 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 692/04
 
 1.ª Secção
 Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
 
  
 
  
 
  
 ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
 
  
 
  
 Em 18 de Janeiro de 2005 foi proferida a seguinte decisão sumária:
 
  
 A. recorre para este Tribunal ao abrigo do disposto na alínea b) do n. 1 do 
 artigo 70º da Lei 28/82, de 15 de Novembro (LTC) do acórdão proferido na Relação 
 de Lisboa em 4 de Março de 2004.
 Diz a recorrente no requerimento de interposição do recurso:
 
 “Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma da al. b), do nº1, 
 do artº 107º do RAU (Decreto-Lei nº 321-B/1990), com a redacção dada pelo 
 Decreto-Lei nº 329/B/2000, de 22 de Dezembro, bem como da declaração de 
 inconstitucionalidade com força obrigatória geral da mesma norma, na parte que 
 alargou o prazo de 20 para 30 anos (ou período mais curto previsto em Lei 
 anterior e decorrido na vigência desta), por repristinação do artº 2º da Lei nº 
 
 55/79, de 15 de Setembro (Ac. TC 97/2000), por violação do disposto no nº 4, do 
 artº 282º da C.R.P.;
 Tal norma viola, conjugadamente, o disposto no artº 2º, no nº 1 do artº 62º e no 
 nº1 do artº 65º, todos da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.), bem 
 como os princípios constitucionais nela consagrados nos seus artºs 13º, 71º e 
 
 72º”.
 Invoca que a questão de constitucionalidade foi suscitada na réplica e nas 
 alegações de recurso para o Tribunal da Relação.
 O recurso foi admitido por despacho que não vincula este Tribunal (n. 3 do 
 artigo 76º da LTC).
 Admitindo que a recorrente colocou a questão de constitucionalidade de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida por 
 forma a considerar-se preenchido o pressuposto processual previsto nos artigos 
 
 70º n. 1 alínea b) e 72º n. 2 da LTC, a verdade é que a questão colocada é de 
 fácil resolução.
 Vejamos.
 A decisão recorrida partiu da declaração de inconstitucionalidade com força 
 obrigatória geral do artigo 107º n. 1 alínea b) do RAU (redacção originária) 
 constante do acórdão n. 97/2000 e dos respectivos efeitos repristinatórios para 
 averiguar se a hipótese prevista na parte final do artigo 107º n. 1 alínea b) do 
 RAU (na redacção do Decreto-Lei n. 329-B/2000) estava preenchida e, concluindo 
 pela afirmativa, aplicou-a no caso concreto. 
 Ora a nova redacção do artigo 107º n. 1 alínea b) do RAU não enferma de 
 inconstitucionalidade por pretensa violação da segurança jurídica e da 
 confiança, imposta pelo princípio do Estado de Direito.
 
 É o que já foi decidido por este Tribunal no acórdão n. 550/2003 (publicado no 
 DR, II série, de 18 de Fevereiro de 2004) e onde se escreveu:
 O artigo 107º, n.º 1, alínea b), deste diploma veio, porém, a ser declarado 
 inconstitucional, por violação do artigo 168º, nº 1, alínea h), da Constituição, 
 na redacção da Lei Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho, pelo referido acórdão 
 n.º 97/2000 – na sequência, aliás, de vários julgamentos em casos concretos no 
 mesmo sentido.
 Ora, nesse acórdão n.º 97/2000 não se efectuou qualquer limitação dos efeitos da 
 inconstitucionalidade, como permite o artigo 282º, n.º 4, da Constituição, 
 quando “a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de 
 excepcional relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem”. Tal declaração 
 teve, pois, os efeitos gerais das decisões que declaram a inconstitucionalidade 
 de uma norma, isto é, nos termos do n.º 1 desse artigo 282º, “produz efeitos 
 desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e 
 determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado” – 
 designadamente, repristinou a norma em vigor anteriormente ao artigo 107º, n.º 
 
 1, alínea b), do RAU, que previa um prazo 10 anos mais curto de permanência no 
 local arrendado, para o inquilino poder obstar à denúncia do arrendamento.
 Foi, aliás, na sequência desta declaração de inconstitucionalidade – e em 
 consonância com estes seus efeitos retroactivos e repristinatórios – que a nova 
 redacção do artigo 107º, n.º 1, alínea b), do RAU, dada pelo Decreto-Lei n.º 
 
 329-B/2000, que reintroduziu o prazo de 30 anos, veio exceptuar do prazo de 30 
 anos, que reintroduziu, o decurso de “um período de tempo mais curto previsto em 
 lei anterior e decorrido na vigência desta”.
 Ora, tal como a segurança jurídica – e a confiança das partes, se esta, só por 
 si, for de considerar relevante para o efeito – não determinou (por não a 
 exigir) a limitação dos efeitos da inconstitucionalidade no citado acórdão n.º 
 
 97/2000, também quanto a esta nova redacção do artigo 107º, n.º 1, alínea b), do 
 RAU, em causa no presente recurso, se pode concluir agora que a protecção da 
 segurança jurídica e da confiança, imposta pelo princípio do Estado de Direito, 
 não exige um julgamento de inconstitucionalidade.
 A solução decorrente da norma em questão é, assim, simples decorrência dos 
 normais efeitos, retroactivos e repristinatórios, da declaração de 
 inconstitucionalidade com força obrigatória geral, sem limitação de efeitos, nos 
 termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 282º da Constituição. (...)
 
 É que, como é óbvio, estes princípios não protegem contra a frustração de toda e 
 qualquer expectativa ou confiança que se forme com base na vigência de uma 
 norma, mas contra a afectação intolerável da expectativa ou confiança legítima. 
 E, em princípio, e sem considerações adicionais, não pode qualificar-se como tal 
 a confiança ou expectativa que é depositada na vigência de uma norma 
 inconstitucional, ou que vem a ser declarada inconstitucional, com força 
 obrigatória geral.
 Ora, este é justamente o caso do artigo 107º, n.º 1, alínea b), do RAU, na sua 
 redacção originária (sendo evidentemente irrelevante, ao contrário do que 
 pretendem as recorrentes, que o vício em causa fosse de inconstitucionalidade 
 orgânica, e não de outro tipo).”
 
 É este julgamento que aqui se reitera.
 Pelo exposto, ao abrigo do disposto no n. 1 do artigo 78º-A da LTC, decide-se 
 julgar improcedente o presente recurso.
 
  
 
  
 
 É contra esta decisão que pretende reclamar a recorrente, dizendo:
 
  
 A., notificada da decisão sumária proferida pelo Ex.mo Juiz Conselheiro Relator, 
 não se conformando com a mesma, vem, ao abrigo do disposto no art. 78°-A, n° 3 e 
 art. 78°-B, n° 2, reclamar para a conferência, com os seguintes argumentos:
 
  
 
 1-A douta decisão sumária apreciou a invocada inconstitucionalidade da norma da 
 al. b) do n° 1 do art. 107° do RAU, bem como da declaração de 
 inconstitucionalidade com força obrigatória geral da mesma norma, na parte que 
 alargou de 20 para 30 anos, por repristinação do art. 2° da Lei n° 55/79, de 15 
 de Setembro, por violação do disposto no n° 4 do art. 282° da C.R.P., assim como 
 do disposto no art. 2°, no nº1 do art. 62° e no n° 1 do art. 65°, e princípios 
 constitucionais consagrados nos art.s 13°,71° e 72° desta mesma Lei Fundamental.
 
 2- Todavia, salvo melhor opinião e com a devida deferência, a referida decisão 
 sumária não aborda todas as questões que a Recorrente vem invocando desde o 
 início da contenda.
 
 3- Antes pelo contrário, decidiu aplicar à situação sub judice os argumentos já 
 vertidos no acórdão desse Tribunal, n° 550/2003 (publicado no DR, II, de 18 de 
 Fevereiro de 2004), que reiterou.
 
 4-Contudo, os argumentos invocados parecem à Recorrente bastante redutores 
 quanto à realidade deste caso concreto e quanto ao que se visa com o presente 
 recurso, cujas alegações muito aprazaria apresentar, conquanto ficaria o 
 Venerando Tribunal com uma percepção assaz diferente e mais realista da situação 
 in casu.
 
 5-Pois que, para além do o recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do nº1 do 
 art. 70° da Lei n° 28/82, de 15 de Setembro, na redacção dada pela Lei n° 85/89, 
 de 7 de Setembro e pela Lei n° 13-A/98, de 26 de Fevereiro;
 
 6- Através do qual se pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da norma da 
 al. b), do n.1, do art. 107° do RAU (Decreto-lei n° 321-B/1990), com a redacção 
 dada pelo Decreto-lei n° 329/B/2000, de 22 de Dezembro bem como da declaração de 
 inconstitucionalidade com força obrigatória geral da mesma norma, na parte que 
 alargou o prazo de 20 para 30 anos ou período mais curto previsto em Lei 
 anterior e decorrido da vigência desta, por repristinação do art. 2° da Lei n° 
 
 55/79, de 15 de Setembro (AC. TC 97/2000), atenta a violação do disposto no n° 
 
 4, do art. 282º da C.R.P. ;
 
 7- Já que essa norma viola, conjugadamente, o disposto no art. 2°, no n.º 1 do 
 art. 62º e no n.º 1 do art. 65º, todos da Constituição da República Portuguesa 
 
 (CRP), bem como os princípios constitucionais nela consagrados nos seus art. 
 
 13°, 71° e 72°;
 
 8- Existem outras questões, aliás, já suscitadas nos autos, de fls. 39 a 65 v. 
 
 (Réplica) e no Recurso para o Tribunal da Relação, onde se defendeu que:
 
 9- Por contrato de 1 de Março de 1978, a Recorrente cedeu ao Recorrido o gozo da 
 fracção correspondente ao R/C esquerdo do prédio sito na Rua 
 
 --------------------, Lote ---, --------------, -----------.
 
 10-Já que, em virtude da prestação de serviço de porteira às ordens do 
 condomínio do prédio sito na Av. ----------------, n.º ----, em Lisboa, a 
 Recorrente habitava na casa destinada à porteira.
 
 11-Acontece que, por ter atingido a idade da reforma, cessou funções de porteira 
 em 1 de Janeiro de 2003.
 
 12-Implicando tal facto, que deixe de poder habitar a casa destinada à porteira.
 
 13-Pelo que, a Recorrente necessita da fracção arrendada para habitar, por não 
 ter outro local onde viver .
 
 14-Como tal, a Recorrente pretende, através de acção de desejo objecto dos 
 recursos, proceder à denúncia do contrato de arrendamento, nos termos da alínea 
 a) do n.º l do art. o 69 do Regime do Arrendamento Urbano, vulgo R.A.U.
 
 15- Todavia, o tribunal a quo entendeu não ser aplicável esta norma atendendo à 
 limitação do direito de denúncia pelo senhorio, prevista na alínea b) do n.º 1 
 do art. 107º do mesmo diploma, dada pela redacção da Lei 55/79 de 15 de 
 Setembro, posição mantida pelo Tribunal da Relação.
 
 16-Neste entendimento, este diploma teria sido repristinado face à declaração de 
 inconstitucionalidade com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 
 
 107º, n.º 1 b), do R.A.U. com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 321-B/2000, 
 de 15 de Outubro, atribuída pelo Tribunal Constitucional no seu acórdão 97/2000, 
 publicado no Diário da Republica, I-A, de 17.03.2000.
 
 17-Contudo, este entendimento não nos parece correcto. Senão vejamos:
 
 18-Não enferma de inconstitucionalidade orgânica a alínea b) do preceito em 
 anotação, ao ampliar o prazo de vinte para trinta anos.
 
 19-Em anotação ao Regime do Arrendamento Urbano, 3ª edição, entende José Alberto 
 Aragão Seia, pp. 483 e ss., que a Lei n.º 42/90, de 10 de Agosto, que concedeu 
 autorização ao Governo para legislar sobre o regime do arrendamento urbano, 
 estabeleceu as directrizes às quais deveriam obedecer essas alterações.
 
 20-Entre elas, inclui-se a que impõe a 'preservação de regras socialmente úteis 
 que tutelem a posição do arrendatário'.
 
 21-Ora, obedecendo a essa determinação, o legislador manteve o princípio de não 
 ser denunciável o arrendamento quando o arrendatário estivesse no local 
 arrendado há variados anos.
 
 22-Contudo, tal não significa que o legislador não pudesse alterar o tempo de 
 permanência do arrendatário no locado, como limitação ao exercício do direito de 
 denúncia pelo senhorio, desde que se preservasse a regra da não denunciabilidade 
 do contrato de arrendamento.
 
 23-Sendo o relatado o que realmente aconteceu, inexiste, neste ponto, qualquer 
 vício de inconstitucionalidade.
 
 24-Por outro lado, o referido acórdão apenas se debruçou sobre a 
 inconstitucionalidade orgânica da norma, o qual considerou que o Governo não 
 estava credenciado para proceder à alteração do prazo de 20 para 30 anos, de 
 modo a '...eliminar regras...que se revelaram socialmente imprestáveis, 
 designadamente, porque subvertiam princípios basilares do ordenamento jurídico 
 ou tratavam desigualmente os contraentes, sem que para tanto houvesse fundamento 
 material' (Vide Ac. TC n.o 97/2000).
 
 25- Todavia, substantivamente, a questão foi alterada, isto é, o juízo relativo 
 
 à “utilidade social” das regras relativas ao arrendamento, previstas pelo 
 legislador, sofreram mutações, não só por exigências sociais, como, também, 
 legais e constitucionais, que adiante desenvolveremos.
 
 26-Deste modo, o prazo limite do exercício do direito de denúncia que deve ser 
 observado é o actual de 30 anos, mesmo que o contrato seja anterior à vigência 
 da respectiva lei, contando-se, porém, todo o tempo passado desde a celebração 
 do contrato de arrendamento (Ac. RL, de 93.03.11, CJ de 1993. I, pág.139).
 
 27 - Ora, até à data ainda não decorreu o prazo de 30 anos, impeditivo do 
 exercício do direito de denúncia por parte da Recorrente.
 
 28-Logo, é legal e legítimo o exercício do direito de denúncia, nos termos da 
 alínea b) do n.º l do art. 107 do R.A.U.
 
 29-Em complemento do que já se disse, de expectativas criadas e de direitos 
 adquiridos, verificamos, também, que:
 
 30 - No caso em apreço temos que, duas normas de direito ordinário a primeira de 
 
 1979 (Lei 55/79) contendo a previsão de denúncia pelo senhorio do contrato de 
 arredamento para habitação desde que o arrendatário se mantenha no locado há 
 menos de 20 anos, a segunda de 1990 (RAU) com a previsão de 30 anos limites de 
 tempo estes que consistem num obstáculo ao exercício do direito de denúncia.
 
 31-Acontece que, como em 1990 a senhoria viu o seu direito de denúncia alargado 
 em mais 10 anos esta adquiriu um direito o qual deve ser relevado no quadro da 
 sucessão das leis no tempo, em termos de retroactividade e/ou de repristinação 
 das normas.
 
 32-Pois, não obstante, em 2000 ter sido declarada inconstitucional com força 
 obrigatória geral a norma que previa 30 anos como limite ao direito de denúncia, 
 o facto é que, nessa altura já a senhoria tinha adquirido tal direito.
 
 33-Ora, os direitos adquiridos merecem tutela na medida em que a sua violação 
 ofende de forma intolerável e injustificada, os princípios da segurança e 
 confiança jurídicas, corolários do princípio do estado de direito democrático, a 
 que se reporta o art. 2° da C.R.P.
 
 34-Neste sentido, veja-se o parecer da Procuradoria-Geral da República de 
 
 10.03.94 (in BMJ, n° 343, pág. 137).
 
 35-Ademais, o facto de estarmos perante uma inconstitucionalidade com força 
 obrigatória geral, tal não é impeditivo que se respeitem os direitos, já 
 adquiridos pela senhoria, em especial, porque o tribunal constitucional nem 
 sequer fixou os efeitos da aplicação do acórdão, talvez porque esbarrou com os 
 limites absolutos à limitação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade 
 com força obrigatória geral, por virtude dos princípios fundamentais.
 
 36-Entre eles, está segundo o Prof. Dr. Jorge Miranda, o principio da igualdade, 
 previsto no art. 13° do C.R.P. (in Manual de Direito Constitucional, Tomo II, 3ª 
 edição, Coimbra Editora, pp. 5050).
 
 37 –Acrescenta  o Autor que, a 'fixação dos efeitos da inconstitucionalidade 
 destina-se a adequá-los às situações da vida, ... é uma válvula de segurança da 
 própria finalidade e efectividade do sistema de fiscalização”.
 
 38-Para melhor o explicar remete-nos para a norma do art. 282°, n° 4 do C.R.P., 
 cujas razões justificativas da ponderação dos efeitos são a segurança, a 
 equidade e o interesse público. 
 
 39-Donde, no caso sub judice, o acórdão em apreço apenas produziria efeitos para 
 o futuro, ao invés de repristinar a norma anterior (20 anos) atentatória do 
 direito de denúncia já adquirido pela senhoria, aquando da alteração do RAU, em 
 
 2000.
 
 40-Destarte,esta questão nem se colocaria, conquanto, caso o Tribunal 
 Constitucional (que declarou a inconstitucionalidade orgânica do diploma) se 
 pronunciasse quanto à sua matéria, só se verificaria a inconstitucionalidade 
 superveniente, uma vez que a orgânica só afectaria a constitucionalidade 
 material, à data em que o acórdão foi proferido, o que, naturalmente, afastaria 
 a repristinação da anterior norma.
 
 41-Em terceira instância sempre se dirá que aquando da celebração do contrato 
 
 (1978) e da vigência da Lei n° 55/79, a verificação do prazo de 20 anos não era 
 limitativo do direito de denúncia do senhorio, quando ele o pretendesse exercer 
 com base na necessidade do Prédio para habitação dos filhos, associado à 
 necessidade do seu agregado familiar.
 
 42-Donde sendo o contrato dos Recorrente e Recorrido de 1978, tem-se que não há 
 sequer limite ao direito de denúncia da senhoria, dada a necessidade que lhe 
 está subjacente.
 
 43-Em suma, o acórdão com força obrigatória geral não pode estar a querer 
 repristinar uma norma da Lei n° 55/79 (quanto aos 20 anos) e depois não aplicar 
 a norma para a qual aquela remete a sua aplicação (art. 1096 do C.C., já 
 revogado pelo RAU), referente à necessidade do locado para habitação.
 
 44-Assim, teríamos a imposição do limite do direito de denúncia de 20 anos, sem 
 a respectiva motivação, ou seja, repete-se, a necessidade do locado para 
 habitação.
 
 45-Pois, é materialmente impossível a repristinação da Lei n° 55/79, sem a 
 correspondente repristinação do art. 1096º do C.C., situação que não foi 
 atendida em momento anterior pelo Tribunal Constitucional, verificando-se apenas 
 em relação à primeira e não à segunda das circunstâncias, assim se misturando 
 leis antigas com actuais, em desrespeito das expectativas criadas e dos direitos 
 adquiridos pelos senhorios.
 
 46-Um outro fundamento resulta do próprio regime da locação, que, no seu artigo 
 
 1025° do C.C., vem prescrever que 'a locação não pode celebrar-se por mais de 30 
 anos, quando estipulada por período superior, ou como contrato perpétuo, 
 considera-se reduzido àquele limite',
 
 47-Não podendo o RAU contrariar esse preceito, limitando a denúncia do senhorio 
 quando o arrendatário se mantiver (no local arrendado há mais de 30) (20 
 conforme interpretação) ou mais anos nessa qualidade.
 
 48- Tanto assim é que, actualmente, ultrapassada a questão de 
 inconstitucionalidade orgânica, ainda vigoram os 30 anos, como limite ao direito 
 da denúncia. 
 
 49-O que só demostra que a lei quis visivelmente, fixar um limite para o 
 arrendamento, de molde a não pôr em causa um direito real maior, em função de um 
 direito real menor.
 
 50- Tal período de duração máxima de locação pretende sim evitar que os direitos 
 do contrato se feudalizem ou institualizem, conforme refere o Prof. Dr. Pinto 
 Furtado, in Manual do Arrendamento Urbano, Almedina, pp. 771 a 789.
 
 51-Já que, diz o Autor, a 'prorrogação forçada constituiria uma expropriação 
 indirecta e celerada do senhorio', daí a existência dos limites de duração. 
 Neste sentido v. ac. Relação do Porto de 11.12.1984.
 
 52-Todavia, mais importante que tudo o resto e real motivação do presente 
 recurso, é o facto de a Recorrente ter mais de 65 anos de idade, não sendo justo 
 obstar à denúncia do contrato com vista à habitação da mesma, quando na alínea 
 a) do n.º 1 do art.107º do R.A.U. tal limite de idade é fulcral para tutelar a 
 posição do arrendatário.
 
 53-Também o RAU possibilita a denúncia do contrato por senhorio emigrante que 
 regresse ao seu pais e careça do locado para viver, não o possibilitando a quem 
 não tenha saído do país para trabalhar e que careça, igualmente, de habitação, 
 em total desrespeito pelo principio da igualdade!?...
 
 54-Pois, não tutelar a posição da Recorrente seria contrário ao principio da 
 igualdade, constitucionalmente tutelado no art. 13 da C.R.P.
 
 55-Para se respeitar o principio da igualdade, deve-se dar tratamento 
 diferenciado a situações desiguais e igual tratamento a situações materialmente 
 idênticas.
 
 56-Contudo, ambas as partes, Recorrente e Recorrido, encontram-se na mesma 
 situação, pois ambos necessitam do locado para habitação, face ao direito à 
 habitação consagrado no n.º 1 do art. 65º da nossa Constituição.
 
 57 - Mais, existem outros preceitos constitucionais ajustados à situação da 
 Recorrente, como o sejam, a necessidade de uma especial protecção à terceira 
 idade (art. 72º da C.R.P.), bem como a salvaguarda das posições jurídicas de 
 quem está em situação especial de desamparo (art. 71º da C.R.P)
 
 58- Pelo que não se entendem, então, as razões dos tribunais recorridos quando 
 optam por tutelar a posição do Recorrido, que embora necessite da fracção para 
 habitação, tal como a Recorrente, é titular de um direito real menor - o direito 
 de arredamento - ao passo que a Recorrente é titular de um direito real maior, o 
 qual, de certo, é merecedor de maior tutela (vide art. 62° da C.R.P. e art. 
 
 1305° e ss. do Código Civil).
 
 59-Neste sentido, se o arrendatário é protegido face à idade avançada que tem, 
 também a senhoria, ora Recorrente, deve ser acautelada, uma vez que o fundamento 
 de denúncia do referido contrato se baseia na necessidade da fracção arrendada 
 para habitação própria, que é, aliás, uma necessidade real, séria, actual e 
 imprescindível.
 
 60-Tal necessidade tem carácter urgente, pois, a Recorrente não tem outro local 
 onde viver, dadas as dificuldades económicas em que se encontra.
 
 61-Conquanto esta tem sido uma questão larga e intensamente discutida pela nossa 
 doutrina e Tribunais, nomeadamente, os de recurso, juntam-se, para os devidos 
 efeitos, dois dos acórdãos que apontam nos vários sentidos pugnados pela 
 Recorrida.- V. Doc’s 1 e 2.
 Em conclusão:
 
 1.Da decisão sumária ser redutora e não ter aplicado ao caso sub judice a 
 argumentação que ele carecia, não o apreciando, na sua totalidade, apreciando-o 
 tão só por referência a um acórdão, que apenas versa uma ínfima parte e, por sua 
 vez, redutora da decisão de que se recorre.
 
 2. A Recorrente necessita do local arrendado para habitação própria;
 
 3. Tem, por isso, direito a denunciar o contrato;
 
 4.Sendo que tal direito não lhe é limitado, uma vez que o arrendatário não o 
 habita há mais de 30 anos;
 
 5.É aplicável, no caso concreto, o prazo de 30 anos, por um lado, por este não 
 ter sido considerado materialmente inconstitucional;
 
 6.Preservada a regra da não denunciabilidade do contrato, quando o arrendatário 
 viva no locado há vários anos, nada obsta a que fosse alterado o limite 
 temporal.
 
 7. Pelo que, inexiste, neste ponto, qualquer vício de inconstitucionalidade. 
 
 8.Por outro lado, no que respeita ao seu conteúdo, diploma apreciado só seria 
 inconstitucional supervenientemente, à data em que o acórdão foi proferido, 
 afastando-se, assim, o efeito repristinatório.
 
 9.Mesmo que assim não fosse, a haver repristinação, tal implicaria também o 
 renascimento do art. 1096° do C.C., preceito este que tutela a posição do 
 senhorio que necessite do locado para habitação.
 
 10.Não foi, deste modo, repristinado o diploma anterior que consagrava o prazo 
 de 20 anos.
 
 11.Mais, a Recorrente é titular de um direito real maior, o direito de 
 propriedade, já o Recorrido enquanto arrendatário, é titular de um direito real 
 menor .
 
 12.Também a tutela do direito adquirido à denúncia do contrato da Recorrente ao 
 abrigo da lei que prevê o prazo dos 30 anos decorre do principio da confiança 
 jurídica, enquanto corolário do estado de direito democrático do art. 2º da CRP.
 
 13.Não tendo o Tribunal Constitucional fixado os efeitos da 
 inconstitucionalidade, ele apenas pode valer para o futuro, pois só assim se 
 tutela a segurança jurídica, a equidade e o interesse público.
 
 14.Por outro lado, não podendo a locação ser celebrada por um período superior a 
 
 30 anos, também não faz sentido vedar ao proprietário pôr fim ao contrato quando 
 este vigore há 20 ou 30 anos, conforme o entendimento.
 
 15.Ainda que seja outro o entendimento, o direito da Recorrente é 
 constitucionalmente tutelado, nomeadamente face aos seguintes preceitos:
 Art. 62 ºe 65º, n.º 1 - Direito à habitação e à propriedade;
 Art. 71º - Princípio da salvaguarda das posições jurídicas de quem está em 
 situação especial de desamparo;
 Art. 72º - Princípio da protecção da terceira idade, dado a Recorrente ter mais 
 de 65 anos de idade, também tutelado no R.A.U. face ao arrendatário;
 Art. 13º - Princípio da igualdade, por ambas as partes se encontrarem em 
 situações materialmente idênticas.
 Nestes termos e nos melhores de direito, sendo a necessidade da casa, por parte 
 de Recorrente, real, séria, actual e imprescindível, pede-se o provimento da 
 presente reclamação para a conferência, com vista à apreciação em plenário da 
 inconstitucionalidade da norma da al. b), do n.º1, do art. 107º do RAU 
 
 (Decreto-Lei n° 321-B/1990), com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 
 
 329/B/2000, de 22 de Dezembro, bem como da declaração de inconstitucionalidade 
 com força obrigatória geral da mesma norma, na parte que alargou o prazo de 20 
 para 30 anos ou período mais curto previsto em lei anterior e decorrido na 
 vigência desta, por repristinação do art.. 2°da Lei n° 55/79, de 15 de Setembro 
 
 (AC. TC 97/2000), atenta a violação do disposto no n° 4, do art. 282° da C.R.P., 
 já que essa norma viola, conjugadamente, o disposto no  art. 2°, no  n.º1 do 
 art. 62º e no n.º 1 do art. 65º todos da Constituição da República Portuguesa 
 
 (C.R.P.), bem como os princípios constitucionais nela consagrados nos seus art. 
 
 13°, 71° e 72°, com vista à revogação da decisão recorrida.
 
  
 
  
 Mantém, portanto, a recorrente a opinião de que a norma constante da alínea b) 
 do n.º1 do artigo 107º do RAU (Decreto-Lei n° 321-B/1990) é inconstitucional por 
 violar, 'conjugadamente, o disposto no artigo 2° no n.º1 do artigo 62º e no n.º 
 
 1 do artigo 65º da Constituição da República Portuguesa, bem como os princípios 
 constitucionais nela consagrados nos seus artigos 13°, 71° e 72°'. 
 Mas não só.  
 No seu entendimento, também 'a declaração de inconstitucionalidade com força 
 obrigatória geral da mesma norma, na parte que alargou o prazo de 20 para 30 
 anos ou período mais curto previsto em lei anterior e decorrido na vigência 
 desta, por repristinação do artigo 2° da Lei n° 55/79, de 15 de Setembro (AC. TC 
 
 97/2000)' é inconstitucional por 'violação do disposto no n° 4 do artigo 282° da 
 C.R.P.'.
 
 É, no entanto, oportuno relembrar que o presente recurso tem como objecto, 
 apenas, norma jurídica aplicada na decisão recorrida apesar de ter sido invocada 
 a sua inconstitucionalidade, não sendo possível, no âmbito do recurso, sindicar 
 a decisão recorrida enquanto tal. Ora, uma vez que na decisão ora reclamada se 
 explicou já que o Tribunal mantém o julgamento de não inconstitucionalidade que 
 fez designadamente no seu acórdão n. 550/2003 (publicado no DR, II série, de 18 
 de Fevereiro de 2004), nada mais caberá aqui dizer. 
 
  
 Nestes termos se decide indeferir a reclamação, mantendo o julgamento de 
 improcedência do recurso.
 
  
 Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
 
  
 Lisboa, 27 de Abril de 2005
 
  
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria Helena Brito
 Rui Manuel Moura Ramos