ACSTJ de 23-09-2008
Contrato de locação financeira Garantia autónoma Seguro-caução Resolução do contrato Restituição do veículo Opção de compra Abuso de direito Litigância de má fé
I -A garantia autónoma é uma figura jurídica destinada a proteger o credor contra o risco de incumprimento por parte do devedor, sendo uma medida de protecção mais forte do que a fiança, na medida em que arreda da sua disciplina o princípio da acessoriedade, que constitui o traço característico desta; a garantia autónoma acha-se inteiramente desligada da relação principal, não podendo o garante opor ao beneficiário as excepções a esta respeitantes. II - Na garantia autónoma a obrigação assumida pelo garante funda-se na responsabilidade objectiva, é autónoma e independente, e não se molda sobre a obrigação de prestar ou de indemnizar do devedor do contrato base, nem quanto ao objecto nem quanto aos pressupostos da sua exigibilidade. III - Há garantias autónomas simples e garantias autónomas automáticas, nestas últimas se inserindo a garantia de pagamento à primeira interpelação (“on first demand”), em que o garante é, em princípio, ao primeiro pedido do beneficiário, obrigado a pagar imediatamente, sem contestação, sem poder exigir a prova da inadimplência do devedor garantido e mesmo com a eventual oposição deste. IV - O seguro-caução não é uma garantia autónoma, que tenha o efeito de operar a transferência, para a seguradora, da responsabilidade da locatária Empresa-B, assumida no contrato de locação financeira, em termos de esta ficar totalmente exonerada das obrigações contraídas no dito contrato -é antes uma garantia simples, funcionalmente equivalente a uma garantia especial das obrigações, e que não exclui, por isso, a responsabilidade do devedor da obrigação (no caso, a Empresa-B) a garantir perante o respectivo credor: esta responsabilidade subsiste. V - Por isso, verificado o incumprimento do contrato de locação financeira, por parte da Empresa-B, não pode questionar-se o direito da autora (locadora financeira), fundado na lei e no clausulado contratual, a resolver o aludido contrato. Assim, a restituição do veículo objecto do contrato de locação financeira, pela Empresa-B ou por outro detentor à locadora, é uma consequência natural e legal da resolução do contrato, tendo também apoio no art. 24.º, al. f), do DL n.º 171/79, em vigor à data da celebração do contrato. VI - Não obstante poder a autora, accionando o seguro-caução, obter o pagamento das rendas trimestrais devidas pela Empresa-B, daí não resultava, sem mais, a aquisição, por esta, do direito de propriedade sobre o veículo; tal só sucederia se a Empresa-B exercesse, nas condições acordadas, a opção de compra, efectuando o pagamento do valor residual. VII - Tal opção pressupunha o termo do contrato de locação, com o pagamento de todas as suas prestações, ou seja, o cumprimento do contrato pela locatária, não sendo de admitir quando, desde muito antes, a Empresa-B deixara de o cumprir, não pagando as rendas respectivas. VIII - Ordenada a restituição do veículo, em procedimento cautelar de entrega judicial e cancelamento de registo, previsto para o contrato de locação financeira no art. 21.º do DL n.º 149/95, de 24-06, o locador pode logo dispor dele. Mas a instauração do procedimento e o decretamento da providência não dispensa o requerente de propor a respectiva acção, com vista à posterior confirmação do direito no âmbito de um processo dotado de um contraditório mais alargado e propiciador de maior certeza. IX - Não se achando provado que a locadora se obrigou a não resolver o contrato, em caso de incumprimento deste pela Empresa-B, e a optar por accionar o seguro-caução, não é ilegítimo nem abusivo, nem excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, o exercício, pela dita locadora, do direito de resolução do contrato de locação financeira sem o prévio accionamento do contrato de seguro-caução.
Revista n.º 1718/08 -2.ª Secção Santos Bernardino (Relator) * Bettencourt de Faria Pereira da Silva
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