Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Cível
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 - ACRL de 19-02-2019   Insolvência. Comunhão de bens. Meação.
Em processo de insolvência de um dos cônjuges casado em regime de comunhão de bens (ou, sendo divorciado, sem que tenha havido partilha dos bens comuns do casal), haverá lugar à apreensão de todos os bens do insolvente, incluindo os seus bens próprios e os comuns do casal;
Sendo os dois imóveis apreendidos no processo de insolvência de um dos ex-cônjuges bens comuns (não partilhados) que respondem por dívidas do casal que as hipotecas constituídas sobre os mesmos garantem, e apenas podendo ser exercido no processo de insolvência, e de acordo com os meios processuais respetivos, o direito do credor hipotecário, devem os referidos bens comuns integrar a massa ativa, não assistindo ao A. o direito a separar da massa insolvente a sua meação nos bens comuns.
(SUMÁRIO ELABORADO PELO RELATOR)
Proc. 17/14.8TJLSB-E.L1 7ª Secção
Desembargadores:  Conceição Saavedra - Cristina Coelho - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Proc. n°. 17/14.8TJLSB-E.L1
Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa
Juízo Local Cível de Lisboa — Juiz 20
Apelante: FFF...
Apelados: MMM...

Acordam os Juízes na 7a Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.
I- Relatório:
FFF... veio, em 20.9.2017, por apenso ao processo de insolvência de MMM..., intentar ação para separação de bens, ao abrigo do art. 146 do C.I.R.E.. Alega, para tanto e em síntese, que foi casado com a insolvente MMM..., no regime da comunhão de adquiridos, estando ambos já divorciados à data da declaração da insolvência desta mas não se encontrando ainda partilhado o património do ex-casal. Invoca que existem bens comuns, nomeadamente duas frações autónomas apreendidas à ordem do processo de insolvência. Requer a separação dos bens comuns do requerente e da insolvente, suspendendo-se a venda das indicadas frações autónomas até à referida separação.
Citados os requeridos, contestou a Massa Insolvente de MMM..., excecionando a ilegitimidade passiva, por preterição de litisconsórcio necessário uma vez que não foi demandada uma das credoras reconhecidas na insolvência, e o caso julgado, ou a autoridade do caso julgado, atenta a decisão proferida no apenso de apreensão de bens relativamente ao requerimento formulado pelo aqui A. após citação naqueles autos para requerer a separação de bens. Mais alega que os dois imóveis indicados têm registadas hipotecas para garantia de empréstimos concedidos à insolvente e ao A. enquanto casados, sendo dívidas da responsabilidade de ambos pelas quais respondem os bens comuns do casal. Conclui, ainda, que os credores apenas podem exercer os seus direitos no processo de insolvência, não podendo ser ordenada a separação requerida. Pede a procedência das exceções e, em qualquer caso, a improcedência da causa.
A convite do Tribunal, respondeu o A. à matéria das exceções, concluindo pela respetiva improcedência.
Realizada audiência prévia e juntos documentos a pedido do Tribunal, foi facultada às partes a possibilidade de se pronunciarem, atenta a perspetiva de se conhecer de imediato do mérito da causa.
Em 12.10.2018, foi proferido despacho saneador que julgou improcedentes as exceções arguidas, conferiu no mais a validade formal da instância e conheceu do mérito da causa, considerando que o estado dos autos já o permitia, concluindo nos seguintes termos: (...) julgo a presente acção improcedente e em consequência:
a) Não reconheço o direito do Autor à separação dos bens comuns apreendidos;
b) Condeno o Autor no pagamento das custas.
Inconformado, interpôs recurso o A., apresentando as respetivas alegações que culmina com as
conclusões a seguir transcritas:

1. Nos termos do artigo 1.°, n.° 1 do CIRE, o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.
2. Os bens comuns constituem uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afetação, a lei concede certo grau de autonomia, e que pertence aos dois cônjuges, mas em bloco, podendo dizer-se que os cônjuges são, os dois titulares de um único direito sobre ela.
3. Os bens comuns apreendidos são da propriedade, conjunta, da Insolvente e do Recorrente.
4. A lei dá a possibilidade ao ex-cônjuge, aqui Recorrente, de requerer a separação dos bens, para evitar que a sua meação seja liquidada no processo de insolvência, que lhe é completamente alheio, para que este não seja afectado pela insolvência da sua ex-cônjuge.
5. Pelo que, tendo em conta o objectivo do processo de insolvência, exercendo o aqui Recorrente o direito de ver partilhados os bens comuns do ex-casal, tal direito não lhe poderia ser negado.
6. Acresce que, o facto de as quantias garantidas por hipoteca serem da responsabilidade de ambos os ex-cônjuges e de, por elas, responderem os bens comuns do ex-casal, não pode significar que a meação dos bens comuns pertencente ao aqui Recorrente deva / possa ser vendida no âmbito do processo de Insolvência da sua ex-mulher.
7. No processo aqui em causa não devem, nem podem, ser reconhecidas as dívidas do aqui Recorrente e, muito menos, ser feita a liquidação do seu activo.
8. No presente processo de insolvência apenas deverão ser excutidas as dívidas e o património da Insolvente.
9. Pelo que, nele não poderá ser vendida a meação dos bens comuns do seu ex-cônjuge [veja-se no mesmo sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27/05/2015 (Processo n.° 5507/11.1TBLRA.C1)].
10. Por outro lado, não pode ser vendida a meação dos bens comuns do ex-cônjuge, aqui Recorrente, ainda que os bens estejam vinculados à garantia de créditos da Insolvente.
11. Estando os bens onerados com hipoteca, caso estes bens sejam adjudicados ao aqui Recorrente, pode o credor hipotecário lançar mão das acções (distintas e autónomas da insolvência) destinadas a obter a satisfação do seu crédito [veja-se Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, em 29/09/2016 (Processo n.° 449/11.3TBARC-R.P1)].
12. De modo que, o facto de o crédito hipotecário ter sido reconhecido e graduado em primeiro lugar não pode impedir o direito do Recorrente à separação dos bens comuns.
13. Admitir o contrário seria desvirtuar por completo o processo de Insolvência, enquanto execução universal do património da insolvente, beneficiando os seus credores, cujos créditos não estivessem garantidos pelos bens comuns do casal.
14. Ao serem vendidos os bens comuns em processo de insolvência, existe a possibilidade de o Recorrente, com o fruto da venda da sua meação dos bens comuns, pagar dívidas contraídas exclusivamente pela Insolvente (dívidas próprias).
15. No caso de insolvência de ambos os cônjuges, o artigo 266.° do CIRE determina que os bens comuns e os bens próprios de cada um dos cônjuges são inventariados, mantidos e liquidados em separado, para garantia dos direitos dos credores.
16. Não pode o produto da venda da meação do Recorrente, reverter a favor da massa insolvente da sua ex-mulher, pelo que, deverá ser feita a separação dos bens comuns, conforme requerido pelo Recorrente.
Conclui, pedindo a revogação da sentença sob recurso.
Em contra-alegações, defende a Massa Insolvente de MMM... o acerto do
julgado.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente
devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II- Fundamentos de Facto:
A decisão da P instância fixou como provada a seguinte factualidade:
1) MMM... e FFF... contraíram casamento, sem convenção antenupcial, em 22 de Agosto de 1993.
2) Em 22 de Fevereiro de 2011, na Conservatória do Registo Civil de L… e no âmbito do processo de divórcio e separação de pessoas por mútuo consentimento n.° 62011, foi decretado o divórcio por mútuo consentimento de MMM... e FFF..., e declarado dissolvido o casamento.
3) MMM... apresentou-se à insolvência em 3 de Janeiro de 2014, e por sentença transitada em julgado e proferida em 16 de Janeiro de 2014 nos autos principais, foi declarada a respectiva insolvência.
4) MMM... e FFF... não efectuaram partilha dos bens.
5) Em 4 de Novembro de 2015 foram apreendidos para a massa insolvente os seguintes imóveis:
a) Fracção autónoma designada pela letra BO, correspondente ao Bloco A —Piso cinco — A — cinco — M — tipo duplex, para habitação com dois estacionamentos n.° 41/42 (duplo) e 119, ambos no piso sete do Bloco E e arrecadação n.° E-18 no piso sete do Bloco E, do prédio sito na P…, denominado M…, descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóvel de S… sob o n.° 1…, da freguesia de S… (S…), concelho de S… e inscrito na matriz urbana sob o artigo 2… da referida freguesia, encontrando-se inscrita a aquisição a favor de FFF... e MMM... pela Apresentação 21 de 6 de Julho de 2006, provisória por natureza, e convertida em definitiva pelo averbamento da Apresentação 60 de 30 de Outubro de 2006;
b) Fracção autónoma designada pela letra AE, correspondente ao 4.°andar — Letra D, para habitação, com arrecadação e estacionamento na cave, ambos identificados com o n.° 7 do prédio urbano, sito em V…, na R…, denominado Lote 5.2.1/4.4, E…, descrito na Conservatória do Registo Predial de L… sob o n.° 5… da freguesia de Q…, concelho de L… e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1… da referida freguesia, encontrando-se inscrita a aquisição a favor de FFF... e MMM... pela Apresentação 33 de 17 de Dezembro de 2002.
6) Encontra-se inscrita relativamente ao imóvel descrito em 5. a), a seguinte hipoteca:
- Apresentação 22 de 6 de Julho de 2006, convertida em definitiva pelo averbamento da Apresentação de 30 de Outubro de 2016, capital: 375.000,00 Euros, montante máximo assegurado: 527.767,50 Euros, sujeito activo: Caixa Geral de Depósitos, S. A., garantia de empréstimo — juro anual até 8,246/prct., acrescida de uma sobretaxa até 4/prct. em caso de mora; despesas de 15.000,00 Euros.
7) Encontram-se inscritas as seguintes hipotecas relativamente ao imóvel descrito em 5. b): - Apresentação 34 de 17 de Dezembro de 2012, capital: 125.000,00 Euros, montante máximo assegurado: 180.790,00 Euros, sujeito activo: Caixa Geral de Depósitos, S. A., garantia de empréstimo — juro anual - até 9,544/prct., cláusula penal - até mais 4/prct.; despesas 5.000,00 Euros;
- Apresentação 47 de 3 de Julho de 2006, capital: 125.000,00 Euros, montante máximo assegurado: 175.922,50 Euros, sujeito activo: Caixa Geral de Depósitos, S. A., garantia de empréstimo — juro anual - 8,246/prct., cláusula penal - mais 4/prct.; despesas 5.000,00 Euros.
8) As hipotecas referidas em 6) e 7) foram dadas em garantia de correspondentes empréstimos concedidos a MMM... e FFF..., cujas escrituras e documentos complementares, constam, respectivamente, de fls. 47 a 53, de fls. 53 a verso a fls. 59 e de fls. 60 a fls. 67 verso, dando-se por integralmente reproduzido o seu teor.

III- Fundamentos de Direito:
Como é sabido, são as conclusões que delimitam o âmbito do recurso. Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.
A única questão a ponderar respeita a saber se o A. pode, através da presente ação, obter a separação dos bens comuns, conforme peticionou.
Na sentença concluiu-se pela improcedência da causa, discorrendo-se nos seguintes termos: (...) Face à factualidade provada, resulta que o Autor e a Insolvente ora Ré estiveram casados entre si no regime de bens de comunhão de adquiridos — artigo 1717.0, do Código Civil, entre 28 de Agosto de 1993 e 22 de Fevereiro de 2011, não tendo contudo efectuado, com o divórcio, a partilha dos bens comuns, e
mantendo-se estes comuns até à partilha (veja-se, entre outros, e com permanente citação de doutrina e jurisprudência, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13/06/2018, disponível em texto integral em www.dgsi.pt, processo 8031/14.7T8PRT-E.P 1).
Os imóveis descritos em 5. a) e 5. b), adquiridos na constância do casamento, por ambos os cônjuges, são bens comuns — artigo 1724.°, al. b), do Código Civil.
Tais imóveis foram aprendidos no âmbito do processo de insolvência de MMM..., e mostram-se onerados por hipotecas para garantia de empréstimos concedidos à mesma e ao Autor, que são assim mutuários.
O correspondente crédito hipotecário da mutuante Caixa Geral de Depósitos, S. A. foi reconhecido e graduado em primeiro lugar por sentença transitada em julgado proferida no apenso de reclamação de créditos — apenso A.
Pelas dívidas que são responsabilidade de ambos os cônjuges respondem os bens comuns do casal —artigo 1695.0, n.° 1, do Código Civil.
Sendo assim dívida de responsabilidade do Autor e da Insolvente ora Ré e pela qual respondem os indicados imóveis apreendidos na íntegra para a massa insolvente, não é de reconhecer o direito do Autor à separação dos bens comuns. (...).
O apelante contrapõe que pode salvaguardar o seu direito à meação nos bens comuns, requerendo a separação, e que a tal não obsta a circunstância das quantias garantidas por hipoteca serem da responsabilidade de ambos os cônjuges e do crédito hipotecário se encontrar graduado em primeiro lugar.
Vejamos.
Cumpre antes de mais reter que o processo de insolvência se rege pelas disposições do C.I.R.E. (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) sendo aplicável o C.P.C. aos processos regulados no mesmo em tudo o que não contrarie as respetivas disposições (art. 17, n° 1, do
C.I.R.E.).
De acordo com o art. 149 do C.I.R.E., proferida a sentença declaratória da insolvência procede
se à imediata apreensão dos elementos da contabilidade e de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos.
A massa insolvente abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo (art. 46, n° 1, do C.I.R.E.).
Sem prejuízo do estabelecido no art. 150 do C.I.R.E. quanto à apreensão e entrega dos bens, serão aplicáveis as disposições do C.P.C. previstas para o processo executivo, nomeadamente o regime da penhora.
Na execução movida apenas contra um dos cônjuges, o art. 825, n° 1, do C.P.C. de 1961, estabelecia, antes da revisão introduzida pelo DL n° 329-A/95, de 12.12, que a execução dos bens comuns ficava suspensa, depois de penhorado o direito à meação do devedor, até ser exigível o cumprimento, nos termos da lei substantiva. Assim, o direito à meação do devedor/executado pelas dívidas da responsabilidade exclusiva deste só era exigível depois de dissolvido, declarado nulo ou anulado o casamento, ou depois de decretada a separação judicial de pessoas e bens ou simples separação judicial de bens (cfr. art. 1696, n° 1, do C.C., na versão do DL n° 496/77, de 25.11).
A referida moratória forçada foi justamente abolida pelo DL n° 329-A/95 (que eliminou também o n° 3 do art. 1696 do C.C.), deixando de fazer-se referência à penhora da meação do devedor e passando a prever o referido art. 825 a penhora dos bens comuns do casal, com citação do cônjuge do executado para requerer a separação.
Este regime corresponde, no essencial, ao hoje consagrado no art. 740 do C.P.C. de 2013.
Assim, e atualmente, as dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges podem levar à penhora (subsidiária) dos bens comuns, sem aguardar pela dissolução, anulação ou declaração de nulidade do casamento ou pela separação judicial de pessoas e bens ou simples separação judicial de bens.
Tal significa que estando em causa a insolvência de um dos cônjuges casado no regime de comunhão de bens (ou se, sendo divorciado, não tiver sido realizada a partilha dos bens comuns do casal), haverá lugar à apreensão de todos os bens do insolvente, incluindo os seus bens próprios e os comuns do casal. Nessas condições, a par dos seus bens próprios existe uma massa de bens comuns afeta ao cumprimento de determinadas obrigações.
De salientar que pelas dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges respondem os bens comuns do casal, e, na falta ou insuficiência deles, solidariamente, os bens próprios de qualquer dos cônjuges (art. 1695, n° 1, do C.C.).
Tal como entendido no Ac. da RC de 9.5.2017, o n° 1 do art. 46 do C.I.R.E. deve ser interpretado no sentido de que à massa insolvente pertencem aqueles bens que, por determinação substantiva, possam ser chamados a responder pelas suas dívidas (artigo 601 do C.C.).
Assim, também no processo de insolvência de um dos cônjuges (ou, estando divorciado, sem partilha dos bens comuns do casal), poderá haver apreensão dos bens comuns, impondo-se, tal como na execução, designadamente nos casos em que a dívida seja apenas da responsabilidade do cônjuge insolvente, a citação do outro cônjuge (art. 740, n° 1, do C.P.C.).
De todo o modo, sendo apreendidos bens comuns para a massa (e ainda que a dívida seja da responsabilidade de ambos os cônjuges), não poderá a liquidação prosseguir quanto a tais bens sem que o cônjuge do insolvente seja chamado à causa para exercer os mesmos direitos que a lei processual concede ao insolvente relativamente a esses bens.
O cônjuge do devedor insolvente poderá pedir o seu direito à separação de meações, nos termos dos arts. 141, n° 1, al. b), 144 e 146 do C.I.R.E.. Tal procedimento esgota-se, porém, na obtenção do reconhecimento de que os bens em questão são comuns e do direito à separação da sua meação, separação essa que, entretanto, correrá termos junto do Cartório Notarial competente (cfr. arts. 3 e 81 da Lei n° 23/2013, de 5.3).
Quando o cônjuge não exerça o seu direito à separação de meações, os bens comuns permanecem na massa ativa da insolvência, satisfazendo, em primeiro lugar, as dívidas comuns e, subsidiariamente, as dívidas próprias do insolvente.
Em todo o caso, como acima vimos, os bens comuns que integram a massa insolvente respondem pelos créditos reclamados, na sua totalidade tratando-se de dívidas comuns, ou até ao valor da sua meação, no caso de dívidas da responsabilidade pessoal do insolvente.
O deferimento do pedido de separação de bens importa a suspensão da liquidação quanto aos bens comuns apreendidos na insolvência, conforme previsto no art. 160 do C.I.R.E..
Deste modo, estando em causa dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges, pela qual respondem os bens comuns do casal (arts. 1691, n° 1, al. a), e 1695, n° 1, do C.C.) que foram apreendidos, não fará sentido proceder a uma tal separação de meações, sem prejuízo dos direitos que ao cônjuge do devedor assistam relativamente a tais bens, quer na reclamação e verificação de créditos, quer na liquidação dos mesmos, quer na fase do pagamento.
Como se refere no indicado Ac. da RC de 9.5.2017, sendo declarada a insolvência de apenas um dos cônjuges: (...) a declaração de insolvência chamará ao processo todos os seus credores —não só detentores de garantia real, mas também os credores comuns, e não só por créditos da exclusiva responsabilidade do insolvente, mas igualmente por créditos de responsabilidade comum do casal.
A massa ativa deverá, assim, incluir os bens comuns, uma vez que estes responderão sempre pelos créditos reclamados: na sua totalidade tratando-se de dívidas comuns, ou até ao valor da sua meação, no caso de dívidas da responsabilidade pessoal do insolvente. (...).„
Revertendo para o caso em análise, temos que o A. e a insolvente no processo principal se encontram divorciados entre si mas não procederam à partilha dos bens comuns, tendo sido apreendidos para a massa insolvente os dois imóveis identificados que a ambos pertencem e que garantem, através de hipoteca sobre cada um deles constituída, o pagamento de empréstimos concedidos a ambos pela Caixa Geral de Depósitos.
Nos termos do artigo 686, n° 1, do C.C., a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.
Os referidos imóveis constituem bens comuns do casal (art. 1724, al. b), do C.C.) e as dívidas respeitantes aos empréstimos contraídos junto da CGD que as hipotecas garantem responsabilizam ambos os cônjuges (art. 1691, n° 1, al. a), do C.C.).
Ou seja, não está em causa qualquer bem que seja próprio do A. ou que, sendo comum, não responda por dívidas que apenas onerem a devedora insolvente.
Por sua vez, não são referidos pelo A. outros bens, para além dos apreendidos, que integrem o património comum do casal.
Acresce que, segundo é também mencionado na sentença recorrida, o crédito hipotecário em questão foi reconhecido e graduado em primeiro lugar por sentença transitada em julgado proferida no apenso de reclamação de créditos — apenso A.
Do exposto se retira que sendo os imóveis em questão bens comuns que respondem por dívidas do casal que as hipotecas constituídas sobre os mesmos garantem, e apenas podendo ser exercido no processo de insolvência, e de acordo com os meios processuais respetivos, o direito do credor hipotecário (art. 90 do C.I.R.E.), devem os referidos bens comuns integrar a massa ativa, não assistindo ao A. o direito a separar da massa insolvente a sua meação nos bens comuns.
E não se diga que tal afeta o interesse do A. ou redundará no pagamento de dívidas pessoais da insolvente com o produto da venda desses mesmos imóveis, pois, como vimos, os bens comuns que integram a massa respondem pelos créditos reclamados, na sua totalidade tratando-se de dívidas comuns, ou até ao valor da sua meação, no caso de dívidas da responsabilidade pessoal do insolvente.
Por fim, sempre ao A. assistirá, como referimos, o direito de exercer os mesmos direitos que a lei processual confere ao insolvente relativamente a tais bens, seja na reclamação e verificação de créditos, seja na liquidação dos mesmos, seja na fase de pagamentos.
Improcede o recurso.

IV- Decisão:
Termos em que e face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a
apelação e manter a sentença recorrida.
Custas pelo A./apelante.
Notifique.

Lisboa, 19.2.2019
Maria da Conceição Savedra
Cristina Coelho
Luís Filipe Pires de Sousa

Sumário do Acordão (da exclusiva responsabilidade da relatora — art. 663, n° 7, do C.P.C.)

I- Em processo de insolvência de um dos cônjuges casado em regime de comunhão de bens (ou, sendo divorciado, sem que tenha havido partilha dos bens comuns do casal), haverá lugar à apreensão de todos os bens do insolvente, incluindo os seus bens próprios e os comuns do casal;
II- Sendo os dois imóveis apreendidos no processo de insolvência de um dos ex-cônjuges bens comuns (não partilhados) que respondem por dívidas do casal que as hipotecas constituídas sobre os mesmos garantem, e apenas podendo ser exercido no processo de insolvência, e de acordo com os meios processuais respetivos, o direito do credor hipotecário, devem os referidos bens comuns integrar a massa ativa, não assistindo ao A. o direito a separar da massa insolvente a sua meação nos bens comuns.
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