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Processo n.º 948/04
 
 3.ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
  
 
  
 
             
 Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
             1. A. interpôs, no Tribunal Judicial da Comarca da Póvoa de Varzim, 
 recurso de impugnação judicial da decisão proferida pelo Chefe de Divisão de 
 contra-ordenações da Direcção Regional de Viação do Norte, que o condenou na 
 sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 120 dias, pela prática 
 da contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 24.º do Regulamento de 
 Sinalização do trânsito, aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 1 de 
 Outubro
 
 .
 Alegou a inconstitucionalidade da norma do artigo 34.º, n.ºs. 2 e 3 do 
 Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei 
 n.º 356/89, de 17 de Outubro, ao abrigo da qual a entidade administrativa 
 actuou, por violação do princípio da determinabilidade ou precisão das leis, 
 enquanto refracção do princípio da segurança jurídica, corolário do princípio do 
 Estado de Direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição, por não 
 permitir ao cidadão alicerçar uma posição juridicamente definida e protegida no 
 que respeita ao conhecimento da autoridade administrativa competente em matéria 
 de aplicação de sanções contra-ordenacionais.
 
  
 
             A impugnação foi julgada improcedente, por sentença de 2 de Maio de 
 
 2003 (fls. 24 e ss.). 
 Desta sentença interpôs o arguido recurso para o Tribunal da Relação que, por 
 acórdão de 26 de Maio de 2004 (fls.70 e ss.) lhe negou provimento.
 
  
 
             O recorrente interpôs, então, o presente recurso para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, 
 de 15 de Novembro (LTC), no qual apresentou alegações com as seguintes 
 conclusões:
 
  
 
 “A)
 O recurso vem interposto do Acórdão da Relação que indeferiu a pretensão do 
 autor, de ver declarada inconstitucional o regime decorrente dos n.ºs. 2 e 3 do 
 artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10/82, com a redacção modificada 
 pelo Decreto-Lei n.º 356/89 de 17 de Outubro, por violar os Princípios da 
 protecção da Confiança dos Cidadãos e da Segurança Jurídica, plasmados no art.º 
 
 2.º da CRP.
 B)
 O acórdão recorrido fundamentou-se, na parte respeitante à violação do Princípio 
 da Confiança e Segurança Jurídica, no facto de a publicação dos actos de 
 Delegação e Subdelegação ser suficiente para salvaguardar o cumprimento dos 
 princípios invocados.
 C)
 Não podemos validar tal axioma, porquanto existe sempre a possibilidade de os 
 superiores hierárquicos poderem chamar a si a resolução de casos concretos sem 
 que para tal necessitem de extinguir a delegação.
 D)
 Este poder impossibilita que os cidadãos saibam, quando cometam uma 
 contra-ordenação estradal, quem será exactamente o responsável pela aplicação da 
 sanção.
 E)
 A imprevisibilidade do regime resulta da norma invocada, e viola o Princípio da 
 Segurança Jurídica e da Confiança dos Cidadãos, subprincípios concretizadores do 
 Estado de Direito Democrático, plasmados no art.º 2.º da CRP.
 F)
 No mesmo sentido realça-se a obrigação de o legislador fazer leis com densidade 
 suficiente para se poder controlar a legalidade da sua aplicação, em 
 conformidade com o subprincípio da Precisão ou Determinabilidade das normas 
 jurídicas.
 G)
 O recorrente considera serem inconstitucionais os n.ºs 2 e 3 do artigo 34.º do 
 Decreto-Lei n.º 433/82, por violação do artigo 2º da Constituição, pretendendo 
 em consequência que a citada norma não seja aplicado ao caso concreto, 
 revogando-se em consequência a decisão recorrida a fim de ser reformada em 
 conformidade com o julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade.” 
 
  
 
  
 
             O Ministério Público contra-alegou sustentando ser manifesto que não 
 infringe o princípio constitucional da confiança o regime jurídico que permite a 
 aplicação das figuras da delegação ou sub-delegação de competência em processo 
 contra-ordenacional, num caso em que tais despachos foram devidamente publicados 
 no jornal oficial e em que as notificações feitas ao arguido mencionavam 
 expressamente a existência de sub-delegação e o local onde tal despacho havia 
 sido publicado.
 
  
 
  
 
 2. O Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, que institui o regime geral do 
 ilícito de mera ordenação social e o respectivo processo, dispõe o seguinte (na 
 redacção resultante do Decreto-Lei n.º 356/89, de 17de Outubro):
 
  
 
 “Artigo 34.º
 
 (Competência em razão da matéria)
 
 1- A competência em razão da matéria pertencerá às autoridades determinadas pela 
 lei que prevê e sanciona as contra-ordenações.
 
 2- No silêncio da lei serão competentes os serviços designados pelo membro do 
 Governo responsável pela tutela dos interesses que a contra-ordenação visa 
 defender ou promover.
 
 3- Os dirigentes dos serviços aos quais tenha sido atribuída a competência a que 
 se refere o número anterior podem delegá-la, nos termos gerais, nos dirigentes 
 de grau hierarquicamente inferior.”
 
  
 
  
 Aplicando este regime, no silêncio do Código da Estrada, aprovado pelo 
 Decreto-Lei n.º114/94, de 3 de Maio, sobre a competência para aplicação das 
 sanções pelas contra-ordenações aí previstas, o Ministro da Administração 
 Interna, pelo Despacho n.º 521/98, de 12 de Dezembro de 1997 (Diário da 
 República, II Série, de 9 de Janeiro de 1998; como já antes fizera pelo Despacho 
 n.º 7/94, de 6 de Setembro, publicado no Diário da República,  II Série, de 23 
 de Setembro de 1994), designou como competentes as seguintes entidades: 
 Governador Civil do Distrito em que foi cometida a infracção e Director Geral de 
 Viação, elegendo como critério o grau de gravidade das infracções e a 
 apresentação ou não de defesa pelo arguido (O Despacho n.º 24798/2002, Diário da 
 República, II Série de 21 de Novembro de 2002, posterior à decisão 
 administrativa impugnada veio modificar o critério de repartição de 
 competências).
 Por seu turno, o Director Geral de Viação, através do Despacho 6723/01, de 10 de 
 Março (Diário da República, II Série, n.º 78, de 2 de Abril), delegou os poderes 
 de aplicação de coimas e sanções acessórias que, neste domínio, lhe foram 
 atribuídos pelo Ministro da Administração Interna, no Director de Serviços da 
 Direcção Regional de Viação Norte.
 Finalmente, por Despacho n.º 15701/01, de 9 de Julho (Diário da República, II 
 Série, n.º 175, de 30 de Julho) o Director de Serviços subdelegou a referida 
 competência, no Chefe de Divisão de contra-ordenações.
 
  
 
             Foi ao abrigo deste regime que o Chefe de Divisão de 
 Contra-Ordenações da Direcção Regional de Viação do Norte aplicou ao recorrente, 
 na sequência de pagamento voluntário da coima respectiva, a sanção acessória de 
 inibição de conduzir pelo período de 120 dias, por circular em desobediência a 
 um sinal de sentido proibido. 
 
  
 
             O recorrente identifica como constituindo objecto do recurso a norma 
 dos n.ºs 2 e 3 do citado artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 433/82. Todavia, para a 
 questão de constitucionalidade que coloca, o preceituado no n.º 2 do artigo 34.º 
 
 é elemento neutro. Efectivamente, a imprevisibilidade que diz existir quanto à 
 titularidade da competência sancionatória não emerge da atribuição, ao membro do 
 Governo responsável pela tutela dos interesses que a contra-ordenação visa 
 defender ou promover, da competência para a designação dos serviços competentes 
 para tramitar e decidir o processo de contra-ordenações (n.º 2 do artigo 34.º), 
 mas do regime da delegação de poderes que o n.º 3 possibilita, isto é, da 
 faculdade de os órgãos designados poderem delegar a competência, nos termos 
 gerais, nos dirigentes de grau inferior.
 
  
 
  
 
 3. Antes de mais salienta-se que a questão de saber se a determinação da 
 autoridade administrativa competente para punir um ilícito de mera ordenação 
 social integra o regime geral de punição dos actos ilícitos de mera ordenação 
 social e o respectivo processo, a que se refere a alínea d) do n.º 1 do artigo 
 
 165.º da Constituição mereceu já, por diversas vezes, resposta negativa por 
 parte deste Tribunal (cfr. acórdão n.º 444/2004, disponível in 
 
 www.tribunalconstitucional.pt, e jurisprudência aí citada). Como se disse no 
 acórdão n.º 237/2003 e se retomou no acórdão n.º387/2003, em que o objecto de 
 apreciação era a norma do n.º 2 do Despacho n.º 521/98, interpretada e aplicada 
 no sentido de atribuir competência ao Director-Geral de Viação e aos 
 Governadores Civis para aplicarem a sanção acessória de inibição de conduzir, 
 prevista no artigo 139.º do Código da Estrada, é apenas a opção de atribuir às 
 autoridades administrativas, em geral, tal competência que integra o regime 
 geral a que alude o artigo 165º, n.º 1, alínea d), da Constituição. Uma vez 
 tomada essa opção, expressa nos artigos 33º e 34º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 
 
 27 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro, e pelo 
 Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, ao abrigo das correspondentes 
 autorizações legislativas, a determinação da autoridade administrativa 
 concretamente competente, em cada caso, para a aplicação das coimas é feita nos 
 termos aí previstos”. 
 
             
 
             Recorda-se esta jurisprudência – embora não fosse absolutamente 
 indispensável fazê-lo, uma vez que o recorrente reconhece não possuir novos 
 argumentos que alterem substancialmente os termos em que o Tribunal tem 
 analisado a questão na perspectiva da reserva de competência legislativa da 
 Assembleia da República – porque, além de eliminar um plausível parâmetro 
 constitucional (cfr. art.º 79.º-C, 2ª parte, da LTC), fornece o quadro de 
 referência da questão de constitucionalidade material agora colocada, permitindo 
 reduzir a sua apreciação ao essencial.
 
  
 
  
 
             4. Entrando na análise da observância do parâmetro constitucional 
 especificamente indicado pelo recorrente, começa por recordar-se que, sobre o 
 princípio da precisão ou determinabilidade das normas jurídicas, postulado da 
 tutela da segurança jurídica e da confiança dos cidadãos, que são subprincípios 
 concretizadores do princípio do Estado de Direito democrático, consagrado no 
 artigo 2.º da Constituição, escreveu-se no acórdão n.º 285/92 in Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional,  22.º vol., págs. 159 e segs.:
 
  
 
 'Sobre o princípio da precisão ou determinabilidade das leis, Gomes Canotilho 
 
 (Direito Constitucional, 5ª ed. Coimbra, 1991, pp. 376 e segs) entende que o 
 mesmo, sob o ponto de vista intrínseco, reconduz-se às seguintes ideias: 
 exigência de clareza das normas legais, pois de uma lei obscura ou contraditória 
 pode não ser possível, através da interpretação, obter um sentido inequívoco, 
 capaz de alcançar uma solução jurídica para o problema concreto;
 exigência de densidade suficiente na regulamentação legal, pois um acto 
 legislativo que não contém uma disciplina suficientemente concreta ('densa', 
 determinada) não oferece uma medida jurídica capaz de:
 
 - alicerçar posições juridicamente protegidas dos cidadãos;
 
 - constituir uma norma de actuação para a administração;
 
 - possibilitar, como norma de controlo, a fiscalização da legalidade e a defesa 
 dos direitos e interesses dos cidadãos.
 Pormenorizando o sentido destas linhas de força do aludido princípio, o mesmo 
 autor sublinha que estamos perante uma situação que tem a ver com as relações 
 
 'legisferação-aplicação da lei'. Com efeito a indeterminabilidade normativa pode 
 significar delegação de competência de decisão, isto é, pode traduzir-se em 
 situações onde a lei deixa à administração amplos poderes de decisão, 
 reconduzindo-se assim a um problema de distribuição de tarefas entre o 
 legislador e o aplicador das leis.
 Na decorrência deste ponto de vista, o citado autor refere que 'o controlo 
 destas 'normas abertas' deve ser reforçado'. Elas podem, por um lado, dar 
 cobertura a uma inversão das competências constitucionais e legais; por outro 
 lado, podem tornar claudicante a previsibilidade normativa em relação ao cidadão 
 e ao juiz. De facto, as cláusulas gerais podem encobrir uma 'menor valia' 
 democrática, cabendo, pelo menos, ao legislador, uma reserva global dos aspectos 
 essenciais da matéria a regular. A exigência de determinabilidade das leis ganha 
 particular acuidade no domínio das leis restritivas ou de leis autorizadoras de 
 restrição.' [Cf. mais recentemente, mas sem modificação significativa, do mesmo 
 autor, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 5ª ed., p. 258]. 
 
  
 
  
 E, mais adiante, escreve-se no mesmo acórdão:
 
  
 
 'Reconhece-se, sem dificuldade, que o princípio da determinabilidade ou precisão 
 das leis não constitui um parâmetro constitucional 'a se', isto é, desligado das 
 matérias em causa ou da conjugação com outros princípios constitucionais que 
 relevem para o caso. Se é, pois, verdade que inexiste no nosso ordenamento 
 constitucional uma proibição geral de emissão de leis que contenham conceitos 
 indeterminados, não é menos verdade que há domínios onde a Constituição impõe 
 expressamente que as leis não podem ser indeterminadas, como é o caso das 
 exigências de tipicidade em matéria penal constantes do artigo 29º, nº 1 da 
 Constituição, e em matéria fiscal (cfr. artigo 106º da Constituição) ou ainda 
 enquanto afloramento da princípio da legalidade (nulla poena sine lege) ou da 
 tipicidade dos impostos (null taxation without law)'. 
 
  
 Sendo o confronto com a primeira daquelas exigências (clareza) e a determinação 
 do seu alcance invalidante do direito infra-constitucional aqui exorbitantes – 
 porque o sentido do texto legal é evidente, mesmo para o menos esforçado dos 
 intérpretes, e porque não é disso que o recorrente se queixa –, só o segundo 
 aspecto (densidade suficiente de regulação legal) interessa ao caso. 
 
  
 
             O acórdão recorrido enfrentou esta questão nos seguintes termos:
 
  
 
 “(...)
 Para fundamentar a violação do princípio da protecção da confiança, o recorrente 
 invoca a impossibilidade de, nesta matéria, haver uma “panóplia de delegações e 
 subdelegações”. Tal permissão gera a impossibilidade de se conhecer “quem, num 
 determinado ponto do país, tem competência para aplicar coimas ou sanções não 
 privativas da liberdade”, gerando assim uma incerteza sobre se a pessoa que 
 julga e decide tem, de facto, competência para o fazer (fls. 35).
 Ora, como é bom de ver, sendo a atribuição de competência feita pelo Ministro da 
 Tutela e publicada no Diário da República e sendo as delegações e subdelegações 
 de poderes, também publicadas, não se compreende como se possa dizer que o 
 cidadão interessado não saiba (ou não possa saber), qual a entidade competente. 
 De facto, para efeitos de “protecção da confiança”, quanto ao conhecimento das 
 entidades que, em cada ponto do país, aplicam coimas, basta a publicação no 
 Diário da República, dos respectivos instrumentos legais que atribuem a 
 competência.
 Quanto à “confiança” sobre a competência técnica das entidades que aplicam as 
 coimas também não se entende em que termos o recorrente pretendia ver tutelada 
 essa confiança. A competência para o processamento e aplicação das coimas, é 
 atribuído à Administração (art.º 33.º do Dec.Lei 433/82). É a entidade delegante 
 que deve ter confiança na competência técnica do delegado, cabendo-lhe a si o 
 poder de optar, ou não, pela delegação. Por outro lado, se estiverem cumpridos 
 todos os requisitos legais da atribuição da competência, sua delegação e 
 subdelegação, e se o interessado puder impugnar o acto final, está protegida a 
 sua “confiança” numa apreciação ponderada e justa.
 
 É o caso do procedimento de contra-ordenação (cfr. artigo 59.º e seguintes do 
 Dec.Lei 433/82, de 27/10). De resto, o recorrente teve oportunidade de impugnar 
 o acto final e destacar os elementos do discurso jurídico condenatório, 
 reveladores de falta de competência técnica do autor do acto. Se os não apontou, 
 foi por que não quis (ou porque a sanção foi bem aplicada), o que mostra que o 
 sistema legal permite sempre ao interessado o recurso aos Tribunais, onde a 
 apreciação da legalidade da aplicação da coima é feita com todas as garantias do 
 processo judicial. A confiança dos cidadãos está, assim, perfeitamente 
 garantida, através do sistema globalmente considerado.
 Nestes termos e em nosso entender, verifica-se que as citadas normas do art.º 
 
 34.º, n.ºs 2 e 3 do Dec.Lei 433/82, de 27/10, não põem minimamente em causa o 
 princípio da “protecção da confiança” dos cidadãos num procedimento justo e na 
 competência técnica da entidade administrativa que aplica a coima.
 
 (...).”
 
  
 
  
 
             A estas razões do acórdão recorrido, que desde já se afirma 
 merecerem confirmação deste Tribunal na sua esfera de competência, o recorrente 
 contrapõe argumentos dirigidos a demonstrar, em último termo, que a publicitação 
 não é suficiente para que, na prática, os visados saibam ex ante quem 
 efectivamente pode aplicar as coimas. E, para isso, esgrime com as consequências 
 potenciais da aplicação do regime geral do instituto de delegação de poderes, 
 especialmente com aquelas que decorrem do poder de avocação pelo delegante ou 
 subdelegante, nos termos gerais, maxime os estabelecidos pelo n.º 2 do artigo 
 
 39.º do Código de Procedimento Administrativo (A avocação, neste sentido, é o 
 acto através do qual o titular da competência originária chama a si a condução e 
 decisão – ou só esta se estiverem concluídas as fases procedimentais anteriores 
 
 – de um procedimento ou  caso administrativo concreto).
 
  
 Quanto à possibilidade de delegação e subdelegação, em si mesma, o recorrente 
 concede que “um infractor especialmente diligente e conhecedor dos meandros 
 jurídicos conseguiria com algum esforço, obter a informação de qual a entidade 
 responsável pelo aplicar da sanção”. 
 
             Assim, apenas se acrescentará às razões do acórdão recorrido que, 
 como já se referiu, o princípio da determinabilidade ou precisão das leis não 
 opera como parâmetro constitucional desligado da consideração da matéria em 
 causa ou da conjugação com outros princípios constitucionais que relevem para o 
 caso. Ora, a norma em apreciação incide sobre aspectos organizatórios da 
 Administração Pública. Sem negar a relevância das normas de organização 
 administrativa no plano das relações externas (G. Canotilho e V. Moreira, 
 Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., p. 926 ss.), não pode 
 olvidar-se que, diversamente das normas de relação, sejam estas de carácter 
 material ou procedimental,  em que o seu reflexo sobre o conteúdo das decisões 
 administrativas é imediato, aquelas só indirectamente contendem com posições 
 jurídicas dos cidadãos. Por isso, não é no princípio da determinabilidade das 
 leis que pode encontrar-se oposição a que, assegurada por acto legislativo a 
 definição da competência primária, o legislador devolva à entidade assim 
 designada os poderes necessários para adequação da afectação dos meios materiais 
 e humanos que gere ao desempenho da tarefa administrativa de sancionamento dos 
 ilícitos de mera ordenação social. A outorga de poderes discricionários neste 
 domínio e com esta extensão encontra apoio nos princípios constitucionais 
 relativos à estrutura organizatória da Administração enunciados no artigo 267.º 
 da Constituição, nomeadamente, no princípio da desconcentração (Sem compromisso 
 quanto à natureza da delegação. Neste enquadramento, a eventualidade de avocação 
 
 é instrumento de realização da exigência de eficácia e unidade de acção da 
 Administração com que  aqueles princípios devem ser conjugados, por exigência do 
 n.º 2 do mesmo artigo 267.º). 
 
  
 
  
 
             Na argumentação que desenvolve, o recorrente desconsidera um aspecto 
 fundamental dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade: não 
 tendo ocorrido avocação, as considerações que faz a propósito da afectação da 
 certeza e segurança jurídicas e da efectividade da fiscalização do respeito pelo 
 princípio da igualdade por parte da Administração, de que essa possibilidade, a 
 seu ver, é geradora, são puramente especulativas. Tais supostos perigos emergem 
 de uma hipótese normativa que não se concretizou (de um poder administrativo que 
 não foi exercido), respeitando, portanto, a uma dimensão da norma que não foi 
 aplicada. Pelo que, atendendo à natureza instrumental do recurso, não há que 
 apreciá-las. Tanto mais que os tribunais da causa nem sequer se pronunciaram 
 sobre se a habilitação para delegar “nos termos gerais” tem o sentido de tornar 
 aplicável ao procedimento de contra-ordenação esse particular aspecto do regime 
 geral da delegação de poderes.
 
  
 
  
 
             5. Poderá objectar-se que esta resposta não está sintonia com o modo 
 como o recorrente apresenta a questão de constitucionalidade. Na verdade, a 
 argumentação do recorrente vai dirigida a convencer de que a mera possibilidade 
 de avocação introduz uma intolerável indeterminação quanto a saber quem, em 
 concreto, será responsável pela aplicação da coima. Seria a avocação em  
 potência  e não em acto que, gerando a incerteza, infringiria o referido 
 princípio.  
 
  
 
              Porém, mesmo nesta perspectiva, o recurso é improcedente.
 
  
 
             Como o acórdão recorrido salienta, o regime de publicitação da 
 delegação de poderes e o regime das notificações em processo de contra-ordenação 
 asseguram ao interessado o conhecimento da autoria do acto punitivo e 
 habilitam-no ao controlo da regularidade do exercício do poder sancionatório, 
 impugnando perante os tribunais quaisquer infracções cometidas pelas autoridades 
 administrativas, incluindo as que resultem da violação das normas legais 
 definidoras da competência. Não resulta afectada, pela remissão para o  regime 
 de delegação contida no n.º 3 do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 433/82, mesmo 
 que inclua a avocação, nem a função de subordinar a Administração a uma norma de 
 actuação, nem a de propiciar aos tribunais uma norma de controlo da legalidade.  
 
 
 
  
 E também não se conhece, nem o recorrente identifica, norma ou princípio que 
 possa alicerçar uma posição constitucionalmente  protegida  do cidadão em que a 
 lei seja tal que lhe permita determinar, de modo imutável, no momento da prática 
 do facto, que órgão administrativo terá competência para decidir sobre o ilícito 
 de mera ordenação social que esse facto possa constituir. Designadamente, é 
 seguro que tal pretensão não tem cobertura no n.º 10 do artigo 32.º da 
 Constituição, porque a eventual concorrência de competências entre delegante e 
 delegado não afecta qualquer componente dos direitos de audiência e defesa do 
 arguido em processo de contra-ordenação. Aliás, com a extensão que o recorrente 
 lhe confere, tal pretensão (e a consequente inconstitucionalidade da regra que a 
 frustrasse) nem sequer teria acolhimento no princípio do juiz natural, ainda que 
 tal princípio pudesse transpor-se  para a fase administrativa do processo de 
 contra-ordenação (e não pode, sumariamente, porque o elemento literal e 
 sistemático o não incluem no n.º 10 do artigo 32.º e porque não é uma irradiação 
 imposta para esse domínio sancionatório de requisitos evidentes do Estado de 
 direito democrático, quer pela diversa natureza do ilícito em causa, quer porque 
 não sendo a “última palavra” da Administração a eventual  “manipulação”  de 
 competências não  tem na fase administrativa do processo os riscos que o impõem 
 em processo criminal). Como demonstra Figueiredo Dias, «Sobre o sentido do 
 princípio jurídico-constitucional do “juiz-natural”», Revista de Legislação e 
 Jurisprudência, Ano 111º, p.83 e ss., o princípio do juiz legal (no domínio em 
 que tem aplicação) não obsta a que uma causa penal venha a ser apreciada por 
 tribunal diferente do que para ela era competente ao tempo da prática do facto 
 que constitui o objecto do processo.
 Assim, as considerações feitas pelo recorrente sobre os riscos da abertura da 
 norma impugnada quanto à garantia de um procedimento justo são irrelevantes, 
 improcedendo a questão de constitucionalidade.
 
  
 
  
 
             6. Decisão
 
  
 
             Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso e condenar o 
 recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 
  
 Lisboa, 3 de Maio de 2005
 
  
 Vítor Gomes
 Gil Galvão
 Bravo Serra
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Artur Maurício