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Processo n.º 268/08
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é
recorrente A. e recorridos o Ministério Público e B., a Relatora proferiu a
seguinte decisão sumária:
«I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público
e B., foi interposto recurso de acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de
Justiça, em 13 de Dezembro de 2007 (fls. 1538 a 1573), posteriormente
complementado pelo acórdão proferido em 06 de Fevereiro de 2008, que recusou
conhecer do pedido de aclaração entretanto formulado (fls. 1274 a 1284) para
apreciação da “inconstitucionalidade da aplicação das normas dos art.s
217º,218º,256º, nº1, alínea a) e 3 e alínea c); 30º, nºs 1 e 2; 70º,71º, nºs 1 e
2, alínea d) e 77º, nº1, todas do C.Penal foi suscitada na conclusão 60ª das
suas alegações de recurso para este Venerando Supremo Tribunal de Justiça” (fls.
1293).
Cumpre, então, apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr.
fls. 1298), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não
vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito
legal, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os
pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº
2, da LTC.
Se o Relator constatar que não foram preenchidos os pressupostos de interposição
de recurso, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta
do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
3. A título preliminar deve esclarecer-se que o requerimento de interposição de
recurso não identifica – como lhe competia, por força do n.º 2 do artigo 75º-A
da LTC – quais as normas ou princípios constitucionais foram colocados em crise
pela aplicação das normas reputadas de inconstitucionais. A mera referência ao
“prejuízo dos direitos à liberdade do arguido, ao seu julgamento justo, à
consideração adequada dos pressupostos da sua conduta, ao direito ao silêncio do
mesmo, que lhe é facultado pela norma do art. 61º, nº1, alínea d) do C.P.Penal
e, ainda, ao direito que lhe assiste do benefício de uma pena alternativa da
aplicada pena de prisão ou da suspensão da sua execução” (fls. 1296), tal como
consta do requerimento de interposição de recurso, não é susceptível de ser
aceite como bastante para dar cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 75º-A
da LTC.
Perante essa omissão, a Relatora dispunha do poder de formular convite ao
aperfeiçoamento, nos termos do n.º 6 do artigo 75º-A da LTC. Contudo, analisados
os autos, foi possível concluir que subsistem outros fundamentos para não
conhecimento do objecto do recurso, fundamentos esses que não seriam
ultrapassados mediante o referido convite ao aperfeiçoamento. Assim, por
constituir acto processual inútil, que este Tribunal deve abster-se de adoptar,
a Relatora optou por não usar do poder que lhe é atribuído pelo n.º 6 do artigo
75º-A da LTC, procedendo à prolação da presente decisão sumária.
4. Com efeito, apesar de afirmar que a pretendida inconstitucionalidade “foi
suscitada na conclusão 60ª das suas alegações de recurso para este Venerando
Supremo Tribunal de Justiça” (fls. 1295), a análise dessa mesma alegação
demonstra precisamente o contrário. Senão, veja-se a transcrição da mesma:
“Com o seu, douto, acórdão não fez, com o devido respeito, o Venerando Tribunal
da Relação do Porto ou sequer o, douto, Tribunal Colectivo, quanto à medida da
pena, uso e cabal interpretação das normas contidas nos art.s 217º; 218º, 256º,
nºs 1, alínea a) e 3 e alínea c); 30º, nºs 1 e 2; 70º; 71º, nº 1 e nº 2, alíneas
d) e e); 72º, nº 1 e nº 2, alínea d) e 77º, nº 1, todos do C. Penal, normas
estas que, com a devida vénia, violou, para além de que violou, igualmente, as
normas dos arts. 12º e 27º, nºs 1 e 2 da C. R. Portuguesa.” (fls. 1406)
Extraiam-se, então, as ilações desta alegação.
Desde logo, a alegação contém dois segmentos: i) um primeiro em que as decisões
do Tribunal da Relação do Porto e do tribunal de primeira instância são acusadas
de ter procedido a uma incorrecta aplicação das normas contidas nos artigos
“217º; 218º, 256º, nºs 1, alínea a) e 3 e alínea c); 30º, nºs 1 e 2; 70º; 71º,
nº 1 e nº 2, alíneas d) e e); 72º, nº 1 e nº 2, alínea d) e 77º, nº 1”, todos do
Código Penal; ii) um segundo em que as mesmas decisões jurisdicionais são
directamente postas em crise por terem violado as normas extraídas dos artigos
12º e 27º, n.º 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa.
A expressão “normas estas que, com a devida vénia, violou” é demonstrativa de
que, na realidade, o recorrente não considera que aquelas normas sejam
contrárias à Constituição, “de per si”. Pelo contrário, o recorrente até
aparenta propugnar a sua não inconstitucionalidade, visto que afirma que as
decisões (então) recorridas teriam violado essas mesmas normas constantes dos
supra citados preceitos do Código Penal.
Por outro lado, a utilização da construção frásica o “douto, acórdão (…) violou,
igualmente, as normas dos arts. 12º e 27º, nºs 1 e 2 da C. R. Portuguesa”
demonstra ainda mais à evidência que o recorrente nunca colocou verdadeiramente
a constitucionalidade de quaisquer normas jurídicas, antes apelidando as
próprias decisões (então) recorridas de inconstitucionais. Ora, por força do
sistema português de fiscalização da constitucionalidade, alicerçado no n.º 1 do
artigo 277º da Lei Fundamental, os tribunais apenas podem sindicar a
constitucionalidade de normas jurídicas, mas não já de decisões jurisdicionais.
Acresce ainda que, se bem que reportando-se a dois preceitos constitucionais
concretos (v.g., dos artigos 12º e 27º, n.ºs 1 e 2), o recorrente não traçou uma
linha de intersecção entre estes comandos fundamentais e qualquer interpretação
normativa especificada e determinada das normas cuja constitucionalidade
pretende agora ver apreciada, de modo a que o tribunal recorrido pudesse sobre
ela pronunciar-se.
De tudo isto decorre que o recorrente não suscitou de modo processualmente
adequado a inconstitucionalidade das normas extraídas dos artigos “217º; 218º,
256º, nºs 1, alínea a) e 3 e alínea c); 30º, nºs 1 e 2; 70º; 71º, nº 1 e nº 2,
alíneas d) e e); 72º, nº 1 e nº 2, alínea d) e 77º, nº 1”, todos do Código
Penal, conforme lhe era imposto pelo n.º 2 do artigo 72º da LTC, pelo que se
torna processualmente inadmissível o conhecimento do objecto do presente
recurso.
III – DECISÃO
Nestes termos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98,
de 26 de Fevereiro, decide-se não conhecer do objecto do presente recurso.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7
UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de
Outubro.»
2. Inconformado com esta decisão, vem o recorrente reclamar, para a conferência,
contra a não admissão do recurso, nestes precisos termos:
«1- A, douta, decisão sumária proferida pela Meritíssima Senhora Juiz
Conselheira Relatora, com o devido respeito, não é aceitável, nem ajustada ao
caso em apreço.
(…)
11- Como bem refere a Meritíssima Senhora Juiz Conselheira Relatora, o
recorrente não colocou em causa a constitucionalidade das normas do Código Penal
que citou e vêm plasmadas na, douta, decisão sumária, aqui em reclamação, já que
elas se o fossem “de per si”, por certo que o Ministério Público já teria
suscitado a sua inconstitucionalidade,
12- E somos em crer que o legislador, ao criá-las, também, atentou nessa
particular e fundamental questão, pese embora nem sempre as normas geradas
satisfaçam as exigências constitucionais,
13- Daí que a apreciação da inconstitucionalidade haverá de ser procurada na
forma como tais normas foram interpretadas e aplicadas ao caso em concreto e não
já no seu conteúdo abstracto.
14- Razão pela qual no requerimento interpositivo do recurso o recorrente
tivesse o cuidado de dizer que o recurso visava a apreciação pelo Venerando
Tribunal Constitucional da ilegalidade e da inconstitucionalidade da aplicação
das supra citadas normas, na medida em que foram interpretadas e aplicadas pelo
Venerando Supremo Tribunal de Justiça em prejuízo dos direitos à liberdade do
arguido, ao seu julgamento justo, à consideração adequada dos pressupostos da
sua conduta, ao direito ao silêncio do mesmo, que lhe é facultado pela norma do
art. 61°, n°1 do C.P.Penal e, ainda, ao direito que lhe assiste de uma pena
alternativa da aplicada pena de prisão ou da suspensão da sua execução.
15- Já que tais direitos, dizemos agora, constituem expressos benefícios
constitucionais previstos nas normas dos art.s 12°;27°;29°, n°4; 204° e 266°,
n°1 da C.R.Portuguesa.
16- Motivo pelo qual, sem qualquer pretensão, se reproduziram no capítulo II das
alegações de recurso,
17- E, a final, se citaram como normas violadas.
18- Aliás, sempre com o devido respeito, e por isso mesmo, é que se não entende
como é que consta da, douta, decisão sumária, que o requerimento de interposição
de recurso não identifica, como lhe competia, quais as normas ou princípios
constitucionais que foram colocados em crise pela aplicação das normas reputadas
de inconstitucionais.
19- O n°2 do art. 75°-A da L.T.C., diz que, citando, “Sendo o recurso interposto
ao abrigo das alíneas b) e f) do nº 1 do art. 70°, do requerimento deve ainda
constar a indicação da norma ou princípio constitucional ou legal que se
considera violado, bem como da peça processual em que o recorrente suscitou a
questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade.
20- E isto, segundo cremos, foi o que foi feito no requerimento interpositivo,
ou seja, não se citaram as normas constitucionais violadas, porque na conclusão
60° das alegações de recurso para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça
tinham-se citado,
21- Mas indicaram-se quais os princípios constitucionais que se consideram
violados,
22- Sendo que a conjunção “ou” constitui uma partícula que confere ao recorrente
a alternativa da citação das normas ou dos princípios constitucionais, tendo o
recorrente optado por estes.
23- Não obstante e como bem refere a Meritíssima Senhora Juiz Conselheira
Relatora, o simples despacho de aperfeiçoamento viria suprir qualquer omissão
que daqui adviesse, independentemente, da bondade do entendimento que lhe
assistisse e que não discutiríamos.
24- Mas não foi por isto que a Meritíssima Senhora Juiz Conselheira Relatora
proferiu a sua, douta, decisão sumária, mas sim pelo que rectro se deixou
reproduzido.
25- Não obstante ousamos contrariar as, doutas, explicações aí contidas e que
alavancaram a mesma, porque, segundo cremos, não se pode retirar as conclusões
que aquela, douta e superiora, Magistrada, retirou da literalidade estrita da
expressão contida na conclusão 60º das alegações produzidas para o Venerando
Supremo Tribunal de Justiça,
26- Conclusão essa que foi dissecada de uma forma que, a nosso ver e com o
devido respeito, não é consentânea com a liberdade decorrente do nº 3 do art.
76° da L. T. C. e o rigor dos princípios consignados nos art.s 265°; 266° e
664°, todos do C. P. Civil.
27- Isto sempre sem perder de vista os “poderes de cognição do Tribunal” a que
alude o art. 79°-C, da L. T. C., mas sempre, também, considerando o comando de
tal normativo, quando ele refere que o Tribunal (...), mas pode fazê-lo com
fundamento na violação de normas ou princípios constitucionais ou legais
diversos daqueles cuja violação foi invocada. Fim de citação.
28- O recorrente não está inibido de comentar nas alegações de recurso para este
Venerando Tribunal Constitucional as decisões que foram, doutamente, proferidas
por outras Instâncias e que o fizeram chegar até aqui,
29- Até para que se perceba o seu raciocínio e a “ratio” da sua indignação e não
haverá de ser mal interpretado ou penalizado por isso.
30- O facto de ter escrito: “normas estas que, com a devida vénia, violou”,
quer, apenas, significar, que violou as supra citadas normas, na medida em que
as interpretou e aplicou,
31- Mas contrárias às normas e princípios constitucionais contidas nos art.s 12°
e 27°, nos 1 e 2 da C. R. Portuguesa,
32- Que esse Venerando Tribunal deveria, com a devida e comedida vénia, ter
tomado extensível às restantes normas constitucionais com eles relacionadas,
como sendo aquelas dos art.s 29°, nº 4; 204° e 266, nº 1 da C. R. Portuguesa, em
obediência ao citado art. 79°-C da mesma Lei Fundamental.
33- A aplicação e interpretação das leis, como menos sabe o recorrente, terão de
ser sempre conformes à C. R. Portuguesa, e obedecendo as normas dos art.s 217°,
218°, 256°, 30°, 70°, 71°, 72° e 77° do C. Penal àquela Lei, ao serem aplicadas
como foram, tal aplicação violou o escopo das normas e os princípios
constitucionais que protegem o arguido, aqui reclamante.
E só por si é que se disse que: “o, douto, acórdão (...) violou tais normas”.
34- Contudo, continuou-se e disse-se que: “igualmente violou as normas dos art.s
12° e 27°, nºs 1 e 2 da C. R. Portuguesa”.
35- As normas são constitucionais, as, doutas, decisões recorridas é que são
inconstitucionais por violarem aquelas normas que, “de per si” foram feitas com
respeito pelos princípios constitucionais, na interpretação extensiva de que a
lei foi feita para o homem e não o homem para a lei.
36- Por isso, não questionou o recorrente a constitucionalidade abstracta das
normas em causa, nem questiona, porque esse não e o seu objectivo,
37- Mas não pretende, porque não confunde os princípios de direito a tal nível,
que este, Venerando Tribunal Constitucional sindique as decisões jurisdicionais
aqui apreciadas.
38- Como se disse, e contrariamente ao, doutamente, exprimido pela Meritíssima
Senhora Juiz Conselheira Relatora, entendemos que o Tribunal Constitucional não
sindica, somente, a constitucionalidade da normas jurídicas, na objectividade da
sua aplicação adjectiva, mas sim na sua interpretação e aplicação substantiva e
na interpretação e aplicação, dos princípios constitucionais ou legais, como
refere o art. 79° da L. T. C.,
39- Pelo que, ao ter aquele, douto, entendimento tão restritivo, entendemos, com
a devida vénia, que a Meritíssima Senhora Juiz Relatora, não fez cabal aplicação
daquela norma,
40- E mais disto nos convence tão, douta, Magistrada, quando, para apoio legal,
cita, apenas, a norma do art. 277°, nº 1 da C. R. Portuguesa.
41- Cremos que o que está aqui em causa é a norma da alínea b) do nº 1 do art.
70° da L. T. Constitucional, e que quando ali se refere, citando: “Que apliquem
norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”, se tem
de entender no sentido de uma inconstitucionalidade decorrente da aplicação da
norma a determinado caso concreto, de tal forma que ela, assim aplicada, é
inconstitucional,
42- E não uma norma cuja inconstitucionalidade fosse suscitada, em abstracto, no
decurso de um processo, pelo facto de tal norma ter sido criada da forma como o
foi, por ser inconstitucional na sua génese e, por isso, de aplicação vedada em
direito.
43- No art. 79°-C da L.T.Constitucional fala-se em decisão recorrida que aplique
norma, para nós, no sentido da forma como tal aplicação foi interpretada, e daí,
também, termos falado em decisão,
44- Na certeza, porém, de que a aplicação de uma norma que, assim, aplicada,
está ferida de inconstitucionalidade, toma a própria decisão inconstitucional,
tal qual, a norma que é nula, fere de nulidade a decisão na qual foi aplicada.
45- Finalmente, cabe referir que a Meritíssima Senhora Juiz Conselheira Relatora
ao pronunciar-se da forma como, doutamente, fez no parágrafo segundo da página
quatro da sua, douta, decisão sumária, não está a referir-se, propriamente, à
admissão do recurso, mas já ao mérito do mesmo, sendo que, com a devida vénia,
não é explícita quando refere que o recorrente, ao reportar-se a dois preceitos
constitucionais concretos — art.s 12° e 27°, nºs 1 e 2 — não traçou uma linha de
intersecção entre estes comandos fundamentais e qualquer interpretação normativa
especificada e determinada das normas cuja constitucionalidade pretende agora
ver apreciada, de modo a que o Tribunal recorrido pudesse sobre ela
pronunciar-se.
46- E isto, porque, se por um lado, nos parece contraditório ao que deixou dito
na parte final do primeiro parágrafo da página quarta da sua, douta, decisão
sumária, por outro, o recorrente, não só, citou nas suas alegações mais 4
(quatro) preceitos constitucionais contra os quais a aplicação das normas do
C.Penal e C.P.Penal ali citadas colidem claramente, quando interpretadas e
aplicadas da forma concreta como o foram.
47- A aplicação das citadas normas colidem, e interceptam, as normas dos art.s
12°, n°1; 13°, n°2; 27°, nº 4; 204° e 266°, n°1 da C.R.Portuguesa na alusão e
alegação que se fez nas conclusões nºs 2,4,5,8,10,17 e 18 das alegações de
recurso.
48- De resto e como se disse, cremos que não está em causa a aplicação de normas
que são inconstitucionais por infringirem “de per si” o disposto na Constituição
ou os princípios nela consignados, mas sim a aplicação de normas que sendo
constitucionais “de per si”, quando aplicadas da forma como o foram, no presente
caso, infringem, quer o disposto na Constituição, quer os princípios nela
consignadas.
49- Posto isto, e com todo o devido respeito, somos do modesto entender que a
Meritíssima Senhora Juiz Conselheira Relatora, antes de proferir a sua, douta,
decisão sumária, deveria ter usado dos poderes que lhe conferem as normas dos
art.s 75-A, n°5 e 78-A, n°2 da L.T. Constitucional e dar ao requerente a
oportunidade aí consignada, a qual, a nosso ver, é extensível a todo o recurso —
interposição e alegações — e, ao não o fazer, violou as normas contidas em tais
preceitos.
50- Contudo e de todo em todo, cremos que, embora do requerimento de
interposição de recurso não constem expressamente as normas ou princípios
constitucionais que se consideram violadas, o recurso está em condições de ser,
doutamente, recebido.
Em face disto e demais que, douta e superiormente, será suprido, deverá a,
douta, Conferência receber a presente reclamação, considerá-la procedente e
pronunciar-se pelo recebimento do recurso ou caso, assim, doutamente, se não
vier a entender, que determine o disposto no nº 5 do art. 75-A e o disposto no
nº 3 do art. 78-A, ambos da L. T. Constitucional.» (fls. 1316 a 1326)
3. Notificado da reclamação, o Representante do Ministério Público junto deste
Tribunal pronunciou-se no seguinte sentido:
«1°
A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2º
Na verdade, o reclamante não suscitou, durante o processo e em termos
processualmente adequados, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa,
idónea para servir de base ao recurso interposto ao fundamento na alínea b) do
nº 1 do artigo 70° da Lei do Tribunal Constitucional.
3º
Pelo que, naturalmente, não se verificam os respectivos pressupostos da
admissibilidade por força do incumprimento do ónus que condiciona a própria
legitimidade para recorrer.» (fls. 1330 e 1331)
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. Em primeiro lugar, esclareça-se que o presente acórdão não apreciará a
questão relativa à indicação das normas ou dos princípios constitucionais
violados pela decisão recorrida, visto que, conforme bem explicitado pela
decisão reclamada – e igualmente admitido pela própria reclamação ora apreciada
–, tal não constituiu fundamento de decisão de não conhecimento. Perante a
verificação do não preenchimento de outro dos pressupostos processuais de
conhecimento do objecto do presente recurso, a decisão ora reclamada limitou-se
a notar a inutilidade de eventual convite ao aperfeiçoamento, quanto à falta de
identificação – em sede de requerimento de interposição de recurso – das normas
ou dos princípios que o recorrente entendia violados.
Como é bom de ver, por força do artigo 79º-C da LTC, este Tribunal não se
encontra vinculado a fundamentar as suas decisões nas normas ou princípios
constitucionais que os recorrentes entendam incluir no momento da interposição
de recurso, podendo julgar determinadas normas inconstitucionais ou ilegais com
fundamentos noutras normas paramétricas. Contudo – reforça-se –, tal questão não
será alvo de apreciação neste acórdão, na medida em que não constitui fundamento
de prolação da decisão sumária ora reclamada.
5. Quanto ao mais, este Tribunal limita-se a corroborar o sentido já mais
amplamente expresso na decisão reclamada. Ou seja: i) por um lado, perante o
tribunal “a quo”, o recorrente limitou-se a invocar a violação de normas
infra-constitucionais (a saber, as constantes dos artigos 217º; 218º, 256º, nºs
1, alínea a) e 3 e alínea c); 30º, nºs 1 e 2; 70º; 71º, nº 1 e nº 2, alíneas d)
e e); 72º, nº 1 e nº 2, alínea d) e 77º, nº 1, todos do Código Penal); ii) por
outro lado, quando invoca a violação de preceitos constitucionais, o recorrente
aponta tal violação à própria decisão jurisdicional alvo de recurso de
constitucionalidade e não a uma (ou várias) norma(s) infra-constitucional(ais).
Daqui decorre não ter sido suscitada, de modo processualmente adequado, qualquer
questão de inconstitucionalidade de uma determinada interpretação normativa.
Assim, não subsiste fundamento para alteração da decisão reclamada.
III – DECISÃO
Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo
78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei
n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos
termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 17 de Junho de 2008
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Gil Galvão
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