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Processo n.º 68/05                           
 
 1.ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
 
                                                     
 
  
 Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I
 
  
 
  
 
 1.         A fls. 363 e seguintes, foi proferida decisão sumária que não tomou 
 conhecimento do objecto do recurso interposto para este Tribunal por A., pelos 
 seguintes fundamentos:
 
  
 
 “[...]
 Tendo o presente recurso sido interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, deve o seu objecto ser constituído 
 por uma norma, a apreciar pelo Tribunal Constitucional sob o ponto de vista da 
 sua conformidade constitucional.
 Sucede, porém, que a recorrente pretende a apreciação de uma cláusula constante 
 de um acordo colectivo de trabalho. Deverá tal cláusula ser qualificada como uma 
 norma, para efeitos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal 
 Constitucional? 
 A esta pergunta tem o Tribunal Constitucional dado resposta negativa.
 Na verdade, constitui orientação maioritária do Tribunal Constitucional a de que 
 as normas das convenções colectivas de trabalho não estão sujeitas à 
 fiscalização concreta da constitucionalidade a cargo deste Tribunal, pois que 
 não integram o conceito de norma utilizado na alínea b) do n.º 1 do artigo 280º 
 da Constituição (e, consequentemente, na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei 
 do Tribunal Constitucional). 
 Tal orientação foi nomeadamente perfilhada pelo Tribunal Constitucional nos 
 acórdãos n.ºs 172/93, de 10 de Fevereiro (publicado no Diário da República, II 
 Série, n.º 141, de 18 de Junho de 1993, p. 6454), 250/97, de 18 de Marco, 
 
 637/98, de 4 de Novembro, 697/98, de 15 de Dezembro, 284/99, de 5 de Maio, 
 
 492/00, de 22 de Novembro, 10/03, de 15 de Janeiro e 92/03, de 14 de Fevereiro 
 
 (estes disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
 No primeiro dos acórdãos referenciados – em que estava em causa a apreciação da 
 inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, da norma 
 constante da cláusula 5ª do Anexo I ao Contrato Colectivo de Trabalho entre a 
 Associação Portuguesa das Empresas Industriais de Produtos Químicos e outras e 
 a Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores das Indústrias Químicas e 
 Farmacêuticas de Portugal e outros (in Boletim do Trabalho e Emprego, I Série, 
 n.º 16, de 29 de Abril de 1983), quando interpretada no sentido de impedir que 
 uma empresa, depois de entrar no Grupo A, possa alguma vez baixar de grupo, 
 ainda que baixe a sua facturação anual, devendo, em consequência, continuar a 
 remunerar sempre os seus trabalhadores de acordo com as tabelas em vigor para o 
 referido Grupo A –, disse o Tribunal Constitucional o seguinte:
 
 [...]
 Com base na fundamentação transcrita, o Tribunal Constitucional decidiu, no 
 mencionado acórdão n.º 172/93, não tomar conhecimento do recurso. 
 
 É esta a jurisprudência que agora também se perfilha e para a qual se remete.
 Não pretendendo a recorrente a apreciação da conformidade constitucional de uma 
 norma, no sentido em que este conceito é utilizado na alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, conclui-se que não está preenchido 
 um dos pressupostos processuais do presente recurso, não sendo consequentemente 
 possível conhecer do respectivo objecto.
 
 [...].”.
 
  
 
  
 
 2.            Notificada desta decisão, A. veio reclamar para a conferência, nos 
 termos do artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, através do 
 requerimento de fls. 389 e seguintes), em que concluiu do seguinte modo:
 
  
 
  
 
 “[...]
 
 1. Através da douta decisão sumária ora reclamada, que pelas razões constantes 
 dos Acórdãos, deste mesmo Tribunal, com os n.º 172/93, 250/97, 637/98, 697/98 
 entre outros citados, entendeu não ser possível tomar conhecimento do recurso 
 interposto pelo ora Reclamante, defende-se a ideia de que tudo o que respeita a 
 acordos e convenções colectivas de trabalho não está sujeito a controlo de 
 constitucionalidade.
 
 2. A posição acima expressa decorre do facto de o Tribunal Constitucional, ainda 
 que por maioria, ter vindo a entender que «as normas das convenções colectivas 
 de trabalho não estão sujeitas à fiscalização concreta da constitucionalidade a 
 cargo deste Tribunal, pois que não integram o conceito de norma utilizado na 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 280º da Constituição e consequentemente na alínea 
 b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional».
 
 3. Mais tem vindo a defender o Tribunal Constitucional e citando o Acórdão n.º 
 
 172/93, que «(...) como as normas das convenções colectivas de trabalho não 
 provêm de entidades investidas em poderes de autoridade, e muito menos provêm de 
 poderes públicos, então não estão sujeitas à fiscalização concreta de 
 constitucionalidade que incumbe a este Tribunal exercer, nos termos do art.  
 
 280°, n.° 1, alínea b), da Constituição».
 
 4. Tal posição, igualmente expressa na decisão ora reclamada, não pode merecer, 
 como é óbvio, a concordância da Recorrente e ora Reclamante.
 
 5. Na verdade, encontrando-nos no domínio do Direito do Trabalho, começaremos 
 por dizer, com recurso aos Professores Vital Moreira e Gomes Canotilho, que se 
 trata de um verdadeiro direito fundamental dos cidadãos, um direito positivo dos 
 cidadãos perante o Estado (Constituição da República Portuguesa anotada, 1978, 
 anotação ao art. 51°, II).
 
 6. Por outro lado, qualquer instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, 
 como sucede, «in concreto», com o ACTV para o sector bancário, para além de 
 fonte de direito de trabalho é, ao mesmo tempo, um acto normativo (neste 
 sentido, Conselheiro Mário de Brito, in Separata ao BMJ, Direito do Trabalho, 
 pág. 136), podendo também ele ver-se afectado de inconstitucionalidade quer em 
 termos formais, quer em termos materiais.
 
 7. Não admira, pois, que a esse propósito, tenha Carnelutti, afirmado que a 
 convenção colectiva tem o corpo do contrato e a alma da lei.
 
 8. E a concepção do mundo laboral e da negociação colectiva que se intui através 
 do recurso a estes Ilustres Juristas corresponde, ao fim e ao cabo, a uma parte 
 de grande importância na vida das nossas sociedades, dada a sua íntima ligação 
 
 às vertentes sociais, económicas, políticas, «et pour cause», jurídicas.
 
 9. Como afirma o Professor Monteiro Fernandes, in Temas Laborais, Almedina, 
 
 1984, pág. 117, «A negociação colectiva, como processo de produção normativa, 
 reflecte, em cada momento, as preocupações sociais dominantes, em função dos 
 dados da conjuntura económica», concluindo que «A convenção colectiva tem-se 
 afirmado como a mais influente fonte do Direito do Trabalho» – sublinhado nosso.
 
 10. Dentro de todo o contexto sumariamente exposto, parece à ora Reclamante, com 
 todo o respeito, que as razões invocadas para não conhecer do recurso 
 interposto, perdem toda a razão de ser.
 
 11. E perdem toda a razão de ser sobretudo, por razões de natureza 
 jurídico/constitucional e por razões ligadas ao leque de atribuições e 
 competências do Tribunal Constitucional.
 
 12. Em primeiro lugar, da análise dos preceitos constitucionais em causa, não se 
 alcança o entendimento avançado pela Ilustre Conselheira Relatora quando, é 
 indiscutível, que o ACTV em discussão comporta um conjunto de normas jurídicas, 
 como tal reconhecidas pelo Estado.
 
 13. Por outro lado, da leitura do art. 70° da Lei do Tribunal Constitucional, em 
 particular, do seu n.º 1 alíneas a) e b), o vocábulo «norma» aí empregue, não 
 autoriza qualquer interpretação limitativa, incompatível, aliás, com a ideia de 
 fiscalização concreta de constitucionalidade. 
 
 14. Importa não olvidar que a matéria suscitada no recurso interposto, prende-se 
 com a Lei de Bases da Segurança Social e com o art. 63° n.º 4 da Constituição da 
 República Portuguesa.
 
 15. Aliás, este preceito constitucional ao dispor que «Todo o tempo de trabalho 
 contribui, nos termos da lei, para o calculo das pensões de velhice e invalidez 
 
 (...)» (sublinhado nosso), está a reconhecer expressamente a natureza e 
 dignidade pública de ordenamentos jurídicos – como os instrumentos de 
 regulamentação colectiva – que a decisão sumária ora reclamada não reconhece, 
 para mais num domínio fundamental da vida dos cidadãos (a segurança social).
 
 16. Doutro modo, a aceitar a tese em discussão, não se compreende a 
 possibilidade de recurso a órgãos de soberania, como os Tribunais, para dirimir 
 conflitos desta natureza.
 
 17. Não pode, assim, o ora Reclamante aceitar o entendimento defendido pela 
 Ilustre Conselheira Relatora dada a inexistência de qualquer correspondência com 
 a letra da lei.
 
 18. O que importa apurar é se uma norma, num determinado caso concreto, ofende 
 ou não o tecido constitucional.
 
 19. Se dúvidas existissem quanto a este entendimento, bastaria o recurso aos 
 eminentes constitucionalistas atrás citados (Direito Constitucional, 5ª edição, 
 Almedina, 1992, pág. 1061) onde, no âmbito da fiscalização concreta de 
 inconstitucionalidade, depois de afirmarem que «Não há, porém, qualquer 
 restrição quanto à natureza das normas impugnadas: podem ser normas materiais ou 
 processuais, podem incidir sobre o mérito da causa ou apenas sobre meios 
 probatórios ou pressupostos processuais, podem ou não lesar direitos 
 fundamentais ou interesses legítimos das partes. Isto não significa que os 
 problemas de inconstitucionalidade digam apenas respeito a actos normativos, 
 pois não são impensáveis hipóteses de actos privados... directamente violadores 
 da constituição...».
 
 20. Os citados ilustres constitucionalistas, Gomes Canotilho e Vital Moreira 
 referem ainda, in Constituição da República Portuguesa, Anotada, 2° Vol., 
 Coimbra Editora, 1985, pág. 471, que «(...) é possível estabelecer um elenco dos 
 actos, cujo conteúdo, por ser constituído por normas, está sujeito a 
 fiscalização da constitucionalidade» (negrito nosso), elencando especificamente 
 para o efeito as convenções colectivas de trabalho.
 
 21. Igualmente acrescentam que «Embora a Constituição não seja explícita quanto 
 ao valor jurídico dos contratos e acordos colectivos de trabalho e remeta para a 
 lei a determinação da eficácia das respectivas normas (art.  56º n.º 4), é 
 entendimento corrente de que eles são fonte de direito com valor pelo menos 
 idêntico ao das portarias regulamentares. Deve, pois, entender-se que estão 
 sujeitos ao controlo da constitucionalidade» – ob. supra cit., pág. 474.
 
 22. Na verdade, e conforme alude igualmente o recente Acórdão n.º 580/2004 deste 
 Tribunal, a propósito do mencionado art. 56°, n.º 4 da Constituição, «a 
 jurisdicidade de tais normas é indiscutível, por estar fundamentada na lei».
 
 23. E saliente-se que o aludido douto acórdão deste tribunal, ainda que por 
 maioria, concluiu que «as normas constantes de convenções colectivas de trabalho 
 se devem ter como normas para efeitos de controlo de constitucionalidade 
 cometido a este tribunal».
 
 24. E, na modesta opinião do ora Reclamante, a prevalecer o entendimento 
 plasmado na douta decisão sumária ora reclamada, qualquer questão emergente de 
 interpretação de um instrumento de regulamentação colectiva, ainda que viciada 
 de manifesta inconstitucionalidade, nunca era passível de apreciação pelo 
 Tribunal Constitucional, continuando a norma afectada a vigorar no ordenamento 
 jurídico.
 
 25. Tal condicionalismo, a verificar-se, constituiria, decerto, uma evidente 
 contradição com a natureza e objectivos prosseguidos pelo Tribunal 
 Constitucional.
 Termos em que, deve a presente reclamação ser deferida e, em consequência, ser 
 admitido o recurso interposto pelo ora Reclamante, ordenando-se o prosseguimento 
 dos autos.”.
 
  
 
  
 
 3.         O recorrido Banco B. (anteriormente, C.) respondeu à reclamação 
 apresentada (fls. 396), sustentando que a mesma deve ser indeferida, pelas 
 seguintes razões:
 
  
 
  
 
 “[...] vem em conformidade, acolher tudo quanto foi decidido na douta decisão 
 sumária proferida naquela data, porquanto, efectivamente, a recorrente não pugna 
 pela apreciação da constitucionalidade de uma «norma» no sentido previsto na 
 alínea b) do n.° 1 do art° 70° da Lei do Tribunal Constitucional, pelo que não 
 estando preenchido o pressuposto aí exigido, não é possível conhecer, desde 
 logo, do objecto do presente recurso.
 
 [...].”.
 
  
 
  
 
             Tendo sido determinada pelo Presidente do Tribunal Constitucional a 
 intervenção do plenário, nos termos do artigo 79º-A, n.º 1, da LTC, cumpre 
 apreciar e decidir.
 
  
 II
 
  
 
  
 
 4.         A decisão sumária reclamada, que não tomou conhecimento do objecto do 
 recurso, invocou como fundamento o não preenchimento de um pressuposto 
 processual do recurso interposto.
 
             Entendeu-se, de acordo com a orientação maioritária perfilhada pela 
 jurisprudência do Tribunal Constitucional, que as cláusulas das convenções 
 colectivas de trabalho não estão sujeitas à fiscalização concreta da 
 constitucionalidade a cargo deste Tribunal, por não integrarem o conceito de 
 norma utilizado na alínea b) do n.º 1 do artigo 280º da Constituição (e, 
 consequentemente, na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal 
 Constitucional). 
 
  
 
             Proferida ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei do 
 Tribunal Constitucional, a decisão sumária reclamada assentou na fundamentação 
 utilizada em acórdãos proferidos pelo Tribunal Constitucional – e designadamente 
 no acórdão n.º 172/93, de 10 de Fevereiro (publicado no Diário da República, II 
 Série, n.º 141, de 18 de Junho de 1993, p. 6454), que parcialmente se 
 transcreveu.
 
  
 
  
 
 5.         Na reclamação agora deduzida, a reclamante procura sustentar que a 
 competência do Tribunal Constitucional deve abranger a apreciação da 
 conformidade constitucional das cláusulas constantes das convenções colectivas 
 de trabalho.
 
  
 
             Invoca a reclamante, apoiando-se em numerosas citações doutrinárias, 
 que “qualquer instrumento de regulamentação colectiva de trabalho”, como sucede, 
 no caso concreto, com o ACTV para o sector bancário, é “fonte de direito de 
 trabalho” e, “ao mesmo tempo, um acto normativo” que diz respeito a direitos 
 fundamentais dos cidadãos – o que não seria reconhecido pela decisão sumária ora 
 reclamada, “para mais num domínio fundamental da vida dos cidadãos (a segurança 
 social)”.
 
  
 
             Como este Tribunal teve oportunidade de esclarecer em diversas 
 ocasiões – e concretamente no já mencionado acórdão n.º 172/93, de 10 de 
 Fevereiro –, não importa aqui saber se as cláusulas constantes das convenções 
 colectivas de trabalho “devem ou não ser consideradas como normas para qualquer 
 outro efeito, nomeadamente para efeitos de classificação doutrinal: do que se 
 cura é de apurar se a Constituição pretendeu submetê-las ao específico sistema 
 de controlo da constitucionalidade constante do artigo 280º (e 281º)”.
 
  
 
             Ora, na averiguação e determinação do que seja norma, para efeitos 
 de fiscalização da sua constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional, este 
 Tribunal tem sublinhado que deve utilizar-se “um conceito funcional adequado ao 
 sistema de fiscalização da constitucionalidade [...] e consonante com a sua 
 justificação e sentido” (acórdão n.º 26/85, publicado no Diário da República, II 
 Série, n.º 96, de 26 de Abril de 1985, p. 3871). Não se trata portanto de um 
 conceito material, ou de outro tipo, de norma, mas antes de um conceito adequado 
 
 à justificação do sistema de fiscalização da constitucionalidade.
 
  
 
             Especificamente quanto ao problema de saber se as cláusulas 
 constantes das convenções colectivas de trabalho integram o conceito de norma 
 para efeitos de fiscalização concreta da constitucionalidade a cargo deste 
 Tribunal – e não obstante as divergências detectadas entre os autores 
 portugueses que se pronunciaram sobre tal problema durante os últimos anos – 
 mantém-se actual a posição definida pelo Tribunal Constitucional no leading case 
 que tem vindo a ser citado (o acórdão n.º 172/93) e que agora se recorda:
 
  
 
 “[...]
 
 4 - Seja qual for a concepção que se queira adoptar sobre a natureza jurídica 
 das convenções colectivas de trabalho (isto é, quer se propenda para uma 
 concepção contratualista, jurisprivatística, quer para uma concepção 
 jurispublicística, quer para uma concepção intermédia, quer para a de um 
 tertium genus), uma coisa é certa: no nosso direito vigente, as convenções 
 colectivas de trabalho não têm constitucionalmente fixado o regime da sua 
 eficácia, já que a Constituição remete tal fixação para a lei ordinária no 
 artigo 56º, n.º 4 (57º, n.º 4, na versão anterior à revisão de 1989).
 E a lei ordinária concretiza essa norma remissiva no Decreto-Lei n.º 519-C1/79, 
 de 29 de Dezembro. Dispõe o artigo 7º deste diploma:
 
 «1. As convenções colectivas de trabalho obrigam as entidades patronais que as 
 subscrevem e as inscritas nas associações patronais signatárias, bem como os 
 trabalhadores ao seu serviço que sejam membros quer das associações sindicais 
 celebrantes, quer das associações sindicais representadas pelas associações 
 sindicais celebrantes.
 
 2. As convenções outorgadas pelas uniões, federações e confederações obrigam as 
 entidades patronais empregadoras e os trabalhadores inscritos, respectivamente, 
 nas associações patronais e nos sindicatos representados nos termos dos 
 estatutos daquelas organizações, quando outorguem em nome próprio ou em 
 conformidade com o mandato a que se refere o artigo 4º.».
 Daqui resulta que a lei estabelece que as convenções colectivas obrigam 
 exclusivamente as entidades que as celebram, e bem assim as organizações e 
 trabalhadores que nelas estão ou venham a estar inscritos. E tanto assim que, 
 para estender a eficácia dessas convenções a terceiros, se torna necessário usar 
 um acto normativo público, a portaria de extensão prevista no artigo 29º, n.º 1, 
 do mesmo diploma.
 Comparativamente, o artigo 39º, último parágrafo, da Constituição italiana 
 estabelece que «I sindacati [organizações profissionais de trabalhadores ou 
 empresários] registrati [...] possono, rappresentati unitariamente in 
 proporzione dei loro iscritti, stipolare contratti collettivi con efficacia 
 obbligatoria per tutti gli appartenenti alle categorie alle quali il contrato si 
 referisce». Gustavo Zagrebelsky começa por comentar que aquela norma implica o 
 reconhecimento explícito do contrato colectivo de trabalho como modo de 
 produção de normas jurídicas, isto é, como fonte de direito (segundo a 
 conhecida formulação de Carnelutti, para quem tal contrato tem corpo de 
 contrato e alma de lei). Todavia, logo acrescenta que aquela norma 
 autorizatória nunca teve qualquer concretização, por obstáculos técnicos e 
 políticos que foram opostos à sua regulamentação, e que radicam sobretudo na 
 contradição, latente em tal norma, entre o princípio da liberdade de organização 
 sindical e a necessidade de regulamentar as associações profissionais, para 
 tornar efectiva a eficácia erga omnes prevista naquele artigo 39º; e, daí, 
 retira, como consequência, que os contratos colectivos hoje efectivamente 
 celebrados não assumem a natureza de fontes de direito em sentido próprio 
 
 (Manuale di Diritto Costituzionale, 1 – Il sistema delle fonti del diritto, 
 UTET, Torino, 1988, págs. 247 e segs.).
 Quanto ao direito português, e apesar de o artigo 56º, n.º 4, da Constituição 
 
 (actual redacção) dar ao legislador ordinário a possibilidade de estabelecer a 
 eficácia das normas das convenções colectivas de trabalho, estas não são 
 efectivamente configuradas, na legislação ordinária, como actos normativos 
 públicos, as entidades que as subscrevem não têm poderes de autoridade, e o 
 clausulado normativo que elas integram não obriga terceiros.
 
 5 - Segundo A. Menezes Cordeiro (Manual de Direito do Trabalho, Almedina, 1991, 
 pág. 321), «com as particularidades acima examinadas, que têm a ver com deveres 
 instrumentais, as convenções colectivas surgem no termo do livre exercício de 
 poderes de celebração e de estipulação. Elas formam-se nos moldes contratuais e 
 têm eficácia porque as pessoas constituíram livremente associações para que 
 estas, também em liberdade, contratassem em termos colectivos. – Os poderes que 
 explicam este mecanismo não são originários, antes assentando numa 
 normativização conferida pelo Direito objectivo. Mas isso ocorre precisamente 
 com os diversos negócios jurídicos. – A autonomia colectiva representa assim 
 uma particular forma de autonomia privada; as convenções colectivas de trabalho 
 são negócios (privados) colectivos».
 Mas, mais à frente, este autor acrescenta que «a privatização das convenções 
 colectivas, fortemente alicerçada no princípio da filiação e na liberdade 
 sindical e de associação, não pode ser levada até ao fim... O regime em vigor 
 reconhece expressamente a contratação colectiva – artigo 57º/3 e 4 da 
 Constituição – e aponta-a como fonte – artigo 12º/1 da LCT – sendo um facto que 
 ela permite a revelação de normas jurídicas. [...] As convenções colectivas são, 
 pois, negócios (privados) colectivos e fontes mediatas do Direito» (ib. pág. 
 
 322).
 O argumento retirado do texto do artigo 12º, n.º 1, da Lei do Contrato 
 Individual de Trabalho não será assim tão decisivo na determinação da natureza 
 jurídica da convenção colectiva de trabalho: é preciso ter em conta que tal 
 diploma é o Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969, e que aí as 
 convenções colectivas de trabalho são colocadas em último lugar na ordem de 
 precedência, depois das normas legais, das emitidas pelo Ministério das 
 Corporações e Previdência Social, e mesmo depois das normas corporativas. 
 Trata-se, como se vê, de uma disposição legal estabelecida no quadro do anterior 
 sistema jurídico corporativo, e cuja desactualização é patente.
 Em resumo: a lei regulamenta a eficácia específica das convenções colectivas 
 impondo a sua obrigatoriedade unicamente quanto àqueles que devem considerar-se 
 representados pelas entidades que as subscrevem, à luz dos princípios do 
 direito do trabalho. As organizações profissionais que as celebram não têm 
 poderes de autoridade mas apenas poderes de representação, isto é, de defesa e 
 de promoção da defesa dos direitos e interesses dos respectivos filiados (cfr. 
 artigo 56º, n.º 1, da Constituição).  E, assim, o clausulado que elas incorporam 
 não contém normas, entendidas como padrões de conduta emitidos por entidades 
 investidas em poderes de autoridade.
 
 6 - Ora, se pode discutir-se qual o exacto alcance da palavra norma 
 estabelecida no artigo 280º, n.º 1, alínea b), da Constituição, parece seguro, 
 pelo menos, que com ela se teve em vista apenas os actos dispositivos de 
 entidades investidas em poderes de autoridade e, mais precisamente, os actos 
 dispositivos dos poderes públicos. Por exemplo, esta questão é dada como 
 assente no Acórdão n.º 26/85 (Diário da República, 2ª série, de 26 de Abril de 
 
 1985), onde se concluiu que nem todos os actos dos poderes públicos devem 
 considerar-se normas (e, portanto, sujeitos à fiscalização do Tribunal 
 Constitucional): aí se optou por um conceito funcionalmente adequado, segundo o 
 qual não são normas as decisões judiciais e os actos da administração sem 
 carácter normativo, nem os actos políticos ou actos de governo em sentido 
 estrito.  
 Tal conceito funcionalmente adequado seria retomado depois no Acórdão n.º 
 
 150/86 (Diário da República, 2ª série, de 26 de Julho de 1986), onde se 
 considerou ser o mesmo aplicável, não só aos casos de fiscalização abstracta, 
 mas também aos casos de fiscalização concreta, e que neste domínio o que importa 
 verificar é se o preceito a examinar tem por parâmetro de validade imediata a 
 lei ou a Constituição, pois que neste último caso nada justificará que esse 
 exame escape à jurisdição e à competência do Tribunal Constitucional.
 O Tribunal, contudo, sempre afirmou com clareza que escapam ao seu poder de 
 cognição as normas provenientes da autonomia privada, salvo quando decorrentes 
 da atribuição de poderes ou funções públicas a entidades privadas (Acórdão n.º 
 
 472/89, in Diário da República, 2ª série, de 22 de Setembro de 1989; e Acórdãos 
 n.º 156/88 e n.º 157/88, in Diário da República, 2ª série, de 17 de Setembro e 
 de 26 de Julho de 1988, respectivamente). 
 
 7 - Ora, como as normas das convenções colectivas de trabalho não provêm de 
 entidades investidas em poderes de autoridade, e muito menos provêm de poderes 
 públicos, então não estão sujeitas à fiscalização concreta de 
 constitucionalidade que incumbe a este Tribunal exercer, nos termos do artigo 
 
 280º, n.º 1, alínea b), da Constituição.
 
 É certo que o artigo 56º, n.º 4, da Constituição se refere a normas das 
 convenções colectivas de trabalho. Todavia, com isto não pretende obviamente 
 usar o termo no sentido de normas provenientes dos poderes públicos, as únicas 
 que são consideradas no sistema de fiscalização de constitucionalidade pelo 
 artigo 3º, n.º 3, da Constituição, como nota Jorge Miranda no texto acima 
 referido.
 E  esta conclusão não conflitua com o decidido no Acórdão n.º 392/89 (Diário da 
 República, 2ª série, de 14 de Setembro de 1989), na medida em que aí se 
 conheceu de uma norma constante de uma convenção colectiva de trabalho objecto 
 de uma portaria de extensão. É que, como então se assinalou, «a cláusula foi 
 aplicada ex vi de uma portaria de extensão, que, assim, a ‘apropriou’, fazendo 
 seu o respectivo conteúdo normativo», sendo certo que «as normas de uma portaria 
 preenchem, seguramente, o conceito de norma para o efeito da sua submissão ao 
 controlo de constitucionalidade».
 
 [...].”
 
  
 
  
 
             As considerações constantes do acórdão que se transcreveu mantêm 
 plena validade perante o texto do actual Código do Trabalho (cfr. artigo 552º).
 
  
 
             Reafirma-se, assim, que as convenções colectivas de trabalho, porque 
 fundadas no exercício da autonomia privada, não contêm actos normativos sujeitos 
 
 à fiscalização concreta da constitucionalidade que incumbe a este Tribunal 
 exercer, nos termos do artigo 280º da Constituição da República Portuguesa.
 
  
 
             A esta conclusão não pode objectar-se com a invocação de uma 
 eventual violação do princípio da igualdade que decorreria da circunstância de a 
 jurisprudência do Tribunal Constitucional incluir no conceito de norma, 
 relevante para efeitos do artigo 280º da Constituição, as denominadas “portarias 
 de extensão”. É que, como assinalou o Conselheiro Paulo Mota Pinto em declaração 
 de voto junta ao acórdão n.º 580/04 (disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), “é seguro que, para o conceito de norma 
 relevante para efeitos do controlo de constitucionalidade, há uma diferenciação 
 relevante – ou, pelo menos, não arbitrária e razoável – entre normas, como as 
 resultantes de portarias de extensão, que são fruto do imperium estadual, e 
 cláusulas, como as das convenções colectivas de trabalho, que se fundam no 
 exercício da autonomia das partes”.
 
  
 
  
 
 6.         Os argumentos aduzidos na reclamação em apreciação nada trazem, pois, 
 de inovatório relativamente aos que foram considerados nos acórdãos mencionados 
 na decisão sumária reclamada e não são, por isso, susceptíveis de alterar o 
 entendimento deste Tribunal segundo o qual as cláusulas das convenções 
 colectivas de trabalho não estão sujeitas à fiscalização concreta da 
 constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional. 
 
  
 
             Conclui-se, assim, que o Tribunal Constitucional não pode conhecer 
 do objecto do presente recurso, por ele não ser constituído por normas, na 
 acepção da alínea b) do n.º 1 do artigo 280º da Constituição e da alínea b) do 
 n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
 
  
 
  
 III
 
  
 
  
 
 7.         Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal 
 Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando a decisão 
 reclamada que não tomou conhecimento do objecto do recurso.
 
  
 
             Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em vinte 
 unidades de conta.
 
  
 
  
 Lisboa, 27 de Abril de 2005
 
  
 Maria Helena Brito
 Paulo Mota Pinto
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Benjamim Rodrigues
 Gil Galvão
 Bravo Serra
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Maria João Antunes (vencida, nos termos da declaração junta)
 Maria Fernanda Palma (vencida pelas razões constantes dos
 Acórdãos n.ºs 214/94, 368/97 e 580/2004 deste Tribunal).
 Mário José de Araújo Torres (vencido, nos termos da declaração de voto junta)
 Vítor Gomes (vencido nos termos da declaração anexa).
 Rui Manuel Moura Ramos (vencido, nos termos da declaração
 de voto junta).
 Artur Maurício
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 Não acompanho o entendimento segundo o qual as cláusulas das convenções 
 colectivas de trabalho não estão sujeitas à fiscalização concreta da 
 constitucionalidade, por não integrarem o conceito de norma utilizado nos 
 artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa e 70º, nº 
 
 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional.
 Acompanho antes o entendimento expresso na declaração de voto do Senhor 
 Conselheiro José de Sousa e Brito, no Acórdão nº 172/93 (Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 24º vol, p. 458 e ss.), e depois no Acórdão nº 214/94 (Acórdãos 
 do Tribunal Constitucional, 27º vol, p. 1057 e ss.).
 As cláusulas das convenções colectivas de trabalho devem estar sujeitas à 
 fiscalização concreta da constitucionalidade por parte do Tribunal 
 Constitucional, na medida em que nelas concorrem as características que integram 
 o conceito funcional de norma que foi sendo delineado pela jurisprudência deste 
 Tribunal – “um conceito funcionalmente adequado ao sistema de fiscalização da 
 constitucionalidade” instituído no artigo 277º e ss. da Constituição da 
 República Portuguesa “e consonante com a sua justificação e sentido” (Acórdão nº 
 
 26/85, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º vol, p. 18).
 Maria João Antunes
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
                         Discordei quer da submissão a Plenário do julgamento da 
 questão que constituiu objecto do precedente acórdão, quer do sentido da 
 decisão nele maioritariamente acolhida.
 
  
 
                         1. A intervenção do Plenário do Tribunal Constitucional, 
 no âmbito dos processos de fiscalização concreta da constitucionalidade, pode 
 resultar de iniciativa do Presidente, “quando o considerar necessário para 
 evitar divergências jurisprudenciais” (artigo 79.º‑A da Lei de Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional – Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro – LTC), 
 ou de recurso interposto pelas partes (obrigatório para o Ministério Público, 
 quando intervier no processo como recorrente ou recorrido), “se o Tribunal 
 Constitucional vier a julgar a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade 
 em sentido divergente do anteriormente adoptado quando à mesma norma” (artigo 
 
 79.º‑D da LTC).
 
                         Constitui entendimento pacífico deste Tribunal o de que 
 este último recurso só é admissível se as decisões divergentes respeitarem a 
 juízos de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade) tendo por objecto a mesma 
 norma, e já não em situações de divergências jurisprudenciais de índole 
 adjectiva, incluindo as relativas à competência do Tribunal ou à determinação 
 das questões idóneas a integrar o objecto do recurso de constitucionalidade 
 
 (cf., por último, o Acórdão n.º 649/2004, onde se sustentou a conformidade dessa 
 solução com o disposto no artigo 224.º, n.º 3, da Constituição da República 
 Portuguesa – CRP). A incerteza e insegurança que derivariam da coexistência, 
 prolongada no tempo, de juízos de inconstitucionalidade e de não 
 inconstitucionalidade da mesma norma, prolatados pelo Tribunal a quem a 
 Constituição – com óbvios propósitos de segurança jurídica e de uniformização 
 jurisprudencial – atribuiu uma função de concentração da justiça constitucional 
 acarretam inconvenientes [todas as decisões dos restantes tribunais relativas à 
 norma em causa passariam a ser recorríveis para o Tribunal Constitucional ou 
 com fundamento em terem recusado a aplicação da norma por inconstitucionalidade 
 ou com fundamento em terem aplicado tal norma em sentido contrário ao 
 anteriormente decidido pelo Tribunal Constitucional – cf. artigos 280.º, n.ºs 1, 
 alínea a), e 5, da CRP e 70.º, n.º 1, alíneas a) e g), da LTC] claramente 
 superiores aos inerentes a divergências relativas a questões de índole 
 processual, como, por exemplo, a da competência do Tribunal para conhecer de 
 questões de desconformidade entre normas de direito ordinário e direito 
 internacional convencional (suscitada, antes da revisão de 1998 da LTC, a 
 propósito da alteração da taxa de juros das letras e livranças em 
 desconformidade com a respectiva Lei Uniforme e da sua qualificação como 
 inconstitucionalidade indirecta ou como ilegalidade), ou de questões de 
 violação, pelas interpretações normativas aplicadas pelas decisões recorridas, 
 dos princípios da legalidade penal ou fiscal (cf. Acórdãos n.ºs 353/86, 141/92, 
 
 634/94, 221/95, 682/95, 756/95, 154/98, 205/99, 285/99, 674/99, 122/2000, 
 
 383/2000, 358/2001, 32/2003, 196/2003, 197/2003, 203/2003, 210/2003, 238/2003, 
 
 331/03, 334/2003, 336/03, 385/2003, 394/2003, 412/2003, 494/2003, 506/2004 e 
 
 183/2005, e as observações de Rui Medeiros, “A força expansiva do conceito de 
 norma no sistema português de fiscalização concentrada da constitucionalidade”, 
 Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Armando M. Marques Guedes, Faculdade de 
 Direito da Universidade de Lisboa, 2004, pp. 183‑202, em especial pp. 190‑194, e 
 de Carlos Lopes do Rego, “O objecto idóneo dos recursos de fiscalização 
 concreta da constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo 
 Tribunal Constitucional”, Jurisprudência Constitucional, n.º 3, Julho‑Setembro 
 
 2004, pp. 4‑15, em especial pp. 11‑15), ou, como no presente caso, da 
 qualificação das normas constantes de convenções colectivas de trabalho como 
 normas idóneas a integrarem o objecto de recurso de constitucionalidade.
 
                         Sendo menos relevantes os inconvenientes da persistência 
 de divergências jurisprudenciais em questões processuais do que em questões de 
 mérito relativas à constitucionalidade de normas, compreende‑se que só quanto a 
 estas últimas situações o legislador tenha aberto às partes a via de recurso 
 para o Plenário e daí também decorre, a meu ver, que deve ser extremamente 
 parcimonioso o uso da faculdade prevista no artigo 79.º‑A da LTC. Ela só deverá 
 ser usada em situações de insuperável cristalização das posições dos diversos 
 juízes do Tribunal, que, originando divergentes decisões consoante as maiorias 
 formadas em cada uma das três Secções do Tribunal, sejam tidas como gravemente 
 inconvenientes, tendo em conta, designadamente, a “natureza da questão a 
 decidir”. E não deverá ser usada, na minha opinião, em questões relativamente 
 
 às quais se verificaram alterações recentes das posições dos juízes do Tribunal. 
 Ora, quanto à questão de as normas das convenções colectivas de trabalho 
 constituírem, ou não, normas idóneas a integrarem o objecto do recurso de 
 constitucionalidade, a evolução recente das posições dos juízes do Tribunal 
 revela que não se trata de uma “questão fechada”: se é certo que a resposta 
 negativa ainda obtém o voto da maioria, trata‑se de uma maioria que “tende cada 
 vez mais a sê‑lo cada vez menos”. É público que os três últimos juízes que 
 integraram o Tribunal aderiram, todos eles, à corrente que responde 
 afirmativamente a essa questão (cf. declarações de voto do Cons. Rui Manuel de 
 Moura Ramos aposta aos Acórdãos n.ºs 531/2004, 26/2005 e 177/2005, do Cons. 
 Vítor Manuel Gonçalves Gomes aposta ao Acórdão n.º 66/2005, e da Cons.ª Maria 
 João Antunes aposta aos Acórdãos n.ºs 26/2005 e 177/2005). Por outro lado, é 
 sabido que em 2007 ocorrerá a recomposição do Tribunal, com o termo do mandato 
 dos juízes designados em 1998, e das posições conhecidas dos sete juízes que, em 
 princípio, continuarão no exercício de funções para além daquela data resulta 
 que, a serem mantidas essas posições, existe nesse grupo uma maioria no sentido 
 de que as normas das convenções colectivas de trabalho são normas idóneas a 
 integrarem o objecto de recurso de constitucionalidade.
 
                         Neste quadro evolutivo, considerei desnecessária e mesmo 
 inconveniente a provocação da intervenção do Plenário, que, com o silenciamento 
 da posição actualmente minoritária, terá o efeito perverso de “matar” 
 definitivamente a questão, sendo altamente improvável que, após um período de 
 cerca de dois anos em que serão sistematicamente rejeitados, com inerente 
 condenação em custas, todos os recursos tendo por objecto questões de 
 inconstitucionalidade reportadas a normas das convenções colectivas de 
 trabalho, alguém ainda venha tentar interpor recursos desse género.
 
  
 
                         2. Quanto à questão decidida no precedente acórdão, 
 desde sempre aderi à posição que entende que as normas constantes de convenções 
 colectivas de trabalho são normas para efeitos de integrarem o objecto do 
 recurso de constitucionalidade.
 
  
 
                         2.1. Esta tese foi proficientemente defendida na 
 declaração de voto do Cons. José de Sousa e Brito aposta ao Acórdão n.º 172/93, 
 que, apesar da sua extensão, interessará reproduzir para facilitar o acesso ao 
 conhecimento directo e completo dos seus fundamentos:
 
  
 
 “I – Sobre a «norma» como objecto do processo constitucional
 
 2 – Conceito funcional de norma. A normatividade como elemento do conceito. O 
 ponto de partida só pode ser um conceito funcional de norma ou seja, nas 
 palavras do acórdão n.º 26/85 (Acórdãos cit., 5.º vol., pág. 18) «o que há‑de 
 procurar‑se, para o efeito do disposto nos artigos 277.º e seguintes da 
 Constituição, é ... um conceito funcionalmente adequado ao sistema de 
 fiscalização da constitucionalidade aí instituído e consonante com a sua 
 justificação e sentido».
 A primeira grande clarificação consistiu em substituir as exigências de 
 generalidade das pessoas e abstracção dos factos abrangidos pela previsão da 
 norma pela de normatividade, ou função orientadora do comportamento, relativa 
 
 à estatuição da norma. Reconheceu‑se, assim, o carácter de norma a «preceitos 
 legais de conteúdo individual e concreto ainda mesmo quando possuam eficácia 
 consuntiva», como eram as normas dos decretos‑leis em apreço no Acórdão n.º 
 
 26/85, que extinguiam, cada uma delas, uma empresa pública. Já, no mesmo 
 sentido, a Comissão Constitucional tinha considerado normas os preceitos de 
 decretos‑leis que regulavam uma classe fechada de casos (...). A razão 
 essencial que justifica esta jurisprudência foi expressa, em minha opinião, 
 já no Parecer n.º 13/82:
 
  
 
 «... é decerto seguro e indiscutível que a Constituição, ao prever o controlo 
 da constitucionalidade das “normas” jurídicas, e ao fazê‑lo quer no artigo 
 
 281.º quer no seguinte, teve em vista não toda a actividade dos poderes 
 públicos mas apenas um sector dela, a saber, o que se traduz na emissão de 
 regras de conduta ou padrões de valoração de comportamentos (isto é, de 
 
 “normas”): deste modo, fora desse específico controlo ficam os puros actos de 
 aplicação dessas regras ou padrões, que são os actos jurisdicionais e os actos 
 administrativos, stricto sensu. Simplesmente – e este outro argumento será, no 
 nosso modo de ver, decisivo – cumpre atentar em que um preceito legal que rege 
 para um caso concreto, e que nessa medida se apresenta com uma eficácia 
 equivalente à de um acto administrativo, nunca é um puro acto de “aplicação” do 
 direito preexistente, pois que simultaneamente se traduz num acto de “criação” 
 de direito novo: é que nele estabelece‑se também a regra aplicável ao caso, 
 regra que muitas vezes (se não normalmente) constitui um desvio ou uma excepção 
 
 às que de outro modo seriam aplicadas, mas que justamente se torna necessária 
 para conferir à providência administrativa adoptada o seu mesmo fundamento de 
 validade (de validade “legal”, claro). Em tal preceito ou disposição legal vai 
 implicitamente contida, por conseguinte, uma norma – uma norma “individual”, 
 decerto, mas que não há razão para subtrair só por esse facto, e como já se 
 disse, à possibilidade do controlo previsto no artigo 281.º da Constituição» (p. 
 
 159).
 
  
 Formulou‑se assim um critério de normatividade: só actos de criação normativa 
 
 (em sentido amplo, abrangendo manifestamente a modificação e a revogação total 
 ou parcial de normas), por oposição a actos de aplicação normativa são 
 controlados por via da fiscalização de inconstitucionalidade do Tribunal. É 
 esta a razão material que explica porque os actos com forma legislativa contêm 
 sempre normas, mesmo quando contêm materialmente também actos administrativos: 
 
 é que contêm então as normas que regem estes actos, que obrigam, como leis 
 formais, particulares, autoridades e tribunais, e relativamente à 
 constitucionalidade das quais as decisões dos tribunais administrativos estão 
 sujeitas à última palavra, em fiscalização concreta, do Tribunal 
 Constitucional.
 Mal seria que violações directas da Constituição, por parte de órgãos de 
 soberania ou de região autónoma, com conteúdo normativo e, portanto, 
 projectando‑se no futuro através da orientação de comportamentos, não pudessem 
 ser prevenidas em geral e eliminadas em concreto, em última instância, pelo 
 Tribunal Constitucional, podendo, contudo, ser julgadas por outros tribunais. 
 Como assim, se o Tribunal Constitucional foi especificamente instituído «para 
 administrar a justiça em matérias de natureza jurídico‑constitucional» (artigo 
 
 223.º da Constituição)?
 
 (...)
 
  
 
 3 – Afastamento de um conceito formal de norma. Como se disse no Acórdão n.º 
 
 157/88, ao adoptar a doutrina do carácter normativo do conteúdo dos actos 
 legislativos (artigo 115.º, n.º 1, da Constituição), isto é, ao concluir que 
 todas as leis em sentido formal são normas, o Tribunal limita‑se a «extrair a 
 consequência» postulada pela «consideração teológica e funcional (isto é, 
 
 “material”) das coisas» (p. 30 ss). Isto não é equivalente a dizer, como o mesmo 
 Acórdão equivocadamente disse, que tal consideração postula «um critério ou 
 noção “formal' de norma». A não ser que se entenda a expressão «formal» no 
 sentido amplíssimo de «qualquer preceito ou disposição inserida num diploma 
 normativo», referido no Parecer n.º 13/82 (p. 161). Tratar‑se‑ia então de um 
 conceito que só seria formal pela abstracção de toda a determinação de 
 conteúdo para lá da simples normatividade e da restrição, aliás injustificada, 
 ao direito escrito. Mas quando se fala em «conceito formal de norma» tem‑se 
 mais frequentemente em vista o conceito de «lei em sentido formal», que Baenel 
 definiu, na esteira de Laband, como «aquele acto do Estado que – segundo 
 determina mais de perto o direito positivo – foi produzido e declarado de uma 
 forma solene determinada, especialmente com intervenção da representação 
 popular», e que pode ter ou não como conteúdo uma proposição jurídica (Das 
 Gesetz im formellen und materiellen Sinne, 1888, reimp., 1968, pp. 204‑5). A 
 exigência material de normatividade equivale à de ter como conteúdo uma 
 proposição jurídica, o que afasta um conceito formal no sentido referido, 
 independentemente da questão de saber onde passariam os seus limites no direito 
 português – onde se justificaria uma delimitação baseada no conceito de «acto 
 legislativo» do n.º 1 do artigo 115.º da Constituição.
 
  
 
 4 – Necessidade de outros critérios adicionais. Normatividade do objecto do 
 processo e «generalidade» de norma jurídica. Mas é claro que todos estes 
 argumentos, incluindo a razão essencial primária referida, implicam que as leis 
 formais sejam «normas», para efeito de fiscalização da constitucionalidade, 
 mas não implicam que só elas o sejam. Os tribunais judiciais aplicam outras 
 formas de regulação e orientação de comportamentos, nomeadamente normas gerais 
 e individuais criadas por autoridades públicas, normas gerais do costume, 
 interno e internacional, normas de direito estrangeiro recebidas por remissão 
 das normas do direito internacional privado, decisões de tribunais com força 
 obrigatória geral, normas de convenções colectivas de trabalho, normas gerais 
 
 (como os regulamentos de empresa, de uso, de instalação, estatutos, etc.) e 
 individuais criadas por pessoas privadas. Em todos estes casos pode haver 
 violação directa da Constituição (pensa‑se em violação do princípio da 
 igualdade, ou da proibição da perda de direitos civis ou profissionais como 
 efeito necessário de penas criminais, para referir exemplos actualmente 
 presentes no Tribunal) por normas do caso e se aplicam os argumentos baseados 
 na «normatividade» tida em vista pelo Tribunal. Uma delimitação das normas 
 relativamente às quais se justifica a fiscalização da constitucionalidade pelo 
 Tribunal implica outros critérios adicionais. Os principais contributos da 
 jurisprudência do Tribunal para a formulação desses critérios foram os 
 Acórdãos n.ºs 150/86 e 168/88, para a formulação do critério do reconhecimento 
 estatal, os Acórdãos n.ºs 156/88 (Diário da República, II Série, de 17 de 
 Setembro de 1988, p. 8579 ss) e 472/89, para a formulação do critério da 
 heteronomia e os Acórdãos n.ºs 26/85 e 150/86 para o critério da imediação (ou 
 da violação directa da Constituição). Antes de tentar demonstrar esta 
 doutrina, cumpre esclarecer a relação essencial entre a normatividade e a 
 generalidade, relação decisiva para fixar o exacto alcance de todos os 
 critérios envolvidos. A «normatividade», se exclui a generalidade e 
 abstracção, como características essenciais das previsões das normas que são 
 objecto possível do processo constitucional, não exclui, antes possibilita, a 
 apreciação da «generalidade» das estatuições, como exigência da conformidade 
 destas à vontade geral. O apuramento desta conformidade é a própria essência do 
 processo constitucional. O objecto do processo tem que ser uma norma, como 
 razão de agir, para se apurar se é uma recta ratio, uma razão correcta, 
 sustentável perante a Constituição. A exigência de generalidade da lei surge 
 historicamente em Rousseau como exigência de racionalidade, baseada na 
 igualdade e na consequente concepção do bem comum como o maior bem de todos: 
 
 «como a coisa estatuída se refere necessariamente ao bem comum, segue‑se que o 
 objecto da lei deve ser geral bem como a vontade que o dita, e é esta dupla 
 universalidade que faz o carácter da lei» (Rousseau, Du contrat social (1.ère 
 version, Oeuvres complètes, ed. Pleiade, III, p. 438). Estabelece‑se assim uma 
 dialéctica entre a «vontade de todos» e a «vontade geral», que é a base de toda 
 a teoria do Estado de direito: a vontade de todos, determinada por órgãos 
 legitimados democraticamente, só obriga se conforme à «vontade geral» e só 
 através da «vontade de todos» «se pode assegurar que uma vontade particular é 
 conforme à “vontade geral”» (Du contrat social, 1.2, e 7, ed. cit., p. 383). 
 Assim entendida, a exigência de generalidade não depende do carácter mais ou 
 menos determinado dos casos a que se aplica, mas da conformidade com a vontade 
 geral, ou correcção, ou racionalidade, do ponto de vista do Estado de direito, 
 da estatuição normativa, isto é, da susceptibilidade da sua generalização, 
 como diz, no mesmo sentido, Krüger: «a lei é geral (e portanto correcta) quando 
 passa a prova do critério da capacidade de generalização» (Allgemeine 
 Staatslehre, 2.ª ed., 1966, p. 306‑7).
 A norma que é objecto do processo constitucional não tem que ser geral neste 
 sentido, pois poderá concluir‑se pela sua inconstitucionalidade, mas tem que 
 pretender sê‑lo. A pretensão da generalidade confunde‑se com a pretensão de 
 constitucionalidade e não é um requisito autónomo do objecto de processo 
 constitucional, mas fundamenta a heteronomia e o reconhecimento. O momento 
 dialéctico da legitimação democrática conduz à doutrina do reconhecimento. Os 
 dois momentos dialécticos da legitimação democrática e da legitimação racional 
 
 (pela referência ao bem comum do Estado de direito) implicam a doutrina da 
 heteronomia.
 
  
 
 5 – A imediação como elemento do conceito funcional de norma. A exigência de 
 mediação tem a ver com a dimensão fiscalizadora das competências 
 constitucionais da jurisdição constitucional: o Tribunal Constitucional só 
 excepcionalmente julga acerca da legalidade de quaisquer normas, nomeadamente 
 quando se trata da ilegalidade de um acto legislativo – a que os tribunais, 
 por consequência de inconstitucionalidade, não devem obediência –, ou quando 
 está em causa a autonomia regional (n.º 2 do artigo 280.º da Constituição; 
 artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional). Em todos estes casos a 
 ilegalidade implica a violação de limites à competência de órgãos soberanos ou 
 de autonomia regional, regulados na Constituição, e assim, uma 
 inconstitucionalidade orgânica indirecta. O Tribunal Constitucional então 
 intervém na sua função típica de fiscalizar competências constitucionalmente 
 definidas, tal como nos juízos de inconstitucionalidade. Esta problemática não 
 existe nas restantes inconstitucionalidades indicadas por ilegalidade. São, 
 portanto, os fins da jurisdição constitucional que implicam a imediação.
 A imediação foi formulada logo no já citado Acórdão n.º 26/85: «também os 
 preceitos com a natureza agora considerada têm como parâmetro de validade 
 imediato, não a lei (“outra” lei), mas a Constituição. Nada justifica, por 
 consequência, que o seu exame escape ao controlo específico da 
 constitucionalidade – é dizer, à jurisdição e à competência deste Tribunal» 
 
 (p. 19). Identicamente se pronunciou o Acórdão  n.º 150/86 (p. 299). Em rigor, 
 são os fins da jurisdição constitucional e, portanto, o conceito funcional de 
 norma, que implicam a imediação. Assim, se não houvesse violação directa da 
 Constituição é que haveria uma razão para escapar ao controlo específico de 
 constitucionalidade e tal não se verifica nas hipóteses dos acórdãos. A 
 imediação não era problemática no caso do Acórdão n.º 26/85, em que se julgavam 
 normas de actos legislativos, que estavam imediatamente sujeitos à Constituição. 
 Mas já se tornava decisiva quanto às normas do regulamento de arbitragem 
 julgadas inconstitucionais no Acórdão n.º 150/86, que só violavam directamente 
 a Constituição por não estar em vigor a Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto (artigo 
 
 16.º), que as teria tornado ilegais. Assim foi com base na falta de imediação 
 que o Acórdão n.º 266/92, de 14 de Julho, considerou inadmissível o recurso da 
 alegada inconstitucionalidade de uma norma de convenção colectiva de trabalho, 
 por se tratar de mera ilegalidade, deixando debaixo do tapete as questões 
 relativas a outros elementos do conceito de norma (supra n.º 1).
 A jurisprudência do Tribunal tem justamente deduzido a exigência da imediação 
 da alínea i) do n.º 4 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, 
 introduzida pela Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro, negando que haja 
 inconstitucionalidade no sentido da alínea b) do mesmo n.º 1 quando há 
 violação directa da convenção internacional e indirecta do n.º 2 do artigo 8.º 
 da Constituição (cf. os Acórdãos n.ºs 185/92, 277/92, 351/92, 603/92 e 162/93, 
 todos inéditos).
 Contudo, tal como a normatividade, a imediação é uma condição necessária mas 
 não suficiente da existência de uma norma, como objecto do processo 
 constitucional: os negócios jurídicos podem violar directamente a Constituição, 
 mas tal inconstitucionalidade é apenas fundamento de nulidade absoluta do 
 negócio por o seu objecto ser «contrário à lei», no sentido do artigo 280.º do 
 Código Civil, em que a «lei» inclui a Constituição.
 
  
 
 6 – A heteronomia como elemento do conceito funcional de norma. No Acórdão n.º 
 
 150/86 tratou‑se da questão de saber se as normas de um regulamento de 
 arbitragem aprovado pela «determinação» de uma comissão arbitral, prevista nas 
 Condições Gerais da Venda de Energia Eléctrica em Alta Tensão, anexas ao 
 decreto-lei e constituída para resolver um litígio entre a Electricidade de 
 Portugal, E. P., e a Federação dos Municípios do Distrito de Faro, podem ser 
 objecto de fiscalização concreta do Tribunal Constitucional. Depois de afirmar a 
 normatividade de tal «determinação», e a imediação das normas questionadas do 
 regulamento de arbitragem que era conteúdo do Acórdão n.º 150/86, trilhou novos 
 caminhos ao discutir a questão de saber se o regulamento de arbitragem é um acto 
 normativo privado. O Acórdão recusa uma concepção segundo a qual «os preceitos 
 em causa só seriam susceptíveis de constituírem objecto da fiscalização 
 concreta de constitucionalidade, caso tivessem sido editados sob a forma de acto 
 legislativo ou, quando conceito, no exercício de um poder regulamentar» (p. 
 
 297). E continua:
 
  
 
 «Dando por adquirido – o que faltaria demonstrar – que os actos normativos 
 privados estão todos eles subtraídos à fiscalização da constitucionalidade, a 
 verdade é que tal natureza não pode, em rigor, ser atribuída à determinação em 
 causa.
 E isto, desde logo, porque sendo a comissão arbitral um tribunal arbitral 
 necessário, o afastamento das normas legais vigentes em matéria de processo e a 
 consequente subordinação aos termos processuais fixados por aquela comissão em 
 nada resulta da vontade das partes, pelo que se não pode aí descortinar uma 
 manifestação da autonomia privada.
 Mas também, acrescente‑se, porque os tribunais, arbitrais exercem poderes 
 soberanos, tal como os restantes tribunais, não sendo legítimo, por isso, 
 negar o carácter público da função que desempenham.»
 
  
 Estes dois últimos argumentos apontam para duas diferentes determinações do 
 conceito de norma. A subordinação à norma independentemente da vontade das 
 partes aponta para o elemento da heteronomia, o apelo à soberania dos tribunais 
 arbitrais aponta para o elemento do reconhecimento estatal.
 A exigência de heteronomia é fácil de demonstrar. Heteronomia é a 
 característica de uma orientação de comportamento que se impõe 
 independentemente da vontade daqueles a quem se dirige. Excluem‑se, portanto, 
 as normas criadas pela autonomia privada. Só as normas heterónomas suscitam o 
 problema típico da administração de justiça constitucional, que é o do 
 conflito entre liberdade e autoridade, entre a vontade individual e a vontade 
 geral, que as normas heterónomas resolvem fazendo depender a liberdade e a 
 autodeterminação da pessoa, que são valores que decorrem imediatamente da 
 dignidade da pessoa humana, da vontade alheia, que se impõe, se necessário pela 
 força coercitiva do Estado, em nome da racionalidade do bem comum (neste 
 sentido, citando Herzog, Ferdinand Kirchhof, Private Rechtssetzung, 1987, p. 
 
 86). Consequentemente, o Tribunal Constitucional tem vindo a excluir as normas 
 que considera de autonomia privada, da sua esfera de fiscalização.
 A heteronomia funcionalmente relevante para a definição de norma jurídica como 
 objecto do processo constitucional não se basta com a simples susceptibilidade 
 de imposição a terceiros. Também as normas de uso por terceiros de certas 
 instalações, de coisas ou de prédios privados, emitidas pelo seu proprietário 
 como tal, e não no âmbito de relações obrigacionais de que seja sujeito, 
 obrigam terceiros independentemente da vontade destes. E, no entanto, tais 
 normas pertencem à autonomia privada. A vontade privada – incluindo a vontade 
 particular de associações infra‑estatais – exprime-se nelas dentro da sua 
 esfera própria de actuação no prosseguimento de fins pessoais ou particulares, 
 que não se integram num sistema de fins do Estado. Não têm pretensão de 
 
 «generalidade», como qualidade da estatuição normativa, no sentido atrás (n.º 
 
 4) apontado. Não têm, por isso, que se legitimar democraticamente, nem 
 racionalmente pelo bem comum do Estado de direito, pelo que não se justifica 
 o específico controlo da sua constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional. 
 
 É a «generalidade» que fundamenta a heteronomia do direito objectivo, a qual 
 nessa medida se contrapõe à autonomia privada, mesmo quando esta se impõe ao 
 respeito de terceiros. Assim o Tribunal considera no Acórdão n.º. 156/88 que 
 uma norma do Regulamento da Prevenção e Controlo do Alcoolismo da CP – 
 Caminhos de Ferro Portugueses, E. P., não podia ser objecto de controle da 
 constitucionalidade pelo Tribunal por ser proveniente de autonomia privada. Do 
 mesmo modo, o Tribunal decidiu, no Acórdão n.º 472/89 – desta vez 
 profundamente dividido, não quanto à doutrina, mas quanto à sua aplicação – 
 que duas normas, uma do Estatuto e outra do Regulamento de Disciplina da 
 Federação Portuguesa de Futebol, não podiam ser objecto de fiscalização de 
 constitucionalidade por parte deste Tribunal, porque os poderes regulamentar 
 e disciplinar em questão são poderes privados, que a lei reconhece às 
 associações de direito privado, no quadro da sua autonomia própria (p. 9585).
 
  
 
 7 – O reconhecimento como elemento do conceito funcional de norma. O direito 
 heterónomo que os tribunais aplicam e de que o Tribunal Constitucional controla 
 a constitucionalidade não é apenas constituído por normas criadas por órgãos do 
 Estado. A Constituição incorpora no direito português o direito internacional, 
 nos termos do artigo 8.º (cf. ainda o artigo 16.º) e 278.º, n.º 1, e refere‑se 
 
 às «normas» das convenções colectivas de trabalho (n.º 4 do artigo 56.º), 
 resultantes do direito à contratação colectiva que é reconhecido às 
 associações sindicais (n.º 3 do artigo 58.º). Sendo indiscutível o controlo da 
 constitucionalidade das convenções internacionais (n.º 1 do artigo 278.º), que 
 o Tribunal tem feito, tanto preventiva (cf., por exemplo, o Acórdão n.º 
 
 168/88) como sucessivamente (cf., por exemplo, o Acórdão n.º 423/87, Acórdãos, 
 cit., 10.º vol., p. 77 ss), é difícil conceber outra solução para o restante 
 direito internacional, incluindo as normas emanadas dos órgãos competentes das 
 organizações internacionais (n.º 3 do artigo 8.º) e o costume internacional 
 
 (n.º 1 do artigo 8.º). Ora nenhuma forma de ratificação, assinatura ou 
 incorporação transforma os órgãos de Estados estrangeiros e de organizações 
 internacionais e os sujeitos das práticas e das convenções jurídicas costumeiras 
 em poder público do Estado português, nem este se investe em poderes de 
 autoridade, para usar a dicotomia que fez vencimento no presente acórdão. Tanto 
 basta para negar o monopólio normativo do Estado português. Tal monopólio não 
 deriva aliás de nenhum princípio constitucional. A soberania interna do Estado 
 apenas exige que o Estado tenha «a última palavra» (Ossenbühl fala numa 
 
 «prerrogativa de criação normativa»), o que equivale à supremacia da 
 Constituição. O monopólio da força física coercitiva apenas exige que as 
 sanções jurídicas garantam coercitivamente o cumprimento das obrigações 
 contidas naquelas normas que o Estado reconhece para tal efeito, a que empresta 
 a força do seu braço. Não impede a existência de outros poderes que não são 
 públicos, nem por si nem por delegação, com competência para criar normas 
 heterónomas, que são reconhecidas como tais pelo Estado. Numa palavra: o Estado 
 detém não o monopólio de criação, mas apenas o do reconhecimento das normas 
 como normas jurídicas (neste sentido: Ferdinand Kirchhof, ob. cit., p. 133 ss., 
 Fritz Ossenbühl, em Josef Isensee, Paul Kirchhof, Handbuch des Staatsrechts, 
 
 1988, § 61, Rn. 30 ss.).
 A jurisprudência do Tribunal tem procurado manter a doutrina do monopólio da 
 criação normativa através da noção de «atribuição de poderes ou funções 
 públicas a entidades privadas». Segundo o Acórdão n.º 472/89, «essa atribuição 
 ou devolução de poderes pode incluir também a outorga de faculdades normativas 
 
 – e, então, as correspondentes normas serão normas públicas, porque justamente 
 produzidas no exercício desse poder público devolvido ou delegado no ente 
 privado» (p. 9584). Não se nega a possibilidade de delegação de poderes 
 normativos públicos. Só que tal delegação é uma ficção indesejável sempre que 
 implica a atribuição a um acto de um sentido diferente daquele que corresponde à 
 intenção do seu autor e ao sentido explícito das palavras em que se manifesta. 
 Não é necessário, para explicar a validade das regras de processo a observar na 
 arbitragem, atribuir um poder público, e menos ainda «poderes soberanos» (como 
 pretende o Acórdão n.º 150/86, p. 299), às partes e na falta do seu exercício 
 por estas, aos árbitros que elas escolheram. Como é pura ficção falar de um 
 poder público estatal português derivado atribuído ao governo de um Estado 
 estrangeiro ou ao órgão de uma organização internacional para criar direito 
 internacional convencional. O mesmo se deve dizer, como procurarei mostrar a 
 seguir, do poder de contratação colectiva. Basta, em todos estes casos, evocar 
 as normas legais ou constitucionais, de remissão ou de reconhecimento, que são 
 aplicáveis. Quanto ao costume, tal atribuição nem sequer é concebível, pelo que 
 não pode ser ficcionada.
 A imposição dogmática do modelo da delegação de competência normativa pública 
 corresponde, aliás, a uma doutrina da identidade – isto é, dos critérios de 
 pertença de uma norma jurídica a uma ordem jurídica – e da unidade da ordem 
 jurídica – isto é, dos elementos comuns a todas as normas da ordem jurídica –, 
 que encontrou a sua mais acabada expressão na teoria de Kelsen. A consequência 
 indesejável desta doutrina é a impossibilidade de admitir a simultânea validade 
 de ordens normativas diversas – a internacional, as estrangeiras, as 
 eclesiásticas, as institucionais infra‑estaduais. A doutrina mais recente tem 
 seguido a orientação pluralista propugnada por Santi Romano (L'ordinamento 
 giuridico, 1918, reimp. 1977), que chama a atenção para os factos institucionais 
 ligados à criação, à aplicação e à garantia das normas e considera a ordem 
 estatal como uma entre outras ordens institucionais. Nesta linha, Hart 
 
 («Kelsen's Doctrine of the Unity of Law», em Ethics and Social Justice, ed. for 
 H. E. Kiefer, M. K. Munitz, 1970, p. 171 ss.) defendeu que o critério de 
 pertença de normas jurídicas a um único sistema depende de critérios comuns de 
 reconhecimento dessas normas pelos agentes da aplicação e garantia delas, e 
 não de uma relação de delegação de competência ou de derivação de validade e, 
 portanto, de uma inexistente origem comum. E Wengler («Betrachtungen über den 
 Zusammenhang der Rechtsnormen in der Rechtsordnung und die Verschiedenheit der 
 Rechtsordnungen», em Festschrift für Laun, 1953, p. 719 ss) mostrou como a 
 unidade sistémica da ordem jurídica se revelava, não na origem comum das suas 
 normas, mas na comum contribuição de todas elas para a definição dos mesmos 
 bens jurídicos. Não importa aqui decidir esta questão doutrinária, apenas 
 mostrar que a transformação de poderes privados ou outros não‑estatais em 
 poderes públicos é uma desnecessária hipóstase de evitável dogmatismo para 
 explicar a validade dentro do Estado de normas de origem não estatal, validade 
 que resulta simplesmente de normas remissivas, de incorporação normativa ou de 
 reconhecimento de fontes de direito.
 
  
 
 8 – Outros elementos do conceito funcional de norma. A determinação que 
 anteriormente se fez dos elementos do conceito funcional de norma como objecto 
 do processo constitucional não pretende ser exaustiva, mas apenas destacar 
 aqueles elementos que importa questionar na generalidade dos casos e justificar 
 suficientemente a solução a dar ao presente caso. Noutras hipóteses poderá haver 
 outros problemas de delimitação, nomeadamente os relacionados com o âmbito de 
 aplicação espacial e temporal das normas (quanto ao direito estrangeiro, dos 
 
 órgãos de Governo próprio de Macau, pretérito, etc.) que não são aqui 
 relevantes.
 
  
 II – Sobre as convenções colectivas de trabalho como normas.
 
 9 – Nada mais resta do que aplicar os resultados que uma ponderação da 
 jurisprudência anterior do Tribunal permitia alcançar, às convenções colectivas 
 de trabalho.
 Não é duvidosa a normatividade das convenções colectivas de trabalho, porque 
 regulam o comportamento dos membros das associações sindicais subscritoras, dos 
 membros das associações patronais subscritoras e ainda dos trabalhadores ao 
 serviço de empresas públicas ou de capitais públicos, cujo processo de 
 negociação foi autonomizado, sejam ou não membros das associações negociantes. 
 Não se aplicam [só] aos membros actuais, mas também aos futuros e aos que não 
 são membros mas já alguma vez o foram durante o período da sua vigência 
 
 (artigos 8.º, 9.º e 3.º, n.º 3, da Lei da Regulamentação Colectiva de Trabalho 
 
 (Decreto‑Lei n.º 519‑C1/79, de 29 de Dezembro)). Uma vez que a generalidade da 
 previsão normativa não é exigida pelo conceito funcional de norma, sempre seria 
 irrelevante para a normatividade que as convenções não se apliquem aos 
 trabalhadores não filiados nem às entidades patronais não subscritoras ou não 
 filiadas. Mas, dada a delimitação que a lei faz do âmbito de aplicação pessoal 
 das normas das convenções colectivas, é claro que elas não se aplicam a uma 
 classe fechada, mas a uma classe aberta de casos e de pessoas, são susceptíveis 
 de aplicação indefinidamente repetida, são, portanto, gerais e abstractas. 
 Aplicam‑se, nomeadamente da forma indicada, a trabalhadores futuros e a 
 futuras entidades patronais.
 
  
 
 10 – Também contra o que diz o acórdão, não é duvidoso que a norma sub judicio 
 viola directamente a Constituição, nomeadamente o princípio da igualdade, e não 
 há uma primária ilegalidade que exclua o pretendido exame. É certo que as 
 convenções colectivas não podem «limitar o exercício dos direitos fundamentais 
 constitucionalmente garantidos» (alínea a) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei da 
 Regulamentação Colectiva de Trabalho), mas a disposição do artigo 6.º da Lei da 
 Regulamentação Colectiva de Trabalho não transforma as normas constitucionais em 
 normas legais, não incorpora o princípio da igualdade, que é aplicável à relação 
 de trabalho por força da Constituição e não por força da Lei da Regulamentação 
 Colectiva de Trabalho.
 
 11 – As normas das convenções colectivas são potencialmente heterónomas, 
 vinculam as pessoas por elas abrangidas nos termos da lei independentemente e 
 eventualmente contra a vontade dos destinatários das normas. Impõem‑se aos 
 contratos individuais de trabalho que lhes estão subordinados como se fossem 
 leis imperativas e mesmo contra leis imperativas: ao alterarem mínimos legais 
 de remuneração, por exemplo, proíbem cláusulas de contratos individuais 
 permitidas por lei (alínea c) do n.º 1 do artigo 6.º e n.º 1 do artigo 14.º da 
 Lei de Regulamentação Colectiva de Trabalho). As convenções colectivas de 
 trabalho têm, é certo, uma imperatividade em sentido único, só enquanto 
 estabelecem condições mais favoráveis para os trabalhadores: impõem níveis 
 mínimos e não tectos máximos, os quais só podem ser estabelecidos por lei. Além 
 disso, valem para trabalhadores e entidades patronais que não se integram em 
 associações ou entidades subscritoras no momento da celebração da convenção ou 
 que deixaram de as integrar. É certo que para as partes outorgantes, as 
 normas das convenções colectivas são autónomas, são resultado de um processo 
 negocial de criação normativa, regulam de acordo com a sua vontade os seus 
 interesses, mas impõem‑se depois aos seus destinatários por força e nos termos 
 da lei, independentemente da contribuição destes para a sua criação.
 Dizer que os destinatários são representados pelas associações outorgantes só 
 faz sentido relativamente aos que são associados ao tempo da celebração. Mas 
 mesmo quanto a estes cumpre acentuar que a filiação numa associação sindical ou 
 patronal não tem o sentido de um mandato de representação em futuras 
 convenções colectivas nem é um acto de submissão voluntária a prévias ou 
 futuras convenções colectivas – do mesmo modo que a aquisição de cidadania por 
 naturalização, por exemplo, não é um acto de submissão voluntária às leis do 
 Estado. A sua submissão às convenções colectivas – como além, no caso de 
 naturalização – não deriva normativamente da vontade mas da lei (assim, 
 Ferdinand Kirchhof, ob. cit., p. 184 ss).
 Decisiva é, porém, a questão de saber se as convenções colectivas de trabalho 
 têm pretensão de «generalidade», isto é, se se integram no sistema do direito 
 objectivo, se prosseguem ao fim e ao cabo os fins da Constituição, não obstante 
 o espaço da autonomia na sua negociação. De tal depende justificar‑se ou não, 
 quanto a elas, o controlo específico de constitucionalidade pelo Tribunal 
 Constitucional. O mesmo é dizer, na terminologia adoptada (supra n.º 6), que de 
 tal depende serem ou não heterónomas no sentido funcional relevante.
 São úteis a este respeito os contributos constitucionalistas alemão e 
 italiano, não obstante o contexto constitucional e legal seja parcialmente 
 diferente. Na Alemanha é discutida e ainda não foi decidida pelo Tribunal 
 Constitucional Federal a questão de saber se as convenções colectivas são 
 actos de criação de direito e se, por isso, é possível contra eles um 
 Verfassungsbeschwerde (recurso de agravo constitucional). Benda (Benda, Klein, 
 Lehrbuch des Verfassungsprozessrechts, 1991, p. 1835) põe, em minha opinião, o 
 dedo na ferida, embora as suas considerações estejam afinal em contradição com 
 toda a evolução do direito do trabalho para a sua plena integração na ordem 
 constitucional, com paralelas consequências no entendimento das relações entre o 
 Estado e a sociedade como relações jurídicas subordinadas à Constituição. Benda 
 começa por expor a opinião contrária nos seguintes termos: «A opinião que, além 
 do mais, vê nos contratos colectivos objectos possíveis de um agravo 
 constitucional, invoca não por acaso a função objectiva do agravo 
 constitucional. A sua função não é simplesmente esgotar‑se na protecção da 
 esfera dos direitos fundamentais do indivíduo. Antes deve preencher também uma 
 
 “função geral” dentro da ordem jurídica na medida em que defende o direito 
 constitucional e promove a sua interpretação e desenvolvimento. Daqui resulta 
 a tarefa de conceber o conceito de poder público de modo tão amplo que não fique 
 limitado ao exercício da autoridade estatal, mas abranja outras relações de 
 autoridade, que se tivessem estabelecido a par do poder estatal e subsistissem 
 por força do reconhecimento estatal». Passando a expor a sua própria opinião 
 escreve: «tais considerações têm, porém, consequências para o entendimento da 
 liberdade no domínio da liberdade sindical (artigo 9.º, secção 3, da Lei 
 Fundamental), que é uma parte importante da liberdade dos cidadãos. A liberdade 
 sindical e a autonomia das convenções colectivas não são expressão de uma 
 divisão de trabalho entre Estado e partes convencionais ou da assunção pelas 
 forças sociais de funções públicas. Elas devem, ao contrário, respeitar um 
 espaço livre do Estado. Nisso tem‑se em conta que as decisões tomadas neste 
 domínio independentemente do Estado, tais como a conclusão de contratos 
 colectivos podem ter reflexos muito importantes, mas também prejudiciais, sobre 
 a política económica e financeira. Se as partes convencionais fossem “poder 
 público”, estariam nas suas convenções vinculadas ao bem comum. É certo que a 
 consciência de ser corresponsável pelo todo é um pressuposto essencial também 
 da autonomia convencional. Mas se associações, que representam interesses 
 parciais legítimos, são vinculadas juridicamente ao bem comum ou se lhes é 
 imposta uma “vinculação social”, então não só se limita o carácter liberal da 
 autonomia convencional, como também o Estado se desonera da sua obrigação de 
 actuar no interesse do bem comum, no caso de derivarem perigos da actividade 
 de associações livres e não incorporadas no Estado». Quanto à avaliação que 
 Benda faz dos argumentos dos que defendem que as convenções colectivas são 
 fontes de direito, já aqui se mostrou que o reconhecimento estatal das normas 
 não implica o carácter de poder público das partes convencionais como entidades 
 criadoras de direito. Por outro lado, se é verdade que é a vinculação ao bem 
 comum que fundamenta o reconhecimento das convenções colectivas como direito 
 objectivo e não o invés, não é menos que se trate de uma questão a responder na 
 base do direito positivo, e aí as várias manifestações do reconhecimento podem 
 ser outras tantas provas do carácter jurídico e não de novas regras da 
 autonomia privada, das normas das convenções colectivas. A ser assim, como se 
 pretenderá para o direito português, haverá que concluir‑se que as regras 
 achadas por concordância de empregadores e trabalhadores na prossecução dos 
 seus interesses parciais são, em princípio, as mais conformes com o bem comum a 
 que estão não obstante vinculadas e que o Estado não está desonerado de promover 
 através da legislação económica financeira e da legislação laboral de 
 enquadramento e suprimento que lhe competem. Uma orientação relevante, apesar 
 das críticas, parece, aliás, ser a do Tribunal Constitucional Federal Alemão, 
 embora formulada em contextos diferentes do do objecto do processo 
 constitucional. Assim aquele Tribunal disse que «a convenção colectiva contém 
 na sua parte normativa regras jurídicas, isto é, disposições imperativas – nos 
 termos do § 4, secção 3.ª, da Lei da Convenção Colectiva – gerais‑abstractas 
 sobre o conteúdo das relações jurídicas de trabalho por ela abrangidas» (BVerfGE 
 
 34, 307 [317]). «Na criação de normas pelas partes convencionais trata‑se de 
 legislação no sentido material que produz normas em sentido técnico‑jurídico» 
 
 (acórdão de 24 de Maio de 1977: BVerfGE 44, 341).
 Em Itália existia a prática de obter a eficácia erga omnes das normas dos 
 contratos colectivos de âmbito limitado através de decretos legislativos 
 delegados de recepção daquelas normas. Estes decretos tinham a natureza de uma 
 lei transitória, provisória e excepcional, mas podiam ser reiterados, 
 obtendo‑se assim um efeito semelhante às portarias de extensão do direito 
 português. A Corte Costituzionale (Sentença 70/1963) considerou 
 inconstitucionais as leis de reiteração, por serem uma forma de estabilizar um 
 sistema de eficácia erga omnes das convenções colectivas diverso do previsto no 
 artigo 39.º da Constituição Italiana que prevê a possibilidade de convenções 
 colectivas de trabalho com eficácia obrigatória para todos os que pertencem às 
 categorias profissionais a que as convenções se referem.  Mas a jurisprudência 
 passou a entender que as convenções colectivas assumiam indirectamente uma 
 eficácia geral por aplicação imediata do artigo 36.º da Constituição Italiana, 
 na parte relativa aos direitos retributivos do trabalhador. Em síntese da 
 descrição que faz desta solução, conclui Zagrebelsky (Manuale di Diritto 
 Costituzionale, I, 1984, p. 252 ss.) que «o direito efectivo triunfou sobre o 
 direito formal.  Se bem que de modos indirectos, a contratação actual chega a 
 valer de um modo que se assemelha bastante mais ao que é típico das fontes de 
 direito do que dos actos de autonomia privada».
 
  
 
 12 – Passando finalmente ao exame do direito português, deverá dizer‑se que ele 
 claramente reconhece as convenções colectivas de trabalho como fontes de 
 direito e que as integra na unidade sistemática do direito objectivo 
 subordinado à Constituição, pelo que as normas das convenções colectivas não 
 são só reconhecidas como heterónomas.
 Desde logo, o n.º 4 do artigo 56.ºda Constituição tem o sentido de reconhecer 
 como «normas» jurídicas as das convenções colectivas de trabalho.  Quando 
 dispõe que «a lei estabelece as regras respeitantes à legitimidade para a 
 celebração das convenções colectivas de trabalho, bem como à eficácia das 
 respectivas normas», a Constituição não deixa ao arbítrio do legislador 
 ordinário a própria existência das convenções colectivas como normas jurídicas, 
 mas apenas as modalidades do seu regime. De qualquer modo, a lei tem de 
 respeitar a garantia constitucional às associações sindicais do direito de 
 contratação colectiva (n.º 3 do mesmo artigo 56.º). A redacção do n.º 4 é 
 altamente significativa na medida em que atribui à lei e não à vontade das 
 partes a determinação da legitimidade das partes e do âmbito da eficácia pessoal 
 das convenções colectivas. Se se tratasse de autonomia privada, essa 
 legitimidade e esse âmbito estariam predeterminados pela natureza das coisas: 
 as convenções só poderiam obrigar as partes contratantes. A redacção revela 
 assim que a Constituição teve em vista a manutenção das características 
 essenciais do instituto jurídico no direito português da altura, que se mantêm 
 hoje (artigo 12.º da Lei do Contrato Individual de Trabalho, ainda em vigor; 
 artigos 4.º, 5.º e 9.º da Lei n.º 169‑A/76, de 28 de Fevereiro, correspondentes 
 aos artigos 6.º, 14.º e 7.º do Decreto‑Lei n.º 519‑C1/79), dando 
 justificadamente uma base constitucional à heteronomia, como fonte de direito, 
 das convenções colectivas.
 Isto é confirmado, de forma decisiva, pelo confronto entre o n.º 3 e o n.º 4 
 do artigo 56.º. Na verdade, a Constituição não reconhece as normas das 
 convenções colectivas como consequência da atribuição de um poder público ou 
 sequer normativo a certas entidades ou órgãos. Apenas ressalva o direito de 
 contratação colectiva de cada associação sindical, como uma possível parte 
 contratual, direito que terá que ser respeitado pela lei definidora das regras 
 respeitantes à legitimidade para a celebração das convenções, além de que 
 implica desde logo um espaço de autonomia reservado à contratação colectiva. O 
 reconhecimento das normas das convenções colectivas é feito pela Constituição 
 através da criação da forma jurídica da convenção colectiva, cujas normas, por 
 revestirem essa forma, têm a eficácia que a lei, não a vontade das partes, 
 determinar.
 
  
 
 13 – O regime legal veio desenvolver e reafirmar as determinações 
 constitucionais. Além do que já se disse sobre o âmbito da eficácia pessoal das 
 convenções colectivas, importante é a inserção das convenções colectivas no 
 sistema de fontes do direito do trabalho. Do artigo 12.º da Lei do Contrato 
 Individual de Trabalho e dos artigos 5.º, 6.º e 14.º, n.º 1, da Lei da 
 Regulamentação Colectiva do Trabalho deriva, nomeadamente, que as convenções 
 colectivas se situam hierarquicamente abaixo das normas jurídicas de origem 
 estatal, mas que regulam os direitos e deveres recíprocos dos trabalhadores e 
 das entidades patronais reconhecido por contrato individual de trabalho, não 
 podendo ser afastadas por estes salvo para estabelecer condições mais favoráveis 
 aos trabalhadores. As normas convencionais que estabelecem condições mais 
 favoráveis aos trabalhadores prevalecem nessa parte sobre as normas estatais 
 que derrogam relativamente às entidades patronais e aos trabalhadores 
 abrangidos pela convenção. Nestas as normas que impõem limites mínimos não são 
 dispositivas mas imperativas, contêm uma proibição de limites contratuais 
 abaixo dos mínimos e uma permissão de limites contratuais superiores. As normas 
 mais favoráveis dos contratos individuais movem‑se dentro do permitido, não 
 derrogam parcialmente a norma que as permite. Quanto às normas estatais 
 dispositivas, são derrogadas parcialmente pelas convenções colectivas mais 
 favoráveis, e são afastadas pelos contratos individuais em todos os casos. Ora 
 a derrogação parcial de normas estatais só pode ser feita por outras normas 
 jurídicas igualmente heterónomas.
 O argumento também vale, por maioria de razão, quando não há subordinação 
 hierárquica, mas identidade de nível, entre a norma estatal e a convenção 
 colectiva. É o que se passa entre as portarias de regulamentação e as 
 convenções colectivas. Estas últimas fazem cessar automaticamente a vigência 
 das portarias em cujo âmbito são aplicáveis, relativamente aos trabalhadores e 
 identidades patronais abrangidas pelas convenções (artigo 38.º da Lei da 
 Regulamentação Colectiva do Trabalho).
 O mesmo se diga das decisões arbitrais em conflitos colectivos que resultem da 
 celebração ou revisão de uma convenção colectiva, decisões que têm os mesmos 
 efeitos das convenções colectivas (n.º 8 do artigo 34.º da mesma Lei). Ora, 
 segundo a doutrina do Acórdão n.º 150/86, as decisões arbitrais contêm normas 
 sujeitas ao controlo de constitucionalidade do Tribunal. É inadmissível que 
 deste ponto de vista as normas das convenções colectivas tenham natureza 
 diferente das normas das decisões arbitrais.
 
  
 
 14 – O âmbito da eficácia pessoal das convenções colectivas pode ser estendido, 
 total ou parcialmente, a entidades patronais do mesmo sector económico e a 
 trabalhadores da mesma profissão ou profissão análoga mediante portarias de 
 extensão (artigos 27.º a 29.º da Lei da Regulamentação Colectiva de Trabalho). 
 As portarias de extensão tornam‑se necessárias por força do princípio da 
 igualdade (artigo 13.º da Constituição) e da sua especial aplicação que é o 
 princípio de que para trabalho igual salário igual (alínea a) do n.º 1 do 
 artigo 59.º da Constituição). A relatada jurisprudência constitucional 
 italiana (supra n.º 11) pôs este ponto em relevo. Mesmo sem portaria, a 
 imediata aplicabilidade do princípio já impõe que na mesma empresa os 
 trabalhadores de igual qualificação tenham as mesmas condições remuneratórias, 
 independentemente da sua filiação sindical. Todos eles devem ser considerados 
 no número de trabalhadores por categoria profissional envolvidos no processo 
 que se situem no âmbito da aplicação do acordo a celebrar (n.º 4 do artigo 22.º 
 da Lei da Regulamentação Colectiva do Trabalho). Mas o princípio também vale 
 para empresas e trabalhadores fora da convenção mas em iguais circunstâncias. 
 As portarias de extensão não se aplicam aos trabalhadores abrangidos 
 directamente pelas convenções colectivas que estendem. Ora o princípio da 
 igualdade que fundamenta a extensão do âmbito pessoal de um certo regime 
 jurídico, proíbe também que tenham diferente regime jurídico trabalhadores e 
 empresas que se encontram em circunstâncias iguais do ponto de vista relevante 
 da igualdade. Ora não há dúvida de que as portarias de extensão são fontes de 
 direito objectivo, contêm normas jurídicas «gerais» e, portanto, vinculadas ao 
 bem comum como é entendido no Estado de direito democrático da Constituição e 
 sujeitas ao controlo de constitucionalidade do Tribunal Constitucional.  É 
 jurisprudência assente (Acórdão n.º 392/89, Diário da República, 2.ª Série, de 
 
 14 de Setembro  p. 9177 ss.) e o acórdão  também o confirma (n.º 7). Seria uma 
 ofensa da igualdade, se as normas da convenção colectiva não estivessem 
 sujeitas aos mesmos critérios de validade, e se as pessoas por esta abrangidas 
 não tivessem os mesmos direitos garantidos da mesma maneira, inclusivamente do 
 ponto de vista da fiscalização concreta da constitucionalidade. E que a lei 
 assim o considera depreende‑se desde logo de se tratar de portarias de extensão 
 e não, como na Alemanha, de generalização. Se a portaria tivesse uma diferente 
 natureza jurídica (norma jurídica em vez de regra da autonomia privada), 
 diferentes critérios de apreciação da sua conformidade com a Constituição e 
 diferente regime de controlo da constitucionalidade, então o princípio da 
 igualdade exigiria que o Estado substituísse o título e o regime dos direitos e 
 obrigações resultantes da convenção e «generalizasse» o regime desta. Não o faz 
 porque pressupõe que as normas da convenção já têm a mesma qualidade jurídica e 
 o mesmo regime que a portaria se limita a estender a outra classe de pessoas.
 As portarias não visam, portanto, essencialmente, controlar a conformidade das 
 convenções colectivas com a Constituição e a lei e com a política 
 económico‑financeira do Governo. Não há controlo do fundo deste tipo no 
 processo de depósito para publicação e entrada em vigor das convenções, que o 
 Governo controla (artigos 24.º a 26.º da Lei da Regulamentação Colectiva do 
 Trabalho). A interpretação correcta é antes a de que se comete aos parceiros 
 sociais a determinação de certos aspectos da política económico‑social e de que 
 essa comissão serve melhor o bem comum do que a interferência do Estado nessa 
 esfera.
 
  
 
 15 – Finalmente o Código de Processo do Trabalho prevê acções de anulação e 
 interpretação de cláusulas de convenções colectivas de trabalho (artigo 177.º e 
 ss.), estatuindo‑se que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça sobre tais 
 questões tem o valor de assento e como tal é designado, e será publicado na 
 
 1.ª Série do Diário da República e no Boletim do Trabalho e Emprego. Sem caber 
 discutir aqui a constitucionalidade dos assentos, tem justamente o Tribunal 
 considerado que os assentos contêm normas susceptíveis de controlo específico 
 da constitucionalidade (cf. Acórdão n.º 359/91, Diário da República, I Série‑A, 
 de 15 de Outubro de 1991, p. 5332 ss.). Seria absurdo que a norma interpretativa 
 de uma cláusula de convenção colectiva de trabalho fosse uma norma jurídica 
 objecto possível do processo constitucional, e que a materialmente idêntica 
 norma interpretada já não o fosse. O assento fixa direito, e por isso só anula 
 ou interpreta normas jurídicas, nunca regras da autonomia privada.”
 
  
 
                         2.2. Salvo o devido respeito pela opinião que logrou 
 vencimento, afigura‑se‑me claramente insuficiente afirmar, contra a sólida 
 argumentação desenvolvida na declaração de voto parcialmente transcrita, que “as 
 convenções colectivas de trabalho, porque fundadas no exercício da autonomia 
 privada, não contêm actos normativos sujeitos à fiscalização concreta da 
 constitucionalidade que incumbe a este Tribunal exercer, nos termos do artigo 
 
 280.º da Constituição da República Portuguesa”.
 
                         Como na aludida declaração de voto se demonstrou, as 
 normas das convenções colectivas de trabalho não apenas se mostram dotadas de 
 generalidade e abstracção como satisfazem os requisitos da noção funcional de 
 norma que o Tribunal adoptou desde o Acórdão n.º 26/85: elas integram regra de 
 conduta ou padrão de valoração de comportamento para os particulares e para a 
 Administração e critério de decisão para esta e para o juiz.
 
                         Além do preenchimento destes critérios de normatividade, 
 as normas das convenções colectivas de trabalho também cumprem, na síntese de 
 José Carlos Vieira de Andrade (“A fiscalização da constitucionalidade das 
 
 «normas privadas» pelo Tribunal Constitucional”, Revista de Legislação e de 
 Jurisprudência, ano 133.º, n.º 3921, 1 de Abril de 2001, pp. 357‑363, em 
 especial p. 358), os “critérios adicionais como a heteronomia (determinação, em 
 casa espécie concreta, de um acto normativo dotado de vinculatividade não 
 dependente da vontade dos destinatários, ou de subordinação à norma 
 independentemente da vontade das partes), o reconhecimento estatal 
 
 (reconhecimento jurídico‑político da força vinculativa heterónoma dos actos 
 normativos, capaz de os impor a terceiros ou a destinatários não participantes 
 no seu processo formativo) e a imediação (a violação directa da Constituição, 
 significando a imediação das normas e princípios constitucionais como parâmetros 
 de controlo)”.
 
                         A relevância normativa das cláusulas das convenções 
 colectivas de trabalho enquanto fonte constitucionalmente reconhecida do direito 
 do trabalho (cf., por último, Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do 
 Trabalho, Parte I – Dogmática Geral, Coimbra, 2005, pp. 229‑236, 469‑472 e 
 
 799‑847) foi reforçada com a publicação do Código do Trabalho (CT), ao consentir 
 o afastamento de normas legais por convencionais mesmo que estas se não 
 mostrassem mais favoráveis para os trabalhadores (artigo 4.º, n.º 1), mas ao 
 manter a regra da subsidiariedade dos instrumentos não negociais de 
 regulamentação colectiva de trabalho face aos negociais (artigo 3.º) e ao 
 reafirmar que as mesmas vinculam mesmo trabalhadores e empregadores não 
 representados pelas associações signatárias no momento da celebração (artigo 
 
 553.º) ou que delas se venham a desfiliar (artigo 554.º). Assinale‑se ainda que, 
 como resulta do n.º 21 do Acórdão n.º 306/2003, emitido em sede de fiscalização 
 preventiva da constitucionalidade de diversas normas do CT, a pronúncia do 
 Tribunal Constitucional no sentido da não inconstitucionalidade dos 
 regulamentos de extensão radicou, no fundo, no reconhecimento de que eles não 
 representam o exercício (autónomo) do poder regulamentar do Estado, mas antes o 
 alargamento, consentido pelo artigo 56.º, n.º 4, da CRP, do âmbito pessoal das 
 normas constantes de convenções colectivas de trabalho, tidas 
 constitucionalmente como fonte de direito, a par das fontes de origem estatal.
 
                         Nada tendo sido aduzido no precedente acórdão que abale 
 a construção desenvolvida na declaração de voto atrás parcialmente transcrita, 
 nem se tendo registado entretanto alteração relevante no sistema das fontes de 
 direito laboral, antes se tendo reforçado a função central da contratação 
 colectiva, votei convictamente no sentido de que questões de 
 constitucionalidade reportadas a normas de convenções colectivas de trabalho 
 constituem objecto idóneo de recurso para o Tribunal Constitucional.
 
                         Para além de essa ser, a meu ver, a solução 
 jurídico‑constitucionalmente correcta, ela é também a única que – numa época em 
 que parece existir alargado consenso no sentido da necessidade de revitalização 
 da contratação colectiva e em que, portanto, cada vez mais as relações laborais 
 serão reguladas por normas convencionais e não por normas “públicas” – poderá 
 evitar que todo um vastíssimo sector da vida dos cidadãos, com particular 
 relevância constitucional, como o que se prende com os direitos dos 
 trabalhadores, fique privado de acesso ao Tribunal Constitucional.             
 Mário José de Araújo Torres
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
             Não acompanho o entendimento que não reconhece as normas contidas em 
 convenções colectivas de trabalho como normas para efeito de poderem ser 
 apreciadas em fiscalização de constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional, 
 aderindo ao essencial das razões da corrente que, neste domínio, é minoritária 
 na jurisprudência do Tribunal e de que, por mais recente, refiro  o acórdão n.º 
 
 580/2004.  
 
  
 Muito em resumo, são para mim decisivos os seguintes elementos positivos que  
 caracterizam especificamente estas normas, no plano das fontes normativas, 
 quanto aos atributos (cfr. J.C. Vieira de Andrade, “A fiscalização da 
 constitucionalidade das “normas privadas” pelo Tribunal Constitucional”, Revista 
 de Legislação e de Jurisprudência, Ano 133º, n.º 3921, p.357 e ss.) de 
 heteronomia (determinação, em cada espécie concreta, de um acto normativo dotado 
 de vinculatividade não dependente da vontade dos destinatários, ou de 
 subordinação  à norma independentemente da vontade das partes) e reconhecimento 
 estatal (reconhecimento jurídico-político da força vinculativa heterónoma dos 
 actos normativos, capaz de os impor a terceiros ou a destinatários não 
 participantes no seu processo formativo) e que claramente as distinguem de 
 outras hipóteses de “normas privadas” que deles não comungam, permitindo 
 qualificá‑las de modo diferenciado para efeito do artigo 280.º da Constituição:
 
  
 
 -         são reconhecidas como “normas” pela própria Constituição que como tal 
 se lhes refere expressamente, embora deferindo para a lei as condições da sua 
 eficácia (artigo 56.º, n.º 4);
 
  
 
 -         têm a sua força regulada no capítulo das fontes do direito laboral, 
 não estando o seu âmbito pessoal de aplicação necessariamente dependente da 
 existência de relação actual de representação dos destinatários pelas entidades 
 celebrantes, ficando sujeitos ao seu regime trabalhadores e empregadores que, no 
 momento em que se conclui o processo negocial e se tornam eficazes, não integram 
 as associações signatárias (cfr. artigos 553.º e 554.º do Código de Trabalho);
 
 -         pertencem à questão de direito para todos os efeitos da competência 
 dos restantes tribunais, incluindo quanto ao valor e publicação dos acórdãos do 
 Supremo Tribunal de Justiça sobre as questões interpretativas, nos termos do 
 artigo186.º do Código de Processo de Trabalho.
 Vítor Gomes
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
             Discordei da intervenção do Plenário no julgamento da questão 
 objecto deste processo assim como da decisão que nele fez vencimento.
 
  
 
 1. Não tendo as divergências reveladas entre as decisões do Tribunal, em 
 matérias processuais, os mesmos inconvenientes que se reconhecem às que se 
 traduzem em juízos de constitucionalidade ou de não inconstitucionalidade sobre 
 a mesma norma, não nos pareceu justificada uma intervenção uniformizadora, 
 contrária à tradição do Tribunal neste domínio (vide o que se passou com a 
 questão do conhecimento das questões de desconformidade entre regras de direito 
 ordinário e de direito internacional convencional), sobretudo quando se 
 manifesta no seio do Tribunal uma evolução no sentido que tem colhido o favor de 
 parte significativa da doutrina. Não se compreende na verdade, para além das 
 demais razões apontadas na declaração de voto do Senhor Conselheiro Mário 
 Torres, que a coexistência e o diálogo das diferentes posições a este respeito 
 manifestadas tenha passado a deixar de ser aceitável quando uma destas posições 
 lograva obter um maior eco entre os juízes e fazia vencimento numa secção.
 
  
 
  
 
  
 
  
 
 2. Quanto à questão central discutida no acórdão, reafirmamos a posição que 
 assumimos em declarações de voto apensas aos Acórdãos nºs. 531/2004, 26/2005 e 
 
 177/2005 e que fez vencimento no Acórdão nº 580/04, que subscrevemos: as regras 
 contidas nas convenções colectivas de trabalho devem considerar-se como 
 
 “normas”, para os efeitos do sistema português de controlo da 
 constitucionalidade.
 
  
 Esta posição não é nova, como é sabido, tendo sido inicialmente desenvolvida na 
 declaração de voto do Senhor Conselheiro Sousa e Brito aposta ao Acórdão nº 
 
 172/92 e vindo a ser posteriormente acolhida nos Acórdãos nºs. 214/94, 368/97, 
 
 229/98 e 580/04, para além de ser igualmente assumida em declarações de voto 
 anexas a outras decisões. Limitar-nos-emos pois a relembrar brevemente as razões 
 essenciais que alicerçam a nossa posição.
 
  
 Acompanhamos na verdade a tese central avançada naqueles locais quando ela 
 sublinha que para a densificação do conceito de norma “funcionalmente adequado 
 ao sistema de fiscalização da constitucionalidade e consoante com a sua 
 justificação e sentido” (Acórdão nº 26/85) o Tribunal tem essencialmente 
 recorrido aos critérios da normatividade, da heteronomia, do reconhecimento 
 estadual e da imediação (veja-se por último José Carlos Vieira de Andrade, “A 
 fiscalização da constitucionalidade das “normas privadas” pelo Tribunal 
 Constitucional”, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 133, nº 3921, 
 pp. 357-363). Ora temos por indubitável que as convenções colectivas de 
 trabalho, cujas normas se impõem contra ou independentemente da vontade das 
 pessoas concretas a quem se dirigem, satisfazem a característica da heteronomia; 
 e que o seu conhecimento estadual é por igual inegável, uma vez que obtém sanção 
 estadual, sanção que vai ao ponto, na actualidade, de as suas regras, nos termos 
 do artigo 4º do Código do Trabalho, afastarem os preceitos deste Código. 
 Integram pois a ordem vigente entre nós e a sua não submissão ao controlo de 
 constitucionalidade por parte deste Tribunal contraria de forma clara a 
 justificação e sentido deste. Foi fundamentalmente por isto que dissentimos da 
 doutrina do presente acórdão.
 Rui Manuel Moura Ramos