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Processo nº 680/2007
3ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. Em 8 de Outubro de 2007 foi proferida decisão sumária em que se decidiu não
tomar conhecimento do recurso interposto para este Tribunal por A..
A decisão de não conhecimento do recurso assentou nos seguintes fundamentos:
2. Entende-se que é caso de proferir decisão sumária, nos termos do artigo
78.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, por se não poder tomar
conhecimento do recurso.
Na verdade, nos termos do artigo 75.º-A, n.ºs 1 e 2, da mesma Lei do Tribunal
Constitucional, incumbe às partes o ónus de indicar a norma que pretendem
submeter à apreciação do Tribunal Constitucional, já que, como é sabido, também
no recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade vigora o princípio do
pedido (artigo 79.º-C da referida Lei). Assim, cabe ao recorrente, no
requerimento de interposição do recurso, a definição precisa do seu objecto.
Por outro lado, são pressupostos do conhecimento de um recurso interposto, como
o presente, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal
Constitucional, além da aplicação como ratio decidendi, pelo tribunal recorrido,
da(s) norma(s) cuja constitucionalidade se impugna e do esgotamento dos recursos
ordinários que no caso cabiam, que a inconstitucionalidade normativa tenha sido
suscitada durante o processo de forma clara e perceptível (artigo 72.º, n.º 2,
da referida Lei).
Este pressuposto, como o Tribunal tem vindo repetidamente a decidir, e se diz,
por exemplo, no Acórdão n.º 352/94 (publicado no Diário da República, II série,
de 6 de Setembro de 1994), deve ser entendido, “não num sentido meramente formal
(tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da
instância)”, mas “num sentido funcional”, de tal modo “que essa invocação haverá
de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da
questão”, “antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que
(a mesma questão de constitucionalidade) respeita”. É, na verdade, este o
sentido que corresponde à natureza da intervenção do Tribunal Constitucional em
via de recurso, para reapreciação ou reexame, portanto, de uma questão que o
tribunal a quo pudesse e devesse ter apreciado – ver, por exemplo, o Acórdão n.º
560/94, publicado no Diário da República, II série, de 10 de Janeiro de 1995,
onde se escreveu que “a exigência de um cabal cumprimento do ónus da suscitação
atempada – e processualmente adequada – da questão de constitucionalidade não é,
pois, [...] uma ‘mera questão de forma secundária’. É uma exigência formal, sim,
mas essencial para que o tribunal recorrido deva pronunciar-se sobre a questão
de constitucionalidade para que o Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de
recurso, proceda ao reexame (e não a um primeiro julgamento) de tal questão”
(assim, também, por exemplo, o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da
República, II série, de 20 de Junho de 1995).
Para o efeito de indagar se a suscitação da inconstitucionalidade normativa,
perante o tribunal recorrido, ocorreu, no caso dos autos, durante o processo
(antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal recorrido) e de forma
processualmente adequada, há que consultar a motivação do recurso interposto
perante o tribunal agora recorrido (a fls. 505 e segs. dos autos). Nas alegações
57.º, 58.º e 59.º o recorrente afirmou: “Há erro na interpretação e aplicação da
norma jurídica constante do art.º 857.º do Código Civil, no que diz respeito à
noção, requisitos e pressupostos do instituto da novação.” (Alegação 57.º). “Com
base nesse artigo facilmente se pode concluir pela inexistência de novação no
caso em apreço, tendo, no entanto, o Ilustre Tribunal considerado o contrário.”
(Alegação 58.º). “Há ainda erro de interpretação e aplicação do disposto no
art.º 663.º do CPC, porquanto, ainda que se venha a atender ao contrato
celebrado no decurso de 2003 com factos novos supervenientes, os mesmos não
conduzem à extinção do direito e improcedência do pedido, conforme decidiu o
Ilustre Tribunal.” (Alegação 59.º).
Como se disse no Acórdão n.º 199/88 (publicado no Diário da República, II Série,
de 28 de Março de 1989):
[...] este Tribunal tem decidido de forma reiterada e uniforme que só lhe cumpre
proceder ao controle da constitucionalidade de ‘normas’ e não de ‘decisões’ – o
que exige que, ao suscitar-se uma questão de inconstitucionalidade, se deixe
claro qual o preceito legal cuja legitimidade constitucional se questiona, ou,
no caso de se questionar certa interpretação de uma dada norma, qual o sentido
ou a dimensão normativa do preceito que se tem por violador da lei fundamental.”
(ver também, por exemplo, os Acórdãos n.ºs 178/95 – publicado no Diário da
República, II Série, de 21 de Junho de 1995 –, 521/95 e 1026/96, inéditos).
Se o recorrente entende que um preceito não é inconstitucional “em si mesmo”,
mas apenas num segmento ou numa sua determinada dimensão ou interpretação
normativa, a exigência de suscitação da questão de (in)constitucionalidade de
forma clara e perceptível implica, pois, o ónus de, ao suscitar a
inconstitucionalidade, identificar devidamente tal questão, através da indicação
do segmento ou da enunciação da dimensão ou sentido normativo reputados
inconstitucionais – o que é evidentemente diverso de sustentar apenas que a
hipótese de uma norma não se encontra preenchida no caso concreto (mesmo que se
aduzam argumentos de constitucionalidade nesse sentido). Esta necessidade de
individualização do segmento ou de enunciação do sentido ou interpretação
normativos que o recorrente reputa inconstitucional torna-se, aliás,
particularmente evidente – notar-se-á ainda – quando o preceito ao qual se
imputa a inconstitucionalidade, logo pela sua redacção, contém vários segmentos
normativos, ou se reveste de várias dimensões ou sentidos interpretativos,
susceptíveis de suscitar questões de (in)constitucionalidade diversas,
eventualmente passíveis, também, de respostas distintas.
Ora, não pode deixar de concluir-se que, perante o tribunal recorrido, o
recorrente não enunciou, ou sequer impugnou com clareza, como inconstitucional,
um determinado sentido ou interpretação de uma (ou mais) norma(s), não causando
surpresa que o Supremo Tribunal de Justiça não tenha apreciado qualquer questão
de (in)constitucionalidade normativa.
Não tendo o recorrente cumprido devidamente o ónus de suscitação da
inconstitucionalidade normativa durante o processo, de forma clara e perceptível
(pressuposto cuja falta já não poderia ser suprida mediante qualquer convite
para aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso), não pode o
Tribunal Constitucional tomar conhecimento do presente recurso de
constitucionalidade.
2. Notificado desta decisão, A. veio requerer, nos termos do disposto no artigo
669.º do Código de Processo Civil, a aclaração da mesma, invocando o seguinte:
Prevê o art.° 669° do CPC, a possibilidade de se requerer a aclaração dos actos
decisórios dos juízes que apresentem obscuridades ou ambiguidades.
Entendendo-se que a decisão “é obscura quando contém algum passo cujo sentido
seja ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações
diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se
entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última
análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo
da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao
certo, qual o pensamento do juiz” – in “Código Processo Civil Anotado”, Vol. V,
pág.151.
Ora, o douto Acórdão detecta a norma cuja inconstitucionalidade é requerida,
considerando, no entanto, não se encontrar expressa qual a norma constitucional
em razão da qual a inconstitucionalidade é requerida.
E conclui pela improcedência do presente recurso, considerando que não há lugar
a aperfeiçoamento do requerimento de recurso.
Nos termos do disposto no art.° 6° da Lei do Tribunal Constitucional (LTC),
constante da Lei 28/82 de 15 de Novembro, compete ao Tribunal Constitucional
apreciar a inconstitucionalidade e ilegalidade nos termos do art.° 277° da
Constituição da República Portuguesa (CRP), que determina que são
inconstitucionais as normas que infrinjam o disposto na CRP ou nos princípios
nela consignados.
Facilmente se depreende e verifica estarmos perante uma decisão
inconstitucional, por, na aplicação das regras jurídicas que, quando analisadas
isoladamente nenhum problema de inconstitucionalidade levantam, na sua aplicação
ao caso concreto, conduzem á inconstitucionalidade da decisão.
Fundamenta o Ilustre Tribunal a inadmissibilidade do recurso por não
justificarem os Recorrentes a norma constitucional em razão da qual é a
inconstitucionalidade questionada.
Ora, estabelece a LCT, nomeadamente no seu art.° 51° n.° 3, que a falta,
insuficiência ou manifesta obscuridade do requerimento de recurso, determina que
seja o Requerente notificado para suprir as suas deficiências, só existindo não
admissão do mesmo quando formulado por pessoa ou entidade sem legitimidade,
quando for extemporâneo ou quando as deficiências não forem supridas.
O requerimento foi apresentado em tempo, e as partes são as legítimas.
Considerando eventuais deficiências ou obscuridades do mesmo, deve ser o
Recorrente ser convidado a supri-las.
Tudo isto, factos que o Ilustre Tribunal certamente esclarecerá, ou rectificará,
convidando o Recorrente ao aperfeiçoamento do seu requerimento, conforme é de
Direito e de Justiça.
Em 1 de Fevereiro de 2008, foi pela relatora proferido o seguinte despacho:
1. Nos autos de fiscalização concreta da constitucionalidade supra
identificados, em que é recorrente A., foi, em 8 de Outubro de 2007, proferida
decisão sumária com os seguintes fundamentos (fls. 628 e segs.).
Notificado desta decisão apresentou o recorrente, com invocação do disposto no
artigo 669.º do Código de Processo Civil, requerimento onde pediu a sua
aclaração (fls. 640 e segs.).
2. Sustenta o ora reclamante, a fls. 646 e 647, que “estabelece a LCT,
nomeadamente no seu art.º 51.º n.º 3, que a falta, insuficiência ou manifesta
obscuridade do requerimento de recurso, determina que seja o Requerente
notificado para suprir as suas deficiências, só existindo não admissão do mesmo
quando formulado por pessoa ou entidade sem legitimidade, quando for
extemporâneo ou quando as deficiências não forem supridas.”
Obviamente, não é assim. Para além do preceito invocado respeitar a processos de
fiscalização abstracta, a obrigação de proferir um despacho de aperfeiçoamento
nos termos dos n.ºs 5 e 6 do artigo 75.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro
(Lei do Tribunal Constitucional) vale exclusivamente para o requerimento de
interposição do recurso de constitucionalidade – e, aliás, nunca pode tal
despacho suprir a falta de indicação, durante o processo, das normas a apreciar
nesse recurso. Trata-se de um despacho de aperfeiçoamento formal, não de sanação
de uma insuficiência de pressupostos substanciais para se poder tomar
conhecimento do recurso.
O que se escreveu na decisão sumária foi isso mesmo: o recorrente estava
obrigado a, perante o Supremo Tribunal de Justiça, suscitar de forma adequada a
questão de constitucionalidade que pretendia que tal tribunal apreciasse. Não
tendo cumprido esse ónus de adopção de uma estratégia processual adequada, fica
precludida a possibilidade de obter uma reapreciação, por parte do Tribunal
Constitucional, do juízo de constitucionalidade (emitido ou omitido) pelo
tribunal a quo.
Ora, como se escreveu na decisão sumária, o recorrente não suscitou, perante o
tribunal recorrido, nenhuma questão de constitucionalidade balizada na
identificação de uma ou mais normas e de um sentido correspondente. Assim, não
há nada a aclarar, já que a decisão sumária que, com este fundamento, resolveu
não conhecer do recurso de constitucionalidade, é indiscutivelmente clara.
3. Nestes termos, indefere-se a aclaração requerida.
3. Notificado desta decisão, A. veio dela recorrer para o Presidente do
Tribunal Constitucional, tendo em 22 de Fevereiro de 2008 a relatora proferido o
seguinte despacho:
Pretende o requerente A. “recorrer” para o Juiz Conselheiro Presidente do
Tribunal Constitucional do despacho de fls. 671 dos autos, que lhe indeferiu o
pedido de aclaração da Decisão Sumária de fls. 628 e segs.
Considerando que o meio idóneo de que dispõe o requerente para reagir ao
indeferimento do pedido de aclaração não é, em processo constitucional, aquele
que se escolheu, mas antes o que vem identificado no nº 3 do artigo 78º-A da Lei
do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82) – a reclamação para a Conferência –
notifique‑se, para que as partes, querendo, se pronunciem sobre a questão.
Em resposta a este despacho, veio A. reclamar para a conferência, dizendo o
seguinte:
Foi o recurso em questão liminarmente rejeitado porquanto considerou o Ilustre
Juiz Conselheiro Relator que não foi a questão da inconstitucionalidade
correctamente levantada e que não existe lugar ao aperfeiçoamento do
requerimento de recurso.
Decisão cuja aclaração se requereu nos termos do disposto no art.° 669° do
Código de Processo Civil.
Prevê o art.° 669° do CPC, a possibilidade de se requerer a aclaração dos actos
decisórios dos juízes que apresentem obscuridades ou ambiguidades.
Entendendo-se que a decisão “é obscura quando contém algum passo cujo sentido
seja ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações
diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se
entre dois sentidos diferentes e poroentura opostos. É evidente que, em última
análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo
da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao
certo, qual o pensamento do juiz” – in “Código Processo Civil Anotado”, Vol. V,
pág.151.
Ora, o douto Acórdão em causa detectou a norma cuja inconstitucionalidade é
requerida, considerando, no entanto, não se encontrar expressa qual a norma
constitucional em razão da qual a inconstitucionalidade é requerida.
Nos termos do disposto no art.° 6° da Lei do Tribunal Constitucional (LTC),
constante da Lei 28/82 de 15 de Novembro, compete ao Tribunal Constitucional
apreciar a inconstitucionalidade e ilegalidade nos termos do art.° 277° da
Constituição da República Portuguesa (CRP), que determina que são
inconstitucionais as normas que infrinjam o disposto na CRP ou nos princípios
nela consignados.
Facilmente se depreende e verifica estarmos perante uma decisão
inconstitucional, por, na aplicação das regras jurídicas que, quando analisadas
isoladamente nenhum problema de inconstitucionalidade levantam, na sua aplicação
ao caso concreto, conduzem á inconstitucionalidade da decisão.
Fundamenta o Ilustre Tribunal a inadmissibilidade do recurso por não
justificarem os Recorrentes a norma constitucional em razão da qual é a
inconstitucionalidade questionada.
Sendo que, simultaneamente demonstra ter apreendido a questão de
inconstitucionalidade levantada.
O que levanta ao Recorrente dúvidas acerca da pertinência da recusa do recurso
interposto, sendo que não foram sequer as partes convidadas à sua aclaração,
conforme lga1mente previsto. Dúvida esta que são foi esclarecida na aclaração
requerida.
Ora, estabelece a LCT, nomeadamente no seu art.° 51° n.° 3, que a falta,
insuficiência ou manifesta obscuridade do requerimento de recurso, determina que
seja o Requerente notificado para suprir as suas deficiências, só existindo não
admissão do mesmo quando formulado por pessoa ou entidade sem legitimidade,
quando for extemporâneo ou quando as deficiências não forem supridas.
O requerimento foi apresentado em tempo, e as partes são as legítimas.
Pelo que não deveria o recurso ser liminarmente recusado, facto que não ficou
esclarecido com a aclaração requerida.
Motivos pelos quais se requer a reapreciação da decisão de indeferimento liminar
do requerimento de recurso apresentado, sendo que o mesmo foi apresentado em
total obediência dos preceitos legais aplicáveis, tendo sido apresentado em
tempo, por parte legítima e com fundamento legal.
Apresentando-se a presente reclamação para a conferência da decisão de
indeferimento liminar do requerimento de recurso apresentado e bem assim, do
indeferimento da aclaração requerida.
B., S.A., respondeu à reclamação nos termos seguintes:
1. Salvo o devido respeito, não assiste razão à Reclamação apresentada pelo
Recorrente, porquanto o recurso apresentado junto do Tribunal Constitucional é
inadmissível.
2. Antes de mais, saliente-se que a competência do Tribunal Constitucional para
apreciar a inconstitucionalidade e ilegalidade rege-se pelos seguintes trâmites
e pressupostos legalmente fixados.
3. Nomeadamente – atendendo ao requerimento de interposição de recurso para o
Tribunal Constitucional apresentado pelo Recorrente e que alega aplicação de
norma ferida de ilegalidade e inconstitucionalidade – cabe recurso para o
Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo ou que aplique
norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo, com qualquer dos
fundamentos referidos nas alíneas c), d) e e) (quando haja recusa de aplicação
de norma), nos termos das alíneas b) e f) do n°1 do art.70° da LTC.
4. Mais, os recursos previstos nas alíneas b) e f) do n°1 do art.70° só podem
ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade
ou da ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer.
5. Acresce, ainda, que o requerimento de recurso deve ser indeferido quando
forem manifestamente infundados os seus fundamentos.
6. Por último, o requerimento de interposição de recurso apresentado pelo
recorrente tem de conter uma definição precisa do seu objecto, sendo que incumbe
às partes o ónus de indicar a norma que pretendem submeter à apreciação do
Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 75-A n°s 1 e 2 da LTC, vigorando o
princípio do pedido.
7. Ora, o Recorrente alega na reclamação para a conferência apresentada, em
síntese, que o Tribunal Constitucional detectou a norma cuja
inconstitucionalidade é requerida e que apreendeu a questão de
inconstitucionalidade levantada.
8. O Recorrente, embora confesse expressamente que no requerimento de
interposição não se encontra expressa qual a norma constitucional em razão da
qual a inconstitucionalidade é requerida, considera que existem dúvidas acerca
da pertinência da recusa do recurso interposto.
9. Não se compreenda o fundamento da reclamação ora apresentada, pois não se
compreende o teor da alegação do Recorrente de que essa dúvida “que são foi
esclarecida na aclaração requerida”.
10. O cerne da questão é que o Recorrente assenta a sua reclamação na alegada
violação do n°3 do art. 51° da LCT, alegando que deveria ter sido notificado
para suprir as deficiências do seu requerimento de interposição de recurso.
11. Todavia, tal disposição legal rege os trâmites dos pedidos de apreciação de
constitucionalidade ou da legalidade em sede de fiscalização abstracta e não as
interposições de recurso em sede de fiscalização concreta.
12. Na verdade, o requerimento de interposição de recurso do Recorrente,
interposto ao abrigo da alínea b) do n°1 do art. 70º da LTC, está legal e
obrigatoriamente sujeito às indicação da norma cuja constitucionalidade se
impugna, a invocação do esgotamento dos recursos ordinários e a verificação de
que a inconstitucionalidade normativa foi suscitada durante o processo de forma
clara e perceptível.
13. Acontece que o requerimento de interposição de recurso apresentado pelo
Recorrente não preenche os requisitos legais, nomeadamente o Recorrente não
invocou nem alegou nenhum dos requisitos essenciais para a admissão do recurso.
14. Mais, a realidade processual dos presentes autos não admitem a interposição
de recurso para o Tribunal Constitucional, uma vez que o Recorrente não enunciou
nem impugnou, com clareza e perceptibilidade, como inconstitucional um
determinado sentido ou interpretação das normas em sede do Tribunal recorrido.
15. Na verdade, o Recorrente não soube identificar a norma ou o sentido ou
interpretação que considerava inconstitucional em sede do Supremo Tribunal de
Justiça, o qual nunca poderia ter apreciado qualquer questão de
inconstitucionalidade ou constitucionalidade normativa.
16. Sendo precisamente neste ponto que reside a impossibilidade e
inadmissibilidade do recurso para o Tribunal Constitucional, porquanto, nos
termos do n°2 do art. 72° da LTC, qualquer recurso interposto ao abrigo da
alínea b) do n°1 do art. 70° só pode ser interposto pela parte que haja
suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em
termos de este estar obrigado a dela conhecer.
17. Nessa medida e uma vez que o Supremo Tribunal de Justiça não estava obrigado
a conhecer a inconstitucionalidade invocada, nunca poderia o Recorrente lançar
mão do expediente de recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea
b) do n°1 do art. 70º.
18. Ressalve-se que o convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição
de recurso em sede de fiscalização concreta é obrigatório, nos termos do art.
75-A, quando o mesmo seja omisso quanto à alínea ao abrigo da qual se recorre,
quanto à norma cuja apreciação se visa e quanto à peça processual em que o
Recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade.
19. Pelo que se revela evidente que não assistia ao Recorrente qualquer direito
de aperfeiçoamento, pois apesar do requerimento apresentado não cumprir tais
requisitos, a questão fuicral é que nunca os poderia cumprir, conforme supra
exposto, já que a questão da inconstitucionalidade não foi validamente suscitada
perante o Supremo Tribunal de Justiça.
20. Aliás, a aclaração à Douta Decisão Sumária proferida esclarece precisamente
essa impossibilidade de aperfeiçoamento, ao salientar que a obrigação de
despacho de aperfeiçoamento do art.75-A vale exclusivamente para o requerimento
de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, pelo que não pode tal
despacho suprir a falta de indicação, durante o processo, das normas a apreciar
nesse recurso.
21. Em suma, o Recorrente estava obrigado, perante o Supremo Tribunal de
Justiça, a suscitar de forma adequada a questão de constitucionalidade que
pretendia que tal tribunal apreciasse; todavia, não cumpriu esse ónus.
22. Ora, não tendo cumprido o ónus de identificar a norma ou interpretação
inconstitucional a apreciar pelo Supremo Tribunal de Justiça, preclude a
possibilidade de obter uma reapreciação, por parte do Tribunal Constitucional,
do juízo de constitucionalidade do Tribunal a quo.
23. Por tudo o exposto, demonstra-se que o recurso interposto pelo Recorrente
para o Tribunal Constitucional não preenche os requisitos legais, pelo que o
mesmo deverá ser mantida a Douta Decisão Sumária proferida, não podendo ser
conhecido e impondo‑se a sua recusa liminar.
C., por sua vez, respondeu à reclamação expondo o seguinte:
1. Não assiste razão à Reclamação para a Conferência apresentada pelo
Recorrente, porquanto o recurso apresentado junto do Tribunal Constitucional ao
abrigo da alínea b) do n1 do art.70 é inadmissível.
2. Pois, o recurso interposto ao abrigo de tal disposição apenas pode ser
interposto pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou
da ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu
a decisão recorrida, e que esteja obrigado a conhece-la.
3. Em primeiro lugar, o Recorrente invoca na sua reclamação uma alegada violação
do n3 do art. 51º da LCT, por não ter sido notificado para suprir as
deficiências do seu requerimento de interposição de recurso.
4. Contudo, tal disposição legal regula os pedidos de apreciação de fiscalização
abstracta de constitucionalidade e não as situações de fiscalização concreta,
como a que se encontra em causa nos presentes autos.
5. Em segundo lugar, o requerimento de interposição de recurso apresentado pelo
Recorrente não preenche os requisitos legais.
6. O requerimento de interposição de recurso do Recorrente, interposto ao abrigo
da alínea b) do foi do art. 70 da LTC, está legal e obrigatoriamente sujeito às
indicação da norma cuja constitucionalidade se impugna, a invocação do
esgotamento dos recursos ordinários e a verificação de que a
inconstitucionalidade normativa foi suscitada durante o processo de forma clara
e perceptível.
7. Todavia, o Recorrente não enunciou nem impugnou, com clareza e
perceptibilidade, como inconstitucional um determinado sentido ou interpretação
das normas em sede do Tribunal recorrido.
8. Pelo que o Supremo Tribunal de Justiça não estava obrigado a conhecer a
pretensa inconstitucionalidade invocada e por isso o Recorrente nunca poderia
interpor do recurso para o Tribunal Constitucional nos termos da alínea b) do nº
1 do art. 70º.
9. Não tendo o Recorrente cumprido os requisitos legais prévios e condicionantes
da admissão do recurso, nunca poderia ser dada a faculdade de aperfeiçoamento ao
Recorrente, uma vez que por mais aperfeiçoamento que fosse feito, nunca
conseguiria o Recorrente sanar a falta de invocação de inconstitucionalidade no
tribunal ad quo.
10. Ora, o Recorrente não cumpriu o ónus prévio que incidia sobre si, pois não
suscitou de forma adequada a questão de constitucionalidade que pretendia que o
Supremo Tribunal de Justiça apreciasse.
11. E sem tal requisito extingue-se a faculdade do juízo de constitucionalidade
do Tribunal recorrido ser reapreciado, por parte do Tribunal Constitucional,
12. Pelo que comprova-se que o recurso interposto pelo Recorrente para o
Tribunal Constitucional viola os requisitos legalmente consagrados, devendo ser
mantida a Douta Decisão Sumária de recusa liminar do recurso apresentado pelo
Recorrente por inadmissibilidade face à ausência dos requisitos legais
essenciais.
Cumpre apreciar e decidir.
II
Fundamentos
4. A presente reclamação carece manifestamente de fundamento.
Com efeito, e como se afirmou na decisão reclamada, tratando-se de um recurso
interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal
Constitucional, é necessário, para que se possa tomar conhecimento do recurso,
que o recorrente haja suscitado, durante o processo e de modo processualmente
adequado, a questão de constitucionalidade perante o tribunal a quo.
Como tem sido esclarecido por uma jurisprudência firmemente estabelecida, e
amplamente conhecida, deste Tribunal – cfr., por exemplo, os arestos indicados
no Acórdão n.º 116/2002 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), como, por
exemplo, o Acórdão n.º 269/94 (Diário da República, II série, de 18 de Junho de
1994):
[...]
Suscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal que
o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de
constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que –
como já se disse – tal se faça de modo claro e perceptível, identificando a
norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que (no entender
de quem suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se
aponte o porquê dessa incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao
menos, a norma ou princípio constitucional infringido.
Ora, sendo assim – e não se vê que possa ser de outro modo, pois não é exigível
que os tribunais decidam questões (designadamente questões de
constitucionalidade) sem que as partes lhes indiquem as razões por que entendem
que elas devem ser decididas num determinado sentido, e não noutro.
É, pois, sobre o recorrente que incumbe o ónus de enunciar a norma ou dimensão
normativa que impugna, como inconstitucional, perante o tribunal a quo, e bem
assim de indicar as normas ou princípios constitucionais que considera violados,
não sendo ao Tribunal Constitucional que compete averiguar a questão de
constitucionalidade objecto do recurso – como parece pretender o recorrente, ao
afirmar, a fl. 714 da presente reclamação:
Fundamenta o Ilustre Tribunal a inadmissibilidade do recurso por não
justificarem os Recorrentes a norma constitucional em razão da qual é a
inconstitucionalidade questionada.
Sendo que, simultaneamente demonstra ter apreendido a questão de
inconstitucionalidade levantada.
O que levanta ao Recorrente dúvidas acerca da pertinência da recusa do recurso
interposto […]
Para além disto, a presente reclamação nada acrescenta de novo, em argumentação,
ao que se afirmou no despacho proferido pela relatora em 1 de Fevereiro de 2008
que possa servir de fundamento a mais esta intervenção processual, limitando-se
o ora reclamante a repetir exactamente a mesma insatisfação ou discordância em
relação à fundamentação da decisão reclamada que afirmara no pedido de aclaração
de fls. 640 e segs.
A decisão reclamada merece, pois, total confirmação.
III
Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a
presente reclamação, confirmando a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 30 de Maio de 2008
Maria Lúcia Amaral
Carlos Fernandes Cadilha
Gil Galvão
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