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Processo n.º 238/05
 
 3.ª Secção
 Relator: Conselheiro Gil Galvão
 
  
 
  
 
  
 Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I. Relatório
 
  
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que figuram 
 como recorrente A. e como recorrido o Ministério Público, foi proferido acórdão, 
 em 9 de Fevereiro de 2005, que negou provimento a dois recursos que haviam sido 
 interpostos pelo ora recorrente: o primeiro, do despacho proferido a fls. 534, 
 que ordenara a reabertura da audiência de julgamento; o segundo, do acórdão que 
 o condenou, como autor de um crime de burla qualificada e de um crime de 
 falsificação de documentos, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
 
  
 
 2. Deste acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra foi interposto recurso para 
 este Tribunal, através de um requerimento com o seguinte teor:
 
 “[...], recorrente nos autos em referência, notificado do douto acórdão desse 
 Tribunal que confirmou o acórdão condenatório de 1ª instância e com ele não se 
 conformando, vem do mesmo interpor recurso para o Tribunal Constitucional com os 
 seguintes fundamentos:
 A – Da impossibilidade do recurso ordinário
 
 1 – O douto acórdão em crise não admite recurso ordinário, nos termos do que 
 dispõem as alíneas e) e f) do artigo 400º/1 do C. P. Penal.
 B – Da admissibilidade do presente recurso
 
 2 – O presente recurso é admissível – art. 70º/2 -, o arguido recorrente tem 
 para tal legitimidade – art. 72º/1 al. b) – e está em tempo – art. 75º/1 -, 
 todos da Lei do Tribunal Constitucional, n.º 28/82 de 15 de Novembro, com as 
 sucessivas alterações introduzidas pelas Leis n.ºs 143/85 de 26 de Setembro, Lei 
 n.º 85/89 de 7 de Setembro, Lei n.º 88/95 de 1 de Setembro e pela Lei n.º 
 
 13-A/98 de 26 de Fevereiro.
 C – Efeitos do recurso
 
 3 – O presente recurso suspende a execução do acórdão recorrido nos termos do 
 disposto no art. 78º/1 da referida Lei do Tribunal Constitucional.
 D – Do cumprimento do ónus estabelecido no art. 75º/1 e 2 da mesma Lei
 
 4 – No acórdão recorrido foi violado o princípio constitucional da legalidade da 
 prova, invertendo-se o princípio do acusatório, com violação expressa do 
 disposto no art. 32º da Constituição da República Portuguesa, com referência ao 
 princípio da presunção da inocência.
 
 5 – No acórdão recorrido violaram-se igualmente os princípios constitucionais do 
 acusatório e da imediação.
 
 6 – Assim como os da garantia de um duplo grau de jurisdição sobre o julgamento 
 da matéria de facto (este último por omissão de pronúncia), violando-se por 
 conseguinte o constante no art. 31º/1 e 2 da Constituição da República 
 Portuguesa.
 
 7 – Igualmente se tendo violado os princípios da presunção de inocência, do 
 acusatório e do contraditório ínsitos no art. 32º/2 e 5 da Constituição da 
 República Portuguesa.
 
 8 – Para os efeitos do disposto no art. 43º/3 e 4 da Lei do Tribunal 
 Constitucional, consigna-se que o recorrente está em liberdade”.
 
  
 
 3. Tendo este recurso sido admitido, foi, na sequência, proferida pelo Relator 
 do processo neste Tribunal, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da 
 Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 
 
 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não conhecimento do 
 objecto do recurso. É o seguinte, na parte agora relevante, o seu teor:
 
 “3. O presente recurso, como se verá muito sucintamente já de seguida, não 
 deveria ter sido sequer admitido. Tendo-o sido, porém, cumpre, antes de mais, 
 decidir se pode conhecer-se do seu objecto, uma vez que a decisão que o admitiu 
 não vincula o Tribunal Constitucional (cfr. art. 76º, n.º 3 da LTC).
 Nos termos do n.º 1 do artigo 75º-A, da Lei do Tribunal Constitucional, o 
 recorrente deve, logo no requerimento de interposição do recurso, indicar “a 
 alínea do n.º 1 do artigo 70º ao abrigo da qual o recurso é interposto e a norma 
 cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie”. 
 Ora, lido o requerimento de interposição do recurso, que supra já transcrevemos 
 integralmente, verifica-se que o mesmo é omisso quanto àquelas exigências 
 legais. Faltando tal indicação, poderia colocar-se a questão da eventual 
 aplicação do disposto no n.º 5 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal 
 Constitucional. Acontece, porém, que, no caso concreto, ainda que fosse possível 
 lançar mão do convite a que se refere aquele n.º 5, tal se não justifica, por 
 força do princípio da limitação dos actos processuais, contido no artigo 137º do 
 Código de Processo Civil, que não considera lícito “realizar no processo actos 
 inúteis”.
 Com efeito, compulsados os autos, verifica-se que o recorrente nunca formulou, 
 perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida e antes de ela ser 
 proferida, como exige o n.º 2 do artigo 72º da Lei do Tribunal Constitucional, 
 qualquer questão de inconstitucionalidade normativa susceptível de integrar o 
 recurso que pretendeu interpor. Concretamente, não o fez nem no requerimento de 
 interposição do recurso do despacho proferido a fls. 534, que ordenara a 
 reabertura da audiência, nem na alegação de recurso do acórdão que, em primeira 
 instância, o condenou na pena de 4 anos e 6 meses de prisão. Quanto muito, 
 nessas peças processuais, o recorrente terá suscitado a inconstitucionalidade 
 das decisões judiciais de que então recorreu e não de normas por estas 
 aplicadas. Para o demonstrar basta recordar aqui o teor daquelas peças 
 processuais em que o recorrente se refere a uma alegada violação da 
 Constituição. Assim, no recurso do despacho de fls. 534, refere o recorrente, em 
 determinado momento, que “o despacho recorrido violou o princípio constitucional 
 da legalidade [...]”; por sua vez, a concluir a alegação de recurso para o 
 Tribunal da Relação de Coimbra do acórdão condenatório, refere, a dado passo “Ao 
 decidir assim [...] o acórdão recorrido violou de forma grosseira o princípio 
 constitucional da presunção da inocência, consagrado no artigo 32º da 
 Constituição da República Portuguesa”.
 Ora, é jurisprudência pacífica e sucessivamente reiterada que, estando em causa 
 a própria decisão em si mesma considerada, não há lugar ao recurso de 
 fiscalização concreta de constitucionalidade vigente em Portugal. Assim resulta 
 do disposto no artigo 280º da Constituição e no artigo 70º da Lei n.º 28/82 e 
 assim tem sido afirmado pelo Tribunal Constitucional em inúmeras ocasiões. Na 
 verdade, ao contrário dos sistemas em que é admitido recurso de amparo, 
 nomeadamente na modalidade de amparo dirigido contra decisões jurisdicionais 
 que, alegadamente, violam directamente a Constituição, o recurso de fiscalização 
 concreta de constitucionalidade vigente em Portugal não se destina ao controlo 
 da decisão judicial recorrida, como tal considerada, como sucede quando a 
 discordância se dirige a esta última, mas, pelo contrário, ao controlo normativo 
 de constitucionalidade da norma aplicada.
 Em face do exposto, e sem necessidade de maiores considerações, torna-se 
 evidente que não pode conhecer-se do objecto do presente recurso, já que, nunca 
 tendo a recorrente suscitado, durante o processo e de modo processualmente 
 adequado, como exige o n.º 2 do art. 72º da Lei do Tribunal Constitucional, 
 qualquer questão de constitucionalidade normativa, não está presente, pelo 
 menos, um dos pressupostos da sua admissibilidade.[...]”
 
  
 
 4. É desta decisão que vem interposta, ao abrigo do disposto no art. 78º-A, n.º 
 
 3 da LTC, a presente reclamação para a Conferência, que o reclamante fundamenta 
 da seguinte forma:
 
 “[...], vem reclamar para a conferência ao abrigo do disposto no art.º 78.º-A/3 
 da Lei do Tribunal Constitucional – com a redacção que lhe foi introduzida pela 
 Lei n.º 13-A/98 de 26 de Fevereiro. [...]
 Entendeu o M.º Sr. Juiz Conselheiro Relator no processo em apreço determinar não 
 conhecer do mérito do mesmo, porquanto – aqui referimos os fundamentos em 
 síntese – as arguidas questões de constitucionalidade não foram suscitadas na 
 pendência do processo – pelo menos com a dimensão e alcance exigíveis para que 
 dessas questões se possa conhecer – e que, mesmo que assim tivesse procedido o 
 recorrente, a tal obstava a circunstância de o tribunal “a quo” não ter 
 apreciado qualquer questão de constitucionalidade, dado perante si não ter sido 
 suscitada uma questão dessa natureza.
 Sem prejuízo da incomensurável consideração que nos merece o Ex.mo Conselheiro 
 Relator, assim como todos os Srs. Juízes que compõem esse mais alto Tribunal, 
 ousamos discordar da sua douta decisão, a qual peca – repete-se, sempre na nossa 
 humilde opinião – por uma leitura das peças processuais em análise efectuada de 
 uma forma algo precipitada.
 Quanto à primeira questão:
 Nas alegações e conclusões do recurso do acórdão de 1.ª instância – interposto 
 para o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra – o recorrente mencionou 
 expressamente que o acórdão condenatório havia violado determinadas disposições 
 da Constituição da República e princípios nela expressamente consignados;
 Nomeadamente refere ter sido violado o princípio ínsito no art.º 32.º/2 da 
 Constituição – o da presunção de inocência – quando se refere no acórdão em 
 crise que “…atribui-lhe o Tribunal, por recurso às atinentes presunções da 
 experiência ( 127.º C. P. ), o preenchimento, assinatura e carimbos ( de cheque 
 visado ) que o documento de fls.157 reflecte.”
 Alude-se expressamente à inversão do ónus da prova e atribuição de uma 
 verdadeira presunção de culpa, quando o Tribunal a quo decidiu como se referiu. 
 
 ( Conclusões II a IV e XII ).
 Data Vénia, não nos parece haver dúvidas que nas alegações e conclusões do 
 recurso interposto perante o Tribunal da Relação de Coimbra, foram suscitadas 
 normas e princípios constitucionais violados pelo acórdão de 1.ª instância, 
 tendo-se indicado as normas violadas e os princípios que lhes estão subjacentes. 
 De igual forma se estabeleceu – em concreto – uma contradição entre os critérios 
 normativos emanados da Constituição e os critérios interpretativos utilizados 
 pela 1.ª instância com referência às normas subsumidas aos factos.
 Quanto à segunda questão
 Se o Tribunal da Relação não se pronunciou sobre questões de 
 inconstitucionalidade normativa, não o foi certamente por tais questões lhe não 
 terem sido suscitadas – e repete-se agora o referido no antecedente.
 Na verdade, se tivermos em consideração as motivações e conclusões do recurso 
 interposto do acórdão de 1.ª instância, e o acórdão da Relação de Coimbra que 
 confirmou tal acórdão, ver-se-á que aquela Relação, de facto, não se pronunciou 
 sobre questões de inconstitucionalidade. 
 Mas tal omissão não decorre do facto dessas questões não terem sido suscitadas – 
 porque o foram – mas simplesmente porque houve omissão de pronúncia, a qual, se 
 possível processualmente, seria motivo para a respectiva arguição de nulidade 
 perante o Supremo Tribunal de Justiça.
 Perante essa impossibilidade – art.º 400.º/1 alíneas e) e f) do C. P. Penal – 
 não restava ao recorrente outra alternativa senão suscitar a intervenção desse 
 mais alto Tribunal, a fim de sindicar as inconstitucionalidades normativas que 
 se arguíram.
 Face ao exposto, entende o recorrente que o M.º Conselheiro Relator do presente 
 processo não deveria ter negado o conhecimento do mérito das questões 
 levantadas, podendo, quando muito, e face à omissão de pronuncia da Relação de 
 Coimbra, mandar baixar o processo àquele Venerando Tribunal para que ali fossem 
 conhecidas as questões de constitucionalidade normativa suscitadas. Art.º 78-B/1 
 in fine da Lei do Tribunal Constitucional.
 Nos termos do que antecede, nos demais suprido pela superior conferência, deverá 
 ser admitido o presente recurso com vista à apreciação concreta das 
 inconstitucionalidades normativas suscitadas perante o Tribunal da Relação de 
 Coimbra, assim prosseguindo o recurso os ulteriores termos. Se assim se não 
 entender, deverá ser ordenado o reenvio do processo para a Relação de Coimbra, a 
 fim de ali serem conhecidas e objecto de pronúncia as questões de 
 inconstitucionalidade suscitadas na motivação e conclusões do recurso interposto 
 do acórdão condenatório de 1.ª instância.
 Sempre se louvando no superiormente determinado por V. Ex.ªs, [...]”
 
  
 
 5. Notificado para responder, querendo, à reclamação do recorrente, o Ministério 
 Público recorrido sustentou que “a presente reclamação é manifestamente 
 improcedente”, uma vez que “ a argumentação do reclamante em nada abala os 
 fundamentos da decisão reclamada, no que toca à evidente inverificação dos 
 pressupostos de admissibilidade do recurso interposto”.
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 III – Fundamentação
 
  
 
 6. O recorrente vem reclamar da decisão sumária. A forma como o faz revela, 
 contudo, que não terá compreendido as razões pelas quais não pode este Tribunal 
 conhecer do recurso que pretendeu interpor e que não deveria sequer ter sido 
 admitido.
 
  
 
 6.1. Na verdade, na decisão sumária reclamada concluiu-se, e tanto bastou, que 
 
 “o recorrente nunca formulou, perante o tribunal que proferiu a decisão 
 recorrida e antes de ela ser proferida, como exige o n.º 2 do artigo 72º da Lei 
 do Tribunal Constitucional, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa 
 susceptível de integrar o recurso que pretendeu interpor”. (itálico aditado). E 
 que, “quanto muito, nessas peças processuais, o recorrente terá suscitado a 
 inconstitucionalidade das decisões judiciais de que então recorreu e não de 
 normas por estas aplicadas”, o que, no sistema português de recurso de 
 fiscalização concreta de constitucionalidade, não abre via de recurso para este 
 Tribunal, nomeadamente ao recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º 
 da Lei do Tribunal Constitucional – única à sombra da qual, no caso concreto, o 
 recorrente poderia pretender colocar a questão de inconstitucionalidade.
 
  
 Vem o ora reclamante confirmar, agora, que assim foi, invocando que “o 
 recorrente mencionou expressamente que o acórdão condenatório havia violado 
 determinadas disposições da Constituição da República e princípios nela 
 expressamente consignados” (itálico aditado). Ora, sendo manifesto, pelas razões 
 já constantes da decisão reclamada, que se não pode conhecer do recurso quando 
 esteja em causa a alegada inconstitucionalidade de decisões judiciais, tanto 
 basta para que improceda a presente reclamação.
 
  
 
 6.2. Faz o ora reclamante referência a uma “segunda questão”, respeitante a um 
 alegado argumento da decisão reclamada, no sentido de que “mesmo que assim 
 tivesse procedido o recorrente, a tal obstava a circunstância de o tribunal “a 
 quo” não ter apreciado qualquer questão de constitucionalidade, dado perante si 
 não ter sido suscitada uma questão dessa natureza”. Invoca, então, que se “o 
 Tribunal da Relação não se pronunciou sobre questões de inconstitucionalidade 
 normativa, não o foi certamente por tais questões lhe não terem sido 
 suscitadas.”
 
  
 Ora, tal argumento não foi utilizado na decisão reclamada e nada tem a ver com 
 tal decisão, pelo que resultará de manifesto lapso do recorrente ou, a não ser 
 assim, será inteiramente descabido. Tal como descabida, é a sugestão de que o 
 relator não deveria ter “negado o conhecimento do mérito das questões 
 levantadas, podendo, quando muito, e face à omissão de pronúncia da Relação de 
 Coimbra, mandar baixar o processo àquele Venerando Tribunal para que ali fossem 
 conhecidas as questões de constitucionalidade normativa suscitadas. Art.º 78-B/1 
 in fine da Lei do Tribunal Constitucional”. De facto, não estando presentes os 
 pressupostos de admissibilidade do recurso, nunca poderia este Tribunal, desde 
 logo e à partida, dele conhecer, pelo que sempre seria inteiramente irrelevante 
 a decisão de uma qualquer outra questão, que, aliás, se não descortina, da qual 
 pudesse resultar a inutilidade superveniente desse conhecimento.
 
  
 
 7. Assim sendo, pelas razões já constantes da decisão reclamada, que mantém 
 inteira validade e em nada é infirmada pela presente reclamação, é efectivamente 
 de não conhecer do objecto do recurso que o ora reclamante pretendeu interpor.
 
  
 
  
 III – Decisão
 
  
 Nestes termos, decide-se desatender a presente reclamação, confirmando-se a 
 decisão reclamada de não conhecimento do recurso.
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 
  
 Lisboa, 22 de Abril de 2005
 
  
 Gil Galvão
 Bravo Serra
 Artur Maurício