Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) -
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ACSTJ de 25-09-2008
 Responsabilidade civil emergente de crime Indemnização Direito a alimentos Direito à vida Danos patrimoniais Perda da capacidade produtiva Equidade Casamento Regime de comunhão de adquiridos Danos não patrimoniais
I -Toma-se por dado adquirido doutrinal e jurisprudencialmente o de que os arts. 495.º e 496.º do CC (respectivamente em sede de danos patrimoniais e não patrimoniais) consagram no domínio da responsabilidade civil extracontratual uma excepção ao princípio de que o detentor do direito à indemnização é o próprio portador do direito violado.
II - Na esteira de tal entendimento, que se perfilha, considera-se que o direito de indemnização na titularidade das pessoas a que se refere aquele normativo é um direito próprio que só depende do facto de elas assumirem a posição de poderem exigir alimentos à vítima da lesão de morte (Ac. do STJ de 16-04-1974, BMJ 236.º/138). O normativo em causa consagra, assim, e a título excepcional, um direito indemnizatório dos que podiam exigir alimentos ao lesado, ou daqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural. O nascimento de tal direito na sua esfera jurídica está dependente de existir a possibilidade legal do exercício do direito aos alimentos, e mesmo que não estejam a receber da vítima qualquer prestação alimentar por carência efectiva dela. Ou seja, no caso vertente, atento o disposto no art. 2009.º do CC, conclui-se que os demandantes têm direito a indemnização pelos danos que eles próprios tenham sofrido em consequência do óbito de seu marido e pai.
III - O óbito do lesado provoca sempre, no próprio momento em que se verifica, para além do dano consistente na perda do bem da vida, um dano patrimonial, também indemnizável, que se traduz na perda da capacidade produtiva pelo tempo de vida que previsivelmente lhe restaria, dano esse cujo valor só pode ser aferido tendo em conta o próprio rendimento susceptível de ser produzido mediante a concretização dessa capacidade; e os sucessores do lesado directo têm direito também à indemnização correspondente a esse dano patrimonial sofrido pelo lesado, direito esse que se lhes transmite, integrado na herança.
IV - O direito de indemnização atribuído aos lesados indirectos na hipótese prevenida nesse preceito tem, como qualquer outro, a medida estabelecida nos arts. 562.º e ss. do CC.
V - Na verdade, é em função da denominada teoria da diferença, conjugada nos termos do art. 562.º e ss do citado Código, que é definido o direito de indemnização de que são titulares as pessoas referidas no art. 495.º, n.º 3, independentemente da necessidade efectiva de alimentos.
VI - Como, nomeadamente, estipulado no art. 563.º – e se bem que a tal limitada, como determina o advérbio “só”, omitido na transcrição que segue –, «a obrigação de indemnização (...) existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão».
VII - Significa isto que também aos lesados indirectos quer a lei que se atribua o que na realidade perderam, ou seja, tudo aquilo com que o lesado directo efectivamente os vinha beneficiando e, provavelmente, continuaria a beneficiar se não tivesse falecido. Com a morte do lesado directo ocorre efectiva perda patrimonial, em termos de previsíveis danos futuros, correspondente ao que o falecido vinha efectivamente prestando, ou, quando não assim, poderia eventualmente vir a prestar, à família.
VIII - Os danos indemnizáveis ora em questão são, desde logo, constituídos por tudo quanto, independentemente do montante de alimentos eventualmente exigível – e sem com tal ter, enfim, qualquer correlação –, o lesado directo efectivamente prestava à família, e com toda a probabilidade continuaria a prestar se fosse vivo.
IX - Estamos assim reconduzidos ao princípio de que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que se verificaria se não tivesse ocorrido o evento que obriga à reparação, fixável em dinheiro no caso de inviabilidade de reconstituição em espécie (arts. 562.º e 566.º, n.º 1, do CC).
X - A indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado à data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não tivesse ocorrido o dano, e, não podendo ser avaliado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (art. 566.º, n.ºs 2 e 3, do CC).
XI - Estando em causa um dano futuro, abrangendo um longo período de previsão, entende-se que a solução mais correcta é a de conseguir a sua quantificação no momento de avaliação, tentando compensar a inerente dificuldade de cálculo com o apelo a juízos de equidade.
XII - Em sede jurisprudencial tem obtido consagração na prática quotidiana a utilização de fórmulas e tabelas financeiras de variada índole, na tentativa de se conseguir um critério mais ou menos uniforme, o que, como bem aponta a decisão deste STJ de 12-12-2003, se não coaduna com a própria realidade das coisas, avessa nesta matéria a operações matemáticas, pelo que há que valorizar essencialmente nesta matéria o critério da equidade.
XIII - O principal eixo de tal definição fundamenta-se no pressuposto de que a indemnização a pagar quanto a danos futuros por frustração de ganhos deve representar um capital produtor de um rendimento que se extinga no fim do previsível período de vida activa da vítima e que garanta as prestações periódicas correspondentes à respectiva perda de ganho.
XIV - Nesse quadro de cálculo sob juízos de equidade devem ponderar-se, entre outros, factores tais como a idade da vítima e as suas condições de saúde ao tempo de decesso, o seu tempo provável de vida activa, a natureza do trabalho que realizava, o salário auferido, deduzidos os impostos e as contribuições para a segurança social, o dispêndio relativo a necessidades próprias, a depreciação da moeda, a evolução dos salários, as taxas de juros do mercado financeiro, a perenidade ou transitoriedade de emprego, a progressão na carreira profissional, o desenvolvimento tecnológico e os índices de produtividade. E, uma vez que a previsão assenta sobre danos verificáveis no futuro, relevam sobremaneira os critérios de verosimilhança, ou de probabilidade, de acordo com o que, no concreto, poderá vir a acontecer segundo o curso normal das coisas.
XV - Essencialmente, o que está em causa é o prudente arbítrio do tribunal, nos termos do art. 566.º, n.º 2, do CC, e tendo em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida.
XVI - Quer se considere a existência de uma obrigação de indemnização delineada nos termos do art. 562.º do CC, quer se considere a existência de uma obrigação alimentar, consubstanciando a perda de rendimentos inerentes ao desaparecimento da capacidade de trabalho, existem sempre elementos constitutivos do direito invocado que devem ser alegados e provados, e por forma alguma nos podemos reconduzir a um automatismo, assumindo como demonstrado aquilo que importa provar. À aplicação de tal regra apenas se furtam os factos notórios – art. 514.º, n.º 1, do CPC –, ou seja, aqueles que são de conhecimento geral no país, os conhecidos pelo cidadão comum, pelas pessoas regularmente informadas, com acesso aos meios normais de informação.
XVII - À luz de uma interpretação restritiva do art. 495.º do CC, numa situação em que, face ao teor da materialidade de facto provada, se constata a insuficiência de factos que, em concreto, permitam afirmar a existência de um dano patrimonial efectivo, qualquer que seja a perspectiva adoptada em relação à configuração do direito indemnizatório [pois a demandante omitiu qualquer indicação sobre a contribuição da vítima para a globalidade dos rendimentos patrimoniais comuns, bem como sobre despesas e encargos a incidir sobre os rendimentos de trabalho da vítima, sendo certo que não podem ser superadas as omissões em termos probatórios por um infundamentado apelo a presunções de facto ou a uma inconsequente notoriedade do facto], seria de responder afirmativamente à questão de saber se está excluída qualquer tutela indemnizatória do dano patrimonial sofrido pela demandante.
XVIII - Porém, é possível reconduzir a questão a um outro plano, como em situação similar este STJ reconheceu no Ac. de 27-01-2005, pois que, em relação à demandante, há um elemento fundamental a ter em conta: o regime de bens do seu casamento com o falecido, aqui o regime supletivo de comunhão de adquiridos, por não ter havido convenção antenupcial (art. 1717.º do CC).
XIX - Uma vez que neste regime de bens o produto do trabalho dos cônjuges é bem comum (art. 1724.º do CC), pode afirmar-se que, falecido o marido, a viúva e o filho herdeiro daquele perdem um bem comum que tinha expressão patrimonial pura e que, como tal, pode, e deve, ser quantificado monetariamente, porque aquela perda acarreta um dano patrimonial.
XX - Como se refere na decisão citada, «o ressarcimento deste dano patrimonial jamais se pode fazer pela medida da obrigação de alimentos; tem que se fazer em função do seu valor de mercado tal como sucede com todos os restantes bens comuns do casal atingidos pela lesão (veículo automóvel, casa do casal, etc.)».
XXI - Consequentemente, também aqui os danos patrimoniais sofridos pela demandante e pelo filho da vítima devem ser computados tendo em atenção a perda do salário do falecido. Se o salário era um bem comum do casal que foi eliminado pelo lesante terá que ser este a ressarcir patrimonialmente esse bem ao cônjuge meeiro sobrevivo e ao herdeiro. XXII -Assim sendo, e admitindo-se como válida a consideração de cerca de 30% de dedução nos rendimentos patrimoniais líquidos para efeitos fiscais, e considerando a afectação de 1/3 para as despesas pessoais da vítima, obtemos um montante que se fixa em € 200 000, por aplicação da fórmula contida no Ac. de 07-12-2007. XXIII -Deste montante, que constitui a imputação que a vítima faria, em circunstâncias normais, no património do casal, em resultado do seu trabalho, metade integraria a sua meação de cônjuge, sendo certo que à mesma corresponderia idêntica prestação da demandante, por forma a integrar a globalidade daqueles rendimentos. Metade desse montante corresponde ao dano sofrido pela demandante, ou seja, o que receberia como meeira e herdeira e a restante metade corresponde ao montante que o demandante sempre receberia, como sucessor, do capital assim determinado. XXIV -Porém, como é evidente, tal conclusão, atribuindo ao demandante uma parte, mais concretamente metade daquele capital, tem, também, o efeito de excluir a indemnização que lhe foi arbitrada a título de alimentos, sob pena de se incorrer numa injustificada duplicação ou enriquecimento injustificado. XXV -Em consequência, é de arbitrar ao demandante [filho do falecido] e à demandante [viúva] a quantia de € 100 000, a título de indemnização por danos patrimoniais. XXVI -No que respeita à determinação do direito à vida, a jurisprudência, sem nunca ter caído na arbitrariedade, tem feito apelo à regra da equidade, acentuando-se hoje em dia uma tendência para salientar o valor absoluto de um direito fundamental, génese de todos os outros direitos, perante objectos referenciados como parâmetros da sociedade de consumo em que vivemos. Desde os 150.000$00 em que foi valorado o direito à vida de um jovem de 22 anos (cf. Ac. do STJ de 13-05-1986) percorreu-se um caminho de sucessivo afinamento de critérios jurisprudenciais que levam, hoje em dia, à consideração de valores que, na jurisprudência deste STJ, se situam entre os € 50 000 e os € 60 000, sendo, no caso vertente, de considerar equitativa a compensação, de € 50 000, fixada pelo acórdão recorrido. XXVII -É um dado adquirido em termos dogmáticos o de que a indemnização por danos não patrimoniais deverá constituir uma efectiva e adequada compensação, tendo em vista o quantum doloris causado, oferecendo ao lesado uma justa contrapartida que contrabalance o mal sofrido, pelo que não pode assumir feição meramente simbólica. A sua apreciação deve ter em consideração a extensão e gravidade dos prejuízos, bem como o grau de culpabilidade do responsável, a sua situação económica e a do lesado e as demais circunstâncias do caso. XXVIII -Tal segmento indemnizatório deve, assim, ser fixado segundo o prudente arbítrio do julgador, temperado com os critérios objectivos a que se alude no art. 494.º do CC. XXIX -Adquirido que o menor [demandante] padeceu daquela profunda dor de quem perde o progenitor que, em termos normais, deveria assumir o papel parental essencial no seu processo de socialização, constata-se que na jurisprudência deste Supremo se afirma um patamar de valor que se situa pelo menos nos € 20 000 em relação a situações similares.
Proc. n.º 2860/08 -3.ª Secção Santos Cabral (relator) Oliveira Mendes
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