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    Sumários do STJ (Boletim) -
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ACSTJ de 25-09-2008
 Homicídio Homicídio qualificado Decisão interlocutória Nulidade Admissibilidade de recurso In dubio pro reo Competência do Supremo Tribunal de Justiça Recurso da matéria de facto Vícios do art. 410.º do Código de Processo Penal Atenuação especial
I -Decisão interlocutória é a decisão que tem como consequência o arquivamento ou encerramento do objecto do processo, mesmo que se não tenha conhecido do mérito.
II - Na versão actual da al. c) do art. 400.º do CPP, não é admissível recurso «de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objecto do processo». Esta expressão não significa outra coisa senão “decisão que põe termo ao litígio da forma sobredita”.
III - A questão das nulidades invocadas é uma questão prévia, não sendo nesse sentido atinente ou conexa com a questão substantiva, essa sim objecto de apreciação da decisão final. Tratando-se de uma questão interlocutória, a circunstância de não ter sido objecto de recurso autónomo não lhe confere recorribilidade, podendo e devendo ser dela cindida.
IV - Tem este Tribunal entendido que o STJ só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo, se da decisão resultar que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido. A violação do princípio in dubio pro reo, dizendo respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, pode ser sindicado pelo STJ. Todavia, essa sindicação tem de exercer-se dentro dos limites de cognição desse Tribunal, devendo por isso resultar do texto da decisão recorrida, em termos análogos aos dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, ou seja: quando, seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção, a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção.
V - A ideia fundamental que preside ao instituto da atenuação especial da pena e que constitui a sua razão de ser político-criminal é a de que funciona como uma válvula de segurança. Significa ela que a atenuação especial da pena deve abranger apenas aqueles casos em que se verifique a ocorrência de circunstâncias que se traduzam numa diminuição acentuada da ilicitude e da culpa ou da necessidade da pena – casos verdadeiramente excepcionais em relação ao comum dos casos previstos pelo legislador ao estabelecer a moldura penal correspondente ao respectivo tipo legal de crime. Em tais hipóteses, porém, a atenuação especial é obrigatória – o tribunal atenua, diz a lei, após a revisão de 1995 – segundo um critério de discricionariedade vinculada e não dependente do livre arbítrio do tribunal.
VI - Nessa perspectiva, o facto tem de revestir uma tal fisionomia que se possa dizer, face à imagem especialmente atenuada que dele se colha, que encaixá-lo na moldura penal prevista para a realização do tipo seria uma violência. Por outras palavras, sendo as molduras penais correspondentes aos diversos tipos de crimes pensadas para, dentro de uma latitude suficientemente ampla, nelas caber a vasta gama de situações que a vida real nos oferece, desde as mais simples às mais complexas, por vezes sucede que uma dada situação, por excepcional, não se amolda a nenhuma das gradações comportáveis pela moldura penal, nomeadamente quando o caso reveste uma fisionomia particularmente pouco acentuada em termos de gravidade da infracção, seja por via da culpa/ilicitude, seja por via da necessidade da pena. Para estes casos é que foi concebida uma moldura penal especialmente atenuada, que actua sobre a moldura penal abstracta cabível aos diversos tipos de crime. VII- Não ocorre a circunstância prevista na al. b) do n.º 2 do art. 72.º do CP, ou seja, provocação da vítima, numa situação em que: -o comportamento da vítima foi violento, tendo arremessado pedras para dentro do café [no interior do qual se encontravam, entre outras pessoas, o arguido, a sua mulher e dois filhos menores de ambos], de onde tinha sido expulso pelo dono, tendo uma delas ido cair junto de um dos filhos – o mais novo – do arguido, que era transportado ao colo pela sua mulher; -o comportamento posterior do arguido revela que teve um único propósito: vingar-se da vítima, puni-la pelos seus actos e, porventura, pela sua marginalidade ligada à toxicodependência e ao álcool; esse propósito foi tão obsessivo, que o arguido, para além de ter retornado ao local com uma arma e de ter dito que «não lhe dava mais de 24 horas», ainda se deu ao trabalho de ir com a mulher e os filhos dentro do seu carro ao hospital de B…, para onde a vítima tinha sido transportada, tendo aí divisado a ambulância que o levou, e regressado à V…, acabou por enxergar a vítima, já depois de ter sido tratada no hospital, no Largo …, 3 h depois dos factos ocorridos no café, tendo então consumado o seu propósito [efectuado dois disparos que atingiram a vítima na região occipital e na face dorsal do tórax, que lhe causaram lesões que foram causa directa e necessária da sua morte]; estas circunstâncias, ao contrário de terem carga atenuativa, têm-na agravativa, não podendo fundamentar uma atenuação especial da pena.
VIII - Tendo em conta que: -a ilicitude, compreendendo o bem jurídico posto em causa, a forma como o foi, com utilização de uma arma de fogo, o modo como o arguido actuou, disparando a uma distância não superior a 30 m, dentro do campo visual dos faróis do seu automóvel, quando a vítima estava desprevenida, e metendo-se logo de seguida no carro em direcção a casa, onde se refugiou sem querer saber mais da vítima, é de grau muito elevado; -no tocante à culpa, há que destacar que o arguido actuou não só com dolo directo, mas com uma particular intensidade dolosa, mostrando-se determinado a cometer o crime, tendo ido a casa propositadamente munir-se da arma e afirmando antes de o ter praticado que não dava à vítima mais de 24 h; seguidamente, andou às voltas com o carro, com a mulher e os filhos pequenos dentro dele, perseguindo o rasto do ofendido, deslocando-se ao hospital, em B…, regressando à V… e, por fim, tendo divisado a vítima, 3 h depois dos factos ocorridos no café, já de madrugada, inverteu o sentido de marcha, estacionou e alvejou a vítima; trata-se de um crime que se diria preencher o tipo qualificado de culpa do art. 132.º do CP, não obstante o inicial comportamento da própria vítima; o arguido quis pura e simplesmente vingar-se desta, matando-a por causa do seu comportamento, que, vistas as coisas friamente, não era dirigido especialmente ao arguido, nem à sua família, e praticamente se traduziu apenas num susto, já que a pedra arremessada de fora para dentro do café “passou próximo do seu filho mais novo”; a persistência na intenção de matar quase se aproxima do exemplo-padrão mencionado na al. i) do n.º 2 daquele art. 132.º (ter o agente actuado com frieza de ânimo e/ou com reflexão sobre os meios empregados) e a forma como o arguido actuou é muito censurável; estando tal actuação muito perto ou na fronteira do crime qualificado, a culpa do arguido é muito intensa; -o arguido limitou-se a confessar parcialmente o crime, em aspectos que praticamente não podia recusar, face à sua objectividade, e em contrapartida não revelou arrependimento, nem minorou quaisquer danos; -o arguido trabalhou como vigilante para uma empresa de segurança, o que significa que deveria ter uma maior preparação para suportar a violência alheia e sobretudo para evitar a sua própria violência; -muito embora não conste nada no seu CRC, o certo é que tal circunstância não tem grande relevância, sobretudo face a esta irrupção violenta da sua personalidade; -do ponto de vista da prevenção geral, as exigências comunitárias são muito acentuadas neste tipo de crime; -do ponto de vista da prevenção especial, a personalidade revelada pelo arguido mostra carência de socialização; a pena aplicada pelas instâncias pelo crime de homicídio – 13 anos e 6 meses de prisão – não se mostra exagerada.
Proc. n.º 809/08 -5.ª Secção Rodrigues da Costa (relator) Arménio Sottomayor
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