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    Sumários do STJ (Boletim) -
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ACSTJ de 25-09-2008
 Concurso de infracções Conhecimento superveniente Cúmulo jurídico Pena de prisão Desconto Insuficiência da matéria de facto Pena única Medida concreta da pena Fundamentação Pena cumprida, prescrita ou extinta Pena suspensa Caso julgado Suspens
I -A circunstância de o tempo de prisão já sofrido pelo recorrente não ter sido abordado nem incluído na decisão de cúmulo jurídico de penas, embora constituindo uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (vício decisório previsto no art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP), não reverte em decisão de reenvio quando, como é o caso, os autos fornecem os elementos necessários e suficientes para a plena integração da questão, emergindo todos eles de documentos autênticos (certidões) constantes do processo. Este ponto é crucial, atenta a redacção conferida ao art. 80.º, n.º 1, do CP pela Lei 59/2007, de 04-09, em conexão com o desconto já expresso no art. 78.º, n.º 1, do mesmo Código.
II - No que concerne à determinação concreta da pena do concurso de crimes deve ter-se em consideração a existência de um critério especial, o que obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena única (Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, § 420, pág. 291), cuja inobservância determinará, de acordo com a jurisprudência maioritária, a nulidade da decisão cumulatória, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP.
III - Como se extrai do Ac. do STJ de 20-02-2008, Proc. n.º 4733/07 -3.ª, a fundamentação no caso de concurso de infracções afasta-se da prevista, em termos gerais, no art. 374.º, n.º 2, do CPP, tudo se resumindo a uma especial e imprescindível fundamentação, onde avultam, na fixação da pena unitária, a valoração, em conjunto, dos factos, enquanto “guia”, e a personalidade do agente, mas sem o rigor e a extensão pressupostos nos factores de fixação da pena previstos no art. 71.º do CP – cf., em idêntico sentido, o Ac. de 09-04-2008, Proc. n.º 1125/08 -5.ª.
IV - Numa situação em que o acórdão recorrido não se limitou a enunciar as condenações, os tipos de crime, as penas aplicadas, as datas de comissão dos ilícitos e das decisões e dos trânsitos, não deixando de consignar ainda, ao tratar do enquadramento jurídico e medida da pena, que «são modestas as condições económicas e sociais deste arguido, tal como o é o seu nível cultural (…); a personalidade manifestada por tal arguido nos factos e no seu grau de culpa, a sua maturidade demonstrada na execução dos crimes e a sua desinibição, apesar da sua idade ainda jovem; (…) as fortes exigências (…) de prevenção especial, ante a personalidade manifestada pelo arguido, surpreendendo-se já alguma tendência para este tipo grave de criminalidade», deixando expresso, a final, ter ponderado «as condições pessoais e familiares deste arguido», cumpriu o dever de fundamentação no que respeita à apreciação conjunta dos factos e da personalidade do agente, não havendo, assim, falta de fundamentação por carência de factos atinentes à caracterização da personalidade do arguido, e não se configurando a nulidade do acórdão recorrido, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, por referência ao art. 374.º, n.º 2, do mesmo diploma legal.
V - A nova redacção do art. 78.º, n.º 1, do CP, introduzida pela Lei 59/2007, de 04-09 – com a supressão do trecho «mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta» –, estabelece que o conhecimento superveniente de novo crime que se integre no concurso não exclui, antes passou a abranger, as penas já cumpridas, prescritas ou extintas, procedendo-se ao desconto da pena já cumprida (neste sentido se pronunciava alguma jurisprudência, como, por exemplo, os Acs. do STJ de 24-05-2000, CJSTJ, 2000, tomo 2, pág. 204, e de 30-05-2001, CJSTJ, 2001, tomo 2, pág. 211; em sentido oposto, o Ac. de 09-02-2005, CJSTJ, 2005, tomo 1, pág. 194).
VI - E a suspensão da execução da pena de prisão não constitui óbice à sua integração em cúmulo jurídico de penas aplicadas a crimes ligados entre si pelo elo da contemporaneidade, não seccionada por condenação pela prática de qualquer deles.
VII - Não é líquida a questão da formação de uma pena única em caso de conhecimento superveniente do concurso, que pressuponha a revogação de penas suspensas na sua execução aplicadas por decisões condenatórias transitadas em julgado.
VIII - Uma corrente defende que não é possível a anulação desta pena com o fim de a incluir no cúmulo a efectuar, atendendo a que a pena suspensa é uma pena de substituição, autónoma face à pena de prisão substituída, uma verdadeira pena e não uma forma de execução de uma pena de prisão, antes tendo a sua execução regulamentação autónoma – cf. sustentado parecer formulado pelo MP neste Supremo Tribunal no processo decidido em 06-10-2005, no qual veio a ser elaborado o acórdão do TC n.º 3/2006, podendo ver-se neste sentido os Acs. do STJ de 02-06-2004, CJSTJ, 2004, tomo 2, pág. 217; de 06-10-2004, Proc. n.º 2012/04; de 20-04-2005, Proc. n.º 4742/04; da Relação do Porto de 12-02-1986, CJ, 1986, tomo 1, pág. 204; e, na doutrina, Nuno Brandão, em comentário ao Ac. do STJ de 03-072003, na RPCC, 2005, n.º 1, págs.117-153.
IX - A posição predominante é no sentido da inclusão da pena suspensa, defendendo-se que a “substituição” deve entender-se, sempre, resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso, e que o caso julgado se forma quanto à medida da pena e não quanto à sua execução.
X - Figueiredo Dias (Direito Penal Português, Parte Geral, II – As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, §§ 409, 419 e 430) defende que quando uma pena parcelar de prisão tenha sido suspensa na sua execução, «torna-se evidente que para efeito de formação da pena conjunta relevará a medida da prisão concretamente determinada e que porventura tenha sido substituída», que «de todo o modo, determinada a pena conjunta, e sendo de prisão, então sim, o tribunal decidirá se ela pode legalmente e deve político-criminalmente ser substituída por pena não detentiva», e que não pode recusar-se, em caso de conhecimento superveniente do concurso, «a valoração pelo tribunal da situação de concurso de crimes, a fim de determinar se a aplicação de uma pena de substituição ainda se justifica do ponto de vista das exigências de prevenção, nomeadamente da prevenção especial».
XI - Paulo Dá Mesquita (O Concurso de Penas, págs. 95-98) concorda com a orientação dominante na jurisprudência dos tribunais superiores em atenção à natureza das penas cuja execução foi suspensa, defendendo não existir obstáculo ao cúmulo de uma pena de prisão cuja suspensão foi suspensa com uma outra qualquer pena de prisão.
XII - Na jurisprudência dos Tribunais Superiores a orientação dominante é no sentido da integração da pena suspensa no cúmulo, como se pode ver, designadamente, dos seguintes acórdãos do STJ: de 04-03-2004, Proc. n.º 3293/03 -5.ª; de 22-04-2004, CJSTJ, 2004, tomo 2, pág. 172; de 02-12-2004, Proc. n.º 4106/04; de 21-04-2005, Proc. n.º 1303/05; de 27-04-2005, Proc. n.º 897/05; de 05-05-2005, Proc. n.º 661/05; de 09-11-2006, Proc. n.º 3512/06 -5.ª, CJSTJ, 2006, tomo 3, pág. 226; de 29-11-2006, Proc. n.º 3106/06 -3.ª; de 0310-2007, Proc. n.º 2576/07 -3.ª; de 27-03-2008, Proc. n.º 411/08 -5.ª.
XIII - Como vem sendo jurisprudência firme do STJ, a pena suspensa pode ser englobada num concurso de infracções com outras penas, suspensas ou efectivas, decidindo o tribunal do cúmulo, após apreciação em conjunto dos factos e da personalidade do agente, se a pena conjunta deve ou não ser suspensa, pois só faz sentido colocar a questão da suspensão em relação à pena conjunta. Por isso, não será pelo facto de terem sido suspensas originariamente e de ainda não terem sido revogadas tais suspensões que essas penas serão excluídas do cúmulo – cf. Ac. do STJ de 06-10-2005, sobre o qual incidiu a apreciação do TC que, no Ac. n.º 3/2006, de 03-01-2006 (in DR, II Série, de 07-02-2006), decidiu não julgar inconstitucionais as normas dos arts. 77.º, 78.º e 56.º, n.º 1, do CP, interpretadas no sentido de que, ocorrendo conhecimento superveniente de uma situação de concurso de infracções, na pena única a fixar pode não ser mantida a suspensão da execução de penas parcelares de prisão, constante de anteriores condenações.
XIV - Esclarece o TC, nesse aresto, que se trata da «solução que, na perspectiva do legislador corresponde ao critério da culpa e às preocupações de prevenção em que se funda o sistema punitivo, cuja lógica obedece a dois vectores: -no caso de conhecimento superveniente do concurso, tudo se deve passar como se passaria se o conhecimento tivesse sido contemporâneo; -mas a decisão sobre a suspensão da pena deve atender à situação do condenado no momento da última decisão e sempre reportada à pena única; e, a respeito do caso julgado, salienta-se que, na lógica do sistema, tanto não viola o caso julgado a não manutenção, na pena única, de suspensão de penas parcelares, como a suspensão total da pena única, mesmo que nela confluam penas parcelares de prisão efectiva». XV- Na concretização desta última proposição pode ver-se o Ac. deste STJ de 10-10-2001 (CJSTJ, 2001, tomo 3, pág. 189), onde se decidiu: «Apesar de ter transitado em julgado o despacho que revogou a suspensão da execução de uma pena, é admissível suspender-se a execução da pena única resultante da reformulação de cúmulo jurídico em que aquela se integra».
Proc. n.º 2891/08 -3.ª Secção Raul Borges (relator) Fernando Fróis 5.ª Secção
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