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Processo n.º 614/04
 
 2.ª Secção       
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
  
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 A – Relatório
 
  
 
             1 - A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto 
 na alínea b) do n.º 1 do art.º 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua 
 actual versão, do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2 de Outubro de 
 
 2003 (fls. 1177 a 1182), que decidiu rejeitar pela sua irrecorribilidade nos 
 termos do artigo 400º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, o recurso 
 do Acórdão proferido nos autos pela Relação de Lisboa que havia confirmado o 
 Acórdão prolatado pela 1ª instância, de condenação do arguido, ora recorrente, 
 como autor material de um crime de sequestro agravado p. e p. pelo art.º 160º, 
 n.ºs 1 e 2, alíneas b), d) e g), e n.º 3 do Código penal de 1982, na pena de 
 três anos de prisão cuja execução foi suspensa sob determinada condição que ora 
 não importa considerar, pretendendo a apreciação de inconstitucionalidade da 
 norma constante dos art.ºs 417.º, n.ºs 1 e 3, als. a) e c), 418.º, 419.º, n.º 4, 
 al. a), e 420.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal, e do art. 666.º do 
 Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 4.º do CPP, quando 
 interpretados no sentido de que a conferência do Supremo Tribunal de Justiça 
 pode[r] apreciar as circunstâncias de admissibilidade e conhecimento do recurso 
 do arguido, rejeitando-o, quando já anteriormente decidira, por duas vezes, 
 também em conferência, não o conhecer e rejeitá-lo com fundamento em normas cuja 
 interpretação o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional por Acórdão[s] 
 transitados em julgado).
 
  
 
             2 – O acórdão recorrido é do seguinte teor:
 
  
 
   «Por decisão sumária de 23-5-2003, o Tribunal Constitucional, face ao recurso 
 do arguido A., decidiu o seguinte:
 a)      julgar inconstitucional, por violação do disposto nos n.ºs 1 e 4 do art. 
 
 20º, e do n.º 1 do art. 32º da Constituição da República, a norma constante do 
 n.º 1 do art. 411º do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual 
 o prazo para interpor recurso do acórdão proferido em conferência, deve ser 
 contado a partir do momento do seu depósito na secretaria e não da respectiva 
 notificação, quando nem ao  arguido nem ao seu defensor foi dado prévio 
 conhecimento desse acto judicial;
 b)      consequentemente, conceder provimento ao recurso, revogando-se o acórdão 
 recorrido de modo a ser substituído por outro, conformemente ao juízo de 
 inconstitucionalidade enunciado.
 Assim, segundo este juízo de inconstitucionalidade, há que interpretar a norma 
 constante do n.º 1 do art. 411º do C.P.P. no sentido de que o prazo para 
 interpor recurso do acórdão proferido em conferência deve ser contado da 
 respectiva notificação, quando nem ao arguido nem ao seu defensor tiver sido 
 dado prévio conhecimento desse acto judicial, sendo este o caso dos autos.
 Porém, como entendeu o relator no seu despacho de fls. 1176, sem prejuízo de ter 
 de reformular-se o acórdão de fls. 1085 a 1086 v.º, que rejeitou o recurso por 
 ser intempestivo, o certo é que existem outras razões – para além da 
 intempestividade do recurso, que ora somos forçados a considerar que não existe 
 por o prazo de interposição daquele ter de contar-se a partir da notificação do 
 acórdão recorrido e não desde o respectivo depósito na secretaria da Relação de 
 Lisboa – que levam ainda à rejeição do recurso.
 Assim, estamos perante um acórdão daquela Relação que confirmou a decisão da 1ª 
 instância, que havia condenado o recorrente, pela prática, como co-autor 
 material, de um crime de sequestro agravado p. e p. pelo art. 160º, n.ºs 1 e 2, 
 als. b), d), e g) e 3, do Cód. Penal de 1982, na pena de três anos de prisão, 
 cuja execução foi suspensa sob determinada condição, que ora não interessa 
 concretizar.
 Trata-se, pois, de uma decisão proferida pela referida Relação, em recurso, da 
 qual só se pode recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça se a mesma não for 
 irrecorrível. É o que dispõe a al. b) do art. 432º do C.P.P., remetendo para o 
 disposto no art. 400º do mesmo diploma.
 No presente caso, apenas o arguido em causa interpôs recurso para este Supremo 
 Tribunal.
 Assim, há que ter em conta o disposto no art. 409º do C.P.P. no que concerne à 
 proibição da “reformatio in pejus“, segundo a qual, interposto recurso da 
 decisão final somente pelo arguido – que é o caso que ora releva – o tribunal 
 superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da 
 decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não 
 recorrentes –v. o n.º 1 do referido art. 409º.
 Isto significa que a pena aplicável pelo tribunal de recurso – mormente a 
 decisão (v. o n.º 2 daquele art. 409º) – a cada um dos crimes, por cuja prática 
 o arguido foi condenado, não pode ser superior à pena aplicada pelo tribunal 
 recorrido a cada um dos mesmos crimes – v. os acórdãos deste Supremo Tribunal, 
 de 11-4-2002 (proc. n.º 150/02 – 3ª Secção), de 27-3-2003 (proc. n.º 859/03 - 5ª 
 Secção), de 27-3-2003 (proc. n.º 870/03 – 5ª Secção), in “Sumários de Acórdãos 
 do STJ”, 69-72, e de 29-4-2003 (proc. n.º 4012/01 – 5ª Secção).
 Ora, “in casu” a Relação, ao confirmar a decisão da 1ª instância, aplicou ao 
 arguido, aqui recorrente, pela prática de um crime de sequestro agravado p. e p. 
 pelo art. 160º, n.ºs 1 e 2, als b), d), e g) e 3, do Cód. Penal de 1982, a pena 
 de três anos de prisão.
 Assim, por um lado, dado que a pena aplicável, pela via de novo recurso – agora 
 para o S.T.J. – não pode exceder a que foi aplicada pela Relação, sendo a mesma 
 inferior a cinco anos de prisão, não é admissível o presente recurso face ao 
 disposto no art. 400º, n.º 1, al. e), do CPP, pelo que o mesmo tem de ser 
 rejeitado nos termos dos art. 409º, 414º, n.º 2, e 420º, n.º 1, do CPP, sendo 
 certo que este Supremo Tribunal não está vinculado pela decisão que admitiu o 
 recurso – n.º 3 daquele art. 414º.
 Por outro lado, estamos perante um acórdão condenatório da Relação que confirmou 
 a decisão da 1ª instância, em processo por crime ao qual, pela via de novo 
 recurso, não é aplicável pena de prisão superior à já aplicada pela Relação, 
 pelo que, face ao disposto no art. 400º, n.º 1, al. f), do CPP, sendo a mesma 
 inferior a oito anos de prisão, também não é admissível o presente recurso, que, 
 assim, ainda tem de ser rejeitado por este motivo nos termos dos arts 409º, 
 
 414º, n.º 2 e 420º, n.º 1, do CPP.
 Pelo exposto, reformulando o acórdão de fls. 1085 a 1086 v.º, acorda-se em 
 julgar tempestivo o recurso do arguido A. e ainda em rejeitá-lo pela razões 
 acima expostas.».
 
  
 
             3 – Alegando no Tribunal Constitucional sobre o objecto do recurso, 
 o recorrente concluiu o seu discurso argumentativo do seguinte jeito:
 
  
 
   «1 - Por acórdão datado de 18 de Junho de 2002, este Tribunal Constitucional, 
 apreciando o recurso interposto do acórdão proferido pela conferência do STJ em 
 
 22 de Março de 2001, que rejeitou aquele outro recurso interposto pelo arguido 
 do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30 de Novembro de 2000, julgou 
 inconstitucional a norma do art. 411° do CPP, quando interpretada como o fora no 
 citado acórdão do STJ, no sentido de que o recurso é rejeitado sempre que a 
 motivação não acompanhe o requerimento de interposição de recurso, ainda que a 
 sua falta decorra de lapso objectivamente desculpável, e seja sanada antes de 
 decorrido o prazo abstractamente fixado para recorrer e antes da subida ao 
 tribunal de recurso, por violação dos artigos 2° e 32°, n.° 1, da Constituição;
 
 2 - Baixaram os autos ao STJ, que, por Acórdão datado de 03/10/02, proferido em 
 conferência, rejeitou uma vez mais o recurso, desta vez com o fundamento de que 
 fora apresentado fora de prazo, por se entender que tal prazo se contava a 
 partir da data de prolacção do Acórdão e não da data de notificação deste ao 
 advogado signatário, entendimento que veio a ser rechaçado, no quadro do recurso 
 entretanto apresentado pelo arguido, pelo acórdão do Tribunal Constitucional de 
 
 23 de Maio de 2003, que decidiu julgar inconstitucional, 'por violação do 
 disposto nos n.°s 1 e 4 do artigo 20° e do n.° 1 do artigo 32° da Constituição 
 da República, a norma constante do n.° 1 do art. 411 ° do CPP, na interpretação 
 segundo a qual o prazo para interpor recurso do acórdão proferido em 
 conferência, deve ser contado a partir do momento do seu depósito na secretaria 
 e não da respectiva notificação, quando nem ao arguido nem ao seu defensor foi 
 dado prévio conhecimento desse acto judicial;
 
 3 - De novo baixaram os autos ao STJ que, por acórdão datado de 02/10/03, 
 proferido em conferência, com um voto de vencido, veio julgar, no quadro da 
 decisão do TC, tempestivo o recurso para o STJ, mas rejeitá-lo por inadmissível, 
 com o fundamento de que a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa era 
 irrecorrível à face do disposto no art. 400°, n.° 1, al. e), 409º, 414°, n.° 2 e 
 
 420°, n.° 1, todos do CPP, por ter sido o arguido condenado em pena de prisão 
 inferior a 5 anos;
 
 4 - Arguiu o recorrente a nulidade deste acórdão, pugnando pela sua nulidade nos 
 termos do disposto no art. 379°, n.° 1, al. c), do CPP;
 
 5 - Em resposta, a conferência do STJ veio julgar improcedente a arguida 
 nulidade, com o fundamento, entre o mais, de que 'basta que uma qualquer 
 circunstância obste ao conhecimento do recurso para que a decisão se possa, sem 
 mais, ancorar nela, e assim não se conhecer de fundo ou rejeitar-se o recurso, 
 sem necessidade de invocar outras possíveis causas, que poderiam levar ao mesmo 
 resultado';
 
 6 - De tudo resulta que a conferência do STJ rejeitou, por três vezes, o recurso 
 que o arguido interpôs do acórdão proferido em 30/11/2000 pela 9ª  Secção do 
 Tribunal da Relação de Lisboa, no processo n° 7.528/99, primeiro com o 
 fundamento de que a motivação não acompanhara o requerimento de interposição de 
 recurso, depois com o fundamento de que o recurso fora apresentado fora de 
 prazo, e, finalmente, com o fundamento de que o recurso não era admissível em 
 face das disposições combinadas dos arts 400°, n.° 1, al. e), 409°, 414°, n.° 2 
 e 420°, n.° 1, todos do Código de Processo Penal.
 
  7- Assim é que esse recurso foi sempre rejeitado pela conferência do STJ, no 
 quadro do art. 420° do Código de Processo Penal.
 
 8 - Sucede que os venerandos Juízes Conselheiros do STJ apreciaram e julgaram, 
 necessariamente, todas as circunstâncias que obstavam ao conhecimento do 
 recurso, quer por força do exame preliminar efectuado pelo Exmo senhor Juiz 
 Conselheiro-Relator, nos termos do art. 417º do CPP, quer por força da 
 apreciação do recurso em conferência, nos termos do art. 420° do mesmo diploma 
 legal, tanto para a primeira como para a segunda das decisões de rejeição;
 
 9- Donde que, proferida a primeira decisão de rejeição, logo se esgotou o poder 
 jurisdicional do STJ, no quadro do disposto no art. 666°, n.° 1, do Código de 
 Processo Civil, aplicável ex vi do art. 4° do CPP, sendo, pois, nulas as 
 seguintes decisões de rejeição;
 
 10 - Ademais, o disposto no art. 666°, n.° 1, do CPC é aplicável às sentenças e 
 aos despachos;
 
 11 - O entendimento consignado no acórdão recorrido viola flagrantemente o 
 direito do arguido a uma decisão 'em prazo razoável e mediante processo 
 equitativo' e viola, ainda, o seu direito a um 'procedimento judicial 
 caracterizado pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em 
 tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos' (art. 20°, n.ºs 4 e 5 do 
 Diploma Básico).
 
 12 - Constitui, pois, o entendimento do STJ uma manifesta violação das garantias 
 de defesa do arguido, incluindo as de recurso (art. 32° da mesma Lei 
 Fundamental).
 
 13- Assim, interpretando as normas dos 417°, n.ºs 1 e 3, als. a) e c), 418°, 
 
 419°, n.° 4, al. a), e 420°, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, e do art. 
 
 666°, n.° 1, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 4° do CPP, no 
 sentido de que a conferência do Supremo Tribunal de Justiça pode reapreciar as 
 circunstâncias de admissibilidade e conhecimento do recurso do arguido, 
 rejeitando-o, quando já anteriormente decidira (in casu por duas vezes), também 
 em conferência, não o conhecer e rejeitá-lo, com fundamento em normas cuja 
 interpretação o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional por acórdãos 
 transitados em julgado, violou aquele venerando tribunal o disposto nos arts 2°, 
 
 20°, n.ºs 4 e 5 e 32°, n.° 1 da Lei Fundamental, pelo que tal interpretação se 
 encontra ferida de inconstitucionalidade material.
 Nestes termos, devem tais normas ser julgadas inconstitucionais, quando 
 interpretadas e aplicadas em termos de poder a conferência do STJ reapreciar as 
 circunstâncias de admissibilidade e conhecimento do recurso do arguido, 
 rejeitando-o, quando já anteriormente decidira (in casu por duas vezes), também 
 em conferência, não o conhecer e rejeitá-lo, com fundamento em normas cuja 
 interpretação o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional por acórdãos 
 transitados em julgado.».
 
  
 
             4 – O Procurador-Geral Adjunto no Tribunal Constitucional, 
 contra-alegando, concluiu pelo seguinte modo:
 
  
 
   «1° - Não implica qualquer esgotamento ou preclusão dos poderes cognitivos de 
 um Tribunal Superior a apreciação de razões que - de um ponto de vista 
 lógico-jurídico - obstam, em primeira linha, ao conhecimento do mérito de um 
 recurso, retomando naturalmente tal Tribunal os seus poderes cognitivos plenos 
 no momento em que - por força da procedência de um recurso - tais razões ou 
 motivos prioritários deixarem de poder ser invocados.
 
 2° - Termos em que deverá improceder o presente recurso.».
 
  
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
             5 – Como se vê do relatado, o recorrente entende, em síntese, que o 
 tribunal que conhece do recurso – no caso o Supremo Tribunal de Justiça – apenas 
 desfruta de um momento para se pronunciar e decidir sobre os diversos 
 pressupostos ou as questões que, porventura, possam obstar ao seu conhecimento: 
 rejeitado que seja o recurso por qualquer fundamento conquanto este possa vir a 
 ser arredado como consequência do julgamento de inconstitucionalidade da norma 
 aplicada ficará precludida a possibilidade de o Tribunal vir a rejeitá-lo 
 posteriormente com base em fundamentos diferentes ainda não apreciados.
 
             A não preclusão do conhecimento destes outros fundamentos por 
 ocasião da primeira pronúncia feita pelo tribunal sobre os motivos que o 
 conduzam à rejeição do recurso viola – na tese do recorrente – «o direito do 
 arguido a uma decisão “em prazo razoável e mediante um processo equitativo”», «o 
 direito a um “procedimento judicial caracterizado pela celeridade e prioridade, 
 de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações 
 desses direitos (art.º 20º, n.ºs 4 e 5, do Diploma Básico”, bem como «as 
 garantias de defesa do arguido, incluindo as de recurso (art.º 32º, da mesma Lei 
 Fundamental)».
 
  
 
             6 - O direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional, 
 previsto no artigo 20º da Constituição, significa fundamentalmente o direito a 
 ver decidido o conflito relativo aos seus direitos e interesses legítimos de 
 acordo com o direito através dos Tribunais (cfr., J.J. Gomes Canotilho, Direito 
 Constitucional e Teoria da Constituição, 6ª ed., pp. 488 e ss.; J. González 
 Pérez, El Derecho a la Tutela Jurisdiccional, Barcelona, Civitas, 1984, pp. 40 e 
 segs.; A Cano Mata, «Declaraciones de inadmision de recursos 
 contencioso-administrativos y derecho de tutela judicial efectiva sin 
 indefension», in Revista de Derecho Publico, ano XIII, vol. II, pp. 293 e ss.). 
 Ele desenvolve-se, por isso, em três dimensões distintas: segundo a primeira, no 
 direito de acesso a “tribunais” para defesa de um direito ou de um interesse 
 legítimo, isto é, um direito de acesso à “Justiça” ou a órgãos independentes e 
 imparciais e cujos titulares gozam das prerrogativas de inamovibilidade e de 
 irresponsabilidade pelas suas decisões (artigos 202º e 216º, n.ºs 1 e 2, da 
 Constituição); de acordo com a segunda, no direito de, na concretização desse 
 acesso, obter uma solução jurídica do caso num prazo razoável e com observância 
 de garantias de imparcialidade, independência e de processo equitativo, 
 possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do 
 contraditório, em termos de cada uma das partes poder «deduzir as suas razões 
 
 (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do 
 adversário e discretear sobre o valor e resultado de umas e outras» (cfr. Manuel 
 de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, I, Coimbra, 1956, p. 364 e, 
 entre outros, os Acórdãos n.º 86/88, n.º 346/92, 249/97, publicados no Diário da 
 República, II Série, respectivamente, de 22 de Agosto de 1988, Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, 23 vol., pp. 451 e ss. e Diário da República II Série, 
 de 15 de Maio de 1997); segundo a terceira, no direito, uma vez ditada a 
 sentença, à execução das decisões dos tribunais ou no direito à efectividade das 
 sentenças.
 
  
 
             A exigência constitucional de concessão da protecção jurídica 
 através dos tribunais, que se concretiza na possibilidade de obtenção de uma 
 sentença executória com força de caso julgado, implica forçosamente que essa 
 garantia seja plena, eficaz e “temporalmente adequada”, ou seja, a garantia de 
 que através dos tribunais o demandante tenha a possibilidade de obter, em 
 extensão, efectividade de concretização e momento da sua operatividade, todo o 
 grau de protecção jurídica que corresponde ao direito subjectivo ou interesse 
 legalmente protegido que invoca como carecido de protecção. 
 
             Mas sendo essa protecção judicial concedida através do exercício do 
 direito de acção perante os tribunais e mediante processo próprio e adequado 
 cuja conformação não pode deixar de respeitar as regras de um processo 
 equitativo e justo, de um due process of law, com inteiro respeito pelos 
 princípios da igualdade substancial das partes e do contraditório, seja em 
 matéria de facto ou de direito, seja em matéria de apresentação e contradita de 
 provas, não pode, também, deixar de admitir-se como sendo temporalmente adequado 
 um certo hiato de tempo entre o momento do pedido de tutela e o da sua 
 concessão. 
 Nesta óptica “a exigência de um processo sem dilações indevidas, ou seja, de uma 
 protecção judicial em tempo adequado, não significa necessariamente justiça 
 acelerada” (J. J. Gomes Canotilho, op. cit., pp. 495).
 
             
 
             Ora, nenhuma destas dimensões do direito de acesso aos tribunais sai 
 ofendida pela norma constitucionalmente sindicada. 
 
             Solicitado a dirimir, através de recurso para ele interposto, uma 
 determinada controvérsia, o que se exige do tribunal é que este a decida em 
 função do direito aplicável numa óptica de efectividade da tutela que entende 
 corresponder-lhe, donde decorre que conheça dos vários obstáculos ao 
 conhecimento do mérito do recurso que se lhe deparem, seguindo, designadamente, 
 segundo as boas regras de processo, uma linha de precedência lógico-jurídica.
 Assim sendo, não tem o tribunal de apreciar questões cuja resolução apenas 
 valeria para o caso de a solução dada a outras poder ser afastada por via de 
 decisão posterior do mesmo tribunal ou de outro, este por via de recurso.
 Tais questões, na perspectiva da efectividade da decisão fundada no direito tal 
 qual o tribunal o define e aplica, surgem, em tal momento da decisão, como 
 questões potencialmente académicas ou resolvidas a título hipotético, dado 
 apenas poderem operar em caso de cair, por via de reapreciação, a resposta dada 
 
 à outra questão.
 Só a consideração de uma hipótese abstracta de os fundamentos conhecidos a 
 título subsidiário poderem converter-se em fundamentos efectivos de decisão – 
 hipótese que o legislador apenas poderia valorar como excepção à normalidade, 
 mas enquanto tal carecida de fundamento material bastante - e de, em uma tal 
 eventualidade, se poderem obter, em concreto, alguns ganhos de celeridade 
 poderia justificar a adopção pelo legislador de uma norma no sentido da 
 obrigatoriedade de o tribunal ter de conhecer de todos os pressupostos, questões 
 prévias e demais questões racionalmente prejudicadas pela solução dada a estas. 
 De qualquer modo, o efeito de preclusão do conhecimento pelo tribunal dessas 
 outras questões não conhecidas nunca poderá constituir um efeito jurídico que se 
 tenha por necessariamente postulado por um entendimento, que seguramente não 
 decorre das dimensões analisadas do direito constitucional de acesso aos 
 tribunais, de o tribunal estar obrigado a conhecer de todas as questões 
 plausíveis no caso, pois seria sempre um quid mais ou um aliud dessa hipotisada 
 obrigação, sendo que também ele não decorre minimamente de qualquer das 
 dimensões daquele direito constitucional.
 Assim, ao contrário, pois, do que o recorrente defende, não há qualquer 
 princípio constitucional – ou até regra de direito infraconstitucional – que 
 obrigue, sob pena de preclusão irremediável, um tribunal superior a 
 pronunciar-se por uma única vez e num único despacho, sobre todas as causas 
 possíveis de rejeição do recurso.
 
  
 
 7 - Por outro lado, também do princípio constitucional do asseguramento ao 
 arguido, no processo criminal, de todas as garantias de defesa, incluindo o 
 direito ao recurso, consagrado no art.º 32º, n.º 1, da Constituição, não decorre 
 a defendida preclusão processual do conhecimento dos pressupostos do recurso 
 antes não apreciados pelo tribunal superior na primeira decisão sobre essa 
 matéria.
 
  
 Ponderando sobre o sentido deste preceito constitucional, escreveu-se no Acórdão 
 deste Tribunal n.º 61/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º vol., pp. 611 
 e ss.), em termos que se acompanham:
 
  
 
 “Esta cláusula constitucional apresenta-se com um cunho «reassuntivo» e 
 
 «residual» - relativamente às concretizações que já recebe nos números seguintes 
 do mesmo artigo - e, na sua abertura, acaba por revestir-se, também ela, de um 
 carácter acentuadamente «programático». Mas, na medida em que se proclama aí o 
 próprio princípio da defesa, e portanto indubitavelmente se apela para um núcleo 
 essencial deste, não deixa a mesma cláusula constitucional de conter «um 
 eminente conteúdo normativo imediato a que se pode recorrer directamente, em 
 casos limite, para inconstitucionalizar certos preceitos da lei ordinária» (cfr. 
 Figueiredo Dias, A Revisão Constitucional, o Processo Penal e os Tribunais, p. 
 
 51; e acórdão n.º 164 da Comissão Constitucional, apêndice ao Diário da 
 República, I série, de 31 de Dezembro de 1979).
 A ideia geral que pode formular-se a este respeito - a ideia geral, em suma, por 
 onde terão de aferir-se outras possíveis concretizações (judiciais) do princípio 
 da defesa, para além das consignadas nos n.ºs 2 e seguintes do artigo 32º - será 
 a de que o processo criminal há-de configurar-se como um due process of law, 
 devendo considerar-se ilegítimas, por consequência, quer eventuais normas 
 processuais, quer procedimentos aplicativos delas, que impliquem um encurtamento 
 inadmissível das possibilidades de defesa do arguido (assim, basicamente, cfr. 
 Acórdão n.º 337/86, deste Tribunal, Diário da República, I Série, de 30 de 
 Dezembro de 1986)”. 
 
  
 Trata-se de entendimento que tem sido repetidamente proclamado em inúmeros casos 
 que seria ocioso referir, pela jurisprudência posterior do Tribunal 
 Constitucional, sendo certo até que a “autonomização do direito ao recurso no 
 
 âmbito das garantias de defesa” (artigo 32º da Constituição), operada pela 
 revisão constitucional de 1997, significou a atribuição de autonomia de tal 
 garantia no contexto geral das garantias de defesa, isto é, um valor 
 garantístico próprio e não «dissolúvel» em outras garantias de defesa ( cf. 
 Acórdão n.º 686/2004, publicado no Diário da República II Série, de 18 de 
 Janeiro de 2004). 
 Entre aqueles diversos locais conta-se o Acórdão n.º 275/99, publicado nos 
 Acórdãos do Tribunal Constitucional, 43º vol., pp. 433, onde se pode ler:
 
  
 
 «Ao assegurar a todos o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e 
 interesses legalmente protegidos (art. 20º) e, especificamente, ao prever que “o 
 processo criminal assegurará todas as garantias de defesa, incluindo o recurso” 
 
 (art. 32º, n.º 1), a Constituição não só assegura que ao arguido sejam 
 facultados todos os meios necessários e adequados para que possa defender a sua 
 posição em juízo, como impede a existência de normas processuais - ou de 
 interpretações normativas - que se traduzam numa limitação inadmissível ou 
 injustificada das suas possibilidades de defesa.». 
 
  
 Pode aceitar-se que a repetição de sucessivas decisões de não conhecimento do 
 mérito do recurso com base em fundamentos diversos, e designadamente pela ordem 
 por que foram considerados, seja susceptível de causar alguma estranheza. 
 Todavia, no estrito plano jurídico-constitucional a que este Tribunal está 
 limitado, não é pelo facto de o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhecer de 
 pressupostos ou questões que obstam ao conhecimento do mérito do recurso depois 
 de deixarem de valer decisões anteriores por si proferidas – fundadas, como no 
 caso aconteceu, primeiro, na aplicação de normas relativas ao modo e à forma de 
 interpor e motivar o recurso e, depois, na aplicação de norma relativa  à 
 tempestividade da sua interposição (todas identificadas nas conclusões das 
 alegações do recurso de constitucionalidade), por força de julgamentos feitos 
 pelo Tribunal Constitucional sobre a sua a inconstitucionalidade - , que o 
 arguido vê diminuídas as possibilidades de defesa. 
 
 É que, em tal caso, as possibilidades da sua defesa são exactamente as mesmas, 
 em nada saindo afectadas, tudo se passando, nessa perspectiva, como se uma tal 
 decisão houvesse sido prolatada logo no primeiro momento em que o Tribunal 
 conheceu das demais causas de rejeição do recurso entretanto consideradas 
 improcedentes por via da decisão do recurso de constitucionalidade.
 
  
 C – Decisão
 
  
 
 8 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide:
 
  
 a) Não julgar inconstitucional a norma extraída dos artigos 417.º, n.ºs 1 e 3, 
 alíneas a), e c), 418.º, 419.º, n.º 4, alínea a), e 420.º, n.ºs 1 e 2, do Código 
 de Processo Penal, e do artigo 666.º do Código de Processo Civil, aplicável ex 
 vi do artigo 4.º do CPP, quando interpretados no sentido de que a conferência do 
 Supremo Tribunal de Justiça pode apreciar as circunstâncias de admissibilidade e 
 conhecimento do recurso do arguido, rejeitando-o, quando já anteriormente 
 decidira, por duas vezes, também em conferência, não o conhecer e rejeitá-lo com 
 fundamento em normas diversas daquelas cuja interpretação o Tribunal 
 Constitucional julgou inconstitucional por decisões transitadas em julgado;
 
  
 b) Consequentemente, negar provimento ao recurso;
 
  
 c)      Condenar o recorrente nas custas com taxa de justiça que se fixa em 20 
 UC.
 
  
 Lisboa, 27 de Abril de 2005
 
  
 Benjamim Rodrigues
 Paulo Mota Pinto
 Maria Fernanda Palma
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos