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Processo n.º 472/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Por despacho do Conselheiro Presidente da 5.ª Secção
do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 25 de Fevereiro de 2008, foi designado
o dia 6 de Março de 2008, pelas 11 horas, para a audiência de julgamento do
recurso penal n.º 143/07, em que era recorrente A., despacho esse que foi
notificado ao mandatário do recorrente, Dr. B., por carta registada expedida em
27 de Fevereiro de 2008.
Por requerimento expedido por fax em 3 de Março de 2008,
o mandatário do recorrente informou não poder comparecer na data designada, por
estar impedido em continuação de julgamento a correr na 4.ª Vara Criminal do
Porto, pelo que solicitou a marcação de nova data, logo indicando ter ocupados
os dias 13 e 27 de Março.
No decurso da audiência de julgamento desse recurso
penal n.º 143/07, realizada em 6 de Março de 2008, no STJ, constatada a
ausência do advogado do recorrente, foi deliberado o seguinte:
“O Tribunal, tendo em conta, por um lado, que a não comparência de
pessoas convocadas só determina o adiamento da audiência quando a sua presença
se mostrar indispensável à realização da justiça (artigo 422.º, n.º 1, do Código
de Processo Penal) e, por outro, que a agenda do Tribunal se não mostra
compatível com a do ilustre advogado do recorrente por forma a permitir o
adiamento dentro de um prazo razoável, indefere o pedido e nomeia defensor ao
arguido o Ex.mo Sr. Dr. C., advogado de escala, presente neste Tribunal.”
Concluído o julgamento, foi proferido acórdão, que foi
notificado ao advogado do recorrente por carta registada expedida em 10 de Março
de 2008.
Por requerimento expedido em 31 de Março de 2008, o
recorrente veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional da referida
decisão exarada em acta de 6 de Março de 2008, ao abrigo da alínea b) do n.º 1
do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do
Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e
alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC),
pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade, por violação do artigo 32.º,
n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), “do artigo 422.º, n.º
1, do CPP, quando interpretado no sentido em que o foi na decisão recorrida,
isto é, que tendo o signatário sido notificado para julgamento, apenas com 3
dias de antecedência relativamente ao mesmo, sem que previamente se tenha dado
cumprimento ao artigo 155.º do CPC, aplicável ex vi artigo 4.º do CPP, é
possível realizar o julgamento nos termos em que o mesmo foi realizado, na data
inicialmente prevista, apesar do teor do requerimento de fls. …, a requerer o
adiamento, com fundamentos específicos, apresentado logo que notificado da
designação da data para o julgamento”, mais aduzindo que “a questão da
inconstitucionalidade não foi levantada antes, pois era de todo imprevisível,
face ao teor do requerimento, que o adiamento não tivesse sido autorizado, como,
aliás, ocorreu em dois casos semelhantes na 3.ª Secção, na mesma oportunidade
(cf. procs. n.ºs 1415/07 e 3874/07)”.
Sobre este requerimento recaiu o seguinte despacho do
Conselheiro Relator do STJ, de 9 de Abril de 2008:
“A decisão constante da acta de fls. 921 foi tomada no exercício de
um poder discricionário, pelo que é irrecorrível, por força do artigo 679.º do
Código de Processo Civil.
Consequentemente, e ao abrigo do artigo 69.º da Lei do Tribunal
Constitucional, não admito o recurso interposto de tal decisão para o Tribunal
Constitucional.”
É contra este despacho que vem interposta a presente
reclamação, ao abrigo dos artigos 76.º, n.º 4, e 77.º da LTC, com os seguintes
fundamentos:
“1. A decisão reclamada entendeu que a decisão recorrida tinha sido
tomada no exercício de um poder discricionário.
2. Só pode ter tido tal entendimento por não ter atentado quer no
teor do requerimento que deu origem à decisão objecto do recurso, quer no facto
de a notificação para o julgamento ter sido efectuada mesmo em cima do mesmo,
impedindo, pois, uma substituição com atempada preparação, quer ainda ao facto
de a data ter sido marcada sem prévio cumprimento do disposto no artigo 155.º do
CPC.
3. Está em questão não o exercício de um poder discricionário, mas o
incumprimento de regras que impediram o legítimo exercício do direito de
defesa.”
O representante do Ministério Público no Tribunal
Constitucional emitiu o seguinte parecer:
“A presente reclamação carece manifestamente de fundamento.
Desde logo, porque o recorrente não cumpriu o ónus de suscitar,
anteriormente à prolação da decisão impugnada, qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, prevenindo a hipótese de o STJ – como sucedeu
e era previsível que pudesse ocorrer, face ao preceituado no artigo 422.º, n.º
1, do CPP – entender rejeitar o pedido de adiamento da audiência, expresso no
requerimento apresentado pelo recorrente.
Acresce que, em rigor, o reclamante não identifica minimamente
qualquer interpretação normativa, susceptível de constituir objecto idóneo de
um recurso de constitucionalidade – limitando‑se a dissentir da concreta e
casuística decisão que rejeitou o pretendido adiamento da audiência.”
Por despacho do relator, uma vez que no parecer do
Ministério Público a inadmissibilidade do recurso assentava em fundamentos
diversos do aduzido no despacho reclamado, foi determinada a notificação do
reclamante para se pronunciar, querendo, sobre esse parecer.
O reclamante não apresentou qualquer resposta.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Resulta da parte final do n.º 4 do artigo 77.º da
LTC, que determina que a decisão do Tribunal Constitucional que revogue o
despacho de não admissão do recurso para ele interposto “faz caso julgado quanto
à admissibilidade do recurso”, que na apreciação deste tipo de reclamação o
Tribunal não está limitado a controlar a procedência do específico fundamento de
não admissão de recurso invocado no despacho reclamado.
No presente caso, é patente, como se salientou no
parecer do Ministério Público, que a questão identificada no requerimento de
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional – reportada a alegada
interpretação do artigo 422.º, n.º 1, do CPP, no sentido de que “tendo o
signatário sido notificado para julgamento, apenas com 3 dias de antecedência
relativamente ao mesmo, sem que previamente se tenha dado cumprimento ao artigo
155.º do CPC, aplicável ex vi artigo 4.º do CPP, é possível realizar o
julgamento nos termos em que o mesmo foi realizado, na data inicialmente
prevista, apesar do teor do requerimento de fls. …, a requerer o adiamento, com
fundamentos específicos, apresentado logo que notificado da designação da data
para o julgamento” –, surgindo como indissociavelmente ligada às
especificidades do caso concreto, não constitui objecto idóneo deste tipo de
recurso, já que carece de natureza normativa. Na verdade, o que o recorrente
questiona é a conformidade constitucional da concreta decisão judicial de
indeferir o adiamento da audiência, atentas as particularidades da específica
situação concreta, não enunciando qualquer critério normativo, dotado do mínimo
de generalidade e abstracção, que considere violador de normas ou princípios
constitucionais.
Nestes termos, independentemente da recorribilidade da
decisão impugnada e da existência de oportunidade de suscitação prévia da
questão de inconstitucionalidade, sendo seguro que a questão enunciada no
requerimento de interposição de recurso nunca poderia integrar o objecto de um
recurso de constitucionalidade, este surge como inadmissível.
3. Termos em que se indefere a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando‑se a taxa de justiça em
20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 9 de Julho de 2008.
Mário José de Araújo Torres
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos
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