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 - ACRL de 11-12-2018   Alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais. Superior interesse da criança.
Atentas as dúvidas criadas acerca do que será, no caso concreto,o superior interesse da criança, ao abrigo elo n 6 do artigo 42° do RGPTC deverá o Sr. Juiz ouvir os pais, sem prejuízo da realização de outras diligências, que entenda por úteis.
Proc. 556/14.0TCLRS-C.L1 8ª Secção
Desembargadores:  Teresa Prazeres Pais - Isoleta Almeida Costa - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Apelação n° 556/14.0TCLRS-C
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
JF... intentou contra MR..., a presente acção para alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais quanto ao menor, FN..., alegando que, o filho já tem seis anos de idade e a iniciar a escolaridade, estando urna etapa da sua vida compatível com um regime de residência alternada, sendo que esta permite urna maior convivência com o pai e a este permite acompanhar de forma regular o desenvolvimento do filho. Alega, ainda, que o filho precisa e deve ter urna vida de convívios com ambos os progenitores e que este se deve estender ao convívio com a família alargada quer do pai, quer da mãe. Alega, por último, ter para ter o menor consigo.
Concluindo pedindo que o menor passe e residir, alternadamente, uma semana com o pai e urna semana com a mãe.

A requerida, citada, alegou nos termos constantes de 66 e segs, pugnando pela improcedência da pretensão do requerente, em resumo pelo intenso conflito que persiste entre os progenitores, pelo desconforto do menor quando está com o pai, demonstrando grande nervosismo antes e depois das visitas ao pai, e por o pai denigrir a imagem da mãe junto do menor, causando a este sofrimento.
Pede ainda a alteração do valor da pensão de alimentos, com o fundamento de que, tal pensão nunca foi atualizada, alegando ainda um conjunto de despesas de saúde e escolares.
Foi, então, proferida esta decisão:
...Pelo exposto, indefiro os pedidos de alteração do regime do exercício das responsabilidades parentais, tanto o formulado pelo requerente, couto u formulado pela requerida.
Custas por ambas as partes, em partes iguais.
É esta decisão que o requerente impugna, formulando estas conclusões:
A) No passado dia 17 de Julho de 2018 foi proferida sentença nos presentes autos, que indeferiu o pedido de alteração do regime do exercício das responsabilidades parentais formulado pelo ora Recorrente.
B) O Mm° Juiz a quo, mandou arquivar o processo, nos termos do n.° 4 do art.° 42 do RGTPC, por entender como desnecessária, a alteração pretendida.
C) Vem o aqui, Recorrente deste sentença apresentar recurso, por entender que a mesma encontra-se enferma de nulidade.
D) A sentença de que aqui se recorre viola assim, no nosso entendimento, o n.° 4 do art.° 42 do RGTPC, o art.° 615.° n.° 1 b) do CPC, por ausência de aplicação do direito, com indicação de meras opiniões e com referência a eventualidades que nem constam do pedido de alteração formulado, violando-se assim o superior interesse do menor, previsto nos artigos 1906.° n.°7 do Código Civil e artigos 3.° e 12.° da Convenção dos Direitos da Criança.
E) O Tribunal a quo, demonstrou, sem qualquer elemento que o fundamente, uma visão estereotipada e completamente desajustada da dinâmica parental deste caso concreto.
F) Não tendo sequer ouvido os pais em conferência.
G) Nem, eventualmente, a criança.
H) Apesar do MP ter promovido que se diligenciasse no sentido de se realizar uma Conferência de pais, para tentar resolver as questões em litígio de forma consensual.
1) O Art. 42' do RGPTC determina que a alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais tem como causa/justificação uma alteração superveniente das circunstâncias.
J) Donde que, o fundamento da alteração não é a pretensão de uma das parte mas a necessidade da alteração da regulação. E, sendo determinada a sua necessidade, qual a regulação que melhor serve o interesse da criança.
Vejamos:
K) O tribunal a quo desvalorizou totalmente que a pretensão apresentada pelo do pai tinha por base um facto superveniente do maior relevo, isto é, as verbalizações da criança junto deste, declarando que quer viver com o pai, o mesmo tempo que vive com a mãe e,
L) A circunstância da criança ter integrado o ensino básico.
M) Cabe então reflectir e questionar se, de acordo com a parca fundamentação apresentada pelo Tribunal a quo, determinou o legislador que a uma alteração, tem que preceder necessariamente um incidente de incumprimento? É obvio que não!
N) Por outro lado, se as manifestações de vontade da criança não são de considerar, questiona-se se, no exercício do contraditório dado à requerida, não se observa à saciedade na resposta da mesma, uma divergência inconciliável e a necessidade de marcação de uma conferência de pais?
O) Parece, em conclusão, evidente que, o Tribunal a quo entendeu que, se estivéssemos perante uma necessidade de atualização das necessidades alimentares da criança, em função da escolaridade agora frequentada, tal pretensão já seria considerada urna circunstância superveniente em relação ao regime estabelecido.
P) Contudo, permita-se, de urna forma respeitosa, o aforismo popular: Nem só de pão vive o homem! (ou, neste caso, a criança) .
Q) Com a alteração pretendida, provavelmente o Requerido ainda vai gastar mais dinheiro com o seu filho, do que aquele que gasta actualmente, no regime em vigor.
R) Daí a estupefação do Recorrente, quando a sentença recorrida refere que, provavelmente, estas alterações têm como finalidade não pagar pensão de alimentos.
S) A podo psiquiatra da criança, que conhece a criança e ambos os pais, sugere que o sistema que melhor se aplica a esta criança, é uma residência alternada.
T) Outro dos factos supervenientes que justifica a alteração pretendida, é o facto da criança, em virtude de ter quase 7 (sete) anos, ter necessidades diferentes daquelas que tinha quando tinha um ano de idade.
U) O Tribunal a quo, com este entendimento, nega ao FN... o direito de ter pai e mãe.
V) O Tribunal a quo, com esta decisão, nega ao FN... a possibilidade de aumentar a sua confiança, o seu conforto e estabilidade emocional.
W) Para além de todo o acima referido, a fundamentação das decisões é uma imposição legal e constitucional,
X) E está consagrada no art.º 205.º da Constituição da República Portuguesa nos seguintes termos: «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.»
Y) A Constituição remete, para a lei, designadamente, para os art.° 154.°) e 607.° do C.P.C.
Z) A fundamentação das decisões não pode ser meramente formal ou passiva, ou basear-se como é o caso, numa mera opinião.
AA) No caso em apreço, em que existe uma total de ausência de fundamentação,
BB) A decisão recorrida é totalmente omissa na referência às razões que, à luz dos princípios legais aplicáveis, - a defesa do superior interesse da criança -justificariam a mesma.
CC) O superior interesse da criança é manter laços de convivência familiar e vinculação afectiva de forma igual, com ambos os progenitores.
DD) O Tribunal a quo limita-se a efectuar afirmações genéricas, sem indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
EE) O que determina de forma cabal a nulidade da sentença, nos termos dos já referidos, artigos 154.º, 607.° e 615.° do CPC e 205.° da CRP.
FF) Acresce que, a decisão judicial é também nula, decorrente da violação do disposto no n.º7 do art.° 1906.° do Código Civil que determina que o Tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor e artigo 3.° e 12. da Convenção dos Direitos das Crianças.
GG) Uma vez que o Tribunal a quo em momento algum explicita em que termos o superior interesse do menor foi tido em conta.
HH) O Tribunal a quo devia ter indicado, concretamente, em que factos, e quais as provas (?), que justificam a sua decisão.
II) O Tribunal a quo demonstrou total incapacidade de avaliar e ter em conta o interesse do menor.
JJ) Face ao exposto, o Recorrente entende que o superior interesse da criança, e tão só da criança, não foi tido em conta na ponderação de razões, nem devidamente explicitado pelo Tribunal a qu o.
KK) Atentos todos estes elementos, facilmente se conclui pela violação do n.° 4 do art.° 42 do RTPC, pela falta de fundamentação e por consequência, pela nulidade da decisão recorrida nos termos do art.° 615.° n.° 1 b)) do C.P.C., por ausência de aplicação do direito e indicação dos elementos dos autos que levam à aplicação do direito, violando-se assim o superior interesse da criança previsto nos artigos 1906.º n.º7 do Código Civil e artigo 3.° e 12,' da Convenção dos Direitos da Criança.

Factos a atender
O que consta do relatório.

Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, n° 4, e 639°, n° 1, do CPC, a questão submetida a recurso, delimitadas pelas aludidas conclusões é a seguinte:
-verificação dos pressupostos para que os autos prossigam, nos termos dos artigos 35.° a 40.° da Lei n.° 141/2015, de 08 de Setembro (Regime Geral do Processo Tutelar Cível).
A argumentação explanada pelo Sr Juiz foi esta ,em síntese:
...analisada a argumentação do requerente, verificamos que a mesma nenhum facto concreto invoca que implique ter havido uma efetiva alteração superveniente das circunstâncias ou qualquer incumprimento por ambos os progenitores que torne necessário alterar o regime fixado. Na verdade, não basta que o pai venha dizer que o filho já tem seis anos (pois o crescer e ir somando anos, até atingir os 6 anos de idade, era perfeitamente previsível quando foi estabelecido o regime de exercício das responsabilidades parentais), nem que o filho gosta de
ambos os progenitores, já que isso demonstra a acerto do regime em vigor (que o pai pretender que seja alterado), que permitiu ambos os progenitores mantiverem uma relação de grande proximidade, até afetiva com o FN..., e em especial o progenitor não residente (in casu o pai).
Ademais, como o pai reconhece, pai e mãe globalmente, cumpriram e cumprem, o atual regime de regulação das responsabilidades parentais.
De igual modo, não se compreende a tese pouco consistente ensaiada pelo progenitor de que a mudança agora do regime em vigor (que até tem estado a funcionar bem e a dar bons resultados, permitindo inclusive a já referida grande proximidade afetiva do menor com o pai), irá trazer maior estabilidade ao menor e mais rotinas, quando na realidade, tal mudança, que nada tem de suave, irá, por si só, introduzir uma importante alteração na vida do menor, com quebras das rotinas atuais, em muito tenra idade e numa fase, já de si instável (o início da escolaridade obrigatória) nada garantindo que o menor se adaptará ao novo regime ou que se adaptará melhor do que ao regime atualmente em vigor.
Ademais, a acrescer ao início de uma nova etapa escolar, com deveres e tarefas acrescidas, passar a residir semanas alternadas com o pai e com a mãe, implicará também uma constante mudança de casa, com a pesada logística, em termos de vestuário e calçado e levar e trazer livros, equipamento desportivo e demais material escolar, representando um esforço bastante acrescido para o menor.
Em boa verdade, e não estando alegado que o menor está mal a residir com a mãe, o princípio da estabilidade do menor desaconselha alterar-lhe a residência, só porque o progenitor com quem não residi passou a querer estar com o filho tempo igual ao da mãe e também eventualmente (no que consiste numa habitual motivação neste tipo de pedidos de alteração) deixar de ter de pagar uma pensão de alimentos.
Ademais, o fundamento invocado de permitir que o menor conviva igual tempo com o pai é facilmente alcançável por via do regime de visitas e contatos estabelecidos entre o menor e o requerente.
Destarte, importa indeferir o pedido de alteração, nos termos da citada disposição legal, quer por não ter ocorrido verdadeira alteração superveniente das circunstâncias, quer por ser manifestamente desnecessária a alteração...
Compreendemos esta linha de raciocínio, mas também não rejeitamos a ideia de que, o facto da criança ter atingido os 6 anos de idade e ir frequentar a escola primária possa implicar uma reavaliação do regime das responsabilidades parentais em que esta tem vivido; e certo que, aquando do estabelecimento do regime a possível necessidade de alteração já poderia ter sido prevista, mas pode ter sucedido que, só neste momento, esta necessidade concreta tenha sido relevante.
Por outro lado, atento o teor das alegações da requerida, bem como da documentação junta, pode apenas estar em causa um extremado conflito entre adultos.
Dispõe o n° 6 do artigo 42° do RGPTC que «Antes de mandar arquivar os autos ou de ordenar o seu prosseguimento, pode o Juiz determinar a realização das diligências que considere necessárias.»
Tal constitui um poder/dever de orientar o processo, designadamente no que toca à admissão das provas, em função do seu objecto, no caso, a regulação das responsabilidades parentais, acautelando o superior interesse da criança.
Ora, atento o acima exposto, entendemos que existem dúvidas centradas no que seja o interesse da criança ,pois ambas das versões dos pais podem ser justificadas.Por isso, sem prejuízo de quaisquer outras diligências, seria importante levar a cabo uma conferência de pais para que o Sr Juiz melhor se apercebesse do que aqui está em causa e, posteriormente decidisse.

Síntese: atentas as dúvidas criadas acerca do que será, no caso concreto ,
o superior interesse da criança , ao abrigo elo nº 6 do artigo 42° do RGPTC deverá
o Sr. Juiz ouvir os pais ,sem prejuízo da realização de outras diligências ,que entenda por úteis.

Pelo exposto, acordam em conceder provimento à apelação, a fim de que, antes da decisão, à luz do n° 6 do artigo 42° do RGPTC seja marcada uma conferência de pais, sem prejuízo de quaisquer outras diligências que o Sr. Juiz entenda por pertinentes
Custas a final.
Lisboa, 11-12-2018
Teresa Prazeres Pais
Isoleta de Almeida e Costa
Carla Mendes
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