Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 22-10-2019   Interesse em agir. Sociedade.
1 - O interesse em agir é pressuposto processual autónomo, que se não confunde com a legitimidade, funcionando como uma circunstância limitativa das hipóteses de recurso.
2 - A sociedade interveniente nos autos, não é arguida nem assistente nos autos pelo que à mesma não lhe assiste legitimidade para recorrer e não tem interesse em agir, entendido este como a necessidade de usar o processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção para tutelar um direito.
3 - Mesmo que configurável a sua intervenção ao abrigo do art.° 401° n.° 1 al. d) CPP [tiverem a defender um direito afectado pela decisão], a mesma sociedade não tem de defender nenhum direito afectado pela decisão.
Proc. 84/13.1TELSB.L1 5ª Secção
Desembargadores:  João Carrola - Luís Gominho - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.
I.
No inquérito 84/13.1TELSB do DCIAP que, apara efeitos jurisdicionais, correu termos no Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa, Comarca de Lisboa, a sociedade RRR..., Lda, veio recorrer do despacho do Mmo. JIC datado de 27.03.2019, constante de fls. 1569 a 1573, que indeferiu requerimento para nova notificação àquela sociedade do despacho de fls. 1418 a 1420.
Apresentou motivação da qual extraiu as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto do despacho proferido a fls. 1558 a 1560 e fls. 1569 a 1573 nos autos à margem referenciados, que decidiu não determinar nova notificação da recorrente do despacho de arquivamento, bem como do despacho que declarou perdida a favor do Estado a quantia de € 1.389.303,49.
2. A recorrente não se conforma com a decisão que agora se censura, uma vez que a mesma além de refletir a verdade dos factos, padece de erro na interpretação da matéria de facto e aplicação do direito, impondo-se uma solução inversa à decidida na decisão que ora se impugna, competindo, assim, a este Tribunal ad quem usar dos seus poderes/deveres de censura.
3. No passado dia 21 de maio de 2013, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal de Lisboa abriu um processo de inquérito contra a aqui recorrente, sem nunca a ter constituído arguida, a qual correu os seus termos com o n.º de processo 8…TELSB, pela alegada suspeição da prática do crime de branqueamento de capitais.
4. Por não terem sido recolhidos indícios da verificação do crime, decorrido o prazo legal de inquérito - 3 anos - em 19 de maio de 2016, a Exma. Procuradora da República proferiu o competente despacho de arquivamento do inquérito, o qual, não foi notificado, nem à ora recorrente, nem ao seu mandatário.
5. Através de requerimento datado de 3 de novembro de 2016, o mandatário da recorrente subscritor desta peça processual, requereu a consulta do processo para o dia 9 de novembro de 2016.
6. Recebido o requerimento, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal, apercebendo-se da irregularidade processual por falta da notificação da recorrente, no próprio dia, ordenou a sua notificação, no sentido de a informar que o referido processo nº 8….1TEL SB já havia sido arquivado.
7. Na data do requerimento - 3 de novembro de 2016 - a recorrente e o seu mandatário desconheciam em absoluto que os autos já haviam sido arquivados.
8. Só na data de - 9 de novembro de 2016 - é que o ora subscritor teve conhecimento que o Senhor Juiz de Instrução Criminal tinha proferido em 20 de maio de 2016, um despacho que declarou perdida a favor do Estado a quantia de 1.389.303,49, que era da propriedade da aqui recorrente.
9. A sociedade recorrente ainda não foi notificada de qualquer despacho, nem do de arquivamento, nem tampouco do que declarou perdida a favor do Estado a quantia de € 1.389.303,49, pois, o Departamento Central de Investigação de Ação Penal terá, supostamente, enviado uma notificação do teor do despacho de arquivamento para um endereço que já não correspondia à sede da recorrente.
10. Aquela notificação nunca chegou ao poder do legal representante da aqui recorrente, nem poderia ter chegado, porquanto, tal como refere o despacho que agora se impugna, a mesma foi endereçada para a Rua …, quando, na realidade, à data da abertura do processo de inquérito, a sede daquela sociedade era já na Rua ….
11. A recorrente é totalmente alheia ao facto do BBB... ter informado a Polícia Judiciária de transações suspeitas, bem como do envio de documentação relativa ao anterior legal representante GGG..., da apresentação da certidão da Conservatória do Registo Comercial da sociedade recorrente, na qual ainda não constava a alteração da sede da recorrente, e ainda de ter remetido os documentos de abertura de conta, Ficha de assinaturas na qual ainda constava como morada da sede da recorrente a Rua ….
12. É também completamente alheia ao facto da procuração passada a favor do Senhor Dr. PPP..., constar como sede a Rua …, pois, no substabelecimento pelo qual o referido mandatário transferiu os seus poderes forense para o aqui subscritor, nada consta quanto à procuração inicial.
13. A indicação da morada da sede da recorrente no requerimento subscrito pelo ora signatário, datado de 20 de abril de 2015, tem de ser entendida como um lapso do mandatário, porquanto, utilizou anteriores minutas, e daí, ter indicado o número de pessoa coletiva e sede da sua constituinte no anterior endereço da sede da recorrente, ao invés de indicar o novo endereço.
14. O tribunal a quo não pode vir agora socorrer-se de tal factualidade, quando, como bem sabe, a sede da recorrente já havia sido alterada desde 17 de maio de 2013, ou seja, em data anterior à abertura do inquérito contra a recorrente.
15. Aquando da busca não domiciliária, em setembro de 2013, os livros, atas e documentação da sociedade recorrente ainda se encontravam na Rua …, porquanto, o legal representante da recorrente ainda estaria a proceder à mudança/transferência de todos os equipamentos, máquinas e documentos que se encontravam nessa morada para a nova sede, pois, apenas haviam decorrido quatro meses desde a alteração da sede, sendo certo que, de permeio se verificou o período de férias.
16. Apesar de bem tentar, o tribunal a quo não consegue justificar, a razão pela qual a notificação do despacho de arquivamento, bem como do despacho que declarou perdida a favor do Estado, a quantia de € 1.389.303,49, ter sido efetuada para a sede sita na Rua do ... e não para a sede atual sita na Rua das ..., quando da Certidão da Conservatória do Registo Comercial constava já sede atualizada, sendo apenas suficiente fazer a respetiva consulta.
17. O próprio tribunal a quo realça que tinha conhecimento da alteração da sede da recorrente, pois, a fls. 1572, menciona que: (...) na sequência de diligência realizada em 5/08/2013, que na Rua das ... (...), ou seja, nestes autos, já foi ordenada qualquer diligência à sede atual da recorrente, o que demonstra claramente que o tribunal a quo tinha pleno conhecimento que a sede da recorrente já se havia alterado.
19. Tal atuação por parte deste tribunal parece crer demonstrar que o intuito e objetivo da notificação não ter sido endereçada para a morada atualizada — note-se, da qual tinham conhecimento — era precisamente obstar e impedir que a recorrente exercesse o seu direito de defesa, através do exercício do direito constitucionalmente garantido no artigo 20.2 da Constituição da República Portuguesa, pelo que, a interpretação efetuada pelo tribunal a quo é manifestamente inconstitucional, por violar aquele preceito legal.
20. O tribunal a quo, a fim de impedir o livre exercício dos interesses e direitos legalmente consagrados à recorrente, endereçou tal notificação para uma morada que bem sabia que ninguém iria receber, muito menos a recorrente, socorrendo-se das disposições do Código de Processo Penal, no que diz respeito à matéria das notificações, pois, assim, a aludida notificação considerava-se presumida.
21. A aludida presunção encontra-se manifestamente ilidida, pois, tendo em consideração que a certidão da Conservatória do Registo Comercial demonstrava e demonstra que a sede da recorrente já se alterara desde 17 de maio de 2013 - note-se, antes da abertura do inquérito contra a recorrente - facilmente se conclui que nunca a recorrente poderia receber tal notificação.
22. Tal presunção ilide-se ainda pelo facto de o tribunal a quo ter tido conhecimento da alteração da sede da recorrente, tal como o Senhor Juiz de Instrução Criminal refere no seu despacho de fls. 1569 a 1573 e, mesmo assim, decide enviar a aludida notificação para outra morada da qual a recorrente era já completamente alheia, pois, já haviam decorrido mais de três anos desde a sua alteração.
23. Nos autos já constava a atual morada da sede da recorrente, pelo que, o despacho de arquivamento e o despacho que decretou a perda a favor do Estado tinham de ser notificados à recorrente para a sua sede atual - o que não aconteceu - artigo 246.°, n.° 2 do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 4.° do Código de Processo Penal.
24. Estamos perante uma nulidade sanável nos termos do disposto no artigo 120.° do Código de Processo Penal, pois, existe uma insuficiência do inquérito por não terem sido praticados atos legalmente obrigatórios, nulidade essa que aqui se volta a invocar para os devidos e legais efeitos.
25. Nos termos do disposto no artigo 277.°, n.° 3, do Código de Processo Civil, o despacho de arquivamento é comunicado ao arguido, ao assistente, ao denunciante com a faculdade de se constituir assistente e a quem tenha manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil, bem como ao respetivo defensor ou advogado.
26. Apesar da aqui recorrente não ter sido constituída arguida, a verdade é que o espírito do referido preceito legal significa que todas as pessoas com interesse na decisão devem ter conhecimento do despacho de arquivamento do processo, o que não aconteceu, sendo certo que a recorrente tinha um interesse especial em ter conhecimento de tal decisão, uma vez que tendo-lhe sido apreendida a quantia de € 1.389.303,49, no processo em causa foi proferido o competente despacho de arquivamento do inquérito, por não terem sido recolhidos indícios da verificação do crime.
27. A recorrente tinha o direito de ser informada acerca do desenvolvimento do processo crime no qual se viu confrontada, porém, a verdade é que ao longo do decurso da investigação, tal direito sempre lhe foi negado, mesmo quando foi proferido o despacho de arquivamento, pois, este não lhe foi notificado.
28. A decisão que determine a perda a favor do Estado, deve ser notificada ao respetivo proprietário, pois, proceder de modo contrário é adotar um entendimento atentatório da segurança que qualquer cidadão deve ter para a defesa da sua propriedade.
29. O instituto da perda a favor do Estado assume particularidades com enorme relevância por estar em causa o direito de propriedade legalmente consagrado no artigo 62.° da Constituição da República Portuguesa e, como tal, não pode ser encarado de ânimo leve, pelo que, tal decisão que decretou a perda a favor do Estado da quantia de € 1.389.303,49 tinha de ser obrigatoriamente notificada à recorrente, que, como já vimos, não aconteceu.
30. E nem se diga que a ora recorrente foi notificada na pessoa do seu mandatário, pois, como se disse, o despacho de arquivamento tem de ser obrigatoriamente notificado à pessoa com interesse no processo e, do mesmo modo, o despacho que decretou a perda a favor do Estado tem de ser obrigatoriamente notificada ao seu proprietário, o que não aconteceu.
31. A manutenção da presente situação mais não é do que um atentado e violação do direito de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva e do direito de propriedade privada, ambos
constitucionalmente previstos nos artigos 20.° e 62.° da Constituição a República Portuguesa.
32. Contrariamente ao entendimento do tribunal a quo, a sociedade recorrente ainda não foi notificada do despacho de arquivamento, nem do despacho que declarou a quantia de € 1.389.303,49 perdida a favor do Estado, pelo que, face à manifesta nulidade e ilisão da presunção de notificação, deverá ser ordenada a emissão de nova notificação para a sede da recorrente - Rua das ... - com o teor dos despachos a que vem sendo feita alusão, pois, só assim será reposta a legalidade e constitucionalidade.
Termina no sentido de ser revogada a decisão que não determinou o envio de nova notificação do despacho de arquivamento e do despacho que decretou a perda a favor do Estado da quantia de € 1.389.303,49 e, em consequência, ser substituída por outra que ordene o envio de notificação do teor dos aludidos despachos, para a sede da recorrente — Rua das ....
O Ministério Público respondeu ao recurso concluindo:
1. A sociedade RRR..., Lda, não é arguida nem assistente nos autos e não tem de defender nenhum direito afectado pela decisão de que recorre, pelo que não tem legitimidade em agir.
2. A referida sociedade não tem interesse em agir, entendido este como a necessidade de usar o processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção para tutelar um direito. Ou seja, por via do recurso a sociedade RRR..., Lda não obterá qualquer efeito útil, porquanto do mesmo não resultará qualquer alteração da situação processual.
3. Pelo que o recurso deverá ser rejeitado por falta de legitimidade e por falta de interesse em agir da recorrente - cfr. art. 401° do C.Proc.Penal.
4. Ainda que assim não se entenda, discordamos das razões da recorrente, sufragando a decisão proferida pela Mma. Juiz de Instrução Criminal.
5. Porquanto, a recorrente foi notificada do despacho de declaração de perda das quantias apreendidas em contas bancárias da sua titularidade, na morada que sempre usou perante o Tribunal, mesmo depois de alterada a sua sede.
6.Ainda que assim não se entenda sempre se dirá que o mandatário da recorrente teve acesso aos autos e consequentemente ao despacho judicial que declarou as referidas quantias perdidas a favor do Estado quando lhe foi deferida a consulta dos autos, pelo que poderia desde então arguir a falta de notificação, o que, no entanto, não fez.
7.Sendo certo, reafirma-se, que, como bem sabe o ilustre mandatário da sociedade RRR..., Lda, esta foi constituída por pessoa cuja identidade se desconhece, com recurso a documentos falsos, pelo que se desconhece a identidade do legal representante da mesma e que em última instância seria o beneficiário das quantias apreendidas e declaradas perdidas a favor do Estado.
8.Tendo sido com recurso a tais documentos falsos que foram abertas as contas bancárias tituladas pela sociedade RRR..., que foram apreendidas nos autos e cujo saldo bancário foi declarado perdido a favor do Estado. Razão pela qual não tinha a mesma de ser notificada do despacho de declaração de perda a favor do Estado das quantias apreendidas nos autos.
9. Não foram violadas quaisquer normas, nomeadamente as citadas pelo recorrente.
Termina no sentido de o recurso não merecer provimento.
Nesta Relação, a Exma. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer em que adere à resposta ao recurso e termina com o entendimento de que deve ser negado provimento ao recurso.
Cumprido o art.° 417° n.° 2 CPP, a recorrente veio responder ao parecer mantendo as motivações oportunamente apresentadas.
II.
Colhidos os vistos legais procedeu-se à conferência.
A decisão recorrida é do seguinte teor:
I - Fls. 1.552 e segs. ( RRR..., Lda. - Requerimento para nova notificação da sociedade do despacho de fls. 1.418 a 1.420, datado de 20/05/2016:
1. Por requerimento de fls. 1.552 e segs., apresentado em 21/02/2019, a Requerente RRR..., Lda., através de Ilustre Mandatário substabelecido nos autos a fls. 795, original a fls. 811 - requerimento de junção de substabelecimento apresentado pelo Ilustre Mandatário a fls. 793 a 794, em 17/12/2014 ( original a fls. 809 a 810) -, veio requerer ao tribunal que determine nova notificação da Requerente do despacho de fls. 1418 a 1420, de 20/05/2016, para a actual morada da sua sede, sita na Rua das ....
1.1. Alega, em síntese, que em 21/05/2013, o DCIAP abriu o presente processo de inquérito contra a sociedade Requerente, a qual nunca foi constituída arguida, tendo o processo sido arquivado em 19/05/2016.
Diz, quanto ao despacho de arquivamento, que o mesmo não foi de imediato notificado quer à Requerente, quer ao seu mandatário, e que só através do requerimento de 3/11/2016, quando requereu a consulta dos autos para 9/11/2016, é que o DCIAP se apercebeu da sua falha processual, tendo ordenado no próprio dia a notificação da sociedade.
Diz, também e no que cabe decidir pelo Tribunal, que só quando recebeu uma certidão que solicitou do processo, é que teve conhecimento que tinha sido proferido o despacho de fls. 1.418 a 1.420, que em 20/05/2016 declarou perdido a favor do Estado o montante apreendido nos autos de 1.389.303,49.
Alegou que tal notificação nunca chegou ao poder do legal representante da sociedade Requerente, porque a notificação foi endereçada para a Rua …., em Beja, sendo que aquando da abertura do inquérito contra a sociedade Requerente, em 21/05/2013, a sede da sociedade já não era naquela morada, mas sim na Rua das ..., constando o registo de tal alteração na CRC, pela ap. 7 de 17/05/2013.
Sustenta que não havia qualquer dever de informação, por parte da sociedade, da alteração da sede, pois tal tinha ocorrido em data anterior à instauração do inquérito, dizendo que é por causa imputável ao tribunal que a Requerente não recebeu a notificação e não teve conhecimento do aludido despacho.
Pelo que conclui, requerendo que o tribunal determine nova notificação da sociedade de tal despacho.
Passo a decidir.
2. O presente inquérito foi autuado em 21/05/2013, com certidão datada de 20/05/2013, do PA 1089/13, no âmbito do qual em 17/05/2015, foi feita comunicação pela entidade bancária (BBB...) para a UIF da P.1, de Transações Suspeitas (fls. 8), no âmbito de conta que nesse mesmo dia, 17/05/2013, a RRR... Lda., representada por GGG..., tinha aberto no …, conta n° 0001685... (cfr. fls. 8,12 a 30).
A operação traduziu-se no depósito, na conta, do montante de € 648.000,00, em notas de E 200, com imediata ordem de transferência desse valor para diversos beneficiários com contas sedeadas na China (fls. 8).
(i) Para abertura da conta e conforme documentação remetida pelo … ( cfr. fls. 12 a 18), foi entregue a documentação do legal representante GGG... e a certidão de CRC da sociedade, onde ainda não se encontrava registada a alteração da morada da sede da sociedade, constando como sede a Rua do ... (cfr. fls. 17 e 18).
A alteração da sede foi feita nesse mesmo dia 17/05/2013, pela ap. 7, alteração ao contrato feita on line, 17:12:17 ( cfr. fls. 1.566).
(ii) Por oficio de fls. 24, o BBB… remeteu os documentos de abertura da conta em causa, Ficha de assinaturas, datada de 17/05/2013, constando como sede da sociedade Rua do ..., GGG... representante da empresa (fls.
25) e Contrato de Abertura de Conta de Pessoa Colectiva, com identificação da sociedade, com sede na Rua do ... e representante GGG... (fls. 26 a 29), tudo documentos com assinaturas apostas no lugar do titular da conta.
(iii) A ordem de suspensão provisória de operações, em relação a esta conta, foi dada por despacho do Ministério Público de fls. 59 a 61, de 20/05/2013, ordem esta que abrangeu demais operações em conta anteriormente aberta no BPI pela mesma sociedade RRR..., Unipessoal Lda. e com o mesmo representante GGG..., bem como uma conta pessoal aberta por este no CCC... (cfr. fls. 59 a 61), confirmadas por despacho judicial de fls. 69 a 80.
2.1. A fls. 562 a 565, em 16/01/2014, é remetido para os autos requerimento apresentado pelo Exmo. Sr. Dr. PPP..., Ilustre Advogado, juntando procuração outorgada a seu favor pela RRR..., Lda, procuração esta outorgada em 9/10/2013 e em que indica como sede da sociedade a Rua do ….
Por Requerimento apresentado pelo actual Ilustre Mandatário da Requerente, a fls. 793 a 794, em 17/12/2014 ( original a fls. 809 a 810), é junto pelo mesmo substabelecimento a seu favor, fls. 795, original a fls. 811.
Por Requerimento apresentado pelo actual Ilustre Mandatário da Requerente, a fls. 914 a 916, em 20/04/2015 - e na sequência de requerimentos que, após junção de substabelecimento a seu favor, foi sucessivamente apresentando desde 17/12/2014, com vista ao levantamento da suspensão da conta e levantamento do segredo de justiça -, o Ilustre Mandatário da sociedade vem dizer ao Tribunal que: (..) ...esclarece-se mais uma vez que a titular das contas bancárias dos fundos depositados é a sociedade RRR..., UNIPESSOAL,Lda., com sede na Rua do …, que tem o NIPC 510 ... - documentos n°s 1 a 10(...);
Morada em que, efectivamente, em Setembro de 2013, aquando da execução da busca não domiciliária, foram apreendidos os livros, actas e documentação da sociedade e constando no RDE de fls. 157, na sequência de diligência realizada em 5/08/2013, que na Rua das ... não existia imóvel correspondente ao n° 2 (havendo uma T…., mas em Ilhas, Arraiolos, local que estava desabitado, conforme descrito).
3. Feito o enquadramento que antecede, temos que a fls. 1418 a 1420, em 20/05/2016, foi proferido despacho a declarar perdido a favor do Estado, os montantes a que se referiu o despacho do Ministério Público de fls. 59 a 61, ordem de suspensão de operações bancárias em relação às contas abertas no BBB… e no PPP… em nome da sociedade RRR..., Unipessoal Lda., representadas por GGG..., bem como em relação à conta pessoal aberta em nome deste no CCC... (cfr. fls. 59 a 61), suspensões confirmadas por despacho judicial de fls. 69 a 80.
Alega no entanto, a Requerente, que tal notificação nunca chegou ao poder do legal representante da sociedade Requerente, porque a notificação foi endereçada para a Rua do …, sendo que aquando da abertura do inquérito contra a sociedade Requerente, em 21/05/2013, a sede da sociedade já não era naquela morada, mas na Rua das ... - constando o registo de tal alteração na CRC, pela ap. 7 de 17/05/2013 - e não lhe cabendo a si qualquer dever de comunicação da alteração da morada.
Ora, não obstante a notificação de fls. 1.424, a que o Ilustre Mandatário concretamente se refere, ter sido enviada para o Legal Representante da RRR..., Unipessoal Lda., para a Rua do …, essa é a morada que a sociedade continuou a usar perante o Tribunal durante o processo, que apôs na procuração outorgada a favor do Ilustre Mandatário inicial (fls. 562 a 565) e que o actual Ilustre Mandatário, no já referido requerimento de fls. 914 a 916, em 20/04/2015, veio dizer continuar a ser a morada da sociedade.
Assim e tendo em atenção o fundamento concretamente alegando pela requerente para a repetição de notificação, não resultando dos autos que a referida carta de notificação tenha sido devolvida, não determino o envio cté nova notificação.
Na resposta do M.° P.° ao recurso suscita-se a questão da legitimidade da recorrente sociedade para aquele uma vez que não é arguida nem assistente nos autos e não tem de defender nenhum direito afectado pela decisão de que recorre, pelo que não tem legitimidade em agir.
Dispõe o art.° 401° n.°1 do CPP que têm legitimidade para recorrer:
a) O Ministério Público, de quaisquer decisões, ainda que no exclusivo interesse do arguido;
b) O arguido e o assistente, de decisões contra eles proferidas;
c) As partes civis, da parte das decisões contra cada uma proferidas;
d) Aqueles que tiverem sido condenados ao pagamento de quaisquer importâncias, nos termos deste Código, ou tiverem a defender um direito afectado pela decisão.
Estatui ainda o n.° 2 do mesmo preceito legal que não pode recorrer quem não tiver interesse em agir.
O interesse em agir é pressuposto processual autónomo, que se não confunde com a legitimidade, funcionando como uma circunstância limitativa das hipóteses de recurso.
Na definição de Antunes Varela, Manual de Processo Civil, pág. 170, o interesse em agir também conhecido por interesse processual, consiste na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção. O autor tem interesse processual quando a situação de carência em que se encontra, necessita da intervenção dos tribunais, e a págs. 172 refere Uma coisa é, de facto, a titularidade da relação material litigada, base da legitimidade das partes; outra substancialmente distinta, a necessidade de lançar mão da demanda, em que consiste o interesse em agir.
José Damião da Cunha, in A participação dos particulares no exercício da acção penal (Alguns aspectos), Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 8, Fasc. 4 (Outubro-Dezembro 1998), págs. 593 a 660, a págs. 646, distingue o problema da legitimidade para recorrer do problema do interesse em agir, definindo o interesse em agir como um pressuposto decorrente da actividade exercida pelo assistente, e considerando Neste caso, o assistente apenas pode recorrer de decisões em que activamente tenha participado e em que tenha formulado uma qualquer ((pretensão», não tendo essa «pretensão» merecido acolhimento na decisão — ou seja: a decisão foi proferida contra as expectativas do assistente.
Esclarece o Autor que o conceito de «interesse em agir» é um conceito mais geral, na medida em que se refere a qualquer tipo de decisão processual — não se refere, pois, apenas às decisões finais — e por outro lado, aplica-se a todos os sujeitos processuais (seja ao Ministério Público, seja ao arguido).
Podem ver-se ainda Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2000, págs. 328 e 332 e Cláudia Cruz Santos, Assistente, recurso e espécie e medida da pena, RPCC, Ano 18, n.° 1 (Janeiro-Março 2008), págs. 137 a 166, comentando acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-12-2007, a págs. 160 págs. 165, retomando a Autora a posição em A redescoberta da vítima e o direito processual penal português, in Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, 2010, III volume, pág. 1133, e ainda Paulo Pinto Albuquerque, Código de Processo Penal Comentado, UCE, 4.ª edição actualizada, 2011, pág. 221, em anotação ao artigo 69.°, reforçando a posição, a págs. 224, no n.° 8.
Segundo os acórdãos do STJ de 28-09-2006, proferidos nos processos n.° 2256/06 e n.° 2791/06, ambos da 5.a Secção: Não basta ter legitimidade para se poder recorrer de qualquer decisão; necessário se torna também possuir interesse em agir, (...) que se reconduz ao interesse em recorrer ao processo, porque o direito do requerente está necessitado de tutela; não se trata, porém, de uma necessidade estrita nem sequer de um interesse vago, mas de qualquer coisa intermédia: um estado de coisas reputado bastante grave para o demandante, e que, assim, torna legítimo o recurso à arma judiciária; à jurisprudência é deixada a função de avaliar a existência ou inexistência de interesse em agir, a apreciação da legitimidade objectiva é confiada ao intérprete que terá de verificar a medida em que o acto ou procedimento são impugnados em sentido favorável à função que o recorrente desempenha no processo; a necessidade deste requisito é imposta pela consideração de quer o tempo e a actividade dos tribunais só devem ser tomados quando os direitos careçam efectivamente de tutela, para defesa da própria utilidade dessa mesma actividade, e de que é injusto que, sem mais, possa solicitar tutela judicial.
A sociedade RRR..., Lda, não é arguida nem assistente nos autos pelo que à mesma não lhe assiste legitimidade para recorrer.
Mesmo que configurável a sua intervenção ao abrigo do art.° 401° n.° 1 al. d) CPP [tiverem a defender um direito afectado pela decisão], a mesma sociedade não tem de defender nenhum direito afectado pela decisão na medida em que, tal como se mostra decidido no despacho de arquivamento do inquérito
De todo o exposto resulta que se desconhece a origem dos fundos depositados nas contas bancárias acima identificadas e mais se desconhece a verdadeira identidade do titular daquelas contas bancárias, sabendo-se apenas que as mesmas foram abertas por alguém cuja identidade se desconhece com o uso da identidade de um cidadão chinês de nome GGG..., que se apurou residir em Espanha.
A ser assim desconhece-se a quem pertence o dinheiro que se encontra depositado nas contas bancárias que foram objecto da medida de suspensão de operações bancárias a débito decretada nos autos e que actualmente se encontra apreendido.
Ora, a indeferida necessidade de notificação dos despachos, do M.° P.°, de arquivamento do inquérito e, judicial, de perdimento a favor do Estado das quantias bancárias apreendidas nas contas bancárias identificadas a fls. 1413, só se poria se à sociedade, ora recorrente, pudesse ser atribuído um qualquer estatuto de afectada por tais decisões o que, manifestamente, não é o caso na medida em que, quanto à primeira, apenas o seria se viesse a ser acusada e/ou fosse assistente nos autos e, por relação à segunda, se ficasse estabelecida como sendo de sua propriedade as quantias declaradas perdidas, o que não foi o caso.
Assim, claramente a referida sociedade não tem interesse em agir, entendido este como a necessidade de usar o processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção para tutelar um direito.
Ora, se por via do recurso o recorrente não obtém qualquer efeito útil, não tem interesse em agir.
Com efeito, a pretendida notificação do despacho de declaração de perda a favor do Estado não confere à recorrente qualquer direito que do mesmo possa resultar.
Impõe-se assim, a rejeição do recurso por falta de legitimidade e por falta de interesse em agir da recorrente.
Para além disso, sempre o recurso seria manifestamente improcedente, para os efeitos do art.° 420° n.° 1 al. a) CPP, pelos fundamentos constantes do próprio despacho recorrido acima citado em que se constata que a morada utilizada para as notificações processuais da sociedade recorrente foi aquela que sempre foi fornecida aos autos pelos actos processuais pela mesma praticados, de que destacamos, a procuração outorgada a favor do ilustre mandatário inicial - fls. 563 a 565, note-se que outorgada bem após a, por si invocada, alteração da sede social — e o requerimento de fls. 914/916, no ponto 6, com entrada nos autos a 20.04.2015.
Finalmente, sempre a manifesta improcedência se imporia pela inutilidade dessa mesma notificação, a qual só se compreenderia dentro de uma perspectiva de um futuro eventual recurso, pela sociedade, do despacho de declarou perdida a favor do Estado a quantia monetária/saldo das contas bancárias identificadas a fls. 1413.
Na verdade, aquela decisão não tem de ser pessoalmente notificada à sociedade, ora recorrente, na medida em que essa notificação não se mostra imposta pelo disposto no art.° 113° n.° 10 CPP, tanto mais que a sociedade não era arguida nos autos. Assim, bastava-se a notificação do respectivo mandatário, de resto já constituído à data.
E quanto a este, teremos de considerar que o mesmo se mostra notificado do despacho de arquivamento do inquérito, cfr. notificação por ofício de fls. 1505 datado de 15.12.2016, apesar de devolvido ao remetente cfr. fls. 1509, bem como, de uma forma definitiva, do despacho de perdimento a favor do Estado como claramente resulta da certidão remetida por ofício datado de 29-05.2017 — cfr. Fls. 1539, istopor referência ao requerimento de fls. 1531 e processado subsequente de fls. 1532 a 1538, como, de resto, o mesmo admite no ponto 6 do requerimento de fls. 1552. ( as referências a actos processuais resultam de consulta feita aos autos principais, solicitados para o
efeito.)
Com esta última certidão e pelo respectivo teor terá de se ter o Exmo. Mandatário por devidamente notificado do despacho em questão, pelo que, tendo em atenção a data da respectiva recepção, sempre o recurso incidente sobre esse despacho de perdimento teria de ser considerado extemporâneo.
III.
Face ao exposto, decide-se rejeitar por falta de interesse em agir e manifesta improcedência o recurso interposto pela sociedade RRR..., Lda,.
Custas a cargo do recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UC, acrescida de igual importância nos termos do art.° 420° n.° 3 CPP.
Feito e revisto pelo 1° signatário.
Lisboa, 22 de Outubro de 2019.
João Carrola
Luís Gominho
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