Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 20-02-2018   O superior interesse do menor.
1. O princípio fundamental a observar no exercício das responsabilidades parentais é o do superior interesse do menor.
2. O interesse dos menores passa pela existência de um projeto educativo; pela efetiva preterição de cuidados básicos diários (alimentação, higiene, etc); pela prestação de carinho e afeto; pela transmissão de valores morais; pela manutenção dos afetos com o outro progenitor e a demais família (designadamente irmãos e avós); pela existência de condições para a concretização do tal projeto educativo; pela criação e manutenção de um ambiente seguro, emocionalmente sadio e estável; pela existência de condições físicas (casa, espaço intimo) e pela dedicação e valorização com vista ao desenvolvimento da sua personalidade.
Proc. 421/13.9TMPDL-A.L1 1ª Secção
Desembargadores:  Ana Isabel Pessoa - Eurico Reis - -
Sumário elaborado por Ana Paula Vitorino
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Processo n°421/13.9TMPDL-A.L1
Recurso de Apelação
Recorrente: L...
Recorrido: L...
Menor: I...

Sumário:
A salvaguarda do superior interesse da criança impõe que se alcance a solução que melhor promova o harmonioso desenvolvimento
físico, intelectual e moral da criança, bem como sua a estabilidade emocional, tendo em conta a idade, o seu enraizamento ao meio sociocultural e a disponibilidade e capacidade dos progenitores em
assegurar tais objetivos, o que passa pela garantia de condições
materiais, sociais, morais e psicológicas que tornem possível o são desenvolvimento da sua personalidade à margem das tensões e dos
conflitos que eventualmente ocorram entre os progenitores, e que viabilizem o estabelecimento de um relacionamento afetivo contínuo entre ambos.
(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no artigo 663°, n° 7, do CPC).
Acordam na 1 ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa,
1. RELATÓRIO:
L... com os demais sinais dos autos, veio requerer a alteração da regulação das responsabilidades parentais relativamente à menor sua filha I....
Alegou que a menor, que foi entregue à mãe, L..., não se encontra em segurança, tendo sido vítima de violação, que o principal suspeito é um primo da mãe, e disponibilizou¬se para adquirir a guarda definitiva da filha.
A Requerida foi citada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 42°, n.° 3 do RGPTC e não apresentou contestação.
Teve lugar a conferência de pais, nos termos do disposto no artigo 35°, n.° 1 do RGPTC, aplicável nos termos do disposto no artigo 42°, n.° 5 do mesmo diploma, no âmbito da qual foram tomadas declarações a ambos os progenitores, e se solicitaram informações sumárias às Equipas Multidisciplinares de Assessoria aos Tribunais, bem como certidão relativa ao estado do processo crime relativo ao abuso sexual da menor em causa nos autos, após o que, não tendo havido acordo entre os progenitores, foram os mesmos notificados para apresentarem alegações e prova, nos termos do disposto no artigo 39°, n.° 4 do RGPTC.
Procedeu-se a julgamento, com observância das formalidades que constam da ata de folhas 87/88, vindo a ser proferida sentença que, julgando procedente a ação, determinou a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, da seguinte forma:
1. A menor I..., nascida a 9-01-2012, fica à guarda e cuidados do pai, L..., com quem terá residência habitual e que sobre ela exercerá as responsabilidades parentais nas questões do quotidiano, sendo seu encarregada de educação.
2. Nas questões de particular importância da vida da menor, designadamente em matéria de intervenções médico-cirúrgicas não urgentes, deslocações para fora do continente europeu (espaço Schengen), representação patrimonial e judiciária, educação religiosa e escolha de estabelecimento de ensino, as responsabilidades parentais serão exercidas em conjunto por ambos os progenitores;
3. A menor passará com a mãe, na área de residência desta última, na ilha de São Miguel, metade das férias letivas do Natal, ou seja, ou o período compreendido entre o dia seguinte ao termo das aulas e o dia 26 de dezembro, ou entre o dia 26 de dezembro e o dia 2 de janeiro (períodos que alternarão anualmente com o pai, a quem caberá na próxima quadra festiva do Natal o segundo período mencionado), e ainda a totalidade da interrupção letiva da Páscoa e o período compreendido entre 15 de julho e 31 de agosto, nas férias letivas do verão, sendo as deslocações da menor a São Miguel no Natal e no Verão asseguradas pelo progenitor, e na da Páscoa pela progenitora;
4. Sempre que a progenitora se encontrar na área de residência da menor partilhará com esta as datas festivas do seu aniversário e aniversário da menor e o dia da mãe, e ainda passará com a filha o fim de semana, devendo para o efeito comunicar a sua deslocação à ilha das Flores ao progenitor, com a antecedência de uma semana;
5. A progenitora poderá contactar com a filha por telefone ou qualquer meio de comunicação à distância aos sábados e domingos, entre as 18h30m e as 19h30m, e ainda às terças e quintas-feiras, à mesma hora;
6. A título de prestação alimentos à menor, a mãe pagará o montante mensal de 40,00€, o qual deverá ser entregue ao pai, até ao dia 8 de cada mês, com efeitos imediatos. Tal montante será
automaticamente atualizado todos os anos, em janeiro, segundo o índice de inflação mais baixo apurado pelos serviços oficiais de estatística para a Região Autónoma dos Açores, por referência ao ano anterior.

Inconformada a Requerida interpôs o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
A) A douta sentença ora recorrida, não fez, na nossa modesta opinião, a mais acertada integração do direito, na situação dos autos, fazendo uma incorreta aplicação do conceito de interesse do menor, plasmado no disposto nos artigos 1905°, 1906° do CPC e 40° RGPTC.
B) A Alteração da Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais, a ser deferida como foi o caso, só poderia ter como fundamento o superior interesse da I..., a ser acautelado por um progenitor melhor do que o outro, o que nos presentes autos não se provou ser o caso;
C) Antes pelo contrário, todos os Relatórios sociais e psicológicos apontam a I... como menina feliz e cuidada junto da Mãe, termos em que apresente decisão além de carecer de fundamento legal, estriba se apenas na superioridade financeira do Pai face à Mãe.
D) A superioridade financeira de um dos pais, no caso do Pai, não é por si só motivo para alterar a guarda de uma menor de tenra idade que esta feliz junto da Mãe, pelo que a douta Sentença violou, também assim o disposto no art. 668°, n° 1 b) do CPC, e art. 13° da CRP no que se refere à igualdade Jurídica dos Progenitores.
Terminou, pedindo que seja revogada a sentença recorrida, e em consequência, mantido o regime em vigor.

O Ministério Público respondeu, alegando, em resumo, que o Tribunal não fundamentou a sua decisão com base apenas na situação económica dos progenitores, antes decidiu em conformidade com os factos que ficaram assentes, em virtude do ambiente familiar do progenitor garantir à menor um projeto educativo, equilibrado e apresentar condições mais favoráveis a um são crescimento e que melhor poderá salvaguardar os superiores interesses da criança, que os fundamentos do recurso não permitem abalar os fundamentos de facto e de direito constantes da decisão ora recorrida, com os quais referiu concordar, concluindo que a decisão recorrida não merece censura, deverá ser confirmada, por ser justa, correta e equilibrada.

II. Questões a decidir.
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635°, n° 4, e 639°, n° 1, do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões de que o tribunal «ad quem» possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso, importa apreciar e decidir, se a sentença fez uma incorreta aplicação do conceito de interesse da menor, se a decisão carece de fundamento legal, por se fundar apenas na superioridade financeira do pai, face à mãe.
III. Fundamentação.
111.1. Fundamentação de facto.
O Tribunal Recorrido considerou assentes os seguintes factos;
1. I... nasceu a 9 de janeiro de 2012 e é filha de L... e de L...;
2. L... conheceu L... em 2011, nas Furnas, com quem manteve uma relação amorosa durante 3 meses, que cessou com o regresso desta à ilha de São Miguel;
3. A 16 de dezembro de 2013 procedeu-se à regulação do exercício das responsabilidades parentais da menor I..., a qual fixou a residência da criança com a figura materna e estabeleceu convívios e contactos da I... com a figura paterna;
4. Em cumprimento do regime de convívios do progenitor com a menor, aquele deslocou-se à ilha de São Miguel duas vezes, tendo convivido com a menor nestes momentos, e nas interrupções letivas do Natal de 2015, do verão de 2016 (entre 15 de agosto a 15 de setembro de 2016), bem como no verão de 2017 (entre 3 de agosto e 12 de setembro), em que a menor se deslocou à ilha das Flores onde esteve aos cuidados do pai;
5. A progenitora da menor não aceitou que a filha se deslocasse para as Flores em junho e em julho deste ano, em razão do que a menor apenas foi para a ilha das Flores a 3 de Agosto de 2017;
6. O progenitor contactou com a menor com regularidade por telefone e através de videochamadas, através da conta de Facebook da progenitora, com periodicidade semanal, até à instauração do presente processo de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, data a partir da qual os contactos entre pai e filha se tornaram mais escassos, falta de regularidade que o pai também imprimiu nos contactos entre a filha e a mãe, durante a permanência daquela na ilha das Flores no verão de 2017;
7. A progenitora a 20-2-2017 estava integrada há cerca de um ano no agregado familiar de origem, após o término de uma relação amorosa, na qual alega ter sido vítima de maus-tratos psicológicos perpetrados pelo seu companheiro, que segundo a própria, também a forçou a proceder a uma interrupção voluntária da gravidez, na sequência do que, associada a sintomatologia depressiva e instabilidade emocional, realizou tentativa de suicídio, que debelou com tratamento psiquiátrico;
8. Na residência da família de origem, cedida aos avós maternos da menor pela Direção Regional da Habitação, viviam os avós maternos - sendo o avõ pensionista e a avó doméstica -, a progenitora e os três filhos menores (N..., G... e I...), e um irmão da progenitora, que trabalha como pedreiro;
9. Esta casa dispõe de dois pisos, sendo o rés-do-chão constituído por sala de estar, cozinha, despensa, casa de banho e, ainda, por um quintal, enquanto no primeiro piso se encontra a segunda casa de banho e os três quartos da casa, sendo um destinado aos avós maternos, outro onde pernoitavam, em camas individuais, os elementos masculinos do agregado (o irmão da progenitora e o filho G…) e um terceiro quarto, onde a progenitora dormia com a menor I... numa das duas camas individuais que integram o referido espaço, sendo a outra cama ocupada pela irmã mais velha da menor (a N…);
10. O agregado da progenitora beneficiava a 20-2-2017 da intervenção de ajudante sócio familiar, com periodicidade semanal, no âmbito da medida de prestação social de Rendimento Social de Inserção;
11. A figura materna a 20-2-2017 encontrava-se desocupada, e não inscrita na Agência para a Qualificação e Emprego de Ponta Delgada, auferindo 354,15€ de rendimento social de reinserção, 148,23€ de abonos de família das crianças e respetivas majorações, e ainda 90,00€ de prestação de alimento em referência à menor I... Rego;
12. Então tinha planos de se autonomizar com o seu namorado, que a ajudava financeiramente com 100,00€ mensais, que concretizou, passando a viver com os três filhos em habitação de familiares, sita na Rua do Vigário - Lagoa;
13. Porém, decorridos quatro meses, na sequência de conflitos com o proprietário, a progenitora, grávida de 14 semanas, regressou com os filhos ao seu agregado de origem, da qual faz parte mais um elemento adulto, a tia da menor de 22 anos de idade e desempregada, mantendo a progenitora a situação de desempregada e a situação económica elencada no ponto 11), e passando a pernoitar com a filha I... na sala da casa, num colchão no chão, enquanto a irmã uterina da menor, a Neuza, passou a dormir no sofá colocado nesta mesma dependência;
14. Os seus filhos G... e N…, de 12 e 18 anos de idade, frequentam, respetivamente, o 5° ano de escolaridade e curso profissional para aquisição do 9° ano de escolaridade;
15. A progenitora tem historial de consumo de substâncias psicoativas, beneficiando de acompanhamento médico e psicológico na Associação Arrisca, sendo a sua comparências às consultas irregular;
16. Ficou abstémica durante três anos, recaindo no consumo na sequência do abuso sexual de que a menor I... foi vítima, em consequência do que realizou durante 18 meses tratamento de desintoxicação;
17. Por força de perturbação depressiva e instabilidade emocional cumpre terapêutica medicamentosa, mediante a administração de antidepressivo e ansiolíticos, prescritos pelo médico da Arrisca;
18. O agregado familiar do progenitor é composto por ele e pela mulher Vanda Rodrigues e Silva Rego, com quem casou no ano de 2013;
19. O progenitor é bombeiro e a mulher está integrada no Programa Recuperar no Centro de Interpretação Ambiental das Flores;
20. O casal, que não tem filhos comuns, nem de outros relacionamentos, a não ser a I..., reside em casa própria com razoáveis condições de habitabilidade, composta por uma cozinha, wc, sala e quarto. Encontram-se a recuperar uma moradia anexa composta por cozinha, 2 wc, 2 quartos e uma sala, onde a menor disporá de quarto próprio e de cama com as dimensões adequadas à sua faixa etária;
21. Dos rendimentos do agregado fazem parte os rendimentos do trabalho do progenitor, no valor de 834,00€ mensais, e da sua mulher, no montante de 583,27€ mensais;
22. Os encargos mensais mais significativos são o pagamento da amortização do empréstimo contraído para aquisição da habitação, as despesas com os consumos domésticos e alimentação, no valor de 666,17€, e o pagamento da prestação de alimentos da menor, no valor de 90,00E;
23. Durante o tempo que passou nas Flores a I... brincou com o pai, foi às piscinas com o pai e mulher do pai, passeou com eles, brincou na casa do casal, brincou na casa dos avós, onde lhe foi construído um baloiço, passou momentos de lazer com a família alargada paterna, etc. Os cuidados à I... foram partilhados pelo progenitor e sua mulher, assumindo esta as tarefas da higiene da menor, confeção de alimentação, e do conto de uma história à I... na cama, antes de esta adormecer;
24. Quer o progenitor quer a sua mulher V... estão motivados para receber a menor na sua vida em permanência, revelando verdadeira afeição pela criança, a quem querem proporcionar uma vida mais estável, em termos familiares, habitacionais, financeiros, e melhor acompanhamento e apoio educativo;
25. A menor frequenta no ano letivo de 2017/2018 o ensino pré-escolar, na Escola EB/JI Tavares Canário, sita na Lagoa, e mantém avaliação positiva ao nível da assiduidade, pontualidade, cuidado e higiene, comparecendo a mãe na escola sempre que convocada;
26. Habitualmente a menor almoça em casa, tendo acontecido neste ano letivo em duas ocasiões, ser a funcionária da escola a acompanhar a menor a casa para almoçar, por nem a mãe nem a família a terem ido buscar à escola para que efetuasse a refeição do almoço em casa;
27. Trata-se de uma criança feliz, meiga e sociável, que ao nível do desenvolvimento global encontra-se dentro dos parâmetros esperados para a sua faixa etária;
28. Beneficia de acompanhamento médico no Centro de Saúde de Lagoa, e beneficiou de acompanhamento psicológico, na sequência do abuso sexual de que foi vítima, que aparentemente não comprometeu o seu bem-estar emocional;
29. Não apresenta nenhum quadro sintomatológico ou conjunto de sinais que possam revelar a existência de uma perturbação psicológica nem indicadores da experiência de algum mal-estar emocional;
30. I... mostra-se estável emocionalmente e inserida de forma ajustada quer no agregado materno quer no agregado paterno, e não obstante a relação afetiva mais significativa ser com a mãe, a menor possui vínculo relacional positivo com o pai e a mulher deste, apesar de esta figura parental ser aquela com quem passou menos tempo, e com quem priva de forma espaçada e por curtos períodos;
31. Por acórdão proferido a 4-11-2016 e transitado em julgado a 5-12-2016, foi o arguido F..., primo da progenitora, condenado pela prática, no período compreendido entre maio de 2016 e 7 de Junho 2016, de um crime de abuso sexual de criança em trato sucessivo, p. e p. pelo artigo 171°, n.°s 1 e 2, do C.P., na pessoa da menor I..., na pena de 5 anos e 8 meses de prisão.

A Recorrente não impugnou a matéria de facto e, compulsados os autos, tendo-se procedido à audição de toda a prova gravada, afigura-se que não existe fundamento para a alterar, por ter sido fixada em conformidade com os meios de prova produzidos.

111.2. Os factos e o direito.
O artigo 67° n° 1 da Constituição da República Portuguesa declara
que [...] a família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à proteção da sociedade e do Estado e à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros. [...]. O artigo 68° do mesmo diploma acrescenta que [...] a maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes [...] (n° 2) e [...] os progenitores e as progenitoras têm direito à proteção da sociedade e do Estado na realização
da sua insubstituível ação em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país [...] (n° 1).
Por isso o legislador comete aos pais, no interesse dos filhos, o poder dever que consiste na responsabilidade de zelarem pela segurança e saúde destes, proverem ao seu sustento, dirigirem a sua educação, representarem-nos e administrarem os seus bens (cf. artigo 1878° do Código Civil) (o destacado é nosso).
Prescreve o artigo 1901°, n°. 1, do Código Civil, que na constância do matrimónio, o exercício das responsabilidades parentais pertence a ambos os pais e, se um dos pais praticar acto que integre o exercício das responsabilidades parentais, presume-se que age de acordo com o outro .... - cf., o n°. 1, 1° parte do artigo 1902°, do mesmo diploma.
Prevendo acerca do exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, estatui o artigo 1906°, ainda do Código Civil, que:
1 - As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
2 - Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.
3 - O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém, este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente.
4 - O progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente pode exercê-las por si ou delegar o seu exercício.
5 - O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.
6 - Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho.
7 - O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles (o destacado é nosso).
Tais preceitos são igualmente aplicáveis aos cônjuges separados de facto - cf. o artigo 1909°, ainda do Código Civil - bem como às situações em que ambos os progenitores vivam em condições análogas às dos cônjuges, prescrevendo o art°. 1911°, nos seus n°.s 1 e 2,
igualmente do mesmo diploma, que: 1 - Quando a filiação se encontre estabelecida relativamente a ambos os progenitores e estes vivam em condições análogas às dos cônjuges, aplica-se ao exercício das responsabilidades parentais o disposto nos artigos 1901°a 1904°.
2 - No caso de cessação da convivência entre os progenitores, são aplicáveis as disposições dos artigos 1905° a 1908°.
Prescreve, por seu turno, o artigo 1912°, n.° 1 do Código Civil, que
quando a filiação se encontre estabelecida relativamente a ambos os progenitores e estes não vivam em condições análogas às dos cônjuges, aplica-se ao exercício das responsabilidades parentais o disposto nos artigos 1904.°a 1908.°
2 - No âmbito do exercício em comum das responsabilidades parentais, aplicam-se as disposições dos artigos 1901.° e 1903.°, sendo igualmente aplicável o disposto no n.° 2 do artigo 1909.°, sempre que os progenitores pretendam regular por mútuo acordo o exercício das responsabilidades parentais.
Resulta, pois, dos artigos 1911.° e 1912.° do Código Civil, que, relativamente à filiação estabelecida quanto a ambos os progenitores que, tendo vivido em condições análogas às dos cônjuges, fizeram cessar essa convivência e relativamente à filiação estabelecida quanto a ambos os progenitores que não vivem em condições análogas às dos cônjuges, têm aplicação as disposições dos artigos 1905.° a 1908.°, no capítulo do exercício das responsabilidades parentais.
As normas referidas aplicam-se, pois, também ao caso dos autos, em que os progenitores da I..., como resulta dos factos provados, tiveram uma relação de namoro, no âmbito da qual mantiveram relações sexuais, em resultado das quais veio a nascer a I....
No âmbito do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.° 141/2015, de 08.09. (RGPTC), refere o n°. 1 do artigo 40° aplicável ex vi do n°. 5 do artigo 42° do mesmo diploma, que o exercício das responsabilidades parentais será regulado de harmonia com os interesses da criança, devendo determinar-se que seja confiada a ambos ou a
um dos progenitores, a outro familiar, a terceira pessoa ou a instituição de acolhimento, aí se fixando a residência daquela, acrescentando o n°. 2 que é estabelecido regime de visitas que regule a partilha de tempo com a criança (...), reiterando-se a aplicabilidade do regime regulatório de tais responsabilidades aos filhos de progenitores não unidos pelo matrimónio - cf., o n°. 1 do art°. 43° do mesmo diploma.
Acrescenta o artigo 42°, n°. 1, do mesmo diploma que quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um deles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais.
Na verdade, tratando-se o processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais de um processo de jurisdição voluntária, as decisões tomadas podem sempre ser revistas, desde que ocorram factos supervenientes que justifiquem ou tornem necessária essa alteração, em conformidade com o disposto no artigo 988° do Código de Processo Civil, que define como supervenientes, quer as
circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão, como as anteriores,
que não tenham sido alegadas por ignorância ou por outro motivo ponderoso.
Da conjugação de todos os preceitos acabados de citar impõe-se a conclusão de que o princípio fundamental a observar no exercício das responsabilidades parentais é o do superior interesse do menor.
Também na Convenção Sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque, em 26 de Janeiro de 1990 e aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.° 20/90, publicada no Diário da República n.° 211/90, I°. Série, 1.° Suplemento, de 12 de Setembro de 1990, se
estabelece no seu artigo 3.0, n.° 1, que: (...) todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança (o destacado é
nosso).
Estabelece-se ainda no artigo 9.° desta mesma Convenção, que:
1. Os Estados partes garantem que a criança não é separada de seus pais contra a vontade destes, salvo (...) no caso de os pais viverem separados e uma decisão sobre o lugar da residência da criança tiver de ser tomada.
(...) 3. Os Estados partes respeitam o direito da criança separada de um ou de ambos os seus pais de manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos, salvo se tal se mostrar contrário ao interesse superior da criança.
Por seu turno os n°.s 1 e 2 do artigo 27° da mesma Convenção estatuem que:
1. Os Estados Partes reconhecem à criança o direito a um nível de vida suficiente, de forma a permitir o seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social.
2. Cabe primacialmente aos pais e às pessoas que têm a criança a seu cargo a responsabilidade de assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança.
A solução mais adequada nesta sede, é, pois, aquela que melhor salvaguarde o superior interesse do menor, conceito que merece igualmente acolhimento no artigo 24°, n.° 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Trata-se este, porém, de um conceito indeterminado, utilizado pelo
legislador para permitir alguma discricionariedade, bom senso e criatividade, de forma a apurar, em cada caso, aquela solução que
mais vai de encontro e acautela os interesses da criança em questão.
Tal conceito tem vindo a ser entendido como significando a solução que promova o harmonioso desenvolvimento físico, intelectual
e moral da criança, bem como a estabilidade emocional, tendo em conta a idade, o seu enraizamento ao meio sociocultural e a disponibilidade e capacidade dos progenitores em assegurar tais
objetivos, o que passa pela garantia de condições materiais, sociais, morais e psicológicas que tornem possível o são desenvolvimento da sua personalidade à margem das tensões e dos conflitos que eventualmente ocorram entre os progenitores, e que viabilizem o estabelecimento de um relacionamento afetivo contínuo entre ambos.
Concluímos, portanto, que o interesse dos menores passa pela existência de um projeto educativo; pela efetiva prestação de cuidados básicos diários (alimentos, higiene, etc.); pela prestação de carinho e afeto; pela transmissão de valores morais; pela manutenção dos afetos com o outro progenitor e a demais família (designadamente irmãos e avós); pela existência de condições para a concretização do tal projeto educativo; pela criação e manutenção de um ambiente seguro, emocionalmente sadio e estável; pela existência de condições físicas (casa, espaço íntimo) e pela dedicação e valorização com vista ao desenvolvimento da sua personalidade.
Entre os inúmeros fatores relativos aos pais e às crianças, a considerar neste âmbito, encontram-se as necessidades físicas, intelectuais e materiais da criança, a sua idade, sexo, grau de desenvolvimento, físico e psíquico, a sua adaptação ao ambiente (v.g. escola, família, amigos, atividades extraescolares), a capacidade dos pais para satisfazer as necessidades dos filhos, o tempo disponível para cuidar destes, a saúde física e mental dos pais, a continuidade das relações da criança, o afeto que cada um dos pais sente pela criança, o seu estilo de vida, a sua ocupação profissional, a estabilidade do ambiente que cada um pode facultar aos filhos, a vontade que cada um manifesta de manter e incentivar a relação com o outro progenitor, as condições geográficas, as características de cada casa, a possibilidade de criação de um espaço próprio para a criança, o número de ocupantes da casa, a companhia de outros irmãos, a assistência prestada por outros membros da família.
Todos estes e outros fatores que relevem no caso concreto, devem ser ponderados, por forma a que possa, no confronto dos vários interesses em presença, porventura legítimos, prevalecer a solução que melhor garanta o exercício dos direitos da criança, o seu superior interesse.
É, portanto, em face deste interesse que se impõe analisar e aferir se o regime fixado é o adequado às concretas necessidades da menor I..., tendo em atenção os demais fatores valoráveis, de forma a que aquelas sejam plenamente salvaguardadas, garantindo-se o seu são e harmonioso desenvolvimento.

Cumpre desde logo afirmar que se afigura que a sentença recorrida ponderou adequadamente os fatores relevantes no caso concreto, tendo adotado uma decisão equilibrada, e que é a que, no momento presente, melhor acautela os interesses da menor.
Entende a Recorrente que foi a superioridade financeira do pai que sustentou a alteração da guarda da menor.
Da leitura da decisão recorrida, porém, facilmente se alcança que não lhe assiste razão.
Ali se ponderou que apurou-se que a I... é uma criança feliz, meiga e sociável, que ao nível do desenvolvimento global encontra-se dentro dos parâmetros esperados para a sua faixa etária; que o abuso sexual de que foi vítima, aparentemente não comprometeu o seu bem-estar emocional; que não apresenta nenhum quadro sintomatológico ou conjunto de sinais que possam revelar a existência de uma perturbação psicológica nem indicadores da experiência de algum mal-estar emocional.
E não pode validamente colocar-se em dúvida que tal, naturalmente, se deve ao pai e respetivo agregado, que têm contribuído para acolher a menor no seio do mesmo sempre que a mesma ali se desloca, e, sobretudo, à mãe, com quem a menor residiu desde o momento em que nasceu, e que, não obstante a fragilidade, quer física, quer psicológica, como ainda económica e habitacional, tem assegurado, certamente com a contribuição de todos os apoios sociais de que beneficia, um desenvolvimento equilibrado da menor, que mantém com a mesma uma relação afetiva muito positiva, sendo com ela que a menor mantém um vínculo afetivo mais relevante.
Na decisão recorrida, pois, não se olvidou a contribuição da mãe, com quem a menor convive desde o nascimento, para o seu bem estar.
Ponderou-se, porém, na decisão recorrida, que a menor, mercê dos contactos que - refira-se, por insistência do pai - e respetivo agregado, tem vindo a manter com o mesmo, no seio do seu agregado, e da família do mesmo, possui vínculo relacional positivo com o pai e a mulher deste, não obstante com o mesmo privar apenas de forma espaçada e por curtos períodos de tempo, para concluir, de forma acertada, pela inexistência de constrangimentos que obstem a que resida com qualquer dos pais de forma permanente.
O pai, a esposa deste e os avós paternos da menor têm, pois, pese embora os curtos períodos de tempo que têm passado com a menor, conseguido criar um ambiente propício a que a mesma se sinta segura e feliz junto do respetivo agregado, quando ali se desloca, mercê quer das condições afetivas e materiais de que dispõem, o que, refira-se, atenta a distância temporal que separa cada deslocação da menor, não se afigura tarefa fácil.
Considerou-se, depois, no que concerne à capacidade de cada um dos progenitores de proporcionar à menor I... os cuidados básicos e ainda os afetivos, de saúde e de educação adequados à sua idade que importa atender à situação de vida de cada um dos progenitores da I..., sendo de destacar não a respetiva situação económica, mas antes a estabilidade que imprimiram à sua vida, seja em termos emocionais, seja em termos laborais e habitacionais, contexto envolvente este que a criança se moverá. (o destacado é nosso).
E nesta sede foram tidas em consideração, como não podiam deixar de ser, sobretudo atenta a idade da menor, e a proximidade do seu ingresso no sistema de ensino, as fragilidades evidenciadas pela progenitora, associadas à instabilidade que a vem acompanhando nos últimos anos, e que não se prendem apenas com aspetos económicos, mas antes com o estabelecimento de relacionamentos afetivos sucessivos, alterações frequentes de residência, fazendo-se sempre acompanhar dos seus três filhos, percurso este de vida a que não é estranho o pouco sucesso escolar dos seus filhos mais velhos. Não se pode ainda olvidar que apesar desta precaridade habitacional e económica a progenitora abraçou projeto de vida com outra pessoa, que não perdurou, e do qual resultará o nascimento de outro filho, em gestação, dificuldades que colocarão mais uma vez em causa o seu frágil equilíbrio emocional, com perigo de acentuação da sua perturbação depressiva, e risco de recaída no consumo de
estupefacientes, como sucedeu na sequência do abuso sexual da menor I... (o destacado é nosso)
E foram estas fragilidades, evidenciadas pela progenitora, por contraposição a uma situação estável e segura, em termos emocionais, habitacionais e profissionais do progenitor e respetivo agregado, que levaram o Tribunal recorrido a concluir que, no momento presente, é o agregado do pai o que permite formular um juízo de prognose mais favorável à plena realização das necessidades da menor, designadamente educacionais, habitacionais e afetivas, e por isso, aquele que melhor assegura o seu superior interesse.
Note-se que as fragilidades emocionais da progenitora têm já determinado, no curto período de vida da menor, consequências de gravidade extrema, como a tentativa de suicídio que a mãe realizou na sequência de sintomatologia depressiva decorrente de interrupção voluntária de gravidez, e a recaída no consumo de estupefaciente, na sequência da notícia que teve do abuso sexual de que a menor foi vítima em diversas situações, num contexto em que a menor certamente precisava de encontrar forte apoio junto dos que a rodeavam.
Note-se que de todas estas situações de abuso, ocorridas enquanto se encontrava ao cuidado da mãe, esta apenas num momento posterior se apercebeu das mesmas.
A situação habitacional da mãe não permite que a mesma faculte um espaço, designadamente, um quarto para a filha dormir, brincar, estudar, e a sua situação de desemprego não permite antever, a breve trecho, uma alteração significativa da situação.
Diversamente, o pai da I..., que goza de estabilidade familiar junto da sua mulher, tem casa própria, com quarto para a filha, beneficia do apoio da mulher e dos avós e demais família alargada nos cuidados à filha, tendo ambos os membros do casal, atividade profissional com carácter de estabilidade.
Afigura-se, pois, de concluir, como na decisão recorrida, que o agregado familiar do pai é capaz de proporcionar à menor uma ambiente familiar harmonioso, cuidados afetivos e materiais adequados à sua idade, determinantes para que cresça com estabilidade e segurança, e se desenvolva de acordo com as suas potencialidades, resgatando-a de um futuro quase certo de insucesso escolar (como sucedeu com os irmãos uterinos, que não está desassociado da instabilidade da vida da progenitora, ao cuidados de quem cresceram) .
E foram estes fatores, e não, como se viu, apenas a superioridade económica do pai, que determinaram que a residência da menor tivesse sido deferida junto daquele.
Não podemos deixar de assinalar que, tendo em conta a separação geográfica entre os dois agregados, a alteração da residência da menor não pode determinar o corte com a aquela que é atualmente a sua figura afetiva mais significativa, sendo necessário que o pai entenda que a manutenção dos contactos entre a menor e a mãe, no estrito cumprimento do que foi estipulado na decisão recorrida, que se afigura proporcional e adequado, quer no que respeita às férias, quer no que concerne aos contactos a estabelecer à distância, é fundamental para que esta se sinta equilibrada e feliz, enfim, para sucesso desta nova solução.
Mas importa também que a mãe compreenda, que no âmbito de tais contactos deverá adotar uma postura positiva, transmitindo sentimentos de normalidade na situação de separação, sem dramatizações que determinem sentimentos de tristeza ou frustração na menor sua filha, dessa forma lhe cabendo um papel importantíssimo no assegurar do bem estar da I....
A terminar cabe referir que, como supra se mencionou, tratando-se o presente de processo de jurisdição voluntária, será sempre possível rever o regime fixado, caso as circunstâncias supervenientes - designadamente no seio do agregado familiar da mãe e/ou no âmbito da integração da menor no ambiente familiar do pai - recomendem a sua alteração.
Não obstante, insiste-se, o que verdadeiramente é indispensável é que diariamente se trabalhe no sentido de criar condições --estabilidade emocional, habitacional, educacional e socioeconómica - para que a menor possa conviver com um e outro por períodos mais ou menos longos, consoante tal se revele essencial para assegurar o equilíbrio, o bem estar e o superior interesse da I....

IV. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 20.02.2018
(Ana Pessoa)
(Eurico José Marques dos Reis)
(Ana Maria Fernandes Grácio)
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