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Processo n.º 223/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. A., SA, e outros apresentaram reclamação para a
conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26
de Fevereiro (LTC), contra a decisão sumária do relator, de 9 de Abril de
2008, que decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito,
não conhecer do objecto do recurso.
1.1. A referida decisão sumária tem a seguinte
fundamentação:
“1. A., SA, e outros, autores na acção ordinária que corre termos no
Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra contra os Municípios de Castelo de
Vide e da Sertã, os Ministérios da Economia e do Equipamento, Planeamento e
Administração do Território, e o Estado, reclamaram do despacho que reteve o
recurso de agravo interposto do despacho que as notificou para esclarecerem
quais os pedidos que pretendiam ver apreciados no processo, atenta a existência
de coligação ilegal. Na reclamação apresentada, argumentaram que o recurso devia
subir imediatamente, com efeito suspensivo, porque a sua retenção causaria
consequências irreversíveis aos autores, uma vez que o seu provimento implicaria
a repetição de todo o processado, que é complexo e moroso, e isto numa data em
que a demora terá causado já a sua insolvência e, por conseguinte, sem ter
qualquer utilidade.
Sobre essa reclamação recaiu o despacho do Presidente do Tribunal
Central Administrativo Norte (TCAN), de 17 de Dezembro de 2007, que indeferiu
a reclamação e considerou o recurso inadmissível, com a seguinte fundamentação:
«O despacho recorrido, proferido em sede de audiência preliminar, é
do seguinte teor: ‘por conseguinte, e porque a coligação dos réus, em
apreciação, é inadmissível, impõe‑se proceder ao seu suprimento nos termos do
artigo 31.º‑A, n.º 1, do CPC. Em conformidade, devem os autores indicar, no
prazo de 10 dias, qual o pedido que pretendem ver apreciado nos presentes
autos’.
Facilmente se constata que se trata de um despacho preparatório da
decisão de absolvição da instância relativamente a todos os pedidos ou apenas
de alguns, conforme se verificar o condicionalismo previsto no artigo 31.º‑A do
CPC. É um despacho que convida os autores a regularizarem a petição, suprindo a
excepção dilatória de coligação ilegal. Trata‑se da aplicação específica da
norma geral dos artigos 265.º, n.º 2, e 288.º, n.º 3, do CPC introduzidos pela
reforma de 1995. A indicação pelo autor dos pedidos que pretende ver apreciados
é indispensável por respeito ao princípio dispositivo (cf. artigos 264.º e
467.º, n.º l, alínea d), do CPC).
Acontece que o despacho que convida a parte a corrigir ou
regularizar os articulados não é recorrível. Recorrível é apenas a decisão que
vier a ser tomada na sequência da atitude por ela tomada na execução desse
despacho. O n.º 6 do artigo 508.º, relativo ao suprimento de excepções
dilatórias e ao convite ao aperfeiçoamento dos articulados, é muito
expressivo: ‘não cabe recurso do despacho que convide a suprir irregularidades
ou insuficiências dos articulados’.
O recurso foi admitido e apenas vem em reclamação o efeito que lhe
foi fixado. Todavia, nos termos do n.º 4 do artigo 687.º do CPC, a decisão que
admita o recurso não vincula o tribunal superior. Portanto, a questão que vem
colocada na reclamação, saber se o recurso tem subida imediata ou diferida, está
prejudicada pela inadmissibilidade do recurso.
Pelo exposto, indefere‑se a reclamação e não admito o recurso.»
Notificados desse despacho, os reclamantes apresentaram requerimento
em que propugnavam a sua reforma por se ter decidido coisa diferente do que fora
pedido, e, «por mera cautela», sucessivamente dele deduziam reclamação para a
conferência e interpunham recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (STA),
fundando estas últimas pretensões nas seguintes considerações:
«B – POR MERA CAUTELA
33.º – Caso assim se não entenda [isto é: caso não se não entenda
que estava vedado ao Presidente do TCAN decidir pela inadmissibilidade do
recurso, apenas podendo decidir se o recurso admitido devia, ou não, ter subida
imediata], diga‑se que é entendimento jurisprudencial:
‘É admissível recurso do despacho judicial que convida o autor a
completar a petição com fundamento em que apresenta irregularidades ou
deficiências susceptíveis de comprometer o êxito da acção’ (acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça, de 4 de Janeiro de 1996, Boletim do Ministério da Justiça,
n.º 361, p. 456).
‘O despacho de aperfeiçoamento é recorrível, dado que não é
proferido no uso de um poder discricionário’ (acórdão do Tribunal da Relação de
Évora, de 9 de Junho de 1988, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 378, p.
810).
34.º – Deste modo, nos termos do artigo 700.º do CPC, por
interpretação analógica e/ou extensiva e atendendo ao retro exposto nos
artigos 1 a 24, reclama-se para a Conferência.
35.º – Devendo, assim, sobre a decisão proferida pelo Ex.mo Senhor
Presidente do Tribunal Central Administrativo Norte […] recair acórdão e, em
consequência, que o caso seja levado à conferência.
36.º – Pois só assim se poderá efectivar a garantia constitucional
de recurso sobre a decisão proferida.
37.º – Entendendo‑se que a decisão viola ainda o artigo 668.º, n.º
1, alínea d), do CPC, o que também se invoca.
C – POR MERA CAUTELA
38.º – Caso se entenda sem qualquer fundamento o retro peticionado,
nos pontos A) e B), o que só por mera cautela se concede, atendendo aos
princípios constitucionais retro elencados, bem como aos artigos 2.º, n.º 2,
3.º, 676.º, 678.º, 679.º (a contrario), 680.º, 682.º, 685.º, 687.º, 754.º,
755.º, 756.º e 758.º, todos do CPC, interpõe‑se recurso da decisão proferida
pelo Senhor Presidente do Tribunal Central Administrativo Norte para o Supremo
Tribunal Administrativo.
Recurso esse, a subir de imediato e em separado, e com efeito
suspensivo. Pois a retenção do mesmo causará prejuízos às autoras, uma vez que
o seu provimento implicará a repetição de todo o processado, que é complexo e
moroso e isto numa data em que a demora terá já causado a sua insolvência e, por
conseguinte, sem ter qualquer utilidade.
39.º – Ora, tal decisão, apesar do fixado no artigo 689.º, n.º 2, do
CPC, atendendo ao retro exposto, é passível de recurso.
40.º – Assim, caso, analogicamente, o Ex.mo Senhor Relator a quem
subisse os autos a final proferisse decisão em não admitir o recurso interposto
pelos autores, tal decisão era passível de recurso.
‘O acórdão da Relação que decide não tomar conhecimento do recurso –
mesmo por inadmissibilidade – admite recurso’ (acórdão do Tribunal da Relação de
Évora, de 24 de Março de 1983, Colectânea de Jurisprudência, 1983, tomo 2.º, p.
290).
41.º – Ora, nenhuns princípios processuais impõem decisão diversa,
quando esteja em causa a decisão similar, proferida pelo Ex.mo Senhor
Presidente do Tribunal Central Administrativo Norte, como foi o caso.
42.º – Sendo que tanto mais se impõe tal recurso, na medida em que
pela primeira vez, por via dessa decisão, foi rejeitado o recurso interposto em
primeira instância, e que havia sido admitido nesta.
43.º – Interpretação diversa ofende os princípios constitucionais de
legalidade, igualdade, de acesso ao direito e as normas constitucionais retro
indicadas.»
O aludido requerimento foi indeferido por despacho do Presidente do
TCAN, de 21 de Janeiro de 2008, com a seguinte fundamentação:
«É verdade que na primeira instância o recurso foi admitido e que o
objecto da reclamação incidiu apenas sobre o momento de subida: foi determinada
a subida diferida e o reclamante pretende a subida imediata.
Na decisão tomada sobre a reclamação considerou-se a aplicação do
n.º 4 do artigo 687.º do CPC, segundo o qual a decisão que admita o recurso não
vincula o tribunal superior. Ponderada a argumentação do reclamante, continua a
entender‑se que o presidente do tribunal superior tem o poder de não admitir o
recurso nos mesmos termos que o pode fazer o relator. A impugnação prevista no
artigo 688.º do CPC é em si mesmo um ‘recurso’, pelo que se devem aplicar, no
que não está especialmente previsto, as regras gerais sobre recursos. Nem sequer
teria qualquer sentido fixar o momento de subida do recurso quando se sabe que
ele é inadmissível e que o relator tem o dever de o não admitir.
Do despacho que decide a reclamação não há recurso, nem para a
conferência nem para o Supremo Tribunal Administrativo. A decisão do
presidente não pode ser impugnada por tais meios e faz portanto caso julgado
formal – artigo 689.º, n.º 2, do CPC.
Não há qualquer violação, muito menos grave, dos artigos 2.º, 13.º,
20.º e 209.º da CRP porque o n.º 6 do artigo 508.º do CPC não impede o recurso
da decisão que for tomada na sequência do convite para a correcção de
irregularidades. São vários os preceitos legais que excluem a recorribilidade
de decisões processuais, sem que se possa ver neles qualquer violação ao direito
ao recurso (v. g. artigos 234.º, n.º 5, 486.º, n.º 6, 510.º, n.º 4, 654.º, n.º
2, e 670.º, n.º 2). No caso concreto, a decisão recorrível é aquela que for
tomada em caso de suprimento ou não suprimento da coligação ilegal, tal como
claramente resulta do artigo 31.º‑A do CPC. Só perante a decisão de absolvição
da instância por coligação ilegal é que os autores podem reagir contra o
indevido convite para o suprimento.
Pelo exposto, indefere‑se a arguição de nulidade, a reclamação e o
recuso apresentado.»
Notificados deste despacho, os reclamantes vieram interpor:
1) recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do
n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do
Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e
alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC),
resultando da resposta ao convite para aperfeiçoamento do requerimento de
interposição do recurso, que lhe foi endereçado pelo relator do Tribunal
Constitucional, que pretendem recorrer do despacho do Presidente do TCAN, de 21
de Janeiro de 2008, na parte em que considerou inimpugnável o seu anterior
despacho de 17 de Dezembro de 2007, pretendendo os recorrentes ver apreciada a
questão da inconstitucionalidade, por violação dos artigos 2.º, 13.º, 20.º e
209.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), da norma do artigo 689.º,
n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), interpretado no sentido de que é
inimpugnável a decisão do presidente de tribunal superior que, em reclamação
contra retenção de recurso admitido para esse tribunal, decide pela
inadmissibilidade de tal recurso; e
2) reclamação para o Presidente do STA.
Por despacho do Presidente do TCAN, de 12 de Fevereiro de 2008, foi
«rejeitada» a reclamação para o Presidente do STA (por entender que vale aqui
igualmente o «motivo já exposto no despacho que indeferiu o recurso para o STA
do despacho que decidiu a reclamação, ou seja, por aplicação do n.º 2 do artigo
689.º do CPC, que prescreve que a decisão do presidente não pode ser impugnada»)
e admitido o recurso para o Tribunal Constitucional, decisão que, como é
sabido, não vincula este Tribunal (artigo 76.º, n.º 3, da LTC); e, na verdade,
entende‑se que o presente recurso é inadmissível, o que possibilita a prolação
de decisão sumária, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º‑A da LTC.
2. A admissibilidade dos recursos previstos na alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da LTC – como é o caso do presente – depende, além do mais, da
prévia exaustão dos recursos ordinários, sendo equiparadas a recursos
ordinários as reclamações para os presidentes dos tribunais superiores contra a
não admissão ou retenção de recursos (artigo 70.º, n.ºs 2 e 3, da LTC).
Da decisão de que os recorrentes interpuseram recurso para o
Tribunal Constitucional – o despacho do Presidente do TCAN, de 21 de Janeiro de
2008, na parte em que considerou irrecorrível para o STA o seu anterior
despacho de 17 de Dezembro de 2007, que, em reclamação contra retenção de
recurso admitido para o TCAN, decidiu pela inadmissibilidade de tal recurso –
deduziram os mesmos recorrentes reclamação para o Presidente do STA, competindo
naturalmente a esta entidade pronunciar‑se sobre a admissibilidade e a
procedência dessa reclamação [e sendo certo que se revestem de diferente
natureza as decisões dos presidentes de tribunais superiores proferidas sobre
reclamações contra a não admissão ou a retenção de recursos para esses
tribunais interpostos – directamente sujeitos à regra do artigo 689.º, n.º 2, do
CPC – e os despachos que não admitam recurso das referidas decisões].
Assim sendo, cabendo, em princípio, reclamação para o Presidente do
STA contra quaisquer despachos que não admitam recursos interpostos para o STA e
tendo, no presente caso, essa reclamação sido efectivamente deduzida pelos
recorrentes (e não tendo ainda sido decidida pela entidade competente), tendo
por objecto a mesma decisão de que foi interposto o recurso para o Tribunal
Constitucional, não é possível conhecer deste recurso, por falta de cumprimento
do requisito da prévia exaustão dos «recursos ordinários» (a que são equiparadas
as reclamações para os presidentes dos tribunais superiores contra despachos de
não admissão ou de retenção de recursos) no caso cabíveis.”
1.2. Notificados dessa decisão sumária, os recorrentes
apresentaram o seguinte requerimento:
“A., SA, e outros, recorrente melhor identificada nos autos à
margem referenciados, tendo sido notificada de douto acórdão do Tribunal
Constitucional, segundo o qual: «3. Termos em que se decide, ao abrigo do n.º 1
do artigo 78.º‑A da LTC, não conhecer do objecto do presente recurso», isto
porque, segundo o acórdão proferido: «Assim sendo, cabendo, em princípio,
reclamação para o Presidente do STA contra quaisquer despachos que não admitam
recursos interpostos para o STA e tendo, no presente caso, essa reclamação sido
efectivamente deduzida pelos recorrentes (e não tendo ainda sido decidida pela
entidade competente), tendo por objecto a mesma decisão de que foi interposto o
recurso para o Tribunal Constitucional, não é possível conhecer deste recurso,
por falta do requisito da prévia exaustão dos ‘recursos ordinários’ (a que são
equiparadas as reclamações para os presidentes dos tribunais superiores contra
despachos de não admissão ou de retenção de recurso) no caso cabíveis», vêm
expor e a final requerer a V. Ex.a o seguinte:
1.º – Lavra em erro a fundamentação do douto acórdão.
2.º – Assim, a reclamação que os autores interpuseram efectivamente
«reclamação para o Presidente do STA» [sic].
3.º – Porém, tal reclamação foi rejeitada pelo Ex.mo Senhor Presidente do
Tribunal Central Administrativo Norte (doc. 1).
4.º – Por outro lado, fixa expressamente o artigo 689.º, n.º 2, do
CPC: «A decisão do presidente não pode ser impugnada (...)».
5.º – Daí, a rejeição do recurso interposto e da reclamação para o Presidente
do STA, pelo Ex.mo Senhor Presidente do Tribunal Central Administrativo Norte.
6.º – E daí o presente recurso interposto para o Tribunal
Constitucional.
7.º – Termos em que, ao abrigo do disposto no artigo 699.º, n.º 2,
alínea c) [sic] do CPC, se requer a reforma do acórdão, porquanto constam do
processo administrativo documentos e elementos que, só por si, implicam
necessariamente decisão diversa da proferida e que, decerto, só por manifesto
lapso não foi tomado em consideração.
8.º – Caso assim se não entenda, arguiu‑se a nulidade do acórdão,
nos termos do artigo 668.º, n.º l, alínea d), do CPC.
9.º – Porquanto, ao não conhecer o tribunal a decisão da não admissão da
reclamação para o Ex.mo Presidente do STA, o Ex.mo Senhor Juiz deixou de se
pronunciar sobre questões que devia apreciar.
10.º – Em consequência, deverá ser conhecido pelo Tribunal
Constitucional o recurso interposto pelas autoras.
11.º – Ao abrigo dos normativos em tempo citados e ainda dos artigos 6.º e 17.º
da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades
Fundamentais.”
1.3. Os recorridos foram notificados da apresentação
deste requerimento, tendo apenas respondido o Ministério Público, sustentando
carecerem as pretensões deduzidas de fundamento, desde logo por os reclamantes
não terem em conta a natureza da decisão reclamada (decisão sumária do relator,
e não “acórdão”, como eles lhe chamam), o que implicaria que o modo normal de a
impugnar seria a reclamação para a conferência, prevista no artigo 78.º‑A da
LTC, ao que acresce que à data da interposição do recurso de constitucionalidade
(4 de Fevereiro de 2008), ainda não havia sido proferido o despacho de 12 de
Fevereiro de 2008, o que naturalmente significaria que, nessa data, os
pressupostos de admissibilidade de tal recurso não estavam preenchidos.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Não obstante os recorrentes, no requerimento ora em
apreço, apelidarem de “acórdão” a “decisão sumária” do relator e parecerem
pretender a reforma do decidido (apesar de mencionarem a alínea c) do n.º 2 do
artigo 699.º do CPP – preceito inexistente –, deduz‑se do aduzido no n.º 7.º do
requerimento que pretenderiam aludir à alínea b) do n.º 2 do artigo 669.º do
mesmo Código, que possibilita o pedido de reforma da decisão quando, por
manifesto lapso do juiz, constem do processo documentos ou outro meio de prova
que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida) e,
subsidiariamente, a arguição da sua nulidade, o teor desse requerimento
corresponde a uma reclamação para a conferência contra a decisão sumária do
relator, prevista no n.º 3 do artigo 78.º‑A da LTC, e como tal será tratada.
A decisão de que foi interposto recurso para o Tribunal
Constitucional é o despacho do Presidente do TCAN, de 21 de Janeiro de 2008, na
parte em que não admitiu recurso para o STA do seu despacho de 17 de Dezembro de
2007, que, em reclamação contra retenção de recurso interposto para o TCAN,
decidiu pela inadmissibilidade deste recurso. Como do referido despacho de 21 de
Janeiro de 2008 foi simultaneamente deduzida reclamação para o Presidente do
STA, entendeu‑se na decisão sumária ora reclamada que não se podia conhecer do
recurso de constitucionalidade enquanto não fosse proferida decisão, pela
entidade competente, na reclamação para o Presidente do STA, que é equiparada a
recurso ordinário, nos termos do n.º 3 do artigo 70.º da LTC.
Este entendimento não é afectado pela circunstância de o
Presidente do TCAN se ter pronunciado no sentido da inadmissibilidade da
reclamação para o Presidente do STA, transpondo para a impugnação do despacho de
21 de Janeiro de 2008, que é um despacho de não admissão de recurso, a regra do
n.º 2 do artigo 689.º do CPC, que declara inimpugnável a decisão da reclamação
prevista no artigo 688.º do CPC. Essa pronúncia do Presidente do TCAN, sendo a
non domino, obviamente não veda aos recorrentes que requeiram a submissão da
reclamação à apreciação da entidade a quem a mesma foi dirigida: o Presidente do
STA.
Esta entidade poderá então, teoricamente, tomar uma de
três decisões: (i) considerar a reclamação inadmissível e consequentemente
rejeitá‑la com base na aludida extensão a essa reclamação do regime do artigo
689.º, n.º 2, do CPC; (ii) considerar a reclamação admissível mas indeferi‑la
por entender que não cabe recurso para o STA do despacho do Presidente do TCAN
que, em reclamação contra retenção de recurso admitido na 1.ª instância, decida
pela não admissão deste recurso; ou (iii) considerar a reclamação admissível e
deferi‑la, quer por entender que a regra de inimpugnabilidade da decisão da
reclamação do artigo 688.º, constante do artigo 689.º, n.º 2, do CPC, vale
apenas quando essa decisão é confirmativa do despacho reclamado (isto é: quando
considere inadmissível recurso não admitido ou quando considera dever ter subida
diferida recurso retido) e já não quando tal decisão é inovatória (como ocorreu
no presente caso, em que se decidiu ser inadmissível recurso que fora admitido,
embora com subida diferida, e constituindo objecto da reclamação o regime de
subida do recurso), quer por entender que é inconstitucional, como sustentam os
recorrentes, a regra do artigo 689.º, n.º 2, do CPC, quando aplicada a decisões
“inovatórias” da reclamação do artigo 688.º do CPP, em que não se verifica
“dupla conforme”.
Na terceira hipótese considerada, ficarão satisfeitas as
pretensões dos recorrentes, sem necessidade de intervenção do Tribunal
Constitucional. Na segunda hipótese, será do despacho do Presidente do STA que
indefira a reclamação, que passará a constituir a última palavra da respectiva
ordem jurisdicional sobre a questão, que caberá recurso para o Tribunal
Constitucional. Na primeira hipótese (rejeição da reclamação, por
inadmissibilidade), será a partir do momento em que se torne definitiva essa
decisão que se abrirá o prazo de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional contra o despacho do Presidente do TCAN, de 21 de Janeiro de
2008, nos termos do artigo 75.º, n.º 2, da LTC.
Como resulta do exposto, a solução acolhida na decisão
sumária ora reclamada é a única que, sem precludir a possibilidade de
oportunamente os recorrentes verem apreciada pelo Tribunal Constitucional a
questão de inconstitucionalidade que suscitaram, respeita a regra de, nos
recursos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o Tribunal
Constitucional só ser chamado a decidir depois de intervir, sobre tal questão,
a última instância admissível na ordem jurisdicional de onde o recurso emana.
3. Termos em que acordam em indeferir a presente
reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
Custas pelos recorrentes, fixando‑se a taxa de justiça
em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 19 de Junho de 2008.
Mário José de Araújo Torres
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos
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