Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 195/05
 
 3.ª Secção
 Relator: Conselheiro Gil Galvão
 
  
 Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I – Relatório.
 
  
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Norte, a 
 recorrente A., notificada, em processo de execução fiscal, para efectuar o 
 pagamento de determinada quantia, referente a IRC do ano de 1989, veio invocar a 
 prescrição e, subsidiariamente, requerer a suspensão do processo. O requerido 
 foi indeferido por decisão do Chefe de Serviços de Finanças de Oliveira do 
 Hospital. Inconformada, reclamou para o Tribunal Tributário de Coimbra. Por 
 sentença deste Tribunal, de 28 de Junho de 2004, foi a reclamação indeferida, 
 considerando-se improcedentes quer a invocada prescrição quer o pedido de 
 suspensão da execução.
 
  
 
 2. Não se conformando com esta decisão, a recorrente interpôs recurso, “em 
 matéria de direito, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal 
 Administrativo”. Por decisão de 7 de Outubro de 2004, declarou-se este Tribunal 
 incompetente em razão da hierarquia e determinou a remessa do processo ao 
 Tribunal Central Administrativo Norte, conforme fora, entretanto, adicionalmente 
 requerido pela recorrente. Este, por acórdão de 11 de Novembro de 2004, negou 
 provimento ao recurso, desatendendo a reclamação e mantendo o despacho 
 reclamado. Considerou, para tal, não só que a dívida ainda não se encontrava 
 prescrita, mas também que a suspensão requerida não era legalmente admissível.
 
  
 
 3. Veio, então, a recorrente requerer a reforma do acórdão, nos termos do art.º 
 
 669° do Código de Processo Civil. Alegou, nomeadamente, que “face à matéria de 
 facto e às considerações, doutamente tecidas de direito, deveria o recurso ter 
 sido julgado procedente”. E acrescentou
 
 “[...] 16° Ora, sendo a prescrição de conhecimento oficioso, impunha-se, como se 
 impõe, ao Tribunal a realização oficiosa de todas as diligências que se 
 considerem como úteis ao apuramento da verdade, relativamente aos factos que lhe 
 seja lícito conhecer, e a prescrição é precisa e inequivocamente uma dessas 
 situações.
 
 17º Pe1o que, entende a requerente ter ocorrido manifesto lapso na qualificação 
 jurídica dos factos, pois tendo a sentença de 1ª instância estabelecido 
 erradamente aquela data, impunha-se que o acórdão fixasse de forma definitiva, 
 concreta e correcta a mesma e, não o podendo fazer, ordenar a baixa dos autos ao 
 tribunal recorrido para o efeito.
 
 18° O que não podia fazer, salvo o devido e muito respeito, era limitar-se a 
 considerar, sem que elementos houvesse para tal, a data de 17.12.1999.
 
 19° Sendo certo que, a entender-se que o art.º 669° do CPC, não permite o 
 conhecimento da questão referida, na extensão ante alegada e que aqui se dá por 
 inteiramente reproduzida, tal interpretação é manifestamente inconstitucional 
 por violação do princípio do acesso aos tribunais disposto no art.º 20 da CRP, 
 nas suas dimensões de direito a uma tutela jurisdicional efectiva e do direito 
 ao recurso a todos os meios de prova tendentes ao exercício do direito.
 
 20° Entende, ainda, a ora requerente que o douto acórdão recorrido também 
 laborou em erro na qualificação jurídica da questão da suspensão do processo de 
 execução fiscal por virtude da pendência de um processo de revisão.
 
 21° Na verdade, ao contrário do referido no douto acórdão, entende a recorrente 
 que o efeito suspensivo não pode deixar de ser reconhecido ao pedido de revisão 
 oficiosa - que consubstancia uma verdadeira reclamação que corresponde ao 
 respectivo conceito doutrinal consagrado no art.º 158° do CPA. - e consequente 
 reacção judicial contra o mesmo formulado.
 
 22° Assim, por força do art.º 52°, n.º 1 da LGT, o pedido de revisão tem efeito 
 suspensivo, ao contrário do consagrado no douto acórdão que agarrando-se ao 
 sentido literal da lei e não à sua ratio, apreciou incorrectamente, do ponto de 
 vista jurídico, tal questão, pois que tendo a revisão por objecto a legalidade 
 da dívida, aquele efeito suspensivo será de admitir.
 
 23° Sendo certo que, a entender-se que o art.º 669° do CPC, não permite ao 
 julgador o conhecimento da questão referida, na dimensão alegada, tal 
 interpretação é manifestamente inconstitucional por violação do princípio do 
 acesso aos tribunais disposto no art.º 20 da CRP, na sua dimensão de uma tutela 
 jurisdicional efectiva e plena do direito. [...]”
 
  
 
 4. O Tribunal Central Administrativo Norte, por acórdão de 13 de Janeiro de 
 
 2005, indeferiu a reclamação. Escudou-se na seguinte fundamentação:
 
 “[...] 2. O artigo 669º do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo DL n° 
 
 329-A/95, de 12 de Dezembro, estabelece no seu n° 2 o seguinte:
 
 “2. É ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando:
 a) Tenha ocorrido manifesto lapso do juiz da determinação da norma aplicável ou 
 na qualificação jurídica dos factos;
 
  b) Constem do processo documentos ou quaisquer elementos que, só por si, 
 impliquem necessariamente decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso 
 manifesto, não haja tomado em consideração”.
 Portanto, não aqui está em causa a reapreciação, pelo juiz ou juizes, de decisão 
 já anteriormente proferida sobre as questões suscitadas pelas partes, mas apenas 
 a eventual correcção de erros evidentes.
 Neste sentido, o STA tem entendido - e bem - que o artigo em causa só deve ser 
 aplicado no caso de evidência de erros palmares facilmente identificáveis na 
 decisão. É que, de outro modo, estaria a invadir-se o campo de aplicação do 
 recurso jurisdicional e, por outro lado, a violar-se o princípio constante do 
 artigo 666°, n° 1 do mesmo diploma segundo o qual, proferida a sentença fica 
 imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.
 Deste modo, não pode proceder o referido pedido de reforma quando, como é o caso 
 dos autos, o interessado invoca erro de julgamento, manifestando a sua 
 discordância pura e simples com o decidido (neste sentido, entre outros, v. os 
 Acórdãos daquele Tribunal, de 12.2.2003 - Recurso n° 1419/02.30, de 30.4.2003 - 
 Recurso n° 12/02.30 e de 24.10.01 Recurso n° 25 671).
 No caso dos autos, o que a reclamante pretende, efectivamente, é que o Tribunal 
 volte a reapreciar as questões por si já anteriormente suscitadas decidindo-as 
 em sentido contrário, o que o artigo 669° não consente. O acórdão debruçou-se 
 detalhadamente sobre as questões suscitadas no recurso e tomou a sua opção no 
 sentido ali expresso.
 Por isso, não estamos perante qualquer lapso manifesto que caiba corrigir.
 Deste modo, não pode ser atendida a reclamação.
 
 3. Prevenindo o indeferimento da reclamação com o fundamento agora exposto, veio 
 a reclamante alegar que o artigo 669° assim interpretado deve ter-se por 
 inconstitucional por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva e do 
 direito de recurso a todos os meios de prova tendentes ao exercício do direito.
 Uma vez que a reclamante não concretiza em que é que essa violação se traduz, o 
 tribunal nem sequer está obrigado a conhecer desta questão, já que não cabe aos 
 tribunais elaborar construções jurídicas teóricas, apenas se ocupando de 
 questões concretas suscitadas pelas partes.
 De todo o modo, sempre se dirá que não se vê em que é que a proibição de 
 reapreciar questões já suscitadas pelas partes e decididas viola o princípio da 
 tutela jurídica. Por outro lado, também é perfeitamente descabido afirmar que o 
 artigo 669° assim interpretado viola o direito de recurso a todos os meios de 
 prova, já que os meios de prova foram apresentados anteriormente não consagrando 
 tal norma qualquer direito a apresentação de meios de prova após proferida a 
 decisão.
 
 É claro que, numa situação como a dos autos, a decisão até poderia estar errada 
 e nem poderia ser corrigida em via de recurso, uma vez que ele não é admissível. 
 No entanto, essa é uma situação normal da vida. Atente-se, por exemplo, numa 
 decisão de um juiz de 1ª instância da qual não cabe recurso em função do valor 
 da causa.
 No caso concreto dos autos, o legislador admitiu apenas o recurso em última 
 instância para este Tribunal, pelo que a decisão de mérito - aquela que a 
 reclamante pretende ver modificada - não pode já ser alterada, a não ser nos 
 casos previstos no artigo 669º, interpretado nos termos em que o foi e que segue 
 a jurisprudência uniforme do STA. [...]”
 
  
 
 5. Desta decisão foi interposto recurso para este Tribunal, através do seguinte 
 requerimento:
 
 “[...], notificada do acórdão proferido por esse Tribunal em 13 de Janeiro de 
 
 2005, que indeferiu o pedido de reforma do acórdão igualmente prolatado por esse 
 Tribunal, de 11 de Novembro de 2004, vem daquele interpor recurso para o 
 Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 
 
 70° da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro e art.º 280°, n.º 1, alínea b), da 
 Constituição da República Portuguesa (CRP), pretendendo a apreciação de 
 inconstitucionalidade da norma constante do artigo 669° do Código Processo Civil 
 no entendimento ou interpretação dados a essa norma pelo acórdão ora recorrido, 
 de 13 de Janeiro de 2005.
 O recorrente suscitou a questão de inconstitucionalidade da norma cuja 
 inconstitucionalidade pretende ver apreciada no articulado em que pediu a 
 reforma do acórdão proferido pelo Tribunal agora recorrido em 11 de Novembro de 
 
 2004.
 Conforme alegado nesse articulado, a recorrente entende que a interpretação dada 
 a essa norma pela decisão agora recorrida viola o direito de acesso aos 
 tribunais consagrado no art.º 20° da CRP, nas suas dimensões de direito a uma 
 tutela jurisdicional efectiva e de consideração oficiosa de todos os meios de 
 prova que estão à disposição do tribunal e ainda de direito a uma decisão 
 jurisdicional justa proferida segundo o direito que regula a relação jurídica em 
 que se traduz o litígio decidido pelo tribunal. [...]”.
 
  
 
 6. Na sequência, foi proferida pelo Relator, ao abrigo do disposto no n.º 1 do 
 artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada 
 pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não 
 conhecimento do objecto do recurso. É o seguinte, na parte relevante, o seu 
 teor:
 
 “6. Admitido o recurso no Tribunal Central Administrativo Norte, cumpre, antes 
 de mais, decidir se pode conhecer-se do seu objecto, uma vez que a decisão que o 
 admitiu não vincula o Tribunal Constitucional (cfr. art. 76º, n.º 3 da LTC).
 Entende a recorrente que “a interpretação dada a essa norma [ a constante do 
 artigo 669° do Código Processo Civil] pela decisão agora recorrida viola o 
 direito de acesso aos tribunais consagrado no art.º 20° da CRP”.
 Ora, como o Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado, o recurso 
 previsto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70º da LTC pressupõe, designadamente, 
 que a recorrente tenha suscitado, durante o processo, a inconstitucionalidade da 
 norma - ou interpretação normativa - que pretende ver apreciada, e que, não 
 obstante, a decisão recorrida a tenha aplicado - a norma ou interpretação 
 normativa arguida de inconstitucional -, como ratio decidendi, no julgamento do 
 caso. Importa, por isso, no presente caso, começar por determinar a exacta 
 interpretação normativa do artigo 669º cuja inconstitucionalidade foi suscitada 
 pela recorrente durante o processo para, num segundo momento, verificar se foi 
 nessa exacta interpretação normativa que aquele preceito foi efectivamente 
 aplicado, como ratio decidendi. 
 Vejamos, então.
 
 6.1. Desde logo há que começar por sublinhar que, seguramente, não pretende a 
 recorrente que o Tribunal Constitucional se envolva na discussão de saber se os 
 preceitos aplicados pelo acórdão reformando ou o próprio artigo 669º do Código 
 de Processo Civil foram correcta ou incorrectamente interpretados e aplicados ao 
 caso concreto. É que, como é sabido, não compete a este Tribunal sindicar a 
 interpretação e aplicação que a decisão recorrida faz, no caso concreto, do 
 direito ordinário - na perspectiva de saber se é ou não a melhor interpretação 
 dos preceitos aplicados - mas apenas decidir se a interpretação normativa desses 
 preceitos pela qual optou a decisão recorrida é ou não compatível com a 
 Constituição e, designadamente, com princípios e normas invocados pela 
 recorrente.
 
 6.2. Por outro lado, parece também evidente que o que vem questionado pela 
 recorrente não é a dimensão normativa do artigo 669º do Código de Processo Civil 
 que impede o tribunal recorrido de, fora dos casos nele previstos, nomeadamente 
 dos casos de “lapso manifesto na determinação da norma aplicável ou na 
 qualificação jurídica dos factos”, voltar a apreciar, em sede de pedido de 
 reforma da decisão, as questões já por si exaustivamente ponderadas e decididas 
 no acórdão cuja reforma foi requerida. Não só porque, como a recorrente 
 certamente não desconhecerá, a ser assim colocada a questão de 
 inconstitucionalidade, não deixaria esta de poder ser qualificada como 
 manifestamente infundada, mas também porque, a ser essa, precisamente, a 
 questão, a mesma não poderia deixar de vir igualmente reportada ao artigo 666º 
 do Código de Processo Civil, na parte em que este estatui que o poder 
 jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa se esgota com a prolação da 
 decisão, sob pena de completa inutilidade.
 
 6.3. Afastadas as hipóteses referidas em 6.1. e 6.2., verifica-se que a 
 recorrente considera ter havido “manifesto lapso na qualificação jurídica dos 
 factos” e, nesse pressuposto, invoca a inconstitucionalidade ao artigo 669º do 
 Código de Processo Civil, quando interpretado em termos de, “na extensão [...] 
 alegada”, não permitir a reforma da sentença. A interpretação normativa do 
 artigo 669º cuja constitucionalidade a recorrente pretende ver apreciada por 
 este tribunal é, então, a que considera não haver lugar à reforma da decisão em 
 caso de lapso manifesto do juiz na determinação da norma aplicável ou na 
 qualificação jurídica dos factos. Esta é, por conseguinte, a questão de 
 constitucionalidade que foi colocada no pedido de reforma da sentença, como 
 resulta, aliás, do teor dessa peça processual, já transcrita e que agora aqui se 
 recorda, na parte relevante:
 
 “[...] 17º Pe1o que, entende a requerente ter ocorrido manifesto lapso na 
 qualificação jurídica dos factos, [...].
 
 19° Sendo certo que, a entender-se que o art.º 669° do CPC, não permite o 
 conhecimento da questão referida, na extensão ante alegada e que aqui se dá por 
 inteiramente reproduzida, tal interpretação é manifestamente inconstitucional 
 por violação do princípio do acesso aos tribunais disposto no art.º 20 da CRP, 
 nas suas dimensões de direito a uma tutela jurisdicional efectiva e do direito 
 ao recurso a todos os meios de prova tendentes ao exercício do direito.
 
 20° Entende, ainda, a ora requerente que o douto acórdão recorrido também 
 laborou em erro na qualificação jurídica da questão da suspensão do processo de 
 execução fiscal por virtude da pendência de um processo de revisão.
 
 [...]
 
 23° Sendo certo que, a entender-se que o art.º 669° do CPC, não permite ao 
 julgador o conhecimento da questão referida, na dimensão alegada, tal 
 interpretação é manifestamente inconstitucional por violação do princípio do 
 acesso aos tribunais disposto no art.º 20 da CRP, na sua dimensão de uma tutela 
 jurisdicional efectiva e plena do direito. [...]”. (Negrito aditado).
 
 6.4. Ora, colocada a questão nestes termos, a verdade é que, como vai ver-se 
 sumariamente já de seguida, não foi nessa interpretação normativa que o artigo 
 
 669º do Código de Processo Civil foi efectivamente aplicado, como ratio 
 decidendi, pela decisão recorrida. Com efeito, o que nesta se considerou, em 
 termos que, como já dissemos, não compete ao Tribunal Constitucional sindicar, 
 foi que não teria havido lapso manifesto na determinação da norma aplicável ou 
 na qualificação jurídica dos factos, pelo que, nesse pressuposto, não havia 
 lugar à reforma da decisão. Nesse sentido, lê-se expressamente naquela decisão 
 
 “[...] No caso dos autos, o que a reclamante pretende, efectivamente, é que o 
 Tribunal volte a reapreciar as questões por si já anteriormente suscitadas 
 decidindo-as em sentido contrário, o que o artigo 669° não consente. O acórdão 
 debruçou-se detalhadamente sobre as questões suscitadas no recurso e tomou a sua 
 opção no sentido ali expresso. Por isso, não estamos perante qualquer lapso 
 manifesto que caiba corrigir”.
 
 6.5. Assim sendo, resta apenas concluir pela impossibilidade de conhecer do 
 objecto do recurso, por falta de um dos pressupostos legais de admissibilidade, 
 a saber: ter a decisão recorrida aplicado, como ratio decidendi, a exacta 
 interpretação normativa do artigo 669º do CPC cuja constitucionalidade a 
 recorrente pretendia ver apreciada.”
 
  
 
 7. É desta decisão que vem interposta, ao abrigo do disposto no art. 78º-A, n.º 
 
 3 da LTC, a presente reclamação para a Conferência, que a ora reclamante 
 fundamenta da seguinte forma:
 
 “A - Da preterição do despacho a que se refere o artigo 75.º-A, n.ºs 5 e 6, da 
 Lei do Tribunal Constitucional, em relação com o disposto no artigo 78.º-A, n.º 
 
 1, do mesmo diploma, no âmbito do Processo Constitucional
 
 [A] 1. A ora Reclamante, notificada do acórdão proferido pelo Tribunal Central 
 Administrativo Norte, que indeferiu o pedido de reforma do acórdão prolatado 
 nesse tribunal, de 11 de Novembro de 2004, veio interpor recurso para este 
 Tribunal Constitucional, “ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 
 
 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro e art.º 280.º, n.º 1, alínea b), da 
 Constituição da República Portuguesa (CRP), pretendendo a apreciação de 
 inconstitucionalidade da norma constante do artigo 669.º do Código de Processo 
 Civil no entendimento ou interpretação dados a essa norma pelo acórdão ora 
 recorrido, de 13 de Janeiro de 2005.” 
 
 [A] 2 Na douta decisão sumária, aqui em crise, o Meritíssimo Relator, considerou 
 
 - e bem... - que a recorrente “não pretende (...) que o Tribunal Constitucional 
 se envolva na discussão de saber se os preceitos aplicados pelo acórdão 
 reformando ou o próprio artigo 669.º do Código de Processo Civil foram correcta 
 ou incorrectamente aplicados ao caso concreto”.
 Na verdade, não e configurando entre nós - ao contrário do que sucede com a 
 Verfassungsbschwerde alemã ou com o recurso de amparo espanhol - o recurso de 
 constitucionalidade como instância de controlo da bondade da aplicação que os 
 demais tribunais façam da lei, ao Tribunal Constitucional apenas caberá, como 
 refere o Relator, “decidir se a interpretação normativa desses preceitos pela 
 qual optou a decisão. recorrida é ou não compatível com a Constituição”, tendo a 
 Reclamante, por isso, indicado que pretendia ver apreciada a constitucionalidade 
 da norma constante do artigo 669. º do Código de Processo Civil no entendimento 
 ou interpretação dados a essa norma pelo acórdão recorrido. Longe, portanto, de 
 pretender sindicar directamente a constitucionalidade da decisão recorrida .
 
 [A]3, Também no juízo manifestado na douta decisão sumária, “parece evidente que 
 o que vem questionado pela recorrente não é a dimensão normativa do artigo 669.º 
 do Código de Processo Civil que impede o tribunal recorrido de, fora dos casos 
 nele previstos, nomeadamente dos casos de “lapso manifesto na determinação da 
 norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos”, voltar a apreciar, em 
 sede de pedido de reforma da decisão, as questões já por si exaustivamente 
 ponderadas e decididas no acórdão cuja reforma foi requerida”, uma vez que, a 
 ser assim, a questão de constitucionalidade “não deixaria de poder ser 
 qualificada como manifestamente infundada”, Daqui emerge, em rigor, que a 
 admitir-se ser esta a dimensão normativa que a Reclamante pretendia ver 
 questionada, a mesma teria de ser qualificada como manifestamente infundada 
 
 (quod erat demonstrandum...), o que, em todo caso, envolveria, sempre, no âmbito 
 desse fundamento material, um juízo que, embora podendo concretizar-se em 
 decisão sumária ( ex .ví o disposto no artigo 78.º-A,n.º 1, da LTC), teria 
 subjacente o conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade.
 
 [A]4. Ora, como transparece - e claramente - da douta decisão sumária em crise, 
 o Meritíssimo Juiz Conselheiro Relator dá por “afastadas as hipóteses referidas 
 em 6.1. e 6.2. [aqui mencionadas em [A]2. e [A]3.]”, estribando a ratio 
 decidendi do juízo reclamado no facto de a decisão recorrida não ter aplicado, 
 como ratio decidendi a exacta interpretação normativa do artigo 669.º do C PC 
 cuja constitucionalidade se pretendia ver sindicada. E, em conformidade, “por 
 falta de um dos pressupostos legais de admissibilidade” se decidiu “não tomar 
 conhecimento do objecto do recurso”.
 
 [A]5. Para alcançar tal conclusão, em jeito de tutela substitutiva, o 
 Meritíssimo Senhor Juiz Conselheiro Relatar lembrou que a recorrente havia 
 considerado, no pedido de reforma então deduzido, existir “manifesto lapso na 
 qualificação jurídica dos factos”, pelo que - mas apenas no juízo do Venerando 
 Relator -,”a interpretação normativa do artigo 669.º cuja constitucionalidade a 
 recorrente pretende ver apreciada (...) é, então, a que considera não haver 
 lugar à reforma da decisão em caso de lapso manifesto do juiz na determinação da 
 norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos”, sendo assim delimitado, 
 ex officio..., o objecto do recurso de constitucionalidade. 
 
 [A]6. Logo, não tendo o tribunal a quo considerado ter existido tal lapso 
 manifesto...
 
 [A]7. Deixando-se, por ora, de lado o problema da concretização do objecto do 
 recurso de constitucionalidade ( cfr., infra, o que se alegará em “B. - 
 Concretização do objecto do recurso: a concreta - e real - dimensão normativa 
 cuja constitucional idade se pretende ver apreciada”), a Reclamante entende 
 existir, na presente decisão sumária, uma autêntica contraditio in integrum 
 entre o pedido constante do requerimento de interposição de recurso e o ( único) 
 fundamento invocado para se ter decidido não conhecer do seu objecto, potenciado 
 
 – rectius, originado – pelo facto de o Meritíssimo Relator ter preterido, em 
 interpretação conjugada com o artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC- que adiante, 
 igualmente, se questionará - a realização do despacho a que se referem o artigo 
 
 75.º - A, n.ºs 5 e 6, da LTC.
 
 [A]8. Atentem, Venerandos Conselheiros, no seguinte:
 
 [A]9. No seu requerimento de interposição de recurso, a ora Reclamante afirmou 
 pretender do Tribunal Constitucional “apreciação de inconstitucionalidade da 
 norma constante do artigo 669.º do Código de Processo Civil no entendimento ou 
 interpretação dados a essa norma pelo acórdão ora recorrido, de 13 de Janeiro 
 de. 2005”. E a presente decisão sumária toma como objecto do recurso, sem que 
 tal tenha sido definido pela recorrente, uma outra norma - acima referida -, e 
 fazendo uma insustentável interpretação “correctora” (recte, ab rogante ou 
 revogatária, para não possa haver confusão com a bem fundada interpretação 
 correctiva da Interesseniurisprudenz) do pedido da Recorrente, concretiza, ela 
 mesma, uma dimensão normativa conducente ao não conhecimento do recurso pelo 
 facto de o tribunal a quo a não ter aplicado como ratio decidendi.
 
 [A]10. Ora, cabendo aos recorrentes a delimitação do objecto do recurso, mal se 
 compreende tal “tutela de substituição”.
 
 [A]11. Como muito mal se compreende que não tenha havido lugar à prolação de 
 despacho de aperfeiçoamento, convidando a recorrente para indicar em 
 concretização a dimensão normativa que pretendia ver sindicada, assim se 
 evitando que, erradamente, o Tribunal assumisse como objecto do recurso uma 
 inexacta dimensão normativa.
 
 [A]12. De resto, como se verá, num caso como o presente impunha-se que a tal 
 despacho houvesse lugar. 
 
 [A]13. Como decorre, lapidarmente, da Jurisprudência desse Colendo Tribunal, 
 entre elas se contando alguns acórdãos relatados pelo Meritíssimo Conselheiro 
 que proferiu a douta decisão sumária.
 
 [A] 14. Conforme entendimento do Tribunal Constitucional, taxativamente 
 expresso, inter alia, nos Acórdãos n.ºs 621/03 e 296/04 (dessa mesma 3.ª 
 Secção):
 
 «Uma decisão sumária é proferida, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º- A da LTC, 
 entre outros casos, se o relator “ entender que não pode conhecer-se do objecto 
 do recurso.” E o mesmo sucede, isto é, haverá também lugar a decisão sumária, se 
 o recorrente, notificado, nos termos dos n.ºs 5 ou 6 do artigo 75°-A da LTC, não 
 indicar integralmente os elementos exigidos pelos n.ºs 1 a 4 deste mesmo artigo.
 A respeito do convite a que se refere o artigo 75°-A da LTC, importa, aliás, 
 distinguir entre pressupostos de admissibilidade do recurso e requisitos do 
 requerimento de interposição do recurso. O referido convite visa permitir 
 previstos naquele artigo, no pressuposto de que tal suprimento é essencial para 
 que se possa decidir sobre o conhecimento do recurso, não podendo nem devendo 
 ser utilizado quando, nos termos do artigo 137° do Código de Processo Civil, 
 configure um acto inútil.(sublinhado aditado ao original)».
 
 [A]15. É certo que, como bem se compreende e se afirma no Acórdão n.º 25/04, “o 
 convite de aperfeiçoamento previsto no artigo 75°-A n.ºs 5 e 6 da LTC 
 reporta-se, apenas, aos requisitos do requerimento de interposição de recurso 
 constantes nos n.ºs 1 a 4 do mesmo artigo e não aos pressupostos processuais do 
 recurso, como era o caso, e cuja falta é logicamente insusceptível de suprimento 
 
 (...), retira[ndo-se] do disposto do n.º 2 do artigo 78°-A é unicamente que, nos 
 casos em que, depois do convite previsto no artigo 75°-A n.ºs 5 e 6 da LTC, 
 continue a faltar, no requerimento de interposição de recurso, a indicação dos 
 elementos exigidos pelos n.ºs 1 a 4 do artigo 75º-A da LTC, deve ser lavrada 
 decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso. Nada mais do que 
 isto”.
 
 [A]16. Por isso, como se menciona no Acórdão n.º 296/04, se “a ratio decidendi 
 da decisão reclamada não se encontra num vício do requerimento de interposição 
 do recurso, susceptível de ser corrigido na sequência de um despacho de 
 aperfeiçoamento, mas num vício (...) logicamente insusceptível de ser 
 ultrapassado pela resposta a um despacho de aperfeiçoamento do requerimento de 
 interposição do recurso”, a prolação de tal despacho acaba por configurar um 
 acto inútil, que, como tal, é legalmente inadmissível.
 
  [A] 17. Não será, assim, manifestamente, quando se decide não conhecer do 
 objecto do recurso com o (único) fundamento constante da decisão sumária em 
 crise, e se constata, no requerimento de interposição de recurso, a falta de 
 explicitação da dimensão normativa que se pretende ver sindicada.
 A]18. E isto porque, como muitíssimo bem se entendeu no Acórdão n.º 413/03, 
 relatado pelo Meritíssimo Senhor Juiz Conselheiro que assinou a, sempre douta, 
 decisão aqui reclamada, ao não ser indicada “a exacta interpretação normativa do 
 preceito referido que considera inconstitucional, a recorrente coloca ainda o 
 Tribunal numa situação de verdadeira impossibilidade de verificar se se encontra 
 preenchido outro dos pressupostos de admissibilidade do recurso previsto na 
 alínea b) do n,º1 do artigo 70º da LTC; ou seja: saber se a decisão recorrida 
 utilizou, como ratio decidendi, a exacta dimensão normativa do artigo” (sem 
 realçados no original).
 
 [A]19. E de outro modo não poderia ser.
 
 [A]20. Pois, como também já foi explicitado pelo Tribunal Constitucional, no 
 Acórdão n.º 571/04 (Processo n.º 399/04) - onde, numa hipótese materialmente 
 análoga à que resulta dos presentes autos, o relator só proferiu decisão sumária 
 após ter “notificado o recorrente para dar cabal cumprimento ao disposto no 
 artigo 75º - A, n.º 1, da LTC” e de este, ainda assim, não ter concretizado a 
 dimensão normativa que pretendia ver sindicada -, há sempre que ter em linha de 
 conta que “ não é a este Tribunal que cabe a delimitação do objecto do recurso 
 de constitucionalidade. Essa definição cabe ao recorrente e é imprescindível - 
 como se reitera no recente Acórdão n .º 342/2003 (inédito) -, quer para 
 delimitar os poderes de cognição do Tribunal Constitucional, quer para lhe 
 permitir verificar se estão ou não preenchidos os demais requisitos de 
 admissibilidade do recurso interposto, sendo que tal ónus não se pode dar por 
 cumprido quando o Recorrente apenas indica pretender ver fiscalizadas a 
 
 “aplicação e interpretação dos artigos (...)”, sem que se concretizem. 
 minimamente as dimensões normativas relevantes - cf., além da jurisprudência 
 mencionada na decisão sumária, o já mencionado Acórdão n.º 342/2003, que trata 
 de uma questão materialmente análoga à que emerge do caso sub judicio -, não 
 sendo nesta sede- de reclamação da decisão sumária - momento apropriado para 
 precisar [após ter sido convidado para o efeito, sublinhe-se] o sentido 
 normativo que o Reclamante pretendia ver sindicado” ( original sem realçados) .
 
 [A]21. Ora, atendendo à natureza e à função do processo constitucional, 
 instrumento adjectivo da concretização de um verdadeiro Estado de direito 
 material, numa situação como a dos presentes autos, era fundamental que fosse 
 dada à Reclamante a possibilidade de “aperfeiçoar” o que plasmou no seu 
 requerimento de interposição, assim se evitando uma decisão - em vários 
 sentidos, onerosa para a Reclamante - que, com os contornos supra referidos, 
 acaba por “concluir pela impossibilidade de conhecer do objecto do recurso, por 
 falta de um dos pressupostos legais de admissibilidade, a saber: ter a decisão 
 recorrida aplicado, como ratio decidendi a exacta interpretação normativa do 
 artigo 669.º do C PC, cuja constitucionalidade a recorrente pretendia ver 
 apreciada”, quando consta, do requerimento de interposição do recurso que se 
 pretendia sindicar “a norma constante do artigo 669.º do Código de Processo 
 Civil no entendimento ou interpretação dados a essa norma pelo acórdão ora 
 recorrido”.
 
 [A]22. É que, se é certo que o artigo 75.º-A da LTC não impõe ao Tribunal 
 Constitucional um dever de colaboração, também não é menos verdade que ele não 
 pode ser interpretado no sentido de admitir que não haja lugar a “despacho 
 convite de aperfeiçoamento” quando, em função da resposta a tal, pode o Tribunal 
 Constitucional ver-se “compelido” a conhecer do objecto do recurso de 
 constitucionalidade, rectius dito de outro modo, quando o fundamento da decisão 
 sumária que o Tribunal deixou expresso, deixaria de existir com o suprimento da 
 insuficiente indicação da dimensão normativa sindicanda.
 
 [A]23. O que, em qualquer circunstância, é potenciado pela natureza do recurso 
 de constitucionalidade e do direito de acesso ao Tribunal Constitucional para 
 ver sindicada, sub species constitutionis a bondade material dos critérios 
 normativos que são aplicados ( ou cuja aplicação é recusada) pelos restantes 
 tribunais.
 
 [A]24. Recurso que, atento o seu emérito papel, nem sequer está sujeito a 
 alçada(s), ou a normas limitativas do seu exercício dentro das circunstâncias 
 constitucionalmente previstas.
 
 [A]25. Em analogia, decerto não totalmente lograda – posto que o recurso de 
 constitucionalidade não conhece norma idêntica à do artigo 400º do Código de 
 Processo Penal (no sentido de condicionar o recurso ao sentido da decisão 
 judicial, claro está) – poderia aqui chamar-se à colação mutatis mutandis, o 
 regime cristalizado – constitucional, legal e jurisprudencialmente – no seio do 
 Processo Criminal.
 
 [A]26. E recorde-se, a esse nível, o julgamento de inconstitucionalidade das 
 normas dos artigos 412.º, n.º 1 e 420.º do Código de Processo Penal quando 
 interpretadas no sentido de que a falta de concisão das conclusões da motivação 
 levar à imediata rejeição do recurso sem que previamente seja feito convite ao 
 recorrente para suprir tal deficiência - normas que foram julgadas 
 inconstitucionais pelos Acórdãos n.ºs 193/97, 43/99, 417/99, tendo havido com o 
 Acórdão n.º 337/2000 a correspondente declaração de inconstitucionalidade com 
 força obrigatória geral.
 
 [A]27. O mesmo se diga, em lugar paralelo, do entendimento que o Tribunal 
 Constitucional reservou à interpretação do artigo 412.º, n.º 2, do mesmo 
 diploma, segundo a qual se atribuía ao deficiente cumprimento dos ónus que nele 
 se prevêem o efeito da imediata rejeição do recurso, sem que ao recorrente seja 
 facultada oportunidade processual de suprir o vício detectado: também julgada 
 inconstitucional pelos Acórdãos n.ºs 288/2000, 388/2001, 401/2001 e 192/2002; e, 
 posteriormente, declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo 
 Acórdão n.º 320/2002.
 
 [A]28. Ora, tudo visto, acredita a Reclamante que, nesta sede, se retomará a 
 jurisprudência do Tribunal Constitucional – aí incluídos alguns a restos 
 prolatados pelo Meritíssimo Juiz Conselheiro Relator- deferindo-se a presente 
 reclamação.
 
 [A]29. Caso contrário, a entender o Tribunal Constitucional que a norma 
 conjugada dos artigos 78,º-A, n.º1, e 75.º-A, n.ºs 5 e 6, da L TC suporta uma 
 interpretação segundo a qual se admite que seja proferida decisão sumária de não 
 conhecimento com fundamento em a norma não ter constituído ratio decidendi da 
 decisão recorrida, sem que - havendo o recorrente indicado pretender ver 
 apreciada a norma na interpretação assumida como fundamento normativo por parte 
 da decisão recorrida – seja proferido despacho convite para que o recorrente 
 defina o objecto do recurso, concretizando a norma cuja constitucionalidade 
 pretende ver sindicada, sempre constituirá um critério normativo eivado de 
 inconstitucionalidade porque claramente violador do disposto no artigo 20.º da 
 CRP em relação com o artigo 280.º da CRP.
 
 [A]30. Inconstitucionalidade essa que, para os devidos efeitos, aqui se suscita.
 
 [A]31. E que se refere, em jeito de “recurso de constitucionalidade”, à decisão 
 sumaria reclamada, com a sua fundamentação própria, pretendendo assim a 
 Reclamante, ad cautelam, prevenir-se quanto a uma - outra - fundamentação a 
 posteriori e ficcionadamente retroagida, como acréscimo, ao que então se decidiu 
 sumariamente.
 
 [A]32. Pois também um critério normativo que, em face de recurso ou reclamação, 
 permitisse aos Tribunais fazer incorporar , em termos práticos, numa concreta 
 decisão, uma argumentação diferenciada da que daí consta, acrescentando, a 
 posteriori elementos decisórios inovadores, seria inconstitucional por violação 
 do princípio da certeza ou segurança jurídica, acolhido numa dimensão 
 material-substantiva do Estado de Direito Democrático, e, em rigor, do dever de 
 fundamentação estabilizada das decisões judiciais.
 
 [A]33. E, note-se, tal exigência é, no seio do recurso de constitucionalidade, 
 absolutamente fundamental e imprescindível para a concreta sindicância da 
 constitucionalidade das normas na dimensão em que foram aplicadas pelas decisões 
 recorridas.
 
 [A]34. Designadamente, e no que tange apenas e só com a inconstitucionalidade 
 supra suscitada no ponto A29. - i. é, independentemente de se encontrar uma 
 outra ratio decidendi que possa determinar o não conhecimento do objecto do 
 recurso -, mal seria que o Tribunal Constitucional, viesse em resposta a tal 
 questão, fazer uma insólita interpretação “correctora” e “psicologicamente” 
 subjectivista do decidido.
 
 [A]35. É que, para efeitos da consideração de tal problema de 
 constitucionalidade, a decisão sumária, mais não é do que uma típica decisão 
 recorrida e, como tal, estabilizada na forma como aplicou os preceitos cuja 
 constitucionalidade se vê aqui sindicada.
 
 “B. - Concretização do objecto do recurso: o(s) concreto(s) – e reais – 
 segmento(s) normativo(s) cuja constituciona1idade se pretende ver apreciada”. 
 
 [B]36. A Reclamante, como já anteriormente manifestou, entende, com base nas 
 mais elementares razões de boa (ou tão-só razoável...) aplicação jurídica - que, 
 infelizmente, o Tribunal Constitucional, atendendo à sua competência cognitiva, 
 não pode avaliar/sindicar - que o Acórdão do Tribunal Central Administrativo 
 Norte de 11 de Novembro de 2004 erra manifestamente na determinação do sentido 
 jurídico-normativo da norma aplicável à factualidade então sub judice.
 
 [B]37. E, por isso, requereu, com fundamento no disposto no artigo 669.º do 
 Código de Processo Civil, a reforma da decisão em crise, 
 
 [B]38. louvando a sua fundamentação na existência de erro manifesto nos termos 
 já referidos.
 
 [B)39. Aí suscitou um problema de inconstitucionalidade normativa recortado em 
 torno de um critério normativo que impedisse a reforma de uma decisão errada. 
 Ou,
 
 [B]40. mais precisamente, por outras palavras, aí suscitou a 
 inconstitucionalidade da norma do artigo 669.º do Código de Processo Civil 
 quando interpretado no sentido de que o erro de julgamento de que o tribunal 
 possa tomar consciência a quando da reclamação ou do pedido de reforma ( que, no 
 juízo da ora Reclamante, é até bem patente e grave) não constitui fundamento de 
 reforma de uma decisão jurisdicional.
 
 [B]41. Ou seja, a Reclamante pretendia aí acautelar uma interpretação do 
 preceito - que veio efectivamente a ser sufragada pelo Tribunal - nos termos da 
 qual muito embora o tribunal se apercebesse da existência de um erro (até 
 manifesto) de julgamento viesse, no entanto, a considerar que não poderia 
 reformar a decisão.
 
 [B]42. Contudo, além de não ter tido êxito junto do tribunal a quo no 
 acolhimento da sua pretensão relativa ao fundo da causa, a Reclamante foi ainda 
 surpreendida com o insólito entendimento do preceito do art.º 669°, n.º 2, do 
 CPC, nos termos do qual “numa situação como a dos autos, a decisão até poderia 
 estar errada e nem poderia ser corrigida em vias de recurso (quis dizer-se em 
 vias de reclamação), uma vez que ele (recurso) não é admissível. No entanto, 
 essa é uma situação normal da vida”.
 
 [43] É um tal entendimento normativo cuja conformidade com a Lei Fundamental, 
 por violação do direito constitucional do acesso aos tribunais e ao recurso 
 consagrado no art.º 20° da CRP, a Reclamante pretende ver apreciada.
 
 [44] E não se diga que esse critério não foi fundamento normativo - para daí 
 tirar a conclusão de que ele não pode ser objecto do recurso de 
 constitucionalidade -, chamando-se em apoio até o uso de uma expressão em 
 condicional- “poderia estar errada”.
 
 [ 45] Tal posição só poderá ser tomada isolando esse termo verbal relativamente 
 ao princípio que o julgador em verdade adoptou e é por demais evidente que é o 
 seguinte: de acordo com o disposto no art.º 669°, n.º 2, do CPC, pode o tribunal 
 admitir que a sua decisão anterior até esteja errada; mesmo que o esteja, não 
 está ele obrigado a alterá-la por via da reclamação nele prevista.
 
 [46] Uma norma destas constitui uma negação do direito à justiça e por isso se 
 pretende que seja analisada pelo Tribunal Constitucional.
 
 [47] Imagine-se o descrédito que ela induz para os cidadãos no seu sistema de 
 justiça: equivale a dizer que o tribunal mesmo com dúvidas quanto ao direito 
 lhes pode negar a aplicação desse direito.
 
 É demais!.........
 
 [48] Não se diga que uma tal dimensão normativa não corresponde exactamente à 
 dimensão do art.º 669°, n.º 2, do CPC, cuja inconstitucionalidade foi suscitada 
 no requerimento de pedido de reforma e por esta via não se admita o recurso.
 
 [49] A entender-se que uma tal hipótese se verifica, não poderá deixar de 
 entender-se também que esse outro sentido aplicado pelo tribunal a quo seria 
 então totalmente imprevisível e inesperado - uma interpretação insólita - e como 
 tal sempre se terá de considerar estar a reclamante dispensada do ónus da sua 
 suscitação, de acordo com a jurisprudência constante e uniforme do Tribunal 
 Constitucional.
 
 [50] Termos em que se requer que seja esta reclamação atendida e ordenado o 
 prosseguimento do recurso.”
 
  
 
 8. Notificada para responder, querendo, à reclamação, a recorrida sustentou que 
 a reclamação deveria “ser desatendida, não se conhecendo do objecto do recurso.”
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 III – Fundamentação
 
  
 
 9. Na decisão sumária ora reclamada, foi julgado não ser possível conhecer do 
 objecto do recurso de constitucionalidade interposto, por falta de um dos 
 pressupostos legais de admissibilidade, a saber: ter a decisão recorrida 
 aplicado, como ratio decidendi, a exacta interpretação normativa do artigo 669º 
 do CPC cuja constitucionalidade a ora reclamante pretendia ver apreciada.
 
  
 
 10. A ora reclamante vem contestar tal decisão, invocando, no essencial, que:
 a) dado o teor do requerimento de interposição de recurso para este Tribunal por 
 ela apresentado, deveria ter “havido lugar à prolação de despacho de 
 aperfeiçoamento, convidando a recorrente para indicar em concretização a 
 dimensão normativa que pretendia ver sindicada”;
 b) “a entender o Tribunal Constitucional que a norma conjugada dos artigos 
 
 78,º-A, n.º1, e 75.º-A, n.ºs 5 e 6, da LTC suporta uma interpretação segundo a 
 qual se admite que seja proferida decisão sumária de não conhecimento com 
 fundamento em a norma não ter constituído ratio decidendi da decisão recorrida, 
 sem que - havendo o recorrente indicado pretender ver apreciada a norma na 
 interpretação assumida como fundamento normativo por parte da decisão recorrida 
 
 – seja proferido despacho convite para que o recorrente defina o objecto do 
 recurso, concretizando a norma cuja constitucionalidade pretende ver sindicada, 
 sempre constituirá um critério normativo eivado de inconstitucionalidade porque 
 claramente violador do disposto no artigo 20.º da CRP em relação com o artigo 
 
 280.º da CRP”;
 c) foi “surpreendida com o insólito entendimento do preceito do art.º 669°, n.º 
 
 2, do CPC, nos termos do qual «numa situação como a dos autos, a decisão até 
 poderia estar errada e nem poderia ser corrigida em vias de recurso (quis 
 dizer-se em vias de reclamação), uma vez que ele (recurso) não é admissível. No 
 entanto, essa é uma situação normal da vida»”, “cuja conformidade com a Lei 
 Fundamental, por violação do direito constitucional do acesso aos tribunais e ao 
 recurso consagrado no art.º 20° da CRP, [...] pretende ver apreciada”, 
 dispensada que estaria “do ónus da sua suscitação”, por tal entendimento ser 
 
 “totalmente imprevisível e inesperado”.
 
  
 Vejamos se tem razão.
 
  
 
 10.1. A presente reclamação, não obstante as “considerações, doutamente 
 tecidas”, assenta, porém, por completo, num pressuposto claramente errado: o de 
 que, no caso concreto, deveria ter havido lugar à prolação de despacho de 
 aperfeiçoamento, nos termos do n.º 6 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal 
 Constitucional (LTC).
 
  
 Na verdade, o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC – o 
 interposto pela ora reclamante -, porque de recurso se trata, pressupõe, 
 designadamente, que o recorrente tenha suscitado, durante o processo e de modo 
 processualmente adequado, a inconstitucionalidade de determinada norma jurídica 
 
 - ou de uma sua dimensão normativa e que, não obstante, a decisão recorrida a 
 tenha aplicado, como ratio decidendi, no julgamento do caso.
 
  
 O convite previsto no n.º 6 do artigo 75º-A da LTC, como aliás ressalta da 
 jurisprudência deste Tribunal, nomeadamente do acórdão n.º 296/2004, citado pela 
 ora reclamante, visa permitir que um recorrente de boa fé, não tendo dado 
 cumprimento, desde logo, como devia, à exigência, contida no artigo 75º-A da 
 LTC, de indicação dos elementos previstos nos n.ºs 1 a 4 do mesmo artigo, venha 
 suprir tal falta. Ponto essencial, como facilmente se compreenderá – é, 
 portanto, que se verifique a situação prevista no n.º 5 do referido artigo 
 
 75º-A, isto é que “o requerimento de recurso não indi[que] algum dos elementos 
 previstos no presente artigo”. Sendo ainda certo que o convite só será efectuado 
 no pressuposto de que tal suprimento é essencial para que se possa decidir sobre 
 o conhecimento do recurso, não devendo nem podendo ser utilizado quando, nos 
 termos do artigo 137º do Código de Processo Civil, configure um acto inútil.
 
  
 Ora, como é patente, não é essa a situação dos autos, ao contrário do que a ora 
 reclamante, contra si própria errada e surpreendentemente pleiteando, pretende 
 agora fazer crer. De facto, o recurso foi interposto por meio de requerimento, 
 no qual a ora reclamante indicou expressamente a alínea do n.º 1 do artigo 70º 
 da LTC ao abrigo da qual o recurso era interposto, a norma cuja 
 inconstitucionalidade pretendia que o Tribunal apreciasse, a norma 
 constitucional que entendia violada, a peça processual em que suscitara a 
 questão de inconstitucionalidade, bem como, por remissão para esta última peça, 
 a exacta identificação da dimensão normativa que pretendia ver apreciada. Foram, 
 assim, indicados pela ora reclamante todos os elementos exigidos pelo disposto 
 nos n.ºs 1 e 2 do artigo 75º - A da LTC, não existindo, ao contrário do que é 
 pressuposto pela sua argumentação, qualquer insuficiente indicação da dimensão 
 normativa sindicanda, pelo que, não se encontrando preenchida a previsão do n.º 
 
 5 do mesmo dispositivo, nunca poderia haver lugar à prolação do despacho-convite 
 previsto no n.º 6 daquele mesmo artigo, uma vez que nada havia a aperfeiçoar.
 
  
 Não existe, portanto, na decisão sumária, como do seu próprio teor claramente 
 decorre, qualquer contradição, não foi efectuada qualquer interpretação 
 
 “correctora” do pedido da ora reclamante, não houve qualquer actuação “em jeito 
 de tutela substitutiva”, nem tão pouco se assumiu erradamente, como objecto do 
 recurso, uma qualquer “inexacta dimensão normativa”, que, aliás, não poderia ser 
 objecto de conhecimento por parte deste Tribunal, uma vez que não fora 
 efectivamente suscitada, de modo processualmente adequado, perante o tribunal 
 que proferiu a decisão recorrida. Na referida decisão sumária constatou-se, pura 
 e simplesmente, que a exacta dimensão normativa do artigo 669º do Código de 
 Processo Civil, questionada pela ora reclamante, tal como tinha sido por ela 
 delimitada, não foi aplicada, como ratio decidendi, na decisão recorrida, o que, 
 como é pacífico, inviabiliza o conhecimento do objecto do recurso interposto ao 
 abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC. Nada mais!
 
  
 Improcedem, assim, todos os argumentos da reclamante quanto à alegada 
 
 “preterição do despacho a que se refere o artigo 75.º-A, n.ºs 5 e 6, da Lei do 
 Tribunal Constitucional”.
 
  
 
 10.2. Partindo do pressuposto, errado como se viu, de que, no caso concreto, 
 deveria ter havido lugar à prolação de despacho de aperfeiçoamento, suscita a 
 ora reclamante uma questão de inconstitucionalidade reportada a uma alegada 
 eventual interpretação, a efectuar pelo Tribunal Constitucional, da norma 
 conjugada dos artigos 78,º-A, n.º1, e 75.º-A, n.ºs 5 e 6, da LTC, segundo a qual 
 se admitiria que fosse proferida decisão sumária de não conhecimento, com 
 fundamento no facto de a norma não ter constituído ratio decidendi da decisão 
 recorrida, sem que fosse efectuado “convite para que o recorrente defina o 
 objecto do recurso”.
 
  
 Ora, entendendo o Tribunal Constitucional, como resulta indiscutivelmente do 
 atrás exposto, nomeadamente do que já se dissera na decisão sumária, e sem fazer 
 qualquer “insólita interpretação «correctora» e «psicologicamente» subjectivista 
 do decidido”, que o objecto do recurso estava, desde início, inequivocamente 
 definido e delimitado pela ora reclamante, não está em causa a suposta 
 interpretação que esta pretenderia questionar, pelo que está vedado a este 
 Tribunal pronunciar-se sobre uma tal eventualidade, no caso concreto, puramente 
 académica.
 
  
 
 10.3. Invoca ainda a ora reclamante que, tendo suscitado a inconstitucionalidade 
 de uma determinada dimensão normativa do artigo 669.º do Código de Processo 
 Civil – aquela que, como sobejamente se demonstrou na decisão ora reclamada, não 
 constituiu ratio decidendi da decisão recorrida -, foi “surpreendida com o 
 insólito entendimento do preceito do art.º 669°, n.º 2, do CPC, nos termos do 
 qual «numa situação como a dos autos, a decisão até poderia estar errada e nem 
 poderia ser corrigida em vias de recurso (quis dizer-se em vias de reclamação), 
 uma vez que ele (recurso) não é admissível. No entanto, essa é uma situação 
 normal da vida»”. Entendimento que, por ser “totalmente imprevisível e 
 inesperado” a dispensaria “do ónus da sua suscitação” e “cuja conformidade com a 
 Lei Fundamental, por violação do direito constitucional do acesso aos tribunais 
 e ao recurso consagrado no art.º 20° da CRP”, pretende, agora, proferida que 
 está a decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso, ver apreciada.
 
  
 Em relação a este ponto apenas se dirá que, ainda que se aceite que uma 
 interpretação normativa inteiramente insólita e totalmente imprevisível e 
 inesperada possa, excepcionalmente, dispensar a recorrente do ónus de suscitar, 
 de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão 
 recorrida, a inconstitucionalidade de uma tal interpretação, não fica aquela, 
 todavia, dispensada de, no requerimento de interposição do recurso - que fixa o 
 objecto do mesmo -, invocar precisamente esse facto. Ora, não foi isso que 
 aconteceu nos presentes autos. Na verdade, aqui, o que se passou foi que a ora 
 reclamante, no requerimento de interposição do recurso, nada achou de insólito, 
 imprevisível ou inesperado, de tal modo que identificou claramente a peça 
 processual em que suscitou a questão de inconstitucionalidade que pretendia ver 
 apreciada, o que, por si só, é incompatível com a invocação da existência de uma 
 
 “decisão-surpresa”, no sentido que este Tribunal lhe tem atribuído.
 
  
 Ora, como o Tribunal tem repetidamente afirmado, fixado o objecto do recurso, 
 não pode a recorrente, em qualquer peça processual subsequente, ampliar esse 
 objecto [cfr. nesse sentido, entre muitos outros, os Acórdãos n.ºs 366/96 
 
 (Diário da República, II Série, de 10 de Maio de 1996), 324/99 (Diário da 
 República, II Série, de 25 de Outubro de 1999), ou, mais recentemente, o Acórdão 
 n.º 286/00 (disponível na página Internet do Tribunal Constitucional no endereço 
 http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/)], pelo que não pode o 
 Tribunal conhecer da alegada inconstitucionalidade.
 
  
 Acresce que, em qualquer caso, ainda que se admitisse que o entendimento do n.º 
 
 2 do artigo 669º do Código de Processo Civil – resultante de uma modificação 
 deliberadamente operada pela ora reclamante sobre o texto do acórdão recorrido 
 
 –, cuja inconstitucionalidade é agora suscitada, fosse diverso daquele 
 entendimento que já foi objecto de apreciação na decisão sumária reclamada, que 
 tal entendimento pudesse ser tido como insólito, totalmente imprevisível e 
 inesperado e ainda que tal inconstitucionalidade tivesse sido atempadamente 
 questionada, o facto é que bastaria ler com mediana atenção o acórdão recorrido 
 para verificar que também este entendimento daquela norma não constituiu razão 
 de decidir do acórdão.
 
  
 Com efeito, para o Tribunal Central Administrativo Norte, “não estamos perante 
 qualquer lapso manifesto que caiba corrigir”, pelo que, “deste modo, não pode 
 ser atendida a reclamação”. Ou seja, para o Tribunal Central Administrativo 
 Norte, na sequência de jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal 
 Administrativo, a decisão de mérito só pode ser alterada “nos casos previstos no 
 artigo 669º, interpretado nos termos em que o foi”, isto é quando há erro 
 manifesto, o que não era o caso nos autos. Não entendeu, ao contrário do que 
 pretende a ora reclamante, que, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 669° 
 do Código de Processo Civil, pode o tribunal admitir que a sua decisão anterior 
 esteja – como ela considera – manifestamente errada, sem que seja obrigado a 
 alterá-la por via da reclamação prevista naquele artigo. Aliás, a frase agora 
 citada pela ora reclamante, que, além do mais, nem sequer tem o sentido que esta 
 
 - substituindo a palavra recurso por reclamação - lhe pretende atribuir, nada 
 mais é do que um “obiter dictum”. Expresso, outrossim, na sequência da afirmação 
 de que “uma vez que a reclamante não concretiza em que é que essa violação se 
 traduz, o tribunal nem sequer está obrigado a conhecer desta questão, já que não 
 cabe aos tribunais elaborar construções jurídicas teóricas”.
 
  
 Também por este motivo não seria possível a este Tribunal conhecer de tal 
 questão.
 
  
 
 10.4 Por último, refira-se apenas que, precavendo a possibilidade de o Tribunal 
 Constitucional vir a utilizar, no julgamento da reclamação, um fundamento 
 diferente do que constituiu a ratio decidendi da decisão sumária reclamada, 
 suscita a ora reclamante, ad cautelam, a inconstitucionalidade de “um critério 
 normativo que, em face de recurso ou reclamação, permitisse aos Tribunais fazer 
 incorporar, em termos práticos, numa concreta decisão, uma argumentação 
 diferenciada da que daí consta, acrescentando, a posteriori, elementos 
 decisórios inovadores”, por alegada violação do “princípio da certeza ou 
 segurança jurídica, acolhido numa dimensão material-substantiva do Estado de 
 Direito Democrático, e, em rigor, do dever de fundamentação estabilizada das 
 decisões judiciais”.
 
  
 Ora, independentemente de qualquer consideração sobre a bondade da tese 
 sustentada pela ora reclamante, o facto é que, também neste ponto, não está 
 colocada qualquer questão de constitucionalidade de que este tribunal deva 
 conhecer, no contexto da presente reclamação. E, desde logo, pela óbvia razão de 
 que a tal eventualidade, ad cautelam antecipada pela ora reclamante, se não 
 confirma, uma vez que a presente decisão subscreve, na íntegra, a fundamentação 
 que já havia constituído ratio decidendi da decisão sumária reclamada para 
 concluir pela impossibilidade de conhecer do objecto do recurso que a mesma 
 pretendeu interpor. O que agora aqui se acrescentou, além da reiteração daquela 
 fundamentação, mais não constitui do que um esforço para não deixar sem resposta 
 
 - até para que a presente decisão não possa ser acusada de omissão de pronúncia 
 
 - nenhuma das diversas questões suscitadas - algumas delas, como a das eventuais 
 inconstitucionalidades ou do carácter insólito de determinadas interpretações, 
 pela primeira vez - pela ora reclamante na sua reclamação.
 
  
 
 11. Pelo exposto e, no essencial, pelas razões já constantes da decisão 
 reclamada – que, como se demonstrou, mantêm inteira validade, em nada sendo 
 abaladas pela reclamação apresentada - é efectivamente de não conhecer do 
 objecto do recurso que a ora reclamante pretendeu interpor.
 
  
 
  
 III – Decisão
 
  
 Nestes termos, decide-se desatender a presente reclamação, confirmando-se a 
 decisão sumária reclamada.
 Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) 
 unidades de conta.
 
  
 Lisboa, 20 de Abril de 2005
 
  
 Gil Galvão
 Bravo Serra
 Artur Maurício