1 - Na acção de regulação do exercício de responsabilidades parentais, impõe-se ao juiz proferir decisão provisória sobre o exercício destas responsabilidades, mesmo antes da intervenção da audição técnica especializada, nos termos do art.° 38 do RGPTC, ainda que se desconheça a concreta situação social, afectiva e económica dos progenitores.
2 - Esta decisão porque provisória, susceptível de alteração a qualquer momento, consoante os elementos que forem sendo apurados nos autos, não acarreta um nível de exigência de fundamentação idêntico ao das decisões definitivas sobre o fundo da causa.
3 - Os critérios normativos que devem nortear a escolha do regime de guarda do menor são sempre e em primeiro lugar, o superior interesse da criança.
Proc. 2729/18.8T8BRR-B.L1 6ª Secção
Desembargadores: Manuel Rodrigues - Ana Paula Carvalho - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Processo n.° 2.729/18.8T8BRRR-B.L1 (recurso de apelação)
Tribunal recorrido: Juízo de Família e Menores do Barreiro — Juiz 2
Recorrente: JMC...
Recorrido: VAS...
Relator: Juiz Desembargador Manuel Rodrigues
Adjuntas: Juíza Desembargadora Ana Paula. A. A. Carvalho
Juíza Desembargadora Gabriela de Fátima Marques
I - Na acção de regulação do exercício de responsabilidades parentais, impõe-se ao juiz proferir decisão provisória sobre o exercício destas responsabilidades, mesmo antes da intervenção da audição técnica especializada, nos termos do art.° 38 do RGPTC, ainda que se desconheça a concreta situação social, afectiva e económica dos progenitores.
II - Esta decisão porque provisória, susceptível de alteração a qualquer momento, consoante os elementos que forem sendo apurados nos autos, não acarreta um nível de exigência de fundamentação idêntico ao das decisões definitivas sobre o fundo da causa.
III - Os critérios normativos que devem nortear a escolha do regime de guarda do menor são sempre e em primeiro lugar, o superior interesse da criança.
(Sumario elaborado pelo Relator)
I — Relatório
1. JMC..., residente na ... S..., veio, em …de 2019, por apenso à acção de divórcio, propor contra VAS..., residente na Rua dos …., n.° …, 2665-… M..., acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas às filhas Menores de ambos, VSF... e JPF..., pedindo a fixação do seguinte regime:
«I - QUANTO ÀS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
1.°- A menor, VSF..., ficará a residir com o pai, à guarda e cuidados de quem se encontra, exercendo este as responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente da menor e competindo-lhe a função de encarregado de educação.
2°- A menor, JPF..., ficará a residir com a mãe, à guarda e cuidados de quem se encontra, exercendo esta as responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente da menor e competindo-lhe a função de encarregada de educação.
3° - Quando as menores se encontrem, temporariamente, a residir com o progenitor que não as tenha à sua guarda, as responsabilidades parentais serão exercidas por este, que não deve contrariar as orientações educativas definidas pelo progenitor com quem a menor reside habitualmente.
4° - As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida das menores são exercidas em comum por ambos os progenitores, nos termos do art° 1906°, n°1 do Código Civil, salvo nos casos de manifesta urgência, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
II — QUANTO AO REGIME DE VISITAS, FERIADOS, FÉRIAS E DIAS FESTIVOS
5° - As menores passarão, em conjunto, fins-de-semana alternados, com cada um dos progenitores desde sexta-feira antes do jantar até Domingo antes do jantar.
6°- Para execução do regime de visitas, e dado que o Requerente reside na p…S..., e a Requerida, em M…, acordarão, entre si, o melhor local para irem buscar e levar as menores.
7°- Os menores passarão, em conjunto, anualmente, e de forma alternada, com
cada um dos progenitores, o dia 24 de Dezembro, ou o dia 25 de Dezembro, o dia 31 de Dezembro ou o dia 1 de Janeiro.
8°- Na Páscoa, as menores passarão, alternadamente, em cada ano, e em conjunto, a sexta-feira Santa e sábado até depois de almoço, com um dos progenitores, e o jantar de sábado e o almoço de Domingo com o outro, a acordar entre eles, jantando cada uma delas com o progenitor que as tem à sua guarda.
9° - Os restantes dias feriados serão passados, em conjunto, alternadamente, com cada um dos progenitores, a combinar entre eles.
10°- Desde que não colida com as seus deveres escolares e os deveres profissionais dos progenitores, as menores passarão com o pai o dia do aniversário deste, e o dia do pai, e com a mãe o dia do aniversário desta e o dia da mãe, mediante acordo prévio do modo de executar estas visitas.
11°- No dia do aniversário das menores estas tomarão uma refeição com cada um dos progenitores, a acordar entre ambos. Se tal não for possível, por razões laborais dos progenitores, ou escolares das menores, alternarão de modo a que, cada um dos progenitores, pelo menos no aniversário de uma das filhas, almoce ou jante com ambas.
12°- Quando qualquer um dos progenitores pretenda levar as menores a festas, ou aniversários que coincidam com o período em que estejam com o outro, deverão informar com, pelo menos, uma semana de antecedência, adaptando o regime de visitas de acordo com essa alteração.
13°- As menores passarão, em conjunto, com cada um dos progenitores um período de 30 dias, das suas férias escolares de Verão. Caso o período de férias dos progenitores seja coincidente, passarão um período de 15 dias com cada um deles, devendo qualquer um deles informar o outro, do respectivo período de férias, com pelo menos 2 meses de antecedência, de modo a procurar-se que não haja coincidência.
14° - Qualquer um dos progenitores assume o dever de não sair com os menores para o estrangeiro, mesmo para países da União Europeia, sem a autorização escrita dada pelo outro progenitor.
III — QUANTO AOS ALIMENTOS
15° - Não há lugar a prestação de alimentos, provindo cada um dos progenitores às despesas da menor que tem à sua guarda, sejam de que tipo nomeadamente alimentar, de vestuário, médicas, medicamentosas, e protésicas.»
2. Como fundamento da sua pretensão, alegou, em substância, que Requerente e Requerida, casados entre si, encontram-se separados de facto desde Outubro de 2017, e que no âmbito da acção de divórcio [processo principal] celebraram acordo escrito de regulação das responsabilidades parentais em benefício das filhas Menores, nos termos agora requeridos, acordo esse que tem vindo, no essencial, a ser cumprido, sem prejuízo de algumas alterações decorrentes da mudança de residência do Requerente e do facto da Requerida ter começado a trabalhar.
3. Por sentença de 3 de Abril de 2019, com a referência 385795956, dos autos principais [processo n.° 2…/18.8…RR], foi decretado o divórcio entre o Requerente e a Requerida, com a consequente dissolução do casamento.
4. Na mesma data [03-04-2019] e no âmbito dos presentes autos, realizou-se uma Conferência de Pais onde foi tentado, sem sucesso, o acordo destes quanto à regulação das responsabilidades parentais [cf. fls. 29 verso a 31 verso deste apenso
4.1. Nesta diligência, foi declarado pelos progenitores, aqui Requerente e Requerida:
A mãe atualmente encontra-se a viver na M..., onde conta com o apoio familiar da avó materna das menores. Exerce a profissão de ajudante de cozinha, com a remuneração mensal de 550,00€, efetuando dois turnos, entregando a menor que se encontra consigo à avó materna quando se encontra a trabalhar.
O pai encontra-se atualmente desempregado, realizando biscates, vive em S... com uma companheira que faz limpezas. O agregado subsiste do biscate e das limpezas.
Desde Setembro de 2018 que a VAS... ficou a residir com o pai e a JPF... com a mãe, sendo que deste a data da separação ocorrida em 2017 estiveram ambas a residir com a mãe.
A menor VAS... apresenta necessidades especiais decorrentes de um atraso global do desenvolvimento que lhe afeta sobretudo a linguagem, necessitando de um apoio educativo especializado e de integração urgente no estabelecimento de ensino, conforme declaração junta aos autos.
A mãe já inscreveu a menor VAS... num equipamento de infância, conforme cópia que se junta, desde Dezembro de 2018.
O pai também declara que a menor está inscrita numa creche em FF... que não se encontra a frequentar por inexistência de vaga e que só o fará eventualmente a partir de Setembro.
Na creche onde a mãe inscreveu à data também não havia vaga para a menor.
Tem existido dificuldade em estabelecer convívios entre os progenitores e as menores entre si atentas as deficiências económicas que o progenitor apresenta, que se encontra desempregado, embora seja expetativa do mesmo que obtendo os novos passes sociais possa estabelecer os convívios de maneira mais viável financeiramente.
Mais se refere que a menor está sinalizada junto do SNIPI desde o passado dia …2019, referindo o pai que esse acompanhamento será feito a partir de amanhã.
A mãe perspetiva a deslocação da sua residência para S... onde reside o pai, de maneira a que possa então ser estabelecida uma residência alternada das menores com o pai, encontrando-se à procura de uma habitação condigna e emprego na zona de residência do pai.
4.2. Pelo Digno Magistrado do Ministério Público foi, então, promovido o seguinte:
Atentas as declarações prestadas pelos progenitores, promovo que se fixe residência de ambas as filhas junto da mãe, que decidirá as questões do dia-a-dia sendo que as questões de particular importância de ambos os progenitores.
Ao nível de convívios, o pai poderá conviver com as filhas sempre que manifestar vontade nesse sentido e haja concordância da mãe e desde que a avise com pelo menos 24 horas de antecedência durante a semana, sendo que o pai passará com as menores todos os fins-de-semana à exceção do fim-de-semana que a mãe não estiver a trabalhar, conforme consta das declarações dos progenitores, indo o progenitor buscar as menores à sexta-feira à tarde, entregando-as no Domingo ao final do dia.
Quanto a pensão de alimentos, promove-se a quantia única de 125, 00€ a título de alimentos por cada menor, num total de 250, 00€.
4.3. Na sequência, a Senhora Juiz a quo proferiu a seguinte Decisão [fls. 30 verso a 31 verso]:
«Considerando as declarações e os documentos juntos, entendo o Tribunal, pelo menos provisoriamente, que é do superior interesse destas crianças crescerem juntas, o que não tem acontecido, com manifesto prejuízo para as mesmas, apresentando nesta data o agregado familiar da mãe com o apoio da avó materna, melhores condições para acolher as menores no seu seio, onde estiveram entre 2017 e Setembro de 2018, e provendo as necessidades especiais que a menor VAS... necessita atento a sua situação de saúde de atraso no desenvolvimento e o facto de necessitar urgentemente de integrar um equipamento de infância.
Por outro lado, considera-se igualmente que através de convívios alargados com o progenitor não residente e até que a mãe perspetive uma mudança de residência, estão igualmente salvaguardada a manutenção dos laços de afetividade das menores com o pai.
Assim decide-se fixar o seguinte regime provisório:
1) As menores VSF... e JPF... ficam a residir com a mãe, exercendo esta as responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente das menores. As responsabilidades parentais nas questões de particular importância para a vida do menor serão exercidas em comum por ambos os progenitores.
2) As menores conviverão com o pai 3 fins-de-semana por mês, sendo que um fim-de-semana será passado com a mãe, na sua folga, indo o pai buscar as menores sexta-feira ao final do dia à casa da mãe e entregá-las no mesmo local no domingo até às 19 horas;
3) O pai poderá estar com o menor sempre que quiser e mediante contacto prévio com o outro progenitor com pelo menos 48 horas de antecedência, desde que não fiquem prejudicados o descanso e as obrigações escolares das menores;
4) As menores passarão ainda com cada um dos progenitores, de forma alternada, a véspera de Natal, o dia de Natal, a véspera de Ano Novo, o Dia de Ano Novo, Carnaval e o Domingo de Páscoa.
5) As menores passarão com o pai o dia de aniversário deste e o Dia do Pai e com a mãe o dia de aniversário desta e o Dia da Mãe.
6) No dia de aniversário das menores, estas tomarão uma refeição de almoço ou de jantar com cada um dos progenitores, de forma alternada ou, não sendo aquela possível em consequência das obrigações escolares, poderá estar com um dos progenitores ao final do dia e jantará com o outro.
7) Durante as férias escolares, as menores passarão metade dos períodos com cada progenitor, a combinar previamente entre os progenitores com pelo menos dois meses de antecedência. Em caso de coincidência temporal entre os períodos de férias e não havendo acordo entre os progenitores, o respectivo período será rateado entre ambos.
8) O pai contribuirá com a importância mensal única de 125,00€ a título de alimentos a favor de cada filha, num total de 250,00€ a qual será entregue ao outro progenitor por transferência bancária para o IBAN PT50 0035..., da Caixa Geral de Depósitos, Agência da M..., até ao dia 8 do mês a que disser respeito, com início em Abril de 2019.
9) Esta prestação será sujeita a actualização anual, na proporção que vier a ser fixada para o índice geral de preços no consumidor que for fixado para o ano anterior, ocorrendo a primeira actualização em Abril de 2020.
Ao abrigo do disposto no artigo 38.° alínea b) do RGPTC, suspende-se aqui a presente conferência e remetem-se as partes para audiência técnica especializada com vista à obtenção de consenso entre as partes.
Remeta-se à Segurança Social cópia de folhas 2 a 5, bem como da presente ata.»
5. Inconformado, o Requerente interpôs recurso de apelação para esta Relação., formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões:
I. A decisão recorrida não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, donde estar ferida de nulidade nos termos do artigo 615°1/b) do C.P.C.
II. O Tribunal decidiu sem averiguar as circunstâncias de facto em que as menores iam viver.
III. A decisão recorrida, no que tange à VAS..., não respeita o seu superior interesse, dado que a VAS... apresenta necessidades especiais, decorrentes de um atraso global do desenvolvimento que lhe afeta sobretudo a linguagem, necessitando de um apoio educativo especializado e de integração urgente no estabelecimento de ensino, conforme declaração junta aos autos, razão pela qual está sinalizada pelo SNIPI, desde 22/3/2019, indo ser sujeita a acompanhamento a partir do dia 4 de Abril de 2019.
IV. Com a atribuição da guarda da VAS... à mãe, deixa de ser possível esse acompanhamento, com o consequente prejuízo para o desenvolvimento da menor.
V. O Tribunal decidiu, sem quaisquer elementos de prova, em como o agregado familiar da mãe, com o apoio da avó materna, apresentava melhores condições para acolher as menores no seu seio.
VI. Decisão que nunca deveria ter tido lugar, mesmo que a título provisório, sem a recolha pelo tribunal de quaisquer elementos de prova relativamente às condições dos agregados familiares, nomeadamente, espaço habitacional e condições/aptidão da mãe da Recorrida para tomar conta das netas.
VII. Tanto mais que, se o Recorrente estando desempregado, tem mais tempo livre para cuidar da filha do que a Recorrida, que trabalha por turnos e que deixa as filhas ficarem com a sua mãe.
VIII. Para que a educação da criança tenha um mínimo de bom resultado, tem primeiro de ser exercida num espaço habitável que sirva às condições de vida, onde a educação se desenvolve. Sem o espaço mínimo, o que em boa verdade periga é a própria sobrevivência da criança, pelo menos, como ente dotado das habilidades mínimas da resposta ao meio ambiente.
IX. A sinalização de VAS... junto do SNIPI, e o acompanhamento que seria feito a partir do dia 4 de Abril de 2019, impunha que a guarda desta devesse ter sido atribuída, ainda que provisoriamente, ao Recorrente, porque era com este que ela foi sinalizada e iria ser acompanhada.
X. Não tendo sido fixada à Recorrida a obrigação de sinalizar a VAS... no SNIPI na sua área de residência, e de proceder ao seu acompanhamento.
XI. A decisão está ferida de um vício de procedimento legal que influi na boa e justa apreciação da causa.
XII. Com efeito, a Mma. Juíza a quo decidiu sem ter ordenado a realização dos relatórios técnicos especializados e, por isso, ter decidido após os ter estudado e ponderado, e baseando neles a sua decisão, pois só destes resultariam elementos para uma base de decisão segura pelo Tribunal.
XIII. Todos os outros motivos invocados pelo MP, admitidos na sentença, não justificam a alteração da vida de VAS..., para deixar de viver com o pai e passar a viver com a mãe, com a irmã, com a avó e avô maternos.
XIV. E deixar de ser acompanhada pelo SNIPI, com graves consequências para o seu desenvolvimento.
XV. A sentença teve em conta as declarações da Recorrida, no sentido perspectivar a deslocação da sua residência para S... onde reside o Recorrente, de maneira a que possa então ser estabelecida uma residência alternada das menores, e de que se encontrava à procura de uma habitação condigna e emprego na zona de residência do pai.
XVI. Ora, esta declaração de intenção, não tem qualquer substrato factual, sendo um mero projecto mirífico, porque a Recorrida não anda à procura de emprego, donde de casa, na área de residência do Recorrente.
XVII. Assim, o argumento da Recorrida de ir diligenciar uma aproximação das filhas ao Recorrente teve apenas o objectivo de influenciar o Tribunal no sentido de lhe atribuir a guarda das filhas, estando bem longe de ser prático e esperável.
XVIII. Por fim, a sentença recorrida pretende afirmar a melhor adequação do regresso de VAS... à casa da irmã, pela necessidade de conviverem, que não prejudicaria a ligação estreita que VAS... tem ao pai, através de poder o recorrente visitá-la (s) sempre que queira, não tendo em conta a distância de cerca de 80Km que medeia entre as duas residências.
XIX. Acresce que, no que à fixação da pensão de alimentos diz respeito, a sentença fixou-a em € 250,00, € 125,00 para cada uma das filhas, montante este que é nitidamente exagerado, tendo em atenção que deu como provado que o Recorrente está desempregado e vive de biscates.
XX Violando aqui o preceituado no art.° 2004 do Cód. Civil que preceitua; Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.
XXI. Nunca devendo a referida pensão ser fixada em mais de 75,00 euros para cada uma das filhas.
XXII. Não colhendo o argumento de que, não podendo o Recorrente pagar a pensão, o pagamento será efectuado pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores porquanto, em qualquer altura, que o Recorrente venha a ter um emprego, ou até quando se reformar, o FGAM, vai accioná-lo pelas prestações pagas.
XXIII. A decisão provisória de regulação das responsabilidades parentais, no que à VAS... diz respeito, deve ser revogada por padecer de nulidade, em virtude de não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, 615° 1 /b) do C.P.C.
XXIV. Nomeadamente, porque foi proferida antes de estarem realizados os relatórios sociais da assessoria técnica especializada.
XXV. E porque violou o art° 2004°/1 do Código Civil, ao fixar as pensões de alimentos a pagar pelo Recorrente , em 250,00 euros, sem ter em conta a sua ausência de rendimentos.
XXVI. Bem como, no que à VAS... diz respeito, o princípio do interesse superior da criança, previsto no art.° 4°, alínea a), da Lei de protecção de crianças e jovens em perigo, aprovada pela Lei n° 147/99, de 1 de Setembro e alterada pela Lei n° 31/2003, de 22.08 e pela Lei n° 142/2015, de 8 de Setembro, que procedeu à sua republicação, por força do art.° 4.°, n° 1, do RGPTC.
XXVII. Devendo ser revogada e substituída por outra que atribua, ao Recorrente, ainda que provisoriamente, a guarda da menor VAS....
XXVIII. Sem o pagamento de quaisquer pensões de alimentos. Mas, por mera cautela de patrocínio, e sem condescender,
XXIX. Se assim não se entender sempre deverá ser reduzida a pensão de alimentos para 75,00, euros, a pagar a cada uma das menores.
Vossas Excelências, com douto suprimento, farão, a costumada JUSTIÇA!
6. A Requerida apresentou contra-alegações a pugnar pela improcedência do recurso [ref.a 32367275, a fls. 8 e segs.].
7. No Despacho de admissão do recurso, de 16-05-2019, com a referência 387021151, a Senhora Juíza a quo pronunciou-se sobre a nulidade arguida pelo Recorrente, nos termos seguintes:
«[...] Conforme resulta do disposto no artigo 38° do RGPTC, na conferência de pais, não tendo os pais chegado a acordo, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos.
Ora, conforme facilmente se vislumbra, a referida decisão provisória, tomada ao abrigo do disposto nos artigos 38° e 28° do RGPTC, tem por base a matéria de facto que nessa data exista nos autos, ou seja, tem por base as declarações de ambos os progenitores tomadas em conferência de pais.
Da mera leitura da acta de conferência de pais datada de 03/04/2019, resulta clara a transcrição das declarações prestadas por ambos os progenitores relativamente à sua situação pessoal, habitacional e profissional, bem como relativamente às menores, tendo o despacho que fixou provisoriamente o exercício das responsabilidades parentais das menores, tendo em consideração esse elementos nos termos do referido artigo 38° do RGPTC, fazendo-se constar que se baseou nos documentos juntos aos autos e nas declarações dos progenitores e assentou no prejuízo decorrente para as menores de se encontrarem em viver separadas, uma com cada um dos progenitores, atenta a tenra idade que possuem e as melhores condições que a progenitora apresenta, atentas as declarações prestadas.
Assim, considerando a especificidades inerentes à decisão provisória a que alude o artigo 38° do RGPTC, facilmente se vislumbra que inexiste qualquer nulidade da decisão provisória proferida em 03/04/2019, ora recorrida, pois, resulta fundada nos documentos juntos aos autos e nas declarações prestadas pelos progenitores, únicos elementos que nessa data o tribunal tem ao seu dispor.
Atento o exposto, por não se verificar o vício previsto no artigo 615° n°. 1 al. b) do C.P.C., indefere-se a alegada nulidade da decisão provisória recorrida.»
8. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II — Objecto e delimitaçáo do recurso:
Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer de todas as questões colocadas pelo Recorrente e das que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras [cfr. artigos 635° e 639° do Código de Processo Civil (doravante CPC)], salientando-se, no entanto, que esta Relação não está obrigada a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito — cf. art.° 5°, n.° 3, do CPC.
No caso, atendendo às conclusões do recurso, colocam-se à nossa decisão as seguintes questões:
1.a A decisão recorrida é nula, por falta de fundamentação [art.° 615.°, n.° 1, alínea b), do CPC]?
2.' O regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais, provisoriamente fixado, deve ser modificado/alterado, nos termos pretendidos pelo Recorrente?
III — Fundamentação
3.1. Motivação de Facto
Os factos a atender são os descritos no relatório antecedente, que resultam da tramitação dos autos e, além desses os seguintes que emergem do conteúdo dos documentos constantes a fls. 32 a 33 verso:
a) A Menor VSF... é acompanhada, pelo menos desde Maio de 2018, na consulta de neurodesenvolvimento do Centro Hospitalar L…, EPE, tendo-lhe sido diagnosticado: Atraso global do desenvolvimento psicomotor ligeiro, correspondente à classificação na CIF: b117 (funções intelectuais) de grau 1 ligeiro; b163 (funções cognitivas básicas) de grau 1 ligeiro; b147 (funções psicomotoras) de grau 1 ligeiro; b167 (funções mentais da linguagem) grau 1 ligeiro.
b) Deste quadro clínico resultam necessidades especiais permanentes decorrentes das alterações funcionais e estruturais de carácter permanente, resultando em dificuldades continuadas ao nível da aprendizagem, da socialização, da atenção e da autonomia.
3.2. Motivaçâo de Direito:
Primeira questao: Da alegada nulidade, por falta de fundamentação, da decisão da decisão recorrida:
Nas conclusões I, XXIII e XXIV da apelação, o Recorrente invoca a nulidade da decisão recorrida, por falta de fundamentação [artigo 615°, n.° 1, alínea b), do CPC], argumentando que a mesma não especifica os fundamentos de factos e de direito que justificam a decisão, nomeadamente porque foi proferia antes d estarem realizados os relatórios sociais da assessoria técnica especializada.
Ora, salvo o devido respeito e melhor opinião, não acompanhamos a Recorrente, desde logo, porque, como dá devida nota a própria Mma. Juíza a quo, ao pronunciar-se sobre a nulidade invocada, no despacho de 16-05-2019, a decisão recorrida teve por base a matéria de facto apurada na Conferência de Pais realizada, a partir das declarações prestadas por ambos os progenitores, relativamente à sua situação pessoal, habitacional e profissional, bem como a que se apurou relativamente às Menores, em conjugação com o teor dos documentos juntos aos autos, de tudo se tendo feito menção e análise crítica e conjugada na decisão em crise, conforme resulta da leitura da respectiva Acta [vide fls. 29 verso a 31 verso].
O Tribunal a quo, como se impunha, decidiu, provisoriamente, com base nos elementos disponíveis, não se justificando que aguardasse pelos relatórios dos serviços de assessoria técnica especializada, sendo que a sua decisão, por natureza provisória, pode sempre ser alterada e ajustada se a situação das Menores se modificar e assim o exigir o seu superior interesse, após nova avaliação, desta feita já com o contributo da referida assessoria técnica.
A decisão em crise configura o estabelecimento de um regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais, de imposição obrigatória, na falta de acordo dos pais na conferência — art.° 38.° do RGPTC.
Ao caso é aplicável o Regime Geral do Processo Tutelar Cível [RGPTC], aprovado pela Lei n.° 141/2015, de 8 de Setembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.° 24/2017, de 24 de Maio, que se rege pelos princípios orientadores de intervenção estabelecidos pela lei de protecção de crianças e jovens em perigo e ainda pelos princípios da simplificação instrutória e oralidade [art.° 4.°/1-a], consensualização [art.° 4.°/1-b] e audição e participação da criança [art.° 4.°/1-c].
Mesmo a conceder-se - e não concedemos - verificar-se insuficiência de fundamentação na decisão em crise, tal deficiência apenas poderia ser encarada como uma patologia (intrínseca) da sentença, que não se confunde com o chamado erro de julgamento que se traduz na desconformidade entre a decisão e o direito - substantivo ou adjectivo.
Só a falta absoluta da especificação dos fundamentos de facto ou de direito e não a fundamentação meramente deficiente, incompleta, medíocre ou pouco convincente, constitui o fundamento da nulidade a que se reporta a alínea b) do n,° 1 do artigo 615° do CPC. Neste sentido, pronunciaram-se, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 05.05.2005 (proc. 05B839); de 12.05.2005 (proc. 05B840), de 03.11.2005 (proc. 05B3239), de 14.11.2006 (proc. 06A1986), de 10.07.2008 (proc. 08A2179) e do STA, de 05.11.2002 (proc. 047814, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
Com efeito, ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão que profere, nos termos do disposto no art° 607 n°3 e 4, aplicável ex-vi do disposto no art° 295 do C.P.C., para que a decisão que profere seja perceptível para os seus destinatários.
Não cumpre esta norma, existindo falta absoluta de motivação, apenas quando exista ausência total de fundamentos de direito e de facto, o que não sucede no caso concreto.
Já Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 221, referia que: o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (..) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (..); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissivel, pelo que a falta de fundamentação de facto ocorre quando, na sentença, se omite ou se mostre de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar. Situação diferente é aquela em que os factos especificados são insuficientes para suportar a solução jurídica adotada, ou seja, quando a fundamentação de facto se mostra medíocre e, portanto, passível de um juízo de mérito negativo. / A falta de fundamentação de direito existe quando, não obstante a indicação do universo factual, na sentença, não se revela qualquer enquadramento jurídico ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão.» (Tomé Gomes, Da Sentença Cível, p. 39.)
Em conclusão, a decisão recorrida mostra-se suficientemente motivada, de facto e de direito, como se referiu supra, não se lhe podendo apontar deficiências que constituam fundamento da nulidade a que se reporta a alínea b) do n.° 1 do artigo 615° do CPC.
Improcedem, portanto as conclusões I, XXIII e XXIV do recurso. Segunda questão:
A questão que se nos coloca de seguida é a de saber se o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais provisoriamente fixado deve ser alterado, nos termos pretendidos pelo Recorrente, isto é, no que concerne à prestação de alimentos a cargo do progenitor, aqui Recorrente, e à guarda da Menor VAS....
Vejamos.
As responsabilidades parentais apresentam-se como um efeito da filiação (artigo 1877.° e segs. do Cód. Civil), sendo concebidas como um conjunto de direitos e deveres (poderes funcionais) que competem aos pais relativamente à pessoa e bens dos filhos.
As crianças têm o direito fundamental à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral (art.° 69.°, n.° 1, da CRP e Convenção Sobre os Direitos da Criança, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20/11/89, assinada por Portugal em 26/1/90, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.° 20/90 de 12/9 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.° 49/90, ambos publicados publicada no Diário da República, ia Série, n.° 211/90, de 12/10/1990.
A família é a unidade fundamental responsável por fornecer — e deve ser capaz de fornecer - a uma criança um meio ambiente que atenda às suas necessidades físicas e mentais, que seja propício ao normal desenvolvimento físico e mental da criança e à sua integração social.
Por isso, é essencial um bom relacionamento entre cônjuges ou pessoas que vivam em condições análogas às dos cônjuges, entre pais e filhos, entre irmãos, etc.
Havendo ruptura do relacionamento entre os pais impõe-se a necessidade de regular as responsabilidades parentais.
Como é sabido, o desmembramento da célula familiar, consequência da dissolução do casamento ou da simples separação de facto dos progenitores, dá o mote para a disputa quanto ao destino dos filhos, designadamente no que respeita à definição da guarda e dos períodos de convívio com o progenitor não guardião.
Essa disputa, que nem sempre desaparece ou conhece tréguas com a regulação, pauta-se por uma intensa carga emocional, que facilmente descamba em comportamentos irreflectidos e irresponsáveis de um dos progenitores, que usa o processo de regulação das responsabilidades parentais e todos os meios processuais ao seu alcance com a finalidade de afastar o outro progenitor do projecto de vida dos filhos.
A regulação do exercício das responsabilidades parentais comporta três aspectos: a guarda, o regime de visitas e os alimentos.
O critério legal de atribuição ou repartição das responsabilidades parentais é, como se sabe, o superior interesse da criança — artigos 1905.° do Cód. Civil, 42.°, n.°1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) e 3.°, n.° 1, da Convenção Sobre os Direitos da Criança.
E o interesse superior da criança, enquanto conceito jurídico indeterminado carece de preenchimento valorativo, cuja concretização deve ter por referência os princípios constitucionais, como o direito da criança à protecção da sociedade e do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral (art.° 69.°, n.° 1, da CRP), reclamando uma análise sistémica e interdisciplinar da situação concreta de cada criança, na sua individualidade própria e envolvência (cf. acórdão da Relação de Coimbra, de 3/5/2006, proc. ri° 681/06, acessível em www. dgsi.pt).
O exercício das responsabilidades parentais deve ter presente ainda o princípio da dignidade da pessoa humana, legitimador do menor enquanto sujeito de direitos e não como mero objecto, o princípio da continuidade das relações familiares e da convivência familiar e o princípio da igualdade dos pais.
Deve, ainda, promover a cooperação dos pais no bem-estar emocional da criança, exaurindo qualquer factor propiciador da hostilidade psicológica dos progenitores.
Daí que a lei privilegie a consensualização, ou seja que os conflitos familiares sejam dirimidos por via do consenso, com recurso a audição técnica especializada e ou à mediação [com o consentimento das partes], sempre que necessário — art.°s 4.°, n.° 1, 23.° e 44.°, alínea b), do RGPTC.
O artigo 38.° do RGPTC dispõe que Se ambos os pais estiverem presentes ou representados na conferência, mas não chegarem a acordo que seja homologado, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido, em função dos elementos já obtidos, suspende a conferência e remete as partes ... para a mediação (alínea a) ou audição técnica (alínea b)
Daqui resulta a obrigatoriedade da prolação de decisão provisória sobre a regulação do exercício das responsabilidades parentais.
Foi o que o Tribunal a quo fez, no exercício dos seus poderes-deveres.
Insurge-se o Recorrente contra a atribuição da guarda da menor VAS... à progenitora, ora Recorrida, e contra o montante da pensão de alimentos fixado, como encargo seu, a favor de cada uma das Menores (€125.000 por cada filha).
- Da atribuição ao Recorrente da Guarda da VAS...:
Argumenta o Recorrente que estando desempregado tem mais tempo para cuidar da VAS... do que a Recorrida, que trabalha por turnos e que deixa as filhas com a mãe, e que a sinalização desta Menor junto do SNIPI e o acompanhamento que seria feito a partir de 4-04-2019 impunham que a guarda da mesma devesse ter sido atribuída, ainda que provisoriamente, ao Recorrente porque foi com o mesmo que ela foi sinalizada e iria ser acompanhada.
Salvo o devido respeito, os argumentos invocados são uma verdadeira falácia, desde logo porque o Recorrente se foca apenas numa das filhas, olvidando que a outra, a JPF... teria de continuar aos cuidados da avó materna [o que em si mesmo nada tem de mal, pelo contrário], nas ausências laborais da mãe, ora Recorrida, pois, apesar da proclamada disponibilidade de tempo livre, apenas reclama a guarda de uma das filhas. Depois, porque faz tábua rasa do documento entregue pela progenitora, na Conferência de Pais do dia 03-04-2019: declaração emitida pelo Centro Hospitalar de L…., EPE, segunda a qual a VAS... está a ser acompanhada no Hospital de S…., em consultas de neurodesenvolvimento e otorrino.
Aliás, do confronto dessa declaração [fls. 33 verso], datada de 21 de Maio de 2018, com a cópia da Ficha de Referenciação do Sistema Nacional de Intervenção Precoce na Infância (SNIPI), datada de 22/03/2019, resulta à saciedade que muito anteriormente à referenciação feita pelo Recorrente no SNIPI, já a progenitora tinha providenciado por adequado acompanhamento da VAS... junto do Hospital de S…. pela Equipa de Neurodesenvolvimento.
Não procede, pois, o argumento de que Com a atribuição da guarda da VAS... à mãe, deixa de ser possível esse acompanhamento, com consequente prejuízo para o desenvolvimento da menor.
Por outro lado, tal como se dá devida nota na decisão em crise «(...) é do superior interesse destas crianças crescerem juntas, o que não tem acontecido, com manifesto prejuízo para as mesmas».
Na verdade, as irmãs VAS... e JPF... devem continuar a viver juntas, aprofundando as vinculações afectivas, como tem sucedido durante a maior parte das suas curtas vidas mostrando-se desaconselhável a sua separação.
Como salienta a Recorrida nas suas contra-alegações, citando ANA TERESA LEAL, entre outros, Poder Paternal e Responsabilidades Parentais, Lisboa, Quid Juris, 2.' ed., 2010, pp.71-72, a não separação de irmãos (...) é um principio ao qual os tribunais tem dado particular relevância a fim de evitar a tentação de separar os filhos para equilibrar os direitos dos pais, no sentido de ambos satisfazerem o desejo de os ter consigo (...) .
O artigo 4.°, n.° 1, do RGPTC estabelece que os processos tutelares cíveis regulados no RGPTC regem-se pelos princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de protecção de crianças e jovens em perigo e ainda pelos seguintes (....) remetendo para o constante na alínea a) do artigo 4.° da LPCJP, do seguinte teor: a intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo obedece aos seguintes princípios: a) Interesse superior da criança e do jovem — a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afecto de qualidade e significativas, se prejuízo de consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto.
Considera-se, pois, que neste conspecto o Tribunal a quo fez uma adequada leitura do caso concreto e que, ao atribuir a guarda de ambas as Menores à progenitora, que conta com o apoio da mãe, avó materna das crianças, decidiu de acordo com o superior interesse destas, não merecendo tal decisão qualquer reparo.
- Do valor da pensão de alimentos devida a cada uma das Menores:
Insurge-se o Recorrente contra o valor da pensão de alimentos atribuída a cada uma das Menores [€125,00 cada], que considera exagerado, reputando mais ajustado o montante de €75,00 para cada uma das filhas, tendo em linha de conta que está desempregado e vive de biscates.
Ora, é inquestionável o dever de cada um dos pais de prover ao sustento dos seus filhos e de assumirem as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação, apenas ficando aqueles desobrigados da prestação de alimentos na medida em que os descendentes estejam em condições de suportar tais encargos, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, conforme decorre do disposto no art.° 1879.° do Código Civil.
Os alimentos compreendem tudo o que é indispensável ao sustento, habitação, vestuário, instrução e educação dos menores ou jovens, devendo ser proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e às necessidades do alimentado [art.°s 2003.° e 2004.° do Código Civil].
A VAS... conta com 2 anos e 10 meses e a JPF... tem 1 ano e 8 meses de idade.
Estão naturalmente carecidas de alimentos e têm direito a que lhe sejam prestados pelos seus progenitores, pois não lhe são conhecidos quaisquer rendimentos próprios que possam ser afectos à sua subsistência, dependendo, assim, inteiramente, dos seus pais para satisfazer as suas necessidades básicas [artigos 1878, n.° 1, 1879.°.° e 1905.°, n.° 2, do Cód. Civil, na redacção dada pela Lei n.° 122/2015, de 1 de Setembro].
Por outro lado, a VAS... e a JPF... ficarão a residir com a Mãe, a qual é, naturalmente, a primeira pessoa chamada a prover ao sustento do filho.
Enquanto progenitor não guardião das Menores, cabe ao Pai, aqui Recorrente, contribuir para a satisfação das necessidades materiais das suas duas filhas através do pagamento à Mãe [Guardiã] de uma pensão de alimentos por cada uma das Menores, visto ser esta quem tem a seu cargo as crianças no dia-a-dia e quem tem legitimidade para afectar tais recursos à satisfação das suas necessidades.
Embora as possibilidades económicas do progenitor não guardião sejam um factor a tomar em conta na fixação da pensão de alimentos, a imposição de tal prestação pecuniária à Requerente, aqui Recorrente, não fica prejudicada pelo facto de, em cada momento, esta não poder vir a não ter meios próprios.
Com efeito, a partir do momento em que se encontra legalmente estabelecida uma relação de filiação com o menor, os progenitores ficaram vinculados à obrigação legal e, como vimos, constitucional do seu sustento, o que de resto é consequência natural da assunção da responsabilidade que ter um filho implica.
Na jurisprudência dividiram-se as opiniões quanto à questão de saber se devia ser fixada prestação de alimentos a cargo do progenitor, ainda que se ignorasse a sua situação económica e social ou em que se apurasse não auferir rendimentos, argumentando uns que deveria sempre ser fixada uma prestação alimentar e a forma de os prestar, a cargo do progenitor ausente ou não guardião, independentemente do conhecimento da sua situação económica, ou que não aufira rendimentos, com vista á intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, sustentando outros que nestes casos, por ser desconhecida em absoluto a situação económica do obrigado ou em que se apure não auferir rendimentos, não poderá ser fixada tal prestação.
O Professor Remédio Marques defende a primeira posição, por entender que os direitos-deveres dos progenitores para com os menores são sempre devidos, independentemente dos seus recursos económicos e do estado de carência económica dos filhos, posto que se trata de direitos cujo exercício é obrigatório e prioritário em atenção à pessoa e aos interesses do menor, acrescentando, em sua opinião, não tem aplicação, nestas eventualidades, o disposto no art.° 2004.°/1 do C. Civil, de harmonia com o qual, e ao derredor do princípio da proporcionalidade se deve tender às possibilidades económicas do devedor, para o efeito de fixar a obrigação de alimentos. Donde, faz mister fixar-se sempre uma prestação de alimentos a cargo de um ou de ambos os progenitores, mesmo que estejam desempregados e não tenham meios de subsistência.
Por sua vez, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo de forma unânime e uniforme, a seguir a primeira orientação, decidindo pela obrigatoriedade da concretização da obrigação legal de alimentos a cargo do progenitor cuja situação económica seja desconhecida ou em que se apure não auferir rendimentos, nomeadamente por estar desempregado
Revertendo ao caso concreto diremos que a eventual precária situação financeira de um progenitor nunca poderia servir de fundamento válido para lograr obter a sua exoneração da obrigação legal de prestação de alimentos em benefício dos seus carenciados descendentes menores de idade, desde logo por aquela situação poder ser meramente transitória, devendo sempre contar-se com a sua capacidade laboral futura. Sendo de realçar, neste âmbito, a obrigação que incumbe aos progenitores de diligenciar pelo exercício de uma actividade profissional geradora de rendimentos (vide neste sentido o acórdão da Relação de Guimarães, de 2/2/2010, n.° de processo 303/08.6TMBRG.G1, in www.dgsi.pt.).
Por conseguinte, tudo ponderado, nomeadamente a actual situação económica do Recorrente e da Recorrida, bem como as previsíveis necessidades das alimentandas, entendemos mais ajustado fixar a pensão de alimentos a favor de cada uma das Menores VAS... e JPF..., a prestar pela Pai, aqui Recorrente, no montante de €100,00 [cem euros] mensais, valor que se nos afigura equitativo e proporcionado às previsíveis necessidades destas suas filhas.
Só assim se garante, caso tal se revele necessário, a intervenção do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores e Jovens, em caso de incumprimento por parte do Pai, ora Recorrente [art.°s 1.° e 2.° da Lei n.° 75/98, de 19 de Novembro, com as alterações introduzidas pelas Leis n.°s 66-B/2012, de 31 de Dezembro e 24/2017, de 24 de Maio].
A satisfação das necessidades materiais da VAS... e da JPF... apenas poderá ser assegurada pelos recursos da comunidade, como último recurso, em caso de incumprimento, se o tribunal fixar uma pensão de alimentos a cargo do progenitor não guardião, não sendo tal possível no caso contrário.
Em conformidade com o que fica dito, a apelação procede parcialmente, devendo altera-se, em conformidade, o Ponto 8) do Regime Provisório de Regulação das Responsabilidades Parentais.
IV- Decisão
Pelo exposto, os Juízes da 6.a Secção da Relação de Lisboa acordam em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, mantendo no mais a decisão recorrida, de 03-04-2019, alteram o Ponto 8 do Regime Provisório de Regulação das Responsabilidades Parentais, que passa a ter a redacção seguinte:
«8) O pai contribuirá com a importância mensal única de 100,006 [cem eurosJ, a título de alimentos a favor de cada filha, num total de 200,00€ [duzentos euros€ a qual será entregue ao outro progenitor por transferência bancária para o IBAN PT50 0035..., da Caixa Geral de Depósitos, Agência da M..., até ao dia 8 do mês a que disser respeito, com inicio em Abril de 2019.»
Custas pelo Recorrente e pela Recorrida, na proporção de 3/5 e 2/5, respectivamente - artigo 527.° do CPC.
Registe e notifique.
Lisboa, 27 de Junho de 2019
Manuel Rodrigues
Gabriela de Fátima Marques