|
Processo nº 792/2007
3ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
Relatório
1. A. vem, a fls. 1210 e segs., reclamar para a conferência da decisão sumária
de fls. 1198 e segs., que decidiu não tomar conhecimento do recurso de
constitucionalidade por aquela interposto após ter sido notificada do despacho
do Supremo Tribunal de Justiça de fl. 1184. Pode, entre o mais, ler-se na
fundamentação da decisão ora reclamada:
(…)
5. No presente caso, o recurso de constitucionalidade tem por objecto, nos
termos do respectivo requerimento, a “apreciação da inconstitucionalidade da
norma contida no Art. 732.º-A do Código de Processo Civil, na vertente que
limita o requerimento, pelas partes, do julgamento ampliado da revista, até à
prolação do acórdão, por parte do Supremo Tribunal de Justiça”.
Na verdade, a recorrente jamais suscitou durante o processo a questão da
inconstitucionalidade de tal dimensão interpretativa do artigo732.º-A do Código
de Processo Civil, só tendo suscitado tal questão no requerimento de fls. 1108 e
segs. dos autos de submissão da revista a julgamento ampliado, com o objectivo
de assegurar a uniformidade da jurisprudência.
Ora, à data das suas contra-alegações de recurso (independente) e do seu recurso
(subordinado) para o Supremo Tribunal de Justiça, não podia deixar de
considerar-se exigível, à recorrente, que previsse que o entendimento que veio a
fazer vencimento no acórdão de 14 de Dezembro de 2006 do Supremo Tribunal de
Justiça (cujo mérito não está em causa para o presente efeito, de verificação
dos pressupostos do recurso de constitucionalidade) não era novo na
jurisprudência daquele Supremo Tribunal, conforme consta da respectiva (e supra
transcrita) fundamentação de direito, em que se remete para o Acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça, de 19 de Julho de 1979, in BMJ, págs. 289-326.
E logo se conclui que à recorrente era exigível que antevisse a possibilidade de
aplicação, ao caso concreto, do sentido interpretativo do artigo 732.º-A do
Código de Processo Civil que ora pretende impugnar perante este Tribunal
Constitucional, desde logo por se encontrar na jurisprudência deste Tribunal o
Acórdão n.º 261/2002 (publicado no DR, II Série, de 24 de Julho de 2002, e
disponível em www.tribunalconstitucional.pt), no qual se não julgou
inconstitucional o disposto no artigo 732.º-A do Código de Processo Civil,
interpretado em termos de o requerimento das partes a que se refere o seu n.º 2
apenas poder ser apresentado até à prolação do acórdão que julga a revista.
Pelo que, numa estratégia processual cautelosa, antecipando a eventualidade de o
Supremo Tribunal de Justiça vir a optar pela tese mais desfavorável ao seu
interesse e considerando o entendimento, que podia conhecer, sobre o artigo
732.º-A, n.º 2, do Código de Processo Civil, ou haveria de ter suscitado logo
(para efeitos de recurso de constitucionalidade) a inconstitucionalidade da
norma contida no referido artigo 732.º-A, n.º 2, “na vertente que limita o
requerimento, pelas partes, do julgamento ampliado da revista, até à prolação do
acórdão, por parte do Supremo Tribunal de Justiça”, ou requeria ela mesma este
julgamento ampliado. Em face dos elementos disponíveis, tal não correspondia a
qualquer exigência de onerosidade desproporcionada, tratando-se, muito
simplesmente, do ónus, que este Tribunal tem afirmado repetidamente na sua
jurisprudência e que recai sobre as partes, de estas “analisarem as diversas
possibilidades interpretativas susceptíveis de virem a ser seguidas e utilizadas
na decisão e utilizarem as necessárias precauções, de modo a poderem, em
conformidade com a orientação processual considerada mais adequada, salvaguardar
a defesa dos seus direitos” (cfr., nesse sentido, o Acórdão n.º 22/2002). Como
se salientou no Acórdão n.º 446/2003 (disponível, tal como o anteriormente
citado, em www.tribunalconstitucional.pt), “[c]umpria, pois, [à] recorrente – e
independentemente das dúvidas interpretativas legitimamente suscitadas quanto a
esta norma [no caso, a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), na interpretação
segundo a qual é inadmissível o recurso para o Supremo de acórdãos
contraditórios, proferidos pelas Relações, confirmatórios do decidido em 1.ª
instância, por crimes a que seja aplicável pena de prisão não superior a 8 anos,
mesmo em caso de concurso de infracções] –, numa estratégia processual
cautelosa, ter antecipado a eventualidade de o Supremo vir a optar pela tese
mais desfavorável ao seu interesse, confrontando-o logo com tal questão de
inconstitucionalidade, de modo a provocar o exercício sobre ela dos respectivos
poderes cognitivos – sendo, deste modo, intempestiva a sua colocação apenas em
sede de arguição de nulidades.”
Não tendo a recorrente suscitado durante o processo a inconstitucionalidade da
norma que pretende submeter à apreciação sub specie constitutionis, não pode
agora o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do presente recurso.
2. A reclamante diz o seguinte na sua (extensa) reclamação, na parte relativa ao
obstáculo processual ao conhecimento do recurso em que se fundou a decisão
reclamada:
(…)
C. O MOMENTO OPORTUNO PARA A INTERPOSIÇÃO DO RECURSO
14. Nos fundamentos da decisão, propriamente dita, diz-se o que, de resto,
decorre do n° 1 do citado Art. 732‑A, C. P. Civil, ou seja: a
inconstitucionalidade deve ser suscitada durante o processo, o que a reclamante
fez, e também, até à prolação do acórdão, o que, realmente, não aconteceu.
15. Mas a verdade parece ser esta: se a inconstitucionalidade da norma se baseia
na violação do princípio da confiança, a exigência, em qualquer caso, de que a
questão seja suscitada antes de proferido o acórdão pelo STJ, coloca a tese que
queremos demonstrar no lugar da hipótese de que devemos partir.
16. Ou seja, por exemplo, que, por falta momentânea de outro melhor, aqui se
deixa expresso: põe-se o problema de saber se um médico violou o seu dever por
se ter recusado a assistir alguém, em perigo de vida, depois do seu horário de
trabalho; será lícito e aceitável que ele se defenda dizendo que não assistiu o
doente por ter terminado o seu tempo de serviço?
17. No caso do Art. 732-A, C. P. Civil, se a lei reserva o direito de as partes
requererem o julgamento ampliado da revista à possibilidade de vir a ser
proferida uma solução jurídica que esteja em oposição com jurisprudência
anteriormente firmada, essa possibilidade tem que ser aquilatada pelas próprias
partes, em face da sua experiência, dos dados do processo, da prática
jurisprudencial, do entendimento da doutrina, etc..
18. Isto é, a menos que elas requeiram sempre o julgamento ampliado, o que não
corresponde nem à letra, nem, certamente, ao espírito da lei, aquela
possibilidade tem que ser aferida por critérios razoável, lógica e racionalmente
exigíveis às partes e não a outrem.
19. Para aquilatar dessa possibilidade elas não podem deixar de contar,
fatalmente, com todas as circunstâncias que envolvem o processo, mormente, com
as decisões que já nele tenham sido tomadas, como foi o caso.
20. E isto porque, aqueles dados e aquelas decisões, num estado de direito
democrático, têm que inspirar, aos cidadãos, um mínimo de confiança na Justiça
do seu país, ainda que eles não ignorem que, as vias de recurso possam ser
alteradas, mas não alteradas de qualquer modo, ou, por outras palavras,
alteradas mas em face de sérios e ponderados fundamentos.
21. Se não fosse assim, isto é, se não existisse essa confiança relativa, nunca
nenhuma parte vencida se conformaria com uma sentença proferida na primeira
instância!
22. No caso que nos ocupa, como é que podia exigir-se à reclamante, que actuou
sempre com toda a lisura e boa fé, que viu provada toda a matéria de facto que
foi essencial à tese que defende, que juntou dezenas de documentos idóneos e
impugnáveis, que viu deferidas duas providências cautelares, que teve como
favoráveis três autos de inspecção ao local e que viu proferidas, a seu favor, a
sentença do tribunal de comarca e da Relação do Porto, convincentemente
fundamentadas, como é que podia exigir-se-lhe – dizia – que tivesse como
razoavelmente provável a possibilidade de ser proferido, no STJ, um acórdão
desfavorável, caso ele estivesse íntegro e os seus dados fossem equitativamente
interpretados.
23. A violação dos princípios da confiança, da proporcionalidade e do direito a
um processo equitativo, só o “a posteriori”, como parece óbvio, podia, e assim
foi feito, ser detectada e denunciada.
24. Estamos, pois, em presença de uma situação excepcional, anómala, referida na
fundamentação da decisão e declaradamente extraída do AcTC nº 352/94, 06.09.94,
Proc. n° 92/92, onde se lê que “não se pode exigir ao interessado que suscitasse
a questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão final,
designadamente, por o tribunal a quo ter efectuado uma aplicação de todo
insólita e imprevisível da norma impugnada” (Salvo menção em contrário,
destaques e/ou sublinhados são da responsabilidade da reclamante).
25. Por sua vez, no AcTC n° 479/89, de 24.04.92 diz-se em que condições pode
suscitar-se a inconstitucionalidade a posteriori como sendo aquelas “em que a
interpretação judicial seja tão insólita e imprevisível que seria de todo
desrazoável dever a parte contar (também) com ela.”
(…)
35. De tudo o que antecede, só poderá concluir-se que não era razoavelmente
exigível, à autora, que pedisse a priori o julgamento ampliado da revista, sob
pena de se transformar a “possibilidade” de que fala a lei numa obrigatoriedade
não imposta por uma prudência e por uma cautela, também razoáveis, mas em nome
do medo e da imprevisibilidade que não assentaria em qualquer fundamento lógico
e racional.
36. Estamos assim, manifestamente, perante uma daquelas situações “excepcionais,
anómalas”, nas quais, como se diz na douta decisão, “não se pode exigir ao
interessado que suscitasse a questão da constitucionalidade antes de proferida a
decisão final, designadamente [este advérbio quer significar que pode haver
outras situações em que tal solução pode ser adoptada], por o tribunal a quo ter
efectuado uma aplicação de todo em todo insólita e imprevisível da norma
impugnada”.
Através do requerimento de fls. 1238 e 1239, a reclamante veio
(…) informar esse Venerando Tribunal que o mandato forense outorgado ao
signatário, bem como a prova da concessão do apoio judiciário, se encontram
juntos ao apenso A, pelo que, também por essa relevante razão, os apensos não
poderiam deixar de acompanhar os autos da acção principal.
De facto, a falta de prova do mandato forense tornaria a intervenção do
signatário ilegítima, enquanto que a falta de prova da concessão do apoio
judiciário implicaria o pagamento das respectivas taxas de justiça, o que,
obviamente, não se verificou nem, como tal, foi julgado.
Nestes termos, reitera o seu requerimento ínsito nos referidos pontos da sua
reclamação, no sentido de ser ordenada a junção dos apensos aos autos
principais.
Face à eventualidade de a Conferência vir a indeferir a reclamação com
fundamento na não efectiva aplicação por parte do tribunal a quo - e como ratio
decidendi - da norma cuja inconstitucionalidade foi alegada, foi a reclamante,
por despacho de fl. 1242, notificada para, querendo, se pronunciar quanto a este
novo fundamento, tendo “em jeito de conclusões” dito o seguinte na sua resposta:
13. No caso presente, acham-se verificados todos os pressupostos da
admissibilidade do recurso para o TC, a saber:
a. A inconstitucionalidade foi adequadamente suscitada, perante o tribunal que
proferiu a decisão, durante o processo, no momento, e só neste, em que a
recorrente pôde fazê-lo e o tribunal dela podia conhecer;
b. A norma impugnada foi aplicada pelo tribunal recorrido como “ratio
decidendi”;
c. Da decisão do STJ não era admissível recurso ordinário, mas se a norma fosse
julgada inconstitucional, como expressamente foi requerido, o caso seria
reapreciado, pelo plenário das secções cíveis;
d. A recorrente esgotou todos os recursos ordinários, pelo que a apreciação da
questão objecto desta acção pelo plenário das secções cíveis só ficou a dever-se
ao facto de não ter sido julgada inconstitucional a norma contida no Art. 732-A,
n° 2, na vertente segundo a qual as partes devem poder pedir a revista ampliada
depois de proferido o acórdão do STJ, por estar em oposição com jurisprudência
anteriormente firmada, no domínio da mesma legislação;
e. O recurso para o TC deve ser admitido, mormente quando a solução imposta
pelo acórdão do STJ, como se vê pelas razões oportunamente apontadas, é de todo,
impensável, imprevisível, inesperada, excepcional e, mesmo, insólita e anómala.
Cumpre apreciar e decidir.
II
Fundamentos
3. Adiante-se desde já que a presente reclamação não pode obter provimento.
Desde logo, em recursos de constitucionalidade interpostos ao abrigo do disposto
na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, as
partes não podem requerer qualquer diligência, e as diligências, quando pedidas
ou lembradas pelas partes, só se efectuam se o Tribunal Constitucional as julgar
necessárias.
Por outro lado, como tem sido repetidamente afirmado na jurisprudência deste
Tribunal (cfr., entre outros, o Acórdão n.º 230/2001 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt), o benefício do apoio judiciário envolve uma
simples dispensa de pagamento, de acordo com o regime que regula a respectiva
concessão, mas a fixação das custas, quando devidas, tem de constar da decisão.
Assim sendo, o apoio judiciário apenas opera ou releva no momento do pagamento
das quantias que vierem a ser fixadas nos autos.
Depois, como muito bem se sabe – e como inúmeras vezes tem sido repetido por
este mesmo Tribunal – através deste tipo de recursos [previstos, antes do mais,
pela alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição] só pode o Tribunal
Constitucional conhecer de questões relativas à constitucionalidade de normas.
As decisões judiciais, em si mesmas consideradas, não são, em direito português,
objecto de controlo de constitucionalidade. Daí que, para o Tribunal
Constitucional, surja naturalmente como um dado a norma de direito
infraconstitucional que é questionada no recurso. No nosso sistema de
fiscalização concentrada e incidental da constitucionalidade, não cabe ao
Tribunal Constitucional, nem controlar o modo como a matéria de facto foi
apurada pelos tribunais recorridos, nem sequer
controlar o mérito da decisão recorrida, em si mesma, ou, sequer, apurar se as
normas nela aplicadas correspondem ou não ao melhor direito. Como se disse no
Acórdão n.º 44/85, “saber se a norma era ou não aplicável ao caso, ou se foi ou
não bem aplicada – isso é da competência dos tribunais comuns, e não do Tribunal
Constitucional” (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 5, 1985, p. 408).
A exigência de prévia suscitação da questão de constitucionalidade (prévia em
relação à prolação da decisão recorrida) faz, assim, todo o sentido no quadro
dos pressupostos do recurso de constitucionalidade. Tratando-se este de um
recurso que incide sobre normas e não sobre decisões, lógico é que se
pressuponha que o tribunal a quo, de cuja decisão se recorre, tenha nessa mesma
decisão aplicado a norma cuja constitucionalidade se questiona, pelo que tal
questionamento terá que ter sido feito pelo próprio recorrente durante o
processo, isto é, antes da prolação da decisão recorrida.
O Tribunal Constitucional tem dito, no entanto, e muito compreensivelmente, que
esta exigência de prévia suscitação da questão de constitucionalidade se não
aplica às situações que sejam de todo excepcionais ou anómalas, por o recorrente
não ter tido nelas qualquer oportunidade processual de suscitar a questão de
constitucionalidade durante o processo; e que se contam, nestes casos anómalos
de inexistência de oportunidade processual, as situações em que a decisão
recorrida tenha feito uma interpretação da norma com a qual o recorrente não
podia razoavelmente contar. É que, nestes casos, anómalos, não será exigível que
se suscite a inconstitucionalidade da norma antes da prolação da decisão. Posto
que esta acaba por ter um conteúdo imprevisto, ou surpreendente, nenhum juízo se
poderia ter feito, antecipadamente, quanto à sua emissão. (Vejam-se, entre
outros, os Acórdãos n.ºs 499/97, 642/99, 124/00, 192/00, 79/02, 120/02 e 669/05,
todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.)
4. A reclamante pretende que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de
Dezembro de 2006, se integra precisamente nesse grupo de situações anómalas que
justificam a dispensa de suscitação prévia da questão de constitucionalidade.
Não pode, porém, concordar-se com a reclamante neste ponto.
Na verdade, à data das suas contra-alegações de recurso (independente) e do seu
recurso (subordinado) para o Supremo Tribunal de Justiça, não podia deixar de
considerar-se exigível à recorrente que previsse a eventualidade de o Supremo
Tribunal de Justiça, dentro dos seus poderes de cognição em sede de recurso de
revista, vir a optar pela tese mais desfavorável ao seu interesse, tese ou
entendimento (que exige a alegação fáctica de sinais exteriores, visíveis e
permanentes, postos para assegurar a passagem e constitutivos da usucapião) que,
como se disse na decisão reclamada, não era inteiramente novo na jurisprudência
daquele Supremo Tribunal (veja-se o acórdão de 21 de Abril de 1994, proferido na
revista n.º 084380, cujo sumário está acessível em www.dgsi.pt).
A recorrente sabia, pois, ou podia saber, independentemente da sua expectativa
quanto ao conteúdo da decisão a proferir, que a secção no Supremo Tribunal de
Justiça sempre poderia decidir no sentido propugnado pelos réus [v. fls. 1021 a
1023, conclusões III) a VII)], pelo que, considerando o entendimento, que podia
conhecer, sobre o artigo 732.º-A, n.º 2, do Código de Processo Civil, haveria de
ter requerido ela própria o julgamento ampliado da revista, aí deduzindo as
questões de constitucionalidade que considerasse pertinentes e adequadas.
Não o tendo feito, há que concluir que a recorrente não cumpriu o ónus de
suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo, tal como exigem
os artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da Lei do Tribunal
Constitucional.
5. Resulta ainda dos autos, independentemente de considerações sobre o mérito
do recurso de constitucionalidade, que “aquilo” que a recorrente pretende,
verdadeiramente, impugnar perante este Tribunal não é uma norma que tenha sido
aplicada como ratio decidendi pelo tribunal a quo, conclusão que não é posta em
causa, antes é confirmada, pela resposta de fls. 1244 e segs.
No requerimento que consubstancia a presente reclamação, ao demandar, a dado
passo (fl. 1229, ponto 34): “De facto, será humana, racional e razoavelmente
exigível que a autora/reclamante pudesse prever: a. Que o STJ que, mesmo nestes
autos vincou expressamente o seu carácter de tribunal de revista, não acatasse a
matéria de direito julgada pelas instâncias e revogasse as suas respectivas
decisões por uma questão de facto – a falta de alegação de sinais visíveis e
permanentes da servidão?”, a reclamante acaba por denunciar que o que pretende,
verdadeiramente, impugnar perante este Tribunal é o resultado decisório a que
chegou o Supremo Tribunal de Justiça, tido por desconforme com as suas
expectativas subjectivas.
O que, na perspectiva da reclamante, está em questão não é a norma do artigo
732.º-A, n.º 2 do Código de Processo Civil, sobre o momento em que a parte deve
requerer a submissão da revista a julgamento ampliado para assegurar a
uniformidade da jurisprudência, mas a pretensão de uma global reapreciação do
mérito da causa por este Tribunal, na perspectiva de uma pretensa violação de
direitos fundamentais, constitucionalmente tutelados, pela decisão proferida
pelo tribunal a quo acerca da composição do litígio.
Isso mesmo decorre do que a reclamante afirma no ponto 11 da resposta de fls.
1244 e segs.:
11. De facto, bastava que tivesse ficado provado, como efectivamente ficou, que
a autora não dispunha de outro caminho, para os seus prédios, para que a
JUSTIÇA, o principal fim do DIREITO, impusesse uma especial ponderação na
apreciação de toda a abundante matéria por ela carreada para os autos, como, por
exemplo: plantas topográficas, plantas aerofotogramétricas, plantas para
requisição de licença de construção, pelo menos nove fotografias do caminho, uma
fotografia obtida por satélite, autos de três inspecções judiciais ao local,
depoimentos de cerca de trinta testemunhas, etc. (Cfr. elucidativa fundamentação
da matéria dada como provada), o que manifestamente não aconteceu.
Não vem, pois, colocada uma verdadeira questão normativa de constitucionalidade
atinente ao artigo 732.º-A, n.º 2, do Código de Processo Civil, susceptível de
servir de base ao recurso de fiscalização concreta interposto, nos termos da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, pelo que
não podia este Tribunal tomar conhecimento do recurso.
6. Acresce, por último, que, mesmo que o Tribunal Constitucional viesse a julgar
inconstitucional a norma do artigo 732.º-A, n.º 2 do Código de Processo Civil,
“na vertente que limita o requerimento, pelas partes, do julgamento ampliado da
revista, até à prolação do acórdão, por parte do STJ”, determinando,
consequentemente, a reforma da decisão recorrida, permanecem dúvidas sobre se o
Presidente do Supremo Tribunal de Justiça poderia, em cumprimento desse juízo,
provocar, neste momento, a intervenção do Pleno das Secções.
Para além de não haver hierarquia entre Presidente do Supremo Tribunal de
Justiça e o próprio Supremo Tribunal de Justiça quando julga em conferência, não
existe no sistema processual civil previsão legal expressa que contemple a
possibilidade de a decisão de fundo de fls. 1019 e segs. vir a ser, neste
momento, alterada em virtude de uma eventual decisão do Presidente do Supremo
Tribunal de Justiça que considere necessária a intervenção do Pleno das Secções,
a não ser que também da decisão de fundo tivesse sido interposto recurso de
constitucionalidade, o que não sucedeu no caso dos autos.
Seria, assim, de duvidosa utilidade conhecer do recurso.
III
Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e
confirmar a decisão sumária de não conhecimento do recurso, bem como condenar a
recorrente em custas, com 20 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 15 de Julho de 2008
Maria Lúcia Amaral
Carlos Fernandes Cadilha
Gil Galvão
|