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Processo n.º 173/14
2ª Secção
Relator: Conselheiro Pedro Machete
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. A., recorrente nos presentes autos, em que são recorridos o Ministério Público e B., foi condenado, por sentença do Tribunal Judicial de Sertã, na pena única de noventa e cinco dias de multa, à taxa diária de € 6,00, pela prática de dois crimes. Foi ainda condenado a pagar à segunda recorrida, a título de indemnização, a quantia de € 250,00, acrescidos de juros de mora.
Não se conformando com a condenação, recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual, por acórdão de 26 de junho de 2013, negou provimento ao recurso. No que ora importa, entendeu aquele Tribunal que não poderia sindicar a matéria de facto fixada pela 1.ª instância, atenta a omissão do recorrente em proceder às especificações previstas na alínea a) do n.º 3 do artigo 412.º do Código de Processo Penal:
Novamente inconformado, recorreu para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (adiante referida como “LTC”).
2. Pela Decisão Sumária n.º 252/2014, de 14 de março de 2014, entendeu o relator não conhecer do objeto do recurso, uma vez que o objeto da impugnação, nos termos definidos pelo recorrente, não coincide com o fundamento da decisão recorrida. O critério normativo impugnado reside na interpretação do artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal «no sentido de não convidar o arguido a suprir alguma deficiência que as conclusões de recurso que versam sobre a impugnação da decisão da matéria de facto contenham, por falta de indicação das menções contidas nas alíneas a), b), e c), daquele n.º 3, pela forma prevista no n.º 4». No entanto, o tribunal a quo entendeu que a deficiência existia não só ao nível das conclusões mas também, e cumulativamente, ao nível da própria motivação de recurso. A preclusão da possibilidade de ser proferido despacho-convite ao aperfeiçoamento resultou, por conseguinte, na ótica do tribunal recorrido, do facto de existir omissão ou deficiência não só nas conclusões mas também na própria motivação do recurso.
3. De novo não resignado, vem agora o recorrente reclamar para a conferência dizendo, no essencial:
«(…) a decisão sumária foi prolatada, sem que previamente questionasse se os fundamentos do acórdão recorrido, tinham ou não consonância com o que se escreveu nas conclusões.
Dando, sem mais, como boa tal fundamentação, sem a apreciar, sem a questionar, tal como se impõe e se impunha.
Demitindo-se, assim, de apreciar se tal fundamento, atendendo ao teor das conclusões do recurso, violava ou não, na interpretação dada ao art. 412º nº 3 e 4 do Cód. Proc. Penal, os arts. 16º, 20º, 32º nº 1 da Constituição da Republica Portuguesa e o art. 72º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Violando, igualmente, tal decisão sumária o referido art. 72º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.»
O Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação (fls. 579 e ss.). No mesmo sentido pronunciou-se igualmente a recorrida B. (fls. 586 e ss.)
A fl. 583, o recorrente veio juntar requerimento invocando a prescrição do procedimento criminal.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
4. A competência do Tribunal Constitucional no âmbito da fiscalização concreta cinge-se, em exclusivo, à apreciação de questões de constitucionalidade. Todas as restantes questões, ainda que de conhecimento oficioso, são da competência dos tribunais comuns. Assim, não compete ao Tribunal Constitucional apreciar a ocorrência da prescrição invocada, relegando-se tal matéria para apreciação posterior pelo tribunal recorrido.
5. Na sua reclamação, o recorrente não impugna – nem sequer aborda – o fundamento que baseou a decisão sumária ora reclamada, não aduzindo qualquer argumento suscetível de infirmar a fundamentação da referida decisão.
Como é jurisprudência pacífica deste Tribunal (veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 293/2001, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), a reclamação prevista no artigo 78º-A n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional carece de ser fundamentada, sendo necessário que o reclamante exponha as razões pelas quais discorda da decisão sumária reclamada.
O reclamante limita-se a questionar o facto de o Tribunal Constitucional ter acolhido os fundamentos do acórdão recorrido, sem comprovar se os mesmos tinham ou não consonância com as conclusões do recurso, «[d]ando, sem mais, como boa tal fundamentação, sem a apreciar, sem a questionar, tal como se impõe e impunha» (fl. 576).
Ora, o reclamante labora aqui num erro clamoroso. É que a receção que o Tribunal Constitucional faz, nos autos de fiscalização concreta, da valoração dos factos e da própria interpretação conferida ao direito constitucional pelo tribunal a quo é imposta pela própria Constituição e pela lei. O Tribunal Constitucional, tal como a Constituição da República Portuguesa o desenha, é, em exclusivo, um «tribunal de normas» que aprecia apenas questões de constitucionalidade normativa. A ele não lhe compete sindicar, de qualquer outro modo, as decisões proferidas pelos outros tribunais.
Por isso, o escrutínio que o reclamante peticiona da decisão proferida pelo tribunal a quo não cabe, pura e simplesmente, no âmbito de um recurso de constitucionalidade.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação apresentada e condenar o reclamante nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (cfr. o artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 7 de maio de 2014. – Pedro Machete – Fernando Vaz Ventura – Joaquim de Sousa Ribeiro.