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Processo n.º 218/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
  
 
  
 Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1.A. e B. vêm reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do 
 artigo 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), da decisão sumária de 30 de 
 Março de 2005, que decidiu não tomar conhecimento do recurso de 
 constitucionalidade por eles interposto e condená-los em custas, com sete 
 unidades de conta de taxa de justiça, por cada um. Tal decisão teve o seguinte 
 teor:
 
 «1. No processo comum n.º 974/03.0PCBRG, que correu seus termos na Vara Mista do 
 Tribunal Judicial de Braga, foram submetidos a julgamento os arguidos A. e B., 
 tendo sido: o primeiro condenado na pena de um ano e seis meses de prisão pela 
 prática de um crime de furto qualificado, previsto e punível pelos artigos 203.º 
 e 204.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de dois anos de prisão por 
 cada um dos dois crimes de roubo, p. e p. no artigo 210.º, n.º 1, do Código 
 Penal, na pena de oito meses de prisão pela prática de um crime de furto 
 simples, previsto no artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, e na pena de oito 
 meses de prisão pela prática de um crime de evasão, nos termos do artigo 352.º, 
 n.º 1, do Código Penal; e o segundo condenado na pena de dois anos de prisão por 
 cada um dos dois crimes de roubo que praticou, previstos e puníveis pelo artigo 
 
 210.º, n.º 1, do Código Penal. Efectuado o cúmulo jurídico, o arguido A. foi 
 condenado na pena única de quatro anos de prisão e o outro arguido na pena única 
 de dois anos e oito meses de prisão. Foram ainda ambos os arguidos condenados ao 
 pagamento de indemnização cível, nos termos dos pedidos contra si deduzidos por 
 C., D., E. e F..
 Desta decisão interpuseram os arguidos recurso para o Tribunal da Relação de 
 Guimarães, concluindo na sua motivação:
 
 “1.ª - A condenação infligida ao muito jovem arguido A. é excessiva no contexto 
 dos autos e desproporcionada, ademais verificada agora a circunstância de, 
 entretanto, ter indemnizado completamente as pessoas que lesou.
 E também pela circunstância de a tal condenação dever vir a adicionar-se a 
 anterior condenação cuja execução vinha estando suspensa.
 Ficando, assim, também longamente privado de tirar proveito do Curso de Formação 
 Profissional que, com êxito, frequentou.
 
 - Cf. documento novo superveniente n.º 7.
 
 2.ª - A participação do co-arguido A. relativamente ao sucedido ao pequeno 
 veículo X. - rapidamente recuperado pelo dono - deverá enquadrar-se no art.º 
 
 208.º do Código Penal (‘furto de uso de veículo’) e não na disposição relativa a 
 furto qualificado (art.º 204.º, n.º 1, do Código Penal).
 
 3.ª - E a toxicodependência de que padece - e de que, com persistente apoio 
 familiar pretende libertar-se - só beneficia com a não sujeição ao promíscuo 
 ambiente prisional.
 
 4.ª - A análise e o enquadramento da conduta do arguido B. deverá ser feita à 
 luz das perturbações de que sofre com a sua toxicodependência (presentemente 
 muito atenuada com as solicitações profissionais que o ocupam) e da perturbação 
 pessoal com o processo de divórcio litigioso que contra si pende.
 
 - Cf. documento novo superveniente n.º 6.
 E deverá beneficiar do facto de, entretanto, ter indemnizado totalmente os 
 lesados pela sua conduta.
 
 5.ª - À luz do que o arguido B., com responsabilidades familiares (três filhos 
 menores, a favor de quem foi já estabelecido o regime de pensão de alimentos 
 provisórios de 300 €/mês!), profissionalmente bem integrado, com acolhimento 
 assegurado pelos seus pais - só beneficiaria com a efectiva suspensão da pena 
 aplicada, como se propugna, agora que as pessoas que lesou foram por si 
 completamente indemnizadas.
 
 6.ª - À atenuação especial das penas aplicadas deverá seguir-se pois a suspensão 
 da sua execução, visto que, afinal, há reacções penais não detentivas que, em 
 concreto, se mostram mais adequadas.
 E a pena de prisão apenas deve lograr aplicação quando todas as restantes 
 medidas se revelem inadequadas, face às necessidades de reprovação e prevenção.
 
 - Cf. Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março.”
 O Ministério Público junto do Tribunal Judicial de Braga respondeu suscitando a 
 questão prévia da incompetência do Tribunal da Relação para conhecer do recurso, 
 e ainda, a não ser declarada a incompetência, no sentido da improcedência do 
 recurso, tendo estas posições sido defendidas também pelo representante do 
 Ministério Público no Tribunal da Relação de Guimarães.
 Por acórdão de 3 de Maio de 2004, o Tribunal da Relação de Guimarães rejeitou, 
 por manifestamente improcedente, o recurso interposto pelos arguidos. Pode 
 ler-se nesse aresto:
 
 “Questão prévia
 O Ministério Público, em ambas as instâncias, suscita a questão da incompetência 
 do Tribunal da Relação para conhecer dos recursos interpostos pelos arguidos do 
 acórdão do tribunal colectivo, atribuindo a competência ao Supremo Tribunal de 
 Justiça, nos termos do art.º 432.º, al. d), do Código de Processo Penal, por 
 entenderem que os recursos visam exclusivamente o reexame da matéria de direito.
 Salvo o devido respeito que nos merecem as opiniões daqueles magistrados do 
 Ministério Público, entendemos que a competência cabe à Relação.
 Com efeito, conforme se vê das conclusões formuladas pelos recorrentes, as 
 quais, como sabido, delimitam o âmbito dos recursos, os recorrentes para além da 
 questão da qualificação jurídico-penal de alguns dos factos, discordam da medida 
 das penas aplicadas, mas fazem-no, neste último aspecto, baseados em factos que 
 pretendem ver apreciados.
 Consequentemente, a competência para conhecer dos recursos interpostos cabe ao 
 Tribunal da Relação nos termos dos art.ºs 427.º e 428.º, n.º 1, ambos do Cód. 
 Proc. Penal.
 Improcede, assim, a questão suscitada.
 
 *
 Conforme flui da motivação de recurso, os recorrentes, em boa verdade, não 
 observam o disposto no artigo 412.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Porém, 
 um eventual convite que lhes pudesse ser endereçado para o devido 
 aperfeiçoamento apenas se traduziria, in casu, numa inobservação ao princípio da 
 celeridade processual, uma vez que é possível descortinar a fundamentação da 
 pretensão dos recorrentes.
 Posto isto.
 Conforme supra referido, uma das questões suscitadas é a da dosimetria penal. 
 Porém, a discordância dos recorrentes, neste particular, está interligada à 
 alegação de factos novos e supervenientes à decisão recorrida, os quais 
 pretendem que sejam apreciados por este tribunal, fazendo acompanhar a motivação 
 de documentos destinados à prová-los.
 Acontece, porém, que as Relações, quando conhecem de facto, reapreciam a decisão 
 fáctica da primeira instância e apenas em face da prova por esta conhecida ou 
 que podia conhecer.
 
 Às Relações não compete conhecer de questões novas (sejam elas de direito ou de 
 facto), isto é, de questões que não foram, porque o não podiam ser, apreciadas 
 pelo tribunal recorrido (cfr. art.º 410.º, n.º 1, do CPP: ‘...o recurso pode ter 
 como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão 
 recorrida’).
 Daí que este tribunal não conheça dos documentos juntos com a motivação.
 E chegados aqui, uma conclusão logo se impõe: é manifesta a inviabilidade dos 
 recursos.
 Assim, sustenta o recorrente A. que a sua participação ‘...relativamente ao 
 sucedido ao pequeno veículo X. - rapidamente recuperado pelo dono - deverá 
 enquadrar-se no art.º 208.º do Código Penal (‘furto de uso de veículo’) e não na 
 disposição relativa a furto qualificado (art.º 204.º, n.º 1, do Código Penal)’.
 Acontece que o recorrente não indica quais as razões da sua discórdia. Ora, 
 alegar não é só afirmar que se discorda. É preciso ainda dizer as razões da 
 discordância. E o motivo da discórdia quanto à qualificação jurídico-penal não 
 assentará certamente no facto de o veículo ter sido, nas palavras do recorrente, 
 
 ‘rapidamente recuperado pelo dono’...
 Destarte, a factualidade provada, e que está estabilizada na ausência de 
 qualquer um dos vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do CPP, afasta 
 claramente a pretensão do recorrente. Como bem refere o Ministério Público na 
 resposta à motivação, ‘Da matéria de facto provada resultam todos os elementos 
 objectivos e subjectivos do crime de furto qualificado p. p. pelos art.ºs 203.º 
 e 204.º, n.º 1, al. a), do Cód. Penal: a subtracção, como violação do poder de 
 facto para guardar o objecto do crime e de dispor dele e a substituição desse 
 poder pelo agente, a qualidade de ‘coisa móvel alheia, propriedade de alguém e 
 com um valor’ e a ilegítima intenção de apropriação da coisa’, além de que se 
 verifica a qualificativa da al. a) do n.º 1 do citado art.º 204.º, face ao valor 
 do veículo de 13.000 euros (cfr. art.º 202.º, a), do CP).
 Quanto à impetrada atenuação especial das penas, entende-se que a imagem global 
 dos factos provados não justifica a aplicação do instituto em causa. De resto, 
 os próprios recorrentes fazem alcandorar tal pretensão em factos supervenientes 
 
 à decisão recorrida, os quais, já o dissemos, não podem ser tomados em 
 consideração.
 Por outro lado, as penas parcelares aplicadas aos recorrentes estão 
 correctamente doseadas à luz do disposto nos art.ºs 71.º, n.ºs 1 e 2, e 40.º, 
 n.º 2, ambos do Código Penal (cuja violação nem sequer se mostra invocada), como 
 correcta é a pena única aplicada a cada um deles (também aqui não se mostra 
 invocada a violação do disposto no art.º 77.º do Código Penal).
 Quanto à impetrada suspensão da execução da pena é manifesto que a possibilidade 
 da sua aplicação ao arguido A. está desde logo afastada, nos termos do art.º 
 
 50.º, n.º 1, do Código Penal, face à pena única de 4 anos que lhe foi aplicada.
 Quanto ao arguido B., há que dizer o que segue.
 Como sabido, pressuposto material da aplicação do instituto da suspensão da 
 execução das penas previsto no citado artigo 50.º é que o tribunal, atendendo à 
 personalidade do agente, às condições de vida, à sua conduta anterior e 
 posterior ao facto e às circunstâncias deste, conclua por um prognóstico 
 favorável relativamente ao comportamento futuro do mesmo, ou seja, acreditando 
 que o agente sentirá a condenação como uma advertência e terá capacidade para 
 não voltar a prevaricar.
 Pois bem, entendemos que a decisão recorrida não merece qualquer reparo ao não 
 suspender a execução da pena a este arguido.
 Com efeito, o número de crimes perpetrados pelo arguido e o seu pretérito 
 criminal revelam uma personalidade propensa à prática de crimes que não são 
 considerados de pequena criminalidade, sendo que o facto de ser pai de três 
 filhos menores e de exercer a profissão de electricista nem sequer constituiu 
 
 óbice à prática dos crimes dos autos. Acresce que a situação de 
 toxicodependência do arguido, sabido como a mesma anda associada à pratica de 
 crimes como os dos autos, e sem que os autos demonstrem qualquer vontade do 
 arguido para dela se recuperar, também não permite concluir pela existência de 
 um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do 
 recorrente.
 Em suma, nenhum reparo merece a decisão recorrida ao não suspender a execução 
 das penas aos recorrentes.
 O recurso é, assim, manifestamente improcedente, e como tal, tem de ser 
 rejeitado.”
 
 2. Inconformados, os arguidos interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de 
 Justiça, alegando em conclusão:
 
 “1.ª - A rejeição do recurso pelo Tribunal da Relação de Guimarães, invocando 
 para tal os preceitos conjugados dos artigos 412.º e 420.º do C. P. Penal, é 
 inconstitucional, decorrendo essa inconstitucionalidade de ter sido declarada, 
 com força obrigatória geral, pelo Tribunal Constitucional, por seu Acórdão de 21 
 de Julho (n.º 337/2000).
 
 2.ª - Em vez dessa rejeição, deverá ser ordenado o prosseguimento do recurso 
 interposto naquela Relação, com marcação de audiência de julgamento em segunda 
 instância para adequado e constitucional contraditório, em matéria de facto e de 
 direito, incluindo os factos novos supervenientes, a exemplo do que sucede no 
 
 âmbito do artigo 524.º, 1 e 2, do Código do Processo Civil, aplicável por força 
 do artigo 49.º do Código de Processo Penal.
 
 3.ª - Sendo a Justiça aplicada pelos Tribunais em nome do povo - cf. artigo 
 
 202.º da Constituição da República Portuguesa - repugnaria à consciência popular 
 que em segunda instância deixassem de ser decisivos para a justiça material do 
 caso dos autos elementos de prova de integral ressarcimento superveniente de 
 danos aos lesados sem que daí adviesse repercussão muito favorável no 
 enquadramento penal da conduta dos arguidos.
 
 4.ª - O Tribunal da Relação, em audiência de julgamento em segunda instância (em 
 matéria de facto e de direito) deve ordenar oficiosamente ou a requerimento a 
 produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário 
 
 à descoberta da verdade e à boa decisão da causa - cf. artigo 340.º do C. P. 
 Penal.
 
 5.ª - A criminalidade de que tratam os presentes autos, atentos, designadamente, 
 todos os elementos de prova apresentados até à audiência de julgamento em 
 segunda instância, não se enquadra na chamada grande criminalidade pelo que - 
 nos termos do Ponto 6, b), do Preâmbulo do C. P. Penal em vigor - se devem 
 privilegiar no seu tratamento soluções de consenso.”
 Na sua resposta, o Ministério Público suscitou a questão prévia da 
 irrecorribilidade do acórdão impugnado, nos termos do artigo 400.º, n.º 1, 
 alínea f), do Código de Processo Penal, questão que foi reiterada pelo 
 representante do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça.
 Notificados para responder, os arguidos reafirmaram a posição assumida na 
 motivação de recurso.
 Por acórdão tirado em conferência, de 17 de Novembro de 2004, o Supremo Tribunal 
 de Justiça decidiu rejeitar os recursos, “por a decisão impugnada os não 
 admitir”, com os seguintes fundamentos:
 
 “(...)
 
 2. Decidindo.
 
 2.1. São decididas em conferência as questões suscitadas em exame preliminar;
 O recurso é julgado em conferência quando deva ser rejeitado;
 O recurso é rejeitado sempre que se verifique causa que devia ter determinado a 
 sua não admissão;
 O recurso não é admitido quando a decisão for irrecorrível;
 Em caso de rejeição, o acórdão limita-se a especificar sumariamente os 
 fundamentos da decisão (art.ºs 417.º, n.º 3-c), 419.º, n.ºs 3 e 4, a), 420.º, 
 n.ºs 1 e 3, e 414.º, n.º 2, todos do CPP).
 
 2.2. Como foi referido, no exame preliminar, o Relator entendeu que o acórdão do 
 Tribunal da Relação de Guimarães que rejeitou o recurso dos Arguidos interposto 
 da decisão da 1.ª instância não admitia recurso para o Supremo Tribunal de 
 Justiça, acolhendo os argumentos dos Senhores Procuradores-Gerais Adjuntos que 
 intervieram no processo.
 E, agora, confirma-se esse entendimento.
 Na verdade, especificando sumariamente as razões desse entendimento,
 
 - os Arguidos foram condenados em primeira instância pela prática de concursos 
 de crimes, o mais grave dos quais, o de roubo, é punível com prisão até 8 anos 
 
 (art.º 210.º, n.º 1, do C Penal);
 
 - Não admitem recurso para o Supremo Tribunal de Justiça as decisões proferidas 
 pelas relações em recurso, nos termos do art.º 400.º (alínea a) do art.º 432.º 
 do CPP);
 
 - Não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, 
 pelas relações, que confirmem a decisão de 1.ª instância, em processo por crime 
 a que seja aplicável pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo no caso de 
 concurso de infracções (alínea f) do n.º 1 do art.º 400.º);
 
 - no caso de concurso de infracções, constitui jurisprudência estabilizada deste 
 Tribunal a de que a pena de prisão aplicável não superior a 8 anos relevante é a 
 correspondente a cada um dos crimes em concurso e não a moldura deste, 
 determinada de acordo com a regra do n.º 2 do art.º 77.º do C Penal - cfr. a 
 jurisprudência citada por aqueles dois Magistrados do Ministério Público que 
 aqui damos por inteiramente reproduzida;
 
 - Do mesmo modo e como demonstram os mesmos Magistrados, o Supremo Tribunal de 
 Justiça entende que a decisão da relação que rejeitou o recurso interposto da 
 
 1.ª instância, por o julgar manifestamente infundado, é uma decisão de fundo, 
 confirmativa da decisão que, perante si, foi impugnada (cfr., por mais recentes, 
 os Acs. de 15.10.03, P.º 1870/3.ª, e de 04.03.04, P.º 4249/5.ª).
 Estamos, pois, perante uma situação de dupla conforme, em processo por concursos 
 reais de crimes, nenhum deles punível com pena de prisão superior a 8 anos. Como 
 assim, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães não admite recurso para o 
 Supremo Tribunal de Justiça, nos termos das disposições legais que acima se 
 invocaram.
 Não sendo admissíveis os recursos, devem agora ser rejeitados, sendo certo que o 
 despacho que os admitiu no Tribunal recorrido não vincula o Supremo Tribunal de 
 Justiça, nos termos do art.º 414.º, n.º 3, do CPP.
 
 (O desesperado apelo que o[s] Recorrentes fazem aos documentos supervenientes, 
 susceptíveis, segundo dizem, de conduzir a um desfecho judicial diametralmente 
 oposto ao atingido na 1.ª instância é questão que eventualmente poderá ter 
 relevância processual própria de que não cabe aqui tratar e/ou conhecer).”
 Notificados deste acórdão, os arguidos requereram a sua aclaração, pretendendo 
 explicitação sobre:
 
 “a) se a relevância processual própria dos documentos supervenientes estará – no 
 pensamento de V.Ex.as, Senhores Conselheiros – conexionada com os pressupostos e 
 procedimentos previstos nos artigos 449.º a 466.º do Código de Processo Penal 
 vigente;
 b) relevância do apoio judiciário nestes autos.”
 O Procurador-Geral Adjunto junto do Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se 
 pelo indeferimento da pretensão dos requerentes, uma vez que “nada há de 
 equívoco ou obscuro no acórdão recorrido que careça de esclarecimento”.
 Por acórdão de 26 de Janeiro 2005, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu o 
 referido pedido, nos seguintes termos:
 
 “(...)
 
 2.1. Efectivamente, depois de termos rejeitado o recurso interposto do acórdão 
 do Tribunal da Relação de Guimarães, por não ser legalmente admissível, 
 escrevemos, entre parêntesis, que ‘o desesperado apelo que os Recorrentes fazem 
 aos documentos supervenientes, susceptíveis, segundo dizem, de conduzir a um 
 desfecho judicial diametralmente oposto ao atingido na 1.ª instância, é questão 
 que eventualmente poderá ter relevância processual própria de que não cabe aqui 
 tratar e/ou decidir’.
 O sentido da decisão e dos seus fundamentos - rejeição do recurso por legalmente 
 inadmissível - é perfeitamente claro e insusceptível de criar dúvidas sobre o 
 seu sentido.
 E, de facto, os Requerentes não lhe apontam qualquer obscuridade ou ambiguidade.
 O que pretendem é que se esclareça o sentido da consideração feita sobre a 
 eventual relevância dos referidos documentos supervenientes.
 Essa consideração, todavia, já não faz parte da decisão e da sua fundamentação. 
 Constitui mera indicação de que poderá não estar processualmente perdida a 
 relevância que atribuem a esse documentos. O Senhor Procurador-Geral Adjunto 
 chama-lhe ‘considerações (...) de natureza meramente pedagógica’.
 Ora, ao Tribunal cumpre decidir. Não lhe cabe, em circunstância alguma, o papel 
 de consultor dos sujeitos processuais. Por isso que o pretendido esclarecimento 
 não tem qualquer cabimento.
 
 2.2. Por outro lado, nenhuma posição se tomou, no mesmo acórdão, sobre o apoio 
 judiciário - razão por que, sobre essa matéria, também nada tenha que ser 
 esclarecido. Reitera-se, todavia, a doutrina do n.º 4 do art.º 18.º da Lei n.º 
 
 34/2004, de 29 de Julho.
 
 3. Termos em que, sem necessidade de outras considerações, se indefere o 
 requerido.”
 
 3. Vieram então os recorrentes interpor o presente recurso de 
 constitucionalidade, pela seguinte forma:
 
 “- O recurso é interposto ao abrigo do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, na redacção dada pela Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro.
 
 - Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 410.º, 
 n.º 1, do CPP quando interpretada no sentido de que ‘às Relações, quando 
 conhecem de facto, não compete conhecer de questões novas, isto é, de questões 
 que não foram, porque o não podiam ser, apreciadas pelo tribunal recorrido...’.
 Daí se seguindo que a Relação não tenha conhecido dos documentos juntos com 
 motivação. Para logo se concluir pela inviabilidade dos recursos.
 
 - Pretende-se ainda que, em reforço argumentativo, se compagine o devastador 
 efeito da controvertida interpretação na decidida OMISSÃO DE CONHECIMENTO de 
 documentos supervenientes juntos com a motivação, envolvendo pesados, 
 desproporcionados e injustos efeitos, ao deixarem, assim, de ser subsumidos 
 aqueles factos novos supervenientes nas disposições legais aplicáveis. 
 Exemplificativamente, aplicação de penas excessivas - logo, injustas - aos 
 
 (novos) factos, decorrente efeito de não admissão de suspensão de execução de 
 tais penas quanto ao arguido A., valorização excessivamente negativa do 
 relacionamento e exemplo familiar do arguido B., subvalorização do efectivo 
 apoio que esse mesmo arguido vem assegurando aos seus três filhos menores - a 
 qual muito terá contribuído para que também ele não tivesse beneficiado da 
 suspensão da execução da pena - desconsideração do facto (novo...) de ambos os 
 arguidos estarem muito bem integrados, tanto familiar como profissionalmente...
 
 - Isto, enquanto norma expressa do (mesmo) ordenamento jurídico acolhe em termos 
 amplos a apresentação de documentos em momento posterior ao habitual - cf. 
 artigo 524.º do Código do Processo Civil.
 Com o que, evidentemente, a verdade material, sobreleva à “verdade” processual!
 
 - Por igual se pretende ver apreciada a inconstitucionalidade do preceituado no 
 artigo 420.º do CPP quando interpretado no sentido de imprimir ao processo 
 celeridade incompatível com o direito de defesa dos arguidos e com a estrutura 
 acusatória que a nossa Constituição consagra. Cf. as disposições conjugadas dos 
 números 1, 2 e 5 do artigo 32.º da CRP.
 
 - Bem como a inconstitucionalidade da norma da alínea f) do artigo 400.º do 
 Código do Processo Penal e a jurisprudência citada pelos Senhores Magistrados do 
 Ministério Público a tal respeito - que aqui se dá por reproduzida - mediante a 
 qual o direito de recurso - expressão do próprio direito de defesa! - é 
 excessivamente comprimido. - Cf. artigo 32.º da CRP.
 Tais normas violam, designadamente, os artigos 20.º, 27.º, 32.º, 58.º, 69.º, n.º 
 
 2, 202.º, n.ºs 1 e 2, 204.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República 
 Portuguesa.
 A questão da(s) inconstitucionalidades foi repetidamente suscitada nos autos 
 pelos recorrentes nas suas peças processuais, sem que em nenhum caso tenha sido 
 objecto de apreciação e/ou decisão dos tribunais recorridos.
 Nestes termos, requerem a V.Ex.a a admissão do presente recurso, com subida 
 imediata nos próprios autos e efeito suspensivo da decisão, seguindo-se os 
 ulteriores termos.”
 Cumpre decidir.
 II. Fundamentos
 
 4. O presente recurso foi admitido no tribunal a quo. Contudo, essa decisão não 
 vincula este Tribunal, como prevê o n.º 3 do artigo 76.º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, e, entendendo-se que não se pode conhecer do recurso, lavra-se a 
 presente decisão sumária, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A do 
 mesmo diploma.
 
 5. Com efeito, e como é sabido, no nosso sistema de fiscalização concentrada e 
 incidental da constitucionalidade apenas cabe ao Tribunal Constitucional 
 fiscalizar a constitucionalidade de normas, em si mesmas (isto é, numa 
 interpretação enunciativa) ou em determinada interpretação particular, aplicada 
 na decisão recorrida. E para se poder tomar conhecimento de um recurso de 
 constitucionalidade como o presente, interposto ao abrigo do artigo 70º, n.º 1, 
 alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, torna-se necessário, não só que 
 tenham sido esgotados os recursos ordinários e que a questão de 
 constitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo, como também que a 
 norma, ou interpretação normativa, impugnada tenha sido aplicada, como ratio 
 decidendi, pela decisão recorrida.
 Ora, estes requisitos não se verificam em relação a nenhuma das normas 
 impugnadas pelos recorrentes.
 Com efeito, confrontando o teor do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 
 recorrido, logo se conclui que neste não foram aplicadas, nem a norma do artigo 
 
 410.º, n.º 1, do CPP quando interpretada no sentido de que “às Relações, quando 
 conhecem de facto, não compete conhecer de questões novas”, nem qualquer norma 
 relativa à alegada “omissão de conhecimento de documentos supervenientes juntos 
 com a motivação” do recurso para o Tribunal da Relação, nem, ainda, a norma do 
 
 “artigo 420.º do CPP quando interpretado no sentido de imprimir ao processo 
 celeridade incompatível com o direito de defesa dos arguidos e com a estrutura 
 acusatória que a nossa Constituição consagra”.
 Na verdade, o acórdão recorrido decidiu não tomar conhecimento do recurso para o 
 Supremo Tribunal de Justiça, por este não ser admitido pela lei, na medida em 
 que se tratava de um acórdão condenatório proferido, em recurso, pelo Tribunal 
 da Relação, confirmando decisão de primeira instância (em processo por crime a 
 que era aplicável pena de prisão não superior a oito anos).
 De todas as normas impugnadas no requerimento de recurso, só, pois, a do artigo 
 
 400.º, n.º 1, alínea f), do Código do Processo Penal é que foi aplicada como 
 ratio decidendi pelo Supremo Tribunal recorrido (e, aliás, numa sua 
 interpretação literal, que nada tem de surpreendente e era inteiramente 
 previsível).
 Acontece, porém, que, em relação a esta norma não se verifica o requisito 
 consistente na suscitação, durante o processo, da inconstitucionalidade. Este 
 requisito deve ser entendido, segundo a jurisprudência constante deste Tribunal 
 
 (veja-se, por exemplo, o acórdão n.º 352/94, in Diário da República, II série, 
 de 6 de Setembro de 1994), “não num sentido meramente formal (tal que a 
 inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância)”, mas 
 
 “num sentido funcional”, de tal modo “que essa invocação haverá de ter sido 
 feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão”, 
 
 “antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma 
 questão de constitucionalidade) respeita”, por ser este o sentido que é exigido 
 pelo facto de a intervenção do Tribunal Constitucional se efectuar em via de 
 recurso, para reapreciação ou reexame, portanto, de uma questão que o tribunal 
 recorrido pudesse e devesse ter apreciado (ver ainda, por exemplo, o Acórdão n.º 
 
 560/94, Diário da República, II, de 10 de Janeiro de 1995 e ainda o Acórdão n.º 
 
 155/95, in Diário da República, II, de 20 de Junho de 1995).
 Ora, consultando as alegações de recurso produzidas ante o tribunal ora 
 recorrido – o Supremo Tribunal de Justiça – verifica-se que nelas se não 
 encontra qualquer alusão à questão da constitucionalidade da norma do artigo 
 
 400.º, n.º 1, alínea f), do Código do Processo Penal, a qual foi a única norma, 
 de entre as indicadas no requerimento de recurso, que foi aplicada pelo tribunal 
 recorrido como ratio decidendi. Aliás, nem mesmo depois de notificados da 
 posição do Ministério Público, no Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de se 
 não poder tomar conhecimento do recurso, com fundamento naquela norma, os 
 recorrentes, na resposta que apresentaram (fls. 499 dos autos), vieram suscitar 
 a questão da sua inconstitucionalidade.
 Também não pode, pois, tomar-se conhecimento do recurso quanto a esta norma.
 
 6. Com estes fundamentos, e ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da 
 Lei do Tribunal Constitucional, decido não tomar conhecimento do presente 
 recurso e condenar os recorrentes em custas, com 7 (sete) unidades de conta de 
 taxa de justiça (artigo 84.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional e artigo 
 
 6.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro).»
 
 2.Diz-se na reclamação apresentada:
 
 «1. Os presentes autos de recurso culminaram todo um esforço de convencimento 
 judicial, por parte dos recorrentes, no sentido de que contra a sua pretensão 
 não poderiam ser invocados diversos obstáculos, pretensamente decorrentes de 
 preceitos, do nosso ordenamento jurídico (designadamente os artigos 410.º, n.º 
 
 1, e 420.º do Código de Processo Penal) e - ultimamente - o artigo 400.º do 
 mesmo Código, a respeito dos quais eles, recorrentes, iam formulando arguições 
 de inconstitucionalidade nas diversas peças processuais que foram produzindo em 
 defesa da sua reiterada posição.
 
 2. Os recursos que sucessivamente se viram compelidos a interpor do acórdão da 
 Vara Mista de Braga para o Tribunal da Relação de Guimarães, do acórdão deste 
 para o Supremo Tribunal de Justiça e do acórdão deste último para esse Tribunal 
 Constitucional foram sendo sucessivamente admitidos.
 
 3. O que, para eles recorrentes, sempre ia alimentando a justificada esperança 
 de que as suas pretensões haveriam, a final, de merecer a tutela jurisdicional 
 efectiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, em tempo útil e 
 mediante processo equitativo.
 
 4. O seu esforço primordial, confessam, sempre se centrou em veicular junto do 
 Tribunal da Relação de Guimarães e depois perante o Supremo Tribunal de Justiça 
 que o contexto dos autos julgados na Vara Mista de Braga se mostrava 
 completamente desactualizado, poucos dias após a prolação do acórdão desta Vara 
 Mista e que tudo, por isso, justificava que o Tribunal da Relação de Guimarães 
 revisse (de facto e de direito) todo aquele desactualizado contexto, por forma a 
 poder proferir, supervenientemente, nova e muito mais justa decisão a tal 
 respeito.
 
 5. Mas o Tribunal da Relação de Guimarães, nuclearmente baseado na “existência” 
 do preceituado no n.º 1 do artigo 410.º do CPP, limitou-se a extrair as 
 consequências formais de tal preceito adjectivo para enveredar pela rejeição do 
 recurso interposto. 
 Sem se pronunciar acerca da alegada desconformidade desse preceito com 
 princípios básicos da nossa Constituição, desde logo invocados pelos 
 recorrentes.
 
 - Cf. as pertinentes peças processuais.
 
 6. Tal determinou o subsequente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o 
 qual, meramente baseado em diverso preceito (ignorando completamente o contexto 
 do recurso interposto do acórdão da Relação de Guimarães para aquele Supremo 
 Tribunal), desta vez, o artigo 400.º do mesmo CPP, enveredou, ele também, pela 
 rejeição do recurso interposto (e admitido pela Relação de Guimarães), tomando 
 assim como “bagatela penal” a que, supostamente deveria ter sido poupado a 
 instante questão suscitada pelos recorrentes.
 
 7. Ora tal rejeição, apesar dos longos, circunstanciados e compreensíveis 
 esforços dos recorrentes, determinou novo recurso - agora para esse Alto 
 Tribunal Constitucional e também ele admitido - 
 
 8. cujo normal desenvolvimento (esperaram os recorrentes) certamente haveria de 
 proporcionar não só a seu favor mas a favor também de quantos vêm estando 
 
 “bloqueados” por invocados preceitos do Código de Processo Penal vigente, 
 posição judicial ao mais alto nível que finalmente declarasse a desconformidade 
 de tais invocados preceitos (maxime o do n.º 1 do artigo 410.º do mesmo 
 Código!).
 
 9. (Cf., a propósito o requerimento de admissão do recurso interposto para esse 
 Tribunal Constitucional).
 
 10. Temos assim que, a bem dizer, cada um dos Tribunais interpelados em via de 
 recurso (Tribunal da Relação de Guimarães, Supremo Tribunal de Justiça) acabou 
 por seleccionar o seu argumento formal para acabar por rejeitá-lo!
 
 11. Mas agora, verifica-se que aos referidos dois argumentos formais distintos 
 acaba de ser acrescentado um (de todo) inesperado terceiro argumento.
 
 12. (apesar de os autos integrarem no seu conjunto diversas invocações de 
 inconstitucionalidade, as quais nunca vieram a merecer (!) tomada de posição das 
 anteriores instâncias judiciais: Tribunal da Relação de Guimarães ou Supremo 
 Tribunal de Justiça).
 
 13. O Direito Processual está recheado de normas formais em tal quantidade que, 
 frequentemente, se impõe ao julgador que lance mão de “válvulas de segurança” na 
 sua interpretação, por forma a impedir o indesejável predomínio da justiça 
 formal sobre a por todos almejada justiça material - escopo último de uma 
 Justiça que seja generalizadamente aceite.
 
 14. Ainda que com salvaguarda de excessos, apetece sustentar aqui que, para 
 efeito de apelo à verdadeira Justiça, “meia palavra basta”,
 
 15. conscientes como vamos estando que aqueles magistrados a quem nos dirigimos, 
 clamando por essa mesma Justiça, representam um escol de “bons entendedores” !
 
 - Cf. designadamente, os artigos 202.º e 208.º da Constituição.
 
 16. Assim, de resto, se compreenderá e justificará, por exemplo, a diversidade e 
 evolução de entendimentos a que alude o Ex.m.º Juiz Conselheiro (Jubilado) desse 
 Tribunal Constitucional na sua obra “Breviário de Direito Processual 
 Constitucional”.
 
 17. Bem como a hodierna e indiscutível tendência para o aperfeiçoamento das 
 peças processuais produzidas pelas partes, mediante convite expressamente 
 endereçado pelo Relator do processo nesse sentido - tudo em vista da desejável 
 clarificação do que se encontra em julgamento.»
 
 3. O Ministério Público respondeu nos seguintes termos:
 
 “1.º A presente reclamação é manifestamente improcedente.
 
 2.º Na verdade, os recorrentes não cumpriram o ónus de que dependia a 
 admissibilidade do recurso de constitucionalidade, pelo que naturalmente este 
 Tribunal Constitucional não pode dele tomar conhecimento.”
 Cumpre apreciar e decidir.
 II. Fundamentos
 
 3.Adianta-se desde já que a presente reclamação não pode obter provimento.
 Com efeito, os reclamantes não chegam verdadeiramente a questionar os 
 fundamentos da decisão reclamada, limitando-se a criticar a invocação de razões 
 formais e a dizer que os autos integram “no seu conjunto diversas invocações de 
 inconstitucionalidade, as quais nunca vieram a merecer (!) tomada de posição das 
 anteriores instâncias judiciais: Tribunal da Relação de Guimarães ou Supremo 
 Tribunal de Justiça”, invocando também a necessidade de um entendimento amplo da 
 suscitação da inconstitucionalidade durante o processo e “a hodierna e 
 indiscutível tendência para o aperfeiçoamento das peças processuais produzidas 
 pelas partes, mediante convite expressamente endereçado pelo Relator do processo 
 nesse sentido”.
 No entanto, os reclamantes não põem verdadeiramente em causa, na sua reclamação, 
 que a norma do artigo 410.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretada no 
 sentido de que “às Relações, quando conhecem de facto, não compete conhecer de 
 questões novas”, a norma do artigo 420.º do mesmo Código, “interpretado no 
 sentido de imprimir ao processo celeridade incompatível com o direito de defesa 
 dos arguidos e com a estrutura acusatória que a nossa Constituição consagra”, ou 
 qualquer norma relativa à alegada “omissão de conhecimento de documentos 
 supervenientes juntos com a motivação” do recurso para o Tribunal da Relação não 
 tenham sido aplicadas pelo Supremo Tribunal de Justiça, como rationes decidendi 
 do acórdão recorrido. É que este, como se disse na decisão sumária reclamada, 
 decidiu não tomar conhecimento do recurso simplesmente por “não ser admitido 
 pela lei, na medida em que se tratava de um acórdão condenatório proferido, em 
 recurso, pelo Tribunal da Relação, confirmando decisão de primeira instância (em 
 processo por crime a que era aplicável pena de prisão não superior a oito 
 anos)”.
 A única norma que constituiu ratio decidendi para a decisão recorrida, do 
 Supremo Tribunal de Justiça, foi, pois, a do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do 
 Código do Processo Penal, nos termos da qual “[n]ão é admissível recurso: (…) f) 
 De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem 
 decisão de primeira instância, em processo por crime a que seja aplicável pena 
 de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções”. E, 
 como também se salientou na decisão ora reclamada, tal norma foi aplicada numa 
 sua interpretação literal, que nada tem de surpreendente e era inteiramente 
 previsível.
 Quanto a este ponto, os reclamantes atacam a exigência do requisito da 
 suscitação durante o processo da inconstitucionalidade, para que o Tribunal 
 Constitucional possa vir a apreciar a constitucionalidade de normas aplicadas na 
 decisão recorrida em via de recurso, nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alínea 
 b), da Lei do Tribunal Constitucional. Este Tribunal tem, porém, deixado bem 
 clara, em jurisprudência reiterada, a razão de ser da exigência do cumprimento 
 deste requisito. Como se escreveu, por exemplo, no acórdão n.º 560/94 (publicado 
 no Diário da República, II Série, de 10 de Janeiro de 1995): 
 
 «(…)
 Bem se compreende que assim seja, pois, se o tribunal recorrido não for 
 confrontado com a questão de constitucionalidade, não tem o dever de a decidir. 
 E, não a decidindo, o Tribunal Constitucional, se interviesse em via de recurso, 
 em vez de ir reapreciar uma questão que o tribunal recorrido julgara, iria 
 conhecer dela ex novo.
 A exigência de um cabal cumprimento do ónus da suscitação atempada – e 
 processualmente adequada – da questão de constitucionalidade não é, pois, (...) 
 uma “mera questão de forma secundária”. É uma exigência formal, sim, mas 
 essencial para que o tribunal recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de 
 constitucionalidade para que o Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de 
 recurso, proceda ao reexame (e não a um primeiro julgamento) de tal questão.»
 Significativamente, os reclamantes não concretizam, porém, em relação à norma 
 que constituiu ratio decidendi para o tribunal recorrido, qualquer peça 
 processual em que tenham cumprido o requisito consistente na suscitação, durante 
 o processo, da sua inconstitucionalidade. Consultando as peças processuais 
 apresentadas perante o Supremo Tribunal de Justiça, verifica-se, antes, como já 
 se notou na decisão reclamada, que nelas se não fez qualquer alusão à questão da 
 constitucionalidade da norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código do 
 Processo Penal, nem mesmo depois (fls. 499 dos autos) de os recorrentes terem 
 sido notificados da posição do Ministério Público, no Supremo Tribunal de 
 Justiça, no sentido de se não poder tomar conhecimento do recurso, com 
 fundamento naquela mesma norma. E, perante esta falta, careceria também de 
 utilidade a realização de um convite aos recorrentes para aperfeiçoarem o seu 
 requerimento de recurso, na medida em que já não poderiam cumprir, nesse 
 requerimento, o requisito da suscitação da inconstitucionalidade normativa antes 
 de esgotado o poder jurisdicional do tribunal recorrido.
 Não tendo esta exigência sido cumprida, a presente reclamação tem de ser 
 desatendida, por falta de preenchimento de um requisito indispensável para se 
 poder tomar conhecimento do recurso, confirmando-se a decisão sumária reclamada.
 III. Decisão
 Pelos fundamentos expostos, decide-se desatender a presente reclamação e 
 confirmar a decisão sumária de não conhecimento do recurso de 
 constitucionalidade interposto, bem como condenar os reclamantes em custas, 
 fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, por cada 
 reclamante.
 Lisboa, 20 de Abril de 2005
 Paulo Mota Pinto
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos