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Processo n.º 431/08
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. A., inconformado com a decisão sumária proferida no âmbito dos presentes
autos, vem da mesma reclamar dizendo o seguinte:
“1. A decisão reza assim: ‘não tendo ocorrido a suscitação de questão de
constitucionalidade atinente a juízo normativo que tenha sido aplicado como
ratio decidendi no Acórdão recorrido, conclui-se pela impossibilidade de
conhecer o recurso interposto.’
2. Porém, e salvo o devido respeito, que é o máximo, temos para nós que a
decisão é desprovida de razão.
3. O recorrente não discute a decisão do Supremo Tribunal de Justiça (S.T.J.), o
que sindica é a forma como foi aplicada ao caso dos autos a norma do artigo 50°,
n° 1 do C. Penal, na actual redacção.
4. Claro, é óbvio que reflexamente, a obter ganho de causa na apreciação que faz
da norma tal qual foi interpretada e aplicada pelo S.T.J., o acórdão recorrido
terá de ser alvo de nova redacção.
5. Mas antes de tudo, há que apreciar se o referido normativo se mostra ou não
ferido de inconstitucionalidade.
6. O recorrente/reclamante reafirma que sim, pois, desde logo, começa por não
colocar em equação o momento temporal que a lei exige como aquele em que deve
ser formulado o juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido.
7. Não o colocando em equação, despreza-o; violando assim o conteúdo do artigo
50°, n° 1 do C. Penal, a que acresce o atropelo ao princípio da aplicação da lei
mais favorável, e por último, ainda lesando o conteúdo programático inserto no
artigo 29°, n° 4 da Constituição da República Portuguesa.
8. Assim, e reiterando o supra exposto, conclui-se: ao invés do que vem exarado
na decisão revidenda, no nosso recurso encontra-se expressamente identificada a
interpretação ou ‘dimensão normativa’ apta ou necessária para que o Tribunal
Constitucional tenha competência para se pronunciar.
9. É ostensivo que o recorrente coloca em crise, e de modo objectivo, pensamos,
a ‘interpretação normativa do referenciado artigo 50°’, e não o conteúdo da
decisão.”
2. A decisão reclamada, e no que ora importa, tem o seguinte teor:
“4. No caso em apreço, a decisão recorrida, julgou no sentido da não verificação
de juízo de prognose favorável de modo a habilitar a suspensão da execução da
pena nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, como se pode ver pelo
seguinte trecho:
‘No caso em apreciação, há que ter em conta o conjunto dos concretos factos
praticados pelo arguido, tendo em conta a conexão entre eles existente e em
articulação com a sua personalidade, não se conhecendo qualquer factor
atenuativo.
O recorrente manifesta alguma propensão para a prática de crimes contra as
pessoas e a propriedade, tendo sofrido condenações anteriores, não sendo
suficiente o aviso dado pela suspensão. Após a grave agressão infligida ao
vizinho Fernandes, voltou a agredir o mesmo, agora no património, sem que se
divise motivo para a sua conduta.
Nestas condições torna-se muito difícil, senão impossível, fazer um juízo de
prognose favorável em relação ao comportamento futuro do recorrente e assim
sendo não é de conceder a suspensão.’
Não está em causa, por conseguinte, a interpretação normativa do referenciado
artigo 50.º, do Código Penal, mas tão-somente a decisão recorrida que entendeu
não se encontrar preenchida a respectiva previsão no que respeita aos
pressupostos de suspensão da execução da pena. Com efeito, face aos factos
relevantes dados como provados nos autos, o Tribunal a quo entendeu não se
verificar juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do
Recorrente – pelo que não lhe foi possível concluir que ‘a simples censura do
facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as
finalidades da punição.’
Esta asserção, no entanto, ligando-se exclusivamente à soberania do Tribunal
recorrido na subsunção (no sentido de sotoposição de um caso individual à
hipótese ou tipo legal – Karl Engish, Introdução ao Pensamento Jurídico, 5.ª
Ed., Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1979, p. 78) da situação concreta à
norma aplicável, não é apreciável no âmbito de recurso exclusivamente normativo
como é o de constitucionalidade.
Efectivamente, a vertente normativa explanada no requerimento de interposição de
recurso para este Tribunal mais não é do que a revelação do dissídio do
Recorrente sobre a forma como foi decidida a questão da suspensão da execução da
pena. No entanto, tal não pode ser objecto de apreciação em sede de fiscalização
concreta da constitucionalidade.
5. Tal suposta normatividade traduz apenas, portanto, a valoração concretizadora
que a decisão recorrida fez das particularidades do caso concreto.
Reconhecer-lhe carácter normativo para efeitos de conhecimento do recurso
corresponderia, como assinala Rui Medeiros, ‘ao controlo da concreta decisão de
um caso jurídico’, assim se desvirtuando ‘a delimitação operada pelo legislador
constitucional entre fiscalização de normas e controlo de decisões judiciais’ (A
decisão de inconstitucionalidade – os autores, o conteúdo e os efeitos da
decisão de inconstitucionalidade da lei, Universidade Católica Editora, Lisboa,
1999, p. 347).
6. De igual modo, também no que concerne à violação do princípio da aplicação
retroactiva de lei penal mais favorável vem a inconstitucionalidade imputada à
decisão do Supremo Tribunal de Justiça, valendo aqui, igualmente, as
considerações já expendidas supra.
Assim, não tendo ocorrido a suscitação de questão de constitucionalidade
atinente a juízo normativo que tenha sido aplicado como ratio decidendi no
Acórdão recorrido, conclui-se pela impossibilidade de conhecer o recurso
interposto.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado da
reclamação, pronunciou-se no sentido da sua manifesta improcedência.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
3. A reclamação deduzida carece manifestamente de fundamento. Com efeito, a
argumentação do Reclamante em nada abala a fundamentação da decisão sumária
reclamada.
Face ao que se considerou na decisão sumária ora impugnada, o recurso interposto
não foi aceite por vir impugnada dimensão normativa que não encontra
correspondência na ratio decidendi do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça. E,
quanto a esta questão, a reclamação nada adianta, em sentido contrário ao que
foi decidido.
Assim, reitera-se o que resultou claro da decisão: a dimensão normativa que vem
impugnada do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, não foi aplicada como critério
decisório pela decisão recorrida. Aliás, no próprio Acórdão do Supremo Tribunal
de Justiça se escreveu, expressamente, que “a lei torna claro que, na formulação
do prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da
prática do facto” (fls. 397). Essa mesma asserção é reforçada no Acórdão
posterior que indeferiu a arguição de nulidade e que acrescenta o seguinte: “Não
há qualquer dúvida de que o momento a atender para efeitos de formulação de
juízo de prognose nesta matéria é o da decisão. Mas a decisão a ter em conta é
naturalmente a da 1.ª instância onde se fixa a matéria de facto e não a do STJ,
como parece pretender o arguente.” (fls. 408)
Consequentemente, não tendo a norma sido aplicada na dimensão questionada pelo
Recorrente, mais não resta concluir pela impossibilidade de conhecimento do
recurso.
III – Decisão
Assim, e, sem necessidade de maiores considerações, acordam, em conferência,
indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão
reclamada no sentido de não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelos Reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 22 de Julho de 2008
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos
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