem dor; numa única vez, estando ela com as cuecas vestidas, roçou o pénis pela vagina; numa outra vez pediu-lhe que filmasse o seu pénis, o que a menor fez; e na última semana de Agosto de 2003, munindo-se de uma fita métrica, e num quarto adjacente à garagem da casa onde se acolheram, mediu o pénis à frente da filha, indicando-lhe o comprimento; VI -O CC protege a pessoa humana nas suas mais diversas manifestações, e muito particularmente da ofensa ou ameaça à sua personalidade física ou moral (art. 70.º, n.º s 1 e 2) – assim como a CRP (arts. 25.º e 26.º) –, embora sem definir o que sejam direitos de personalidade.
VII - Estes são “direitos subjectivos, privados, absolutos, gerais, extrapatrimoniais, inatos, perpétuos, intransmissíveis, relativamente indisponíveis, tendo por objecto os bens e as manifestações interiores da vida humana, visando tutelar a integridade do desenvolvimento físico e moral dos indivíduos e obrigando todos os sujeitos de direito a absterem-se de praticar actos que ilicitamente ofendam ou ameacem ofender a personalidade alheia sem o que incorrerão em responsabilidade civil e/ou na sujeição às providências adequadas a evitar a ameaça ou a atenuar os efeitos da ofensa cometida”, na definição de Rabindranath Capelo de Sousa, A Constituição e os Direitos de Personalidade, in Estudos sobre a Constituição, vol. 2.º, Lisboa, 1978, pág. 93.
VIII - Incumbindo aos pais, nos termos do art. 1878.º, n.º 1, do CC, o dever de velar pela segurança, educação, desenvolvimento harmónico e sustento de seus filhos menores, é de pri-meira evidência que o arguido, ao praticar contra a sua filha três crimes de abuso sexual de criança agravados, dois deles sob a forma continuada, p. e p. pelos arts. 172.º, n.º 1, 177.º, n.º 1, al. a), e 30.º do CP, dando-se como provado que tinha perfeito conhecimento da perturbação que as actuações provocavam na formação e estruturação da personalidade da menor, infringiu esse dever.
IX - E mais visível essa infracção se torna quando se dá como assente que a menor, sua filha, era uma rapariga “alegre”, desinibida e brincalhona” e que, a partir do final da sua 4.ª classe e durante a frequência dos 5.º e 6.º anos de escolaridade, ao longo dos anos 2001 a 2003, se revelou uma jovem triste, isolando-se dos colegas “e deixou de usar certo tipo de roupas próprias da sua idade, preferindo andar vestida com roupas largas e golas altas”, tendo reprovado no final do ano lectivo de 2003/2004, quando frequentava o 7.º ano.
X - Esses efeitos perniciosos assumem-se em nexo causal com a conduta ilícita do arguido, seu pai, agressiva da personalidade da menor, no âmbito da sua sexualidade.
XI - A indemnização por facto ilícito decorrente de crime – considerada por alguns autores como a terceira sanção penal, para além da prisão e multa, na medida em que manda atender, escreve Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, pág. 488), no caso de dano não patrimonial, não só à culpa, como também à condição económica do lesante e do lesado, por força da remissão para o art. 494.º, ex vi art. 496.º, n.º 3, ambos do CC –, reveste-se de uma natureza acentuadamente mista, qual seja a de compensar, mais do que indemnizar, não lhe sendo estranha a função de reprovar ou de castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, por certo incorporados no enxerto cível em processo penal, nos termos do art. 129.º do CP, a conduta do agente. XII-Mostra-se adequada a fixação da indemnização por dano não patrimonial a atribuir à menor no montante de € 15 000 (determinado pela 1.ª instância) – e não € 40 000, como se decidiu no Tribunal da Relação – se, para além dos factos já enunciados, se deu como provado: -no que respeita à definição da condição económica do arguido, que, sendo este médico, trabalha em regime de exclusividade, como director de um Centro de Saúde [abstiveram-se as instâncias de quantificar o seu vencimento, mas este nunca será inferior a € 2500 mensais líquidos], vivendo com a mulher e uma outra filha de ambos; -relativamente à menor, que a mesma frequenta, actualmente, o 9.º ano de escolaridade e está perfeitamente integrada, quer ao nível escolar quer ao nível do convívio social [sendo, pois, excessivo, extrapolando a matéria de facto provada em 1.ª instância, escrever-se, como se fez no acórdão recorrido, que a conduta do arguido “deixou marcas que acompanharão a menor para toda a vida”, sem com isto se desvirtuar, minimizando, a repulsiva e repugnante conduta do arguido, com a agravante de ser pai, que não deixou, tal como se deixou provado, de aquela perturbar].
         Proc. n.º 2846/08 -3.ª Secção Armindo Monteiro (relator) Santos Cabral
 
I -Dentro da moldura penal abstracta correspondente ao crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, al. f), do CP, ou seja, a de 1 a 5 anos de prisão, e tendo em atenção que: -o crime é qualificado pela circunstância inerente à introdução, de madrugada, iludindo a vigilância do recepcionista, na Estalagem C…, e no apartamento …, ocupado pelo ofendido DW e mulher, que nele passavam férias, pela ousadia que representa aquela intromissão, trazendo um acréscimo de censura pelo maior grau de culpa, de dolo, de vontade criminosa, e de ilicitude sob o aspecto da modalidade de execução; -o valor subtraído não está amplamente distanciado do que seria o valor diminuto (a quantia em dinheiro subtraída ascende a € 70, montante, que adicionado aos demais objectos de que o arguido ilegitimamente se apoderou – carteiras, caneta Novopen e documentos –, em pouco excede € 100 e a UC à data dos factos), raiando, pois, por força do n.º 3 do art. 204.º do CP, o furto desqualificado; -interfere favoravelmente na punição concreta do crime a circunstância de o dinheiro ter sido recuperado por acção da GNR, como, e mais relevantemente, por indicação do arguido a elementos daquela força, os demais objectos: documentos e bens; -não ocorreu confissão dos factos e sua interiorização, e o arguido tem antecedentes criminais, entre os quais a prática de roubo, por que cumpre pena de prisão; a pena cominada ao arguido, de 4 anos de prisão, próxima do máximo da moldura, é de reputar manifestamente excessiva.
II - Uma pena excessiva não cumpre as finalidades de prevenção geral, porque intolerável comunitariamente; não realiza as funções de prevenção especial, porque o agente não a aceita e tem-na por injusta, não exercendo uma função de emenda cívica, tornando-se um puro desperdício.
III - O bem jurídico protegido nos crimes de moeda falsa tem sido colocado, entre nós, quer na “confiança ou fé pública na moeda”(cf. Beleza dos Santos, in RLJ, 64.º, págs. 275-276, 290-291 e 305-307), quer na “segurança e funcionalidade (operacionalidade) do tráfego monetário ou em ambos”(cf. Almeida Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal, II, pág. 739), falando-se também na “pureza ou autenticidade do sistema monetário” ou, mais explicitamente, na “integridade ou intangibilidade do sistema monetário em si mesmo considerado” (cf. Comentário Conimbricense do Código Penal, II, pág. 749), no interesse público da genuinidade respectiva de que é garante e nele encabeça o banco emissor.
IV - Para outros, os interesses económico-financeiros do Estado representam o bem jurídico a acautelar – cf. BMJ 460.º/570 –, porém o interesse a proteger com a incriminação é o daquela intangibilidade do sistema monetário, enquanto instrumento indispensável para a subsistência e desenvolvimento das sociedades modernas.
V - O crime de passagem de moeda falsa configura um crime material ou de resultado, que se consuma quando a moeda falsa penetra na esfera de disponibilidade do destinatário, sendo um delito de execução livre ou não vinculada; pode verificar-se por qualquer modo que, de uma perspectiva ex ante, se mostre idóneo para produzir o evento da entrada das peças contrafeitas na esfera de disposição do destinatário (cf. Comentário cit., pág. 775).
VI - Este Supremo Tribunal já se pronunciou no sentido de que a protecção do património dos receptores, de boa fé, da moeda falsa, que resulta da punição da colocação da moeda falsa em circulação, é sempre subsidiária em relação ao bem protegido em primeira linha pela incriminação e, por isso, constitui um único tipo de crime, não se cumulando, em concurso real, com o crime de burla.
VII - Mas também o fez no sentido de que o crime de passagem de moeda falsa previsto se acumula, sob a forma de concurso real, com o crime de burla – cf. Ac. de 11-1983, BMJ 330.º/385 –, atenta a diversidade de bens jurídicos protegidos. Isto mercê de jurisprudência para o lugar paralelo do concurso entre a falsificação e a burla, em que este Tribunal decidiu, em acórdão uniformizador de jurisprudência, que “no caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla do artigo 228.º, n.º 1, alínea a), e do artigo 313.º, n.º 1, respectivamente, do Código Penal, verifica-se concurso real ou efectivo de crimes”, e tendo em conta que a moeda falsa não é mais do que um falsum específico, pelo que lhe é aplicável esta mesma doutrina, devendo concluir-se pelo concurso real.
VIII - Ponderando-se que: -não é na mera coexistência de segmentos comuns aos ilícitos em presença que se deve radicar a adopção do concurso real ou do aparente, mas antes na importância relativa que neles assuma a tutela que visam assegurar, que é o que constitui e integra a base justificativa determinante e decisiva da censura ético-jurídica a emitir; -é na integridade ou fiabilidade de um sistema monetário, em si e per se relevante, que reside a tónica incriminatória, a essência do bem jurídico a proteger, só em via secundária se apresentando o interesse do destinatário, devendo procurar-se no recurso à norma do art. 265.º do CP a punição do arguido, sendo o interesse do ofendido absorvido pelo tipo legal de crime em causa, devendo o de burla (simples) recuar, de resto menos gravemente punido – art. 217.º, n.º 1, do CP;-a actividade enganosa, enquanto elemento da burla, é elemento intrínseco do crime de passagem de moeda falsa, crime público que fragiliza o sistema de pagamentos, tornado incerto, pouco credível, gerando a desconfiança nas relações comerciais e patrimoniais; é de excluir o concurso real de infracções, como se decidiu no Ac. deste STJ de 15-03-1989 (CJ, XIV, Tomo 2, pág. 5). No crime previsto no art. 265.º do CP já se prevê, ao eleger-se como elemento do tipo legal de crime a passagem de moeda falsa, o prejuízo indirecto para quem a recebe, pois a sua utilização como meio de pagamento é uma forma de a passar – cf. Ac. deste STJ de 28-07-1948, BMJ 8.º/148.
IX - E, mais recentemente, este STJ, por apelo ao critério teleológico previsto no art. 30.º, n.º 1, do CP, repousando nos interesses a proteger, ponderou que a incriminação da passagem de moeda falsa esgota o conteúdo da tutela referentemente a todos os valores a acautelar, sitos a jusante, designadamente os patrimoniais, em função da missão de guarda avançada, de protecção de largo espectro, apontando para um concurso legal aparente de infracções por consumpção da de burla pela de passagem de moeda falsa – cf. Ac. de 13-10-2004, Proc. n.º 3210/04, desta 3.ª Secção.
X - A pena a aplicar há-de responder, por um lado, no mínimo, às exigências comunitárias de contenção do crime, por forma a que a sociedade acredite na força da norma punitiva, na sua validade e eficácia, assegurando a sua convivência em tranquilidade – esta a finalidade pública que se lhe associa; por outro, no âmbito da sua finalidade privada, há-de concorrer para a emenda cívica do cidadão, prevenindo a sucumbência na sua reincidência, ressocializando-o, em nome de um mínimo ético de todos exigível, de conformação ao dever-ser ético-existencial, salvo se se mostrarem inexistentes as necessidades, caso em que a pena deverá vocacionar-se para as necessidades de intimidação ou de segurança individuais.
XI - À culpa, nos termos dos arts. 40.º e 71.º do CP, não cabe fornecer a medida da pena, mas o limite máximo que em caso algum pode exceder, funcionando como antagonista da prevenção, pois que quaisquer que sejam as necessidades de prevenção, jamais estas poderão superar a medida da culpa.
XII - A culpa fornece, pois, a moldura punitiva de topo, dentro dela actuando as submolduras da prevenção geral e especial, e bem assim todas circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depõem a favor ou contra o agente.
XIII - A este STJ cabem, na medida da individualização concreta da pena, funções de conformação do princípio da proporcionalidade, actuando a proibição de excesso, em face das necessidades dos interesses a proteger, numa intervenção prospectiva, em caso de violação das regras da experiência ou de a pena fixada se revelar desproporcionada, atenta a sua teleologia – cf. Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 197, e Acs. deste STJ de 20-02-2008, Proc. n.º 4639/07, e de 17-04-2008, Proc. n.º 1013/08, ambos desta Secção.
XIV - Tendo em consideração que: -o arguido agiu com dolo directo, vontade consciente de apropriação indevida de coisa alheia e de fazer passar ilegitimamente a nota falsa, ao pagar um abastecimento de valor diminuto de gasolina (€ 5) e recuperar de troco € 45, não desconhecendo o carácter proibido de todo o seu procedimento; -ao nível patrimonial o grau de desvalor da acção é muito reduzido, pois os bens e valores de que se apropriou, pertença do cidadão inglês, foram recuperados por inteiro; o valor de (€ 5) de combustível adquirido a partir da apresentação da nota falsa de € 50, naturalmente que recebendo o diferencial em moeda legalmente cursiva, também nada tem de chocante, ficando a pairar mais a ousadia e a inconsideração por regras fundamentais de convivência comunitária do que propriamente o desfalque patrimonial; -de maior relevo, no entanto, no plano da ilicitude, de contrariedade à lei, avultam o modo de execução do crime de furto, a coberto da noite, iludindo a vigilância do estabelecimento de hotelaria onde estava hospedado com a esposa o inglês DW, entrando no apartamento que ocupavam; da apresentação da nota falsa para pagamento releva mais a ousadia a que antes se aludiu e uma nota de marginalismo à lei, com começo de enraizamento; -o arguido não confessou os factos, antes os negou, possui antecedentes criminais por crime de condução ilegal de viatura e de roubo, por que cumpre, presentemente, pena de (7 anos de) prisão; -revela dificuldades de integração social, tendo trabalhado esporadicamente como empregado de mesa, e recebe visitas dos irmãos e da mãe – não dos pais, como por lapso se escreveu no acórdão recorrido, pois o pai já faleceu, tendo sido assassinado, o que funcionou como factor de perturbação pessoal; apesar de serem prementes as necessidades de prevenção do crime de furto, atenta a sua reiteração e alguma gravidade da passagem de moeda falsa, sendo preocupantes as de prevenção especial do arguido, que evidencia alguma dificuldade em manter conduta lícita, face ao seu passado criminal já assente, no âmbito do crime contra o património e também contra as pessoas, eventualmente ainda de agudizar face ao facto de ter processos pendentes contra si, as medidas concretas das penas não podem manter-se, afigurando-se mais justo e equitativo condenar o arguido, pela prática do crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204.º, n.º 1, al. f), do CP, em 20 meses de prisão, e pela prática do crime de passagem de moeda falsa, p. e p. pelo art. 265.º, n.º 1, al. a), do CP, em 20 meses de prisão; e, em cúmulo, vista a sua personalidade e o conjunto global dos factos praticados, na pena unitária de 3 anos de prisão.
XV - Constitui jurisprudência deste STJ (neste sentido merecendo referência os seus Acs. de 2905-2007, Proc. n.º 1598 /07, e de 10-10-2007, Proc. n.º 3407/07, CJSTJ, tomo 3, pág. 218) ter o tribunal de fundamentar especificamente a concessão ou denegação da suspensão da execução da pena, sob pena de nulidade, nos termos dos arts. 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, de conhecimento oficioso, jurisprudência essa caucionada pelo TC, que já se pronunciou no seu Ac. n.º 61/06, de 18-01, decidindo que são inconstitucionais as normas dos arts. 50.º do CP e 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, do CPP, quando interpretadas no sentido de não imporem a fundamentação quer da concessão quer da denegação.
XVI - Essa medida de carácter reeducativo e pedagógico, de eleição para o combate à pequena e média criminalidade, vantajosa por evitar a fractura com o meio sócio-familiar, profissional e económico, conservando o arguido a sua liberdade, é de rejeitar neste caso, mercê de o arguido não ter enraizados hábitos de trabalho nem quem lhe proporcione meios de subsistência, ter sido já condenado em pena de prisão, que cumpre, e revelar uma «personalidade imatura e falta de estabilidade familiar» (segundo o relatório social constante dos autos), não sendo previsível que, em liberdade, acate, de futuro, a lei, ou seja, que quanto a ele se formulem esperanças fundadas de ressocialização, mostrando-se, em presença dos elementos disponibilizados nos autos, ajustada a pena de prisão, em detrimento da medida substitutiva de suspensão da sua execução.
         Proc. n.º 2487/08 -3.ª Secção Armindo Monteiro (relator) Santos Cabral
 
I -O período experimental destina-se a proporcionar ao empregador que comprove se o trabalhador possui as qualidades e aptidões laborais que procura e ao trabalhador que se certifique de que o trabalho que desenvolve é o que corresponde aos seus interesses e expectativas, antes de a relação laboral se estabilizar.
II - Para fixar o período experimental de duzentos e quarenta dias, nos contratos de trabalho por tempo indeterminado, as expressões «pessoal de direcção» e «quadros superiores», constantes da alínea c) do art. 107.º do Código do Trabalho, não exigem que o trabalhador dirija ou supervisione outros trabalhadores nem que se insira numa organização na qual detenha, em termos hierárquicos, uma posição superior em relação a quaisquer outros elementos da mesma: o que releva é que se averigúe, e que se apure, que o trabalhador exerce funções de maior complexidade técnica, ou que pressupõem mais elevada confiança, mais elevado grau de responsabilidade ou mais especial qualificação do que as dos trabalhadores cujo período experimental é de cento e oitenta dias.
III - Mostra-se conforme àquele normativo legal o período experimental de duzentos e quarenta dias fixado no contrato de trabalho celebrado entre a ré, empresa dedicada ao comércio de motos, e o autor, nos termos do qual este foi contratado com a categoria profissional de “Director comercial”, para organizar e desenvolver todo o serviço de vendas, atender e contactar clientes, gizar planos de inserção e desenvolvimento de mercado e tudo fazer para que a ré viesse a obter um bom nome no mercado em que se insere e a obter quota apreciável nesse mesmo mercado, constatando-se que, efectivamente, o autor, embora sendo o único trabalhador da ré, contactou directamente clientes (concessionários), efectuou vendas, créditos e consignações, diligenciou pela obtenção de contratos de representação e promoveu a inserção da ré no mercado, com lhe competia como director comercial, e gozava de isenção de horário de trabalho, veículo automóvel atribuído pela ré, cartão de crédito desta com um limite mensal de € 1.000,00, e uma remuneração fixa e comissões de cerca de € 4.000,00.
         Alves Cardoso (Relator)* Bravo Serra Mário Pereira
 
I -A qualificação de uma relação jurídica (como contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviço) constituída antes da entrada em vigor do Código do Trabalho, e que se manteve na vigência deste diploma, uma vez que pressupõe um juízo de valoração sobre o facto que lhe deu origem, há-de operar-se à luz do regime anterior, isto é, o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho (LCT), anexo ao Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969.
II - A subordinação jurídica, característica basilar do vínculo laboral e elemento diferenciador do contrato de trabalho, implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de sujeição do trabalhador, cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.
III - A determinação da existência dessa subordinação jurídica e dos seus contornos consegue-se mediante a análise do comportamento das partes e da situação de facto, através de um método de aproximação tipológica, única via a percorrer, na ausência de comportamentos declarativos expressos definidores das condições do exercício da actividade contratada, situação frequente quando se trata de convénios informais.
IV - Os factos reveladores da existência do contrato de trabalho apresentam-se como constitutivos do direito que, com base neles, se pretende fazer valer, pelo que o ónus da prova incumbe a quem os invoca (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
V - Não é de qualificar como de trabalho subordinado a relação jurídica que vigorou entre o autor e a ré, empresa de seguros, durante mais de seis anos, nos termos da qual competia àquele elaborar peritagens de veículos acidentados para a ré seguradora, deslocando-se, para o efeito, diariamente às instalações desta, onde, normalmente, permanecia entre as 8.45h e as 10.00h, recebendo a documentação necessária à realização de peritagens e entregando relatórios de peritagens realizadas no dia anterior, sendo pago em função de cada peritagem, mediante quitação em recibos de “honorários de peritagens” ou em “recibos verdes” e não recebendo retribuição de férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal, sendo que o autor escolhia o número de dias em que pretendia gozar férias, avisando previamente a ré para que ela não contasse com o seu trabalho.
         Recurso n.º 530/08 – 4.ª Secção Vasques Dinis (Relator)* Alves Cardoso Bravo Serra
 
I -O Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril (RLAT) define, no n.º 2 do seu artigo 8.º, a negligência grosseira, para efeito de descaracterização de acidente, como um “comportamento temerário em alto e relevante grau”, expressão que corresponde, segundo a doutrina e a jurisprudência, sedimentadas no domínio da vigência da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, que regulava a matéria, a uma conduta temerária, inútil, indesculpável e de elevado grau de imprudência, ou seja, reprovado pelo mais elementar sentido de prudência.
II - Em geral considera-se temerário, um comportamento perigoso, arriscado, imprudente, audacioso, arrojado intrépido, que não tem fundamento.
III - Não basta a mera circunstância de a conduta do sinistrado integrar uma infracção ao Código da Estrada, ainda que eventualmente qualificável como contra-ordenação grave ou muito grave, para se dar como preenchido o requisito da negligência grosseira que integra a descaracterização do acidente, uma vez que o regime jurídico dos acidentes de trabalho reclama mecanismos diferentes daqueles de que se socorre a legislação rodoviária: sendo aqui mais premente o interesse da prevenção geral – com recurso a presunções de culpa e à punição de meras situações de perigo – jamais se poderá transpor para a sinistralidade laboral os critérios de gravidade adoptados naquela legislação.
IV - Não pode reputar-se de completamente inútil, sem fundamento, e, por isso, não pode dar-se por verificado o pressuposto da exclusão do direito à reparação referido na alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º, da LAT, o comportamento do autor/sinistrado que, circulando num motociclo a cerca de 60 Km/hora, numa via com duas faixas de rodagem, sendo uma destinada, exclusivamente, a transportes públicos, se aproximou de um entroncamento, dotado de semáforos, que exibiam luz vermelha, encontrando-se à sua frente, no mesmo sentido de circulação, parados dois veículos, ocupando a única faixa destinada a veículos de transportes particulares; quando chegou ao entroncamento já os semáforos apresentavam luz verde, tendo o autor ultrapassado aqueles dois veículos pela direita, e, passado a circular na faixa destinada a veículos de transportes públicos, o que deu causa a que o motociclo que conduzia fosse colidir, na referida faixa, com o veículo que, circulando em sentido contrário (e ao qual a primeira viatura que se encontrava parada, no sentido de marcha do autor, cedeu passagem), entrou no entroncamento, virando à esquerda.
         Recurso n.º 605/08 -4.ª Secção Vasques Dinis (Relator) Alves Cardoso Bravo Serra
 
I -A cessação imediata do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador por falta culposa de pagamento pontual da retribuição é, nos termos do artigo 441.º, n.º 1 e 2, alínea a), do Código do Trabalho, um dos casos de resolução do contrato com justa causa e confere o direito ao trabalhador a uma indemnização (por danos patrimoniais e não patrimoniais) a fixar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, tendo-se, outrossim, em conta, se for o caso, proporcionalmente, a fracção de ano (artigo 443.º, n.º 1 e 2).
II - Sendo aquele normativo legal omisso quanto aos critérios a relevar para efeito de fixar, em cada caso concreto, dentro dos limites mínimo e máximo nela estabelecidos, o número de dias que hão-de servir de base de cálculo, a lacuna terá de ser preenchida convocando o que, a respeito da indemnização por despedimento ilícito, estatui o artigo 439.º, n.º 1, do Código do Trabalho, ou seja, mandando atender ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude, este reportado ao comportamento do obrigado a indemnizar que deu causa à cessação do contrato.
III - É equitativa, razoável e adequada a fixação de uma indemnização que tem como parâmetro quantitativo o ponto médio dos limites indicados no art. 443.º, n.º 1 do Código do Trabalho (30 dias) numa situação em que a ré não pagou à autora, que tinha cerca de 37 anos de antiguidade, a retribuição (no valor mensal de € 561,29) a partir de Dezembro de 2004, tendo a resolução do contrato ocorrido em 3 de Março de 2005, constatando-se ainda que face àquele não pagamento, a autora viu-se com dificuldades para fazer face às despesas normais com a sua subsistência, o que lhe provocou muita perturbação emocional.
         Recurso n.º 455/08 -4.ª Secção Vasques Dinis (Relator) Alves Cardoso Bravo Serra
 
I -Não conhece do mérito da causa o acórdão da Relação que, para além de julgar improcedentes os agravos de que conheceu, julga parcialmente procedente a impugnação reportada à decisão que indeferiu a reclamação contra a selecção dos factos assentes e a fixação da base instrutória, anula todos os actos processuais subsequentes, incluindo o julgamento e a sentença, e julga prejudicada a apreciação das restantes vertentes da apelação (impugnação da decisão de facto e impugnação da decisão de direito).
II - Por isso, nos termos dos conjugados artigos 721.º, n.º 1, e 754.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o recurso próprio a interpor desse acórdão é o agravo na 2.ª instância.
III - Para determinar se o recurso próprio é o de revista, apenas importa apurar se a decisão da Relação conheceu do mérito da causa, sendo irrelevante se foi ou não proferida na sequência de anterior recurso de apelação.
IV - Deve considerar-se de mero expediente -por respeitar à tramitação processual, conforme o direito adjectivo aplicável, sendo insusceptível de ofender direitos das partes ou de terceiros -, o despacho do relator que se limita a determinar, nos termos do n.º 1 do art. 704.º, do Código de Processo Civil, que as partes sejam notificadas para se pronunciarem, querendo, sobre a possibilidade de se entender que existem causas impeditivas do conhecimento do recurso, enunciando os fundamentos do sentido da decisão projectada.
V - Os fundamentos do sentido da decisão projectada enunciados naquele despacho do relator não têm autonomia em relação ao mesmo, nem assumem cariz decisório próprio, visando a sua enunciação, tão só, possibilitar às partes o exercício do contraditório.
VI - Por isso, desse despacho não cabe reclamação para a conferência (n.º 3 do art. 700.º do Código de Processo Civil).
VII - Os vícios determinantes da nulidade de qualquer decisão, revista ou não a natureza de sentença, são apenas os indicados, taxativamente, no n.º 1 do art. 668.º do Código de Processo Civil, como flui deste preceito, conjugado com os artigos 666.º, n.º 3, 716.º, n.º 1, 732, 749.º e 762.º, n.º 1, do mesmo diploma legal (aplicável, subsidiariamente, nos processos de natureza laboral, conforme dispõe o art. 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho).
VIII - A admissibilidade do recurso, sempre que este seja aceite apenas com base num fundamento específico previsto no n.º 2 do art. 678.º do Código de Processo Civil, não se basta com a mera invocação, pelo recorrente, desse fundamento: é necessário que concretize o fundamento invocado para que o juiz ou relator se convença de que a indicação é verosímil e séria.
         Recurso n.º 1331/08 -4.ª Secção Pinto Hespanhol (Relator)* Vasques Dinis Bravo Serra
 
I -Considera-se “trabalhador à procura de primeiro emprego”, para os efeitos constantes da alínea h), do n.º 1, do art. 41.º da LCCT, o trabalhador que nunca prestou trabalho subordinado sem termo, sendo irrelevante, para tanto, que o trabalhador seja, ou não, jovem.
II - Este conceito não foi alterado pela legislação posterior atinente à politica de emprego, designadamente pelos DL n.º 89/95, de 6 de Maio, n.º 34/96, de 18 de Abril, e n.º 132/99, de 21 de Abril, e pela Portaria n.º 196-A/2001, de 10 de Março.
III - A referida expressão, “trabalhador à procura de primeiro emprego”, factualizada com a indicação de que o contratado nunca antes o fora por tempo indeterminado, representa uma específica situação de facto, que há-de entender-se como suficientemente adequada, no âmbito da concretização do motivo.
IV - Cabe ao trabalhador produzir a declaração de que nunca prestou trabalho por tempo indeterminado, sendo que o respectivo documento, posto que reconhecida a sua autoria, faz prova plena de que tal declaração foi emitida (art. 376.º do CC).
V - A noção de “crédito” utilizada no art. 38.º da LCT, não se circunscreve às “prestações pecuniárias”, abrangendo ainda todos os seus direitos pessoais que decorram do vínculo contratual a que se dirigir a prescrição, isto é, todos os tipos de direitos sobre os quais exista contencioso entre as partes.
VI - A eventual prescrição dos créditos resultantes de dois contratos de trabalho a termo, celebrados entre as partes, não afasta a necessidade de ponderação do clausulado dos mesmos na análise da fundamentação aposta num contrato posterior, para a qualificação, ou não, do trabalhador como “jovem à procura de primeiro emprego”.
         Recurso n.º 1159/08 -4.ª Secção Sousa Grandão (Relator)* Pinto Hespanhol Vasques Dinis
 
I -A coligação voluntária activa pressupõe a dualidade ou pluralidade de relação jurídicas: por isso se compreende que o requisito basilar da coligação seja a dedução de “pedidos diferentes” (artigo 30.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
II - A coligação não afasta a autonomia de cada um dos pedidos, sucedendo apenas que os demandantes se juntam para fazer valer a sua própria pretensão no mesmo processo, prosseguindo objectivo idêntico àquele que seria alcançado pela apensação de acções, que constitui uma realidade processual substancialmente idêntica.
III - Nestes casos, o valor atendível para efeitos de recurso não corresponde ao valor da causa, mas antes ao valor dos pedidos deduzidos individualmente por cada um dos autores/coligantes.
IV - O STJ, funcionando estruturalmente como tribunal de revista, só aprecia, em princípio, matéria de direito (artigo 26.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro), cabendo-lhe aplicar definitivamente, aos factos fixados pelas instâncias, o regime jurídico que repute adequado.
V - Os poderes que o STJ possui em matéria de facto -artigos 722.º, n.º 2 e 729.º, n.º 2, do Código de Processo Civil -, circunscrevem-se às situações em que o tribunal recorrido tenha violado uma regra de direito probatório material (disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova).
VI - A arguição de nulidades da sentença, ou de acórdão da Relação, por força do disposto no artigo 716.º, do Código de Processo Civil, há-de ser feita, de forma autonomizada, no próprio requerimento de interposição do recurso. VII- Isto, porquanto a celeridade e a economia processual constituem preocupação dominante no âmbito das leis regulamentadoras do processo de trabalho e, por aquela via, permite-se ao juiz recorrido que se aperceba de uma forma mais rápida e clara, da censura produzida,possibilitando-lhe o eventual suprimento das nulidades invocadas.
VIII - Por isso, é intempestiva, não sendo de conhecer das nulidades do acórdão da Relação invocadas apenas na fase alegatória de recurso de revista, constatando-se que o requerimento de interposição do recurso (de revista) anteriormente apresentado era totalmente omisso sobre a arguição das nulidades em causa.
IX - A falta culposa de pagamento pontual da retribuição na forma devida constitui fundamento para justa causa de rescisão do contrato pelo trabalhador, conferindo-lhe o direito a uma indemnização a calcular nos termos previstos no artigo 13.º, n.º 3, da LCCT (artigos 35.º, n.º 1 e 36.º, do mesmo diploma legal).
X - Para atender à existência de justa causa não basta a mera verificação material de algum comportamentos plasmados no artigo 35.º, n.º 1, da LCCT: para além disso, deve o tribunal atender ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que, no caso, se mostrem relevantes, ponderando-se se, em face delas é de concluir, ou não, pela impossibilidade imediata e prática da subsistência da relação de trabalho.
XI - Configura justa causa de rescisão do contrato, efectuado pelas autoras (duas) em 15 de Setembro de 2003, o não pagamento da retribuição respectiva referente a Agosto de 2003, bem como o subsídio de férias desse ano, sendo certo que o valor da remuneração mensal era, respectivamente, de € 1280,00 e € 977,00, e as autoras já vinham recebendo a retribuição com atraso há vários meses
         Recurso n.º 714/08 -4.ª Secção Sousa Grandão (Relator) Pinto Hespanhol Vasques Dinis
 
I -Da alteração unilateral por parte da entidade empregadora da estrutura remuneratória do trabalhador não pode resultar a diminuição da sua retribuição base, ainda que o valor da retribuição global se mantenha inalterado.
II - Da fusão de empresas não pode resultar a baixa da categoria profissional dos trabalhadores.
III - Não pode ser julgado procedente o pedido de reconhecimento de uma categoria profissional que não está prevista no instrumento de regulamentação colectiva aplicável.
IV - A vantagem patrimonial que o trabalhador retira da utilização, na sua vida privada, durante os 365 dias do ano, do veículo automóvel que lhe foi atribuído pela empresa por causa das suas funções não constitui uma prestação remuneratória, se tal utilização resulta de uma mera tolerância da entidade empregadora.
V - Também não assume natureza retributiva a utilização pelo trabalhador do telemóvel e do cartão de crédito que lhe foram atribuídos unicamente por razões de serviço.
         Recurso n.º 1031/08 -4.ª Secção Sousa Peixoto (Relator)* Sousa Grandão Pinto Hespanhol
 
I -O Supremo Tribunal de Justiça não pode, em regra (ressalvadas as excepções previstas no nº 2 do artigo 722º do Código de Processo Civil), alterar a matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido, estando-lhe vedado sindicar o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa em que eventualmente tenha incorrido aquele tribunal.
II - Resultando dos factos apurados pelas instâncias – sobre os quais o Supremo não pode exercer censura –, em síntese, que o A. é portador de HIV positivo, que esta é uma doença infectocontagiosa crónica que o torna inapto para o exercício das funções de cozinheiro, dado ter de manipular alimentos e de utilizar objectos cortantes e que o vírus respectivo existe no sangue, saliva, suor e nas lágrimas e pode ser transmitido no caso de haver derrame dos mesmos sobre alimentos servidos em cru consumidos por quem tenha na boca uma ferida mucosa de qualquer espécie, é de entender que se verifica uma impossibilidade superveniente (porque surgida posteriormente à contratação do A.) e definitiva de o A. prestar à R. as suas funções de cozinheiro.
III - O art. 151.º do Código do Trabalho consagra um direito (faculdade) do empregador de impor ao trabalhador o exercício de funções afins ou funcionalmente ligadas à actividade contratada, não se vislumbrando possível extrair dele a consagração do dever do empregador de atribuir tais funções afins ou funcionalmente ligadas às contratadas, nem a obrigação de o empregador criar um posto de trabalho que não tenha a ver com a actividade contratada ou de que não precise – v.g., por ter trabalhador a exercer as respectivas funções – para ocupar o trabalhador que se incapacitou, em termos supervenientes e definitivos e por facto totalmente alheio à sua actividade profissional.
IV - Neste quadro, é de considerar que o contrato de trabalho que vinculava as partes, e no contexto do qual o autor exercia as funções de cozinheiro, caducou nos termos do artigo 387º, alínea b) do CT, por se verificar a “impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho”.
V - Não reveste natureza conclusiva a resposta fáctica dada pelas instâncias de que, no hotel do empregador, “todas as funções estão preenchidas por pessoal especificamente formado, não existindo vagas cujas funções possam ser atribuídas ao autor”.
VI - A interpretação dos preceitos legais referidos nas proposições I) a IV), nos termos nelas enunciados, não incorre em violação dos artigos 13.º, 25.º, 26.º, 53.º e 58.º da Constituição da República.
VIII - Não afronta o princípio constitucional da igualdade a decisão que apreciou a factualidade provada (sem a poder alterar), enquadrando-a na previsão da al. b) do artigo 387º do CT, e concluiu pela verificação de uma situação de caducidade do contrato de trabalho, sem a mínima manifestação de discriminação em relação ao A. pelo facto de ser portador de HIV, apenas assim concluindo por se ter entendido que, no caso concreto e de acordo com a factualidade provada, tal afecção ditava a referida impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho.
IX - Nenhuma discriminação desfavorável se fez aí ao A., em função da sua doença, em relação a outros trabalhadores, portadores ou não de igual ou diferente doença, e também eles impossibilitados, nos termos da citada alínea b), de prestar o trabalho aos respectivos empregadores.
         Recurso n.º 3793/07 -4.ª Secção Mário Pereira (Relator)* Sousa Peixoto Sousa Grandão
 
I -O direito às prestações por morte de um beneficiário da Segurança Social, não casado ou separado judicialmente de pessoas e bens, depende, para além da alegação e prova da convivência com o mesmo, em situação análoga à dos cônjuges, há mais de dois anos (tendo em conta a data da morte), da alegação e prova, também por banda do requerente, de estar carenciado de alimentos e de os não poder obter, quer da herança do falecido, quer dos familiares elencados no art. 2009.º do CC.
II - Incumbe ao requerente o ónus da prova de tais requisitos, que são -todos eles -elementos constitutivos do seu arrogado direito, sejam eles factos positivos ou negativos.
III - Não justificando, em princípio, a inversão de tal ónus, a eventual maior dificuldade da sua prova.
IV - Sucedendo que, na falta de prova de qualquer um doa aludidos requisitos, a acção terá que improceder.
         Revista n.º 2475/08 -2.ª Secção Serra Baptista (Relator) * Duarte Soares Santos Bernardino
 
I -A determinação da culpa e a sua graduação constituem matéria de direito quando tal forma de imputação subjectiva se fundamenta na violação ou na inobservância de deveres jurídicos prescritos em normas jurídicas, estando, assim, sujeitas à censura do STJ.
II - Sendo o seguro facultativo (no caso, celebrado sob a égide da Apólice Uniforme do Ramo Automóvel, aprovada pela Norma n.º 29/79, de 29-10, do Instituto Nacional de Seguros) complementar do seguro obrigatório (art. 6.º do DL n.º 522/85, de 31-12), podem as partes, por sua livre vontade -ou por imposição de outrem, como uma locadora, por exemplo -, completar a cobertura dos diferentes danos que ficam de fora do seguro obrigatório, sendo o mesmo um simples seguro de danos.
III - Ao julgar a apelação, a Relação não pode alterar a forma de contagem dos juros de mora (da data da citação para a da decisão) no caso de a mesma não ter sido impugnada na apelação, por tal estar a coberto do trânsito em julgado.
IV - As indemnizações fixadas pelos mesmos danos não se podem somar, não podendo a autora receber da seguradora laboral e das restantes seguradoras duplicação de indemnização, a fim de não ficar injustamente enriquecida.
V - Porém, não tendo sido suscitada no recurso tal questão (da duplicação de indemnizações) nem sendo a mesma de conhecimento oficioso, não pode a Relação, sob pena de nulidade (art. 668.º, n.º 1, al. d), do CPC), deduzir ao montante indemnizatório a quantia alegadamente recebida pela autora da seguradora a título de indemnização laboral.
VI - Tal não obsta, porém, a que as partes, e se for caso disso, por si mesmas regularizem os montantes indemnizatórios a pagar à autora por forma a que esta não receba por duas vezes a quantia que da seguradora laboral, para pagamento dos mesmos danos, que efectiva e eventualmente já recebeu.
VII - O lesado que, em consequências das lesões sofridas num acidente de viação, fica a padecer de determinada IPP tem direito a indemnização por danos futuros, desde que sejam previsíveis, i.e., sejam certos ou suficientemente prováveis, como é o caso da perda da capacidade produtiva por banda de quem trabalha ou o maior esforço que, por via da lesão e das suas sequelas, terá que passar a desenvolver para desenvolver os mesmos resultados.
VIII - A incapacidade permanente é de per si um dano patrimonial indemnizável, pela incapacidade em que o lesado se encontra na sua situação física, quanto à sua resistência e capacidade de esforços.
IX - A quantificação da indemnização devida a título de danos futuros em consequência da incapacidade permanente deve basear-se nas seguintes ideias: a indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extinguirá no período provável da sua vida; no cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, implicando o relevo devido às regras de experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável; as tabelas financeiras por vezes utilizadas para o alcance da indemnização devida têm sempre mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo a devida ponderação judicial com base na equidade; deve sempre ponderar-se que a indemnização devida será sempre paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, e, assim, considerando-se esses proveitos, deverá introduzir-se um desconto no valor achado (25%, na esteira da jurisprudência francesa), sob pena de se verificar um enriquecimento abusivo à custa de outrem (o que estará contra a finalidade da indemnização arbitrada); deve ter-se preferencialmente em conta a esperança média de vida da vítima, atingindo actualmente a das mulheres os 80 anos.
X - Não existe nenhuma norma no ordenamento jurídico nacional que impeça a atribuição a título de danos não patrimoniais, para compensação das graves lesões, dores e sequelas de que a autora ficou a padecer em consequência do acidente para o qual em nada contribuiu, de uma indemnização superior à que se atribuiria ao dano morte.
         Revista n.º 1857/08 -2.ª Secção Serra Baptista (Relator) Duarte Soares Santos Bernardino
 
I -A causa de pedir nas acções de investigação de paternidade é constituída pelo acto gerador, competindo à mãe do menor, na falta de presunção legal, alegar e fazer a prova de que, no período legal de concepção, só com o investigado manteve relações sexuais de cópula completa.
II - Provando a mãe do menor que com o investigado manteve relações sexuais durante o período legal de concepção, presume-se a paternidade do mesmo, o qual, todavia, pode ilidir tal presunção com base em dúvidas sérias que possa suscitar.
III - Devolvendo-se, nesse caso, ao autor o ónus da prova da exclusividade do relacionamento sexual durante o período legal de concepção.
IV - Podendo hoje provar-se a paternidade biológica por meio científico (art. 1801.º do CC), a recusa a exame hematológico pelo autor requerida, por banda do investigado, sem justificação, faz inverter o ónus da prova a cargo daquele demandante.
         Revista n.º 1827/08 -2.ª Secção Serra Baptista (Relator) * Duarte Soares Santos Bernardino
 
I -A decisão da matéria de facto baseada nos meios de prova livremente apreciáveis pelo julgador (como a testemunhal, por exemplo) excede o âmbito do recurso de revista (arts. 655.º e 722.º, n.º 2, do CPC) II -O documento autêntico só faz prova plena quanto aos factos que refere como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como quanto aos factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora.
III - Os restantes factos, como a veracidade ou validade das declarações emitidas pelos outorgantes, estão sujeitos à livre apreciação do julgador (art. 371.º do CC).
IV - Em princípio, é inadmissível a prova testemunhal dos factos da reserva mental, quando invocada pelas partes (arts. 242.º, n.º 2, 392.º e 394.º, n.º 2, do CC).
V - Porém, existindo princípio de prova documental, é lícito o recurso à prova testemunhal para interpretar o contexto dos documentos que titulam a reserva mental e para completar a prova documental existente, contribuindo, assim, quer para interpretar os mesmos quer para os integrar (art. 394.º, n.º 2, do CC, interpretado restritivamente).
VI - A presunção prescrita pelo art. 674.º-B do CPC funciona apenas no caso da absolvição se basear na prova de factos impeditivos do efeito dos factos constitutivos que, de outro modo, levariam à condenação.
VII - Tal presunção não se constituirá se, em processo penal, os factos resultarem apenas como não provados, designadamente por dúvidas do julgador.
         Revista n.º 1711/08 -2.ª Secção Serra Baptista (Relator) Duarte Soares Santos Bernardino
 
I -Não é admissível recurso para o STJ do acórdão da Relação que, revogando o saneador-sentença que conhecera do mérito da causa, ordena o prosseguimento do processo, com elaboração da especificação e do questionário.
II - Decide do mérito da causa o despacho saneador que julga da procedência ou improcedência de alguma excepção peremptória, estando a caducidade nesta incluída (arts. 691.º, n.º 2, e 493.º, n.º 3, do CPC).
         Revista n.º 1257/08 -2.ª Secção Serra Baptista (Relator) Duarte Soares Santos Bernardino
 
I -Os documentos são meios de prova: têm por função a demonstração da realidade dos factos (art. 524.º do CPC).
II - Os documentos que devem ser apresentados pelas partes e juntos aos autos são os destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa.
III - Em regra, os documentos devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes (art. 523.º, n.º 1, do CPC); podem, todavia, ser apresentados até ao encerramento da discussão em 1.ª instância (art. 523.º, n.º 2, do CPC) ou na fase recursiva (art. 524.º do CPC).
IV - Em sede de recurso só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, devendo a parte que pretenda valer-se de tal faculdade demonstrar que não teve a possibilidade de apresentar o documento até ao termo da discussão, seja porque ele se formou depois deste momento, seja porque só a partir de tal instante teve conhecimento da existência do documento, seja porque só após o encerramento da discussão pôde dispor do documento.
V - No caso da apelação, as partes podem juntar às alegações os documentos cuja junção não tenha sido possível até ao encerramento da discussão, nos termos sobreditos, e os destinados a fazer prova dos factos posteriores aos articulados ou cuja junção apenas se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância (art. 706.º do CPC).
         Revista n.º 1804/08 -2.ª Secção Santos Bernardino (Relator) Bettencourt de Faria Pereira da Silva
 
I -A garantia autónoma é uma figura jurídica destinada a proteger o credor contra o risco de incumprimento por parte do devedor, sendo uma medida de protecção mais forte do que a fiança, na medida em que arreda da sua disciplina o princípio da acessoriedade, que constitui o traço característico desta; a garantia autónoma acha-se inteiramente desligada da relação principal, não podendo o garante opor ao beneficiário as excepções a esta respeitantes.
II - Na garantia autónoma a obrigação assumida pelo garante funda-se na responsabilidade objectiva, é autónoma e independente, e não se molda sobre a obrigação de prestar ou de indemnizar do devedor do contrato base, nem quanto ao objecto nem quanto aos pressupostos da sua exigibilidade.
III - Há garantias autónomas simples e garantias autónomas automáticas, nestas últimas se inserindo a garantia de pagamento à primeira interpelação (“on first demand”), em que o garante é, em princípio, ao primeiro pedido do beneficiário, obrigado a pagar imediatamente, sem contestação, sem poder exigir a prova da inadimplência do devedor garantido e mesmo com a eventual oposição deste.
IV - O seguro-caução não é uma garantia autónoma, que tenha o efeito de operar a transferência, para a seguradora, da responsabilidade da locatária Empresa-B, assumida no contrato de locação financeira, em termos de esta ficar totalmente exonerada das obrigações contraídas no dito contrato -é antes uma garantia simples, funcionalmente equivalente a uma garantia especial das obrigações, e que não exclui, por isso, a responsabilidade do devedor da obrigação (no caso, a Empresa-B) a garantir perante o respectivo credor: esta responsabilidade subsiste.
V - Por isso, verificado o incumprimento do contrato de locação financeira, por parte da Empresa-B, não pode questionar-se o direito da autora (locadora financeira), fundado na lei e no clausulado contratual, a resolver o aludido contrato. Assim, a restituição do veículo objecto do contrato de locação financeira, pela Empresa-B ou por outro detentor à locadora, é uma consequência natural e legal da resolução do contrato, tendo também apoio no art. 24.º, al. f), do DL n.º 171/79, em vigor à data da celebração do contrato.
VI - Não obstante poder a autora, accionando o seguro-caução, obter o pagamento das rendas trimestrais devidas pela Empresa-B, daí não resultava, sem mais, a aquisição, por esta, do direito de propriedade sobre o veículo; tal só sucederia se a Empresa-B exercesse, nas condições acordadas, a opção de compra, efectuando o pagamento do valor residual.
VII - Tal opção pressupunha o termo do contrato de locação, com o pagamento de todas as suas prestações, ou seja, o cumprimento do contrato pela locatária, não sendo de admitir quando, desde muito antes, a Empresa-B deixara de o cumprir, não pagando as rendas respectivas.
VIII - Ordenada a restituição do veículo, em procedimento cautelar de entrega judicial e cancelamento de registo, previsto para o contrato de locação financeira no art. 21.º do DL n.º 149/95, de 24-06, o locador pode logo dispor dele. Mas a instauração do procedimento e o decretamento da providência não dispensa o requerente de propor a respectiva acção, com vista à posterior confirmação do direito no âmbito de um processo dotado de um contraditório mais alargado e propiciador de maior certeza.
IX - Não se achando provado que a locadora se obrigou a não resolver o contrato, em caso de incumprimento deste pela Empresa-B, e a optar por accionar o seguro-caução, não é ilegítimo nem abusivo, nem excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, o exercício, pela dita locadora, do direito de resolução do contrato de locação financeira sem o prévio accionamento do contrato de seguro-caução.
         Revista n.º 1718/08 -2.ª Secção Santos Bernardino (Relator) * Bettencourt de Faria Pereira da Silva
 
I -É de desentranhar o documento (superveniente) junto aos autos pela parte depois de ter sido ordenada a inscrição em tabela do processo para julgamento.
II - A expressão “preço devido” significa o preço efectivamente pago pelo adquirente ao alienante.
         Revista n.º 741/08 -2.ª Secção Rodrigues dos Santos (Relator) João Bernardo Oliveira Rocha
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