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 - ACRL de 08-11-2018   Quebra de dever de sigilo bancário. Acesso à justiça.
1- O sigilo profissional bancário na dupla faceta de protecção dos direitos do cliente e dos interesses da própria entidade bancária tem suporte constitucional, designadamente nos artigos 12º, n.º2 e 26º , n.º1, da Constituição da República Portuguesa;
2- Apesar disso os valores protegidos pelo sigilo bancário não podem ser rotulados de absolutos, conforme decorre, desde logo, da previsão do artigo 79º, n.º2 , do RGICSF;
3- Sendo francamente relevante a divulgação de informações a coberto de tal sigilo que entroncam no direito de efectivo acesso à justiça, na expressão concreta do direito à prova e a um processo equitativo , valores igualmente protegidos por via dos artigos 20º, n.º 1, 4 , parte final e 202º, n.º2, da Constituição da República Portuguesa, há que sopesar em cada caso concreto o que deve prevalecer e o que deve ceder;
4- No caso concreto a busca da verdade material tendente a dar efectividade ao acesso e à realização da justiça, assente no direito à prova, afigura-se prevalente relativamente à manutenção do sigilo bancário sobre a informação pretendida, pelo que o mesmo deve ser dispensado.
Proc. 19960/15.0T8SNT-A.L1 8ª Secção
Desembargadores:  José António Moita - Ferreira de Almeida - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
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Proc. Nº 19960/15.0T8SNT-A.L1 — Incidente de quebra de dever de sigilo bancário Tribunal Recorrido: Comarca de Lisboa Oeste - Juízo Local Cível — Sintra - J1
Requerente: L...
Requerido: B...
Sumário do Acórdão
( da exclusiva responsabilidade do relator - artigo 663° , n° 7, do C.P.C. ).
1- O sigilo profissional bancário na dupla faceta de protecção dos direitos do cliente e dos interesses da própria entidade bancária tem suporte constitucional , designadamente nos artigos 12º , nº 2 e 26º , nº1, da Constituição da República Portuguesa;
2- Apesar disso os valores protegidos pelo sigilo bancário não podem ser rotulados de absolutos , conforme decorre , desde logo , da previsão do artigo 79º , nº 2 , do RGICSF;
3- Sendo francamente relevante a divulgação de informações a coberto de tal sigilo que entroncam no direito de efectivo acesso à justiça , na expressão concreta do direito à prova e a um processo equitativo , valores igualmente protegidos por via dos artigos 202 , nº 1, 4 , parte final e 202º , nº 2 , da Constituição da República Portuguesa , há que sopesar em cada caso concreto o que deve prevalecer e o que deve ceder;
4- No caso concreto a busca da verdade material tendente a dar efectividade ao acesso e à realização da justiça , assente no direito à prova , afigura-se prevalente relativamente à manutenção do sigilo bancário sobre a informação pretendida , pelo que o mesmo deve ser
dispensado.

ACORDAM OS JUÍZES NA 8º SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
I — RELATÓRIO
No âmbito da acção declarativa condenatória , sob a forma comum , de que depende este apenso A , instaurada por G... , contra S.... ( 1ª Ré ) e M.. . (2ª Ré ) , veio L... requerer a notificação do B... , S.A. , para vir aos autos identificar o nome do titular da conta bancária com a referência 1..., que consta aposta no verso do cheque nº 6...sacado sobre o Banco BI... , cuja cópia consta deste apenso a fls. 23-vº , bem como informar se o cheque foi depositado na referida conta bancária e ainda se o dito cheque foi objecto de endosso , tendo tal diligência probatória sido diferida pelo Tribunal de 1ª Instância ( cfr. cópias de fls. 12-13 e de fls. 11-vº deste apenso ).
O B... , S.A. , veio aos autos arguir o segredo bancário relativamente a tais elementos , esclarecendo não ter obtido autorização do cliente para os revelar e consequentemente estar impedido de revelar tais elementos ( cfr. fls. 11 e 6 deste apenso ).
Notificada de tal posição veio a , ora , Requerente L... ( reiterando , aliás , requerimento anterior de 12/04/2018, cuja cópia consta de fls. 7 a 10 deste apenso ), requerer na 1ª Instância em 25/06/2018 a quebra do sigilo bancário , mais requerendo o despoletar do presente incidente de dispensa de sigilo bancário do B... , S.A. , com vista à divulgação das informações bancárias solicitadas , por as reputar imprescindíveis ao apuramento da verdade dos factos em causa nos autos principais. ( cfr. fls. 3-4 deste apenso
O Tribunal de 1ª Instância considerou , por despacho exarado em 14/09/2018 , legítima a recusa do Banco
B... e suscitou a este Tribunal da Relação de Lisboa a apreciação do incidente em apreço. ( cfr. fls. 2
e 2-vº deste apenso ).
Colheram-se os legais Vistos.
II — Questão a Decidir
A questão a decidir consiste em determinar se , no caso concreto , estão , ou não , preenchidos os requisitos que possibilitam o levantamento , ou a dispensa , do sigilo bancário.
III — Fundamentação de Facto
Além do já descrito no Relatório supra reveste ainda interesse para a decisão deste incidente a seguinte factualidade que passamos a descriminar:
1- G... , intentou acção declarativa de condenação , sob a forma de processo comum , contra S.... (1ª Ré) e M... ( 2ª Ré ) , peticionando a condenação da primeira no pagamento a si da quantia de € 14.500,00 ( Catorze mil e quinhentos Euros ) , acrescida de juros de mora e subsidiariamente , para a hipótese da mesma ser considerada parte ilegítima , a condenação da segunda Ré no pagamento da dita quantia e juros moratórios , alegando , em síntese , ter ocorrido um acidente de viação em 23/11/2014 , pelas 17h30m , na Estrada Nacional 9 , na rotunda de Montelavar , concelho de Sintra , que envolveu a viatura de matrícula ... , propriedade da ora Requerente L... e conduzido por C... e a viatura de matrícula ... , propriedade de M... e conduzida por V... , do qual resultaram danos para ambas as viaturas , acrescentando que pela averiguação das circunstâncias em que ocorreu o acidente concluiu pela responsabilidade exclusiva do condutor da viatura … na produção do acidente, a qual se encontrava segurada à data do sinistro na 1ª Ré , enquanto a responsabilidade por acidentes de viação da viatura … , que garantia , além do mais , a cobertura de danos próprios da mesma , se encontrava transferida para a Autora , mais esclarecendo que por tal motivo desde logo indemnizou a sua segurada L... pelos prejuízos emergentes do sinistro em apreço, que ascenderam ao montante de C 14.500,00 , correspondente ao valor da reparação do veículo , conforme acta de acordo de reparação , tendo pago tal montante à sua segurada L..., conforme acta de acordo de liquidação de sinistro , pretendendo com a demanda judicial em causa subrogar-se nos direitos da sua segurada afim de ser ressarcida do que pagou junto dos possíveis responsáveis pela ocorrência do sinistro ( cfr. cópia de petição inicial a fls. 60-vº a 64-vº deste apenso
2- A 1ª Ré S.... , contestou a acção defendendo-se por impugnação , alegando , em síntese , que o sinistro não ocorreu conforme participado , dessa forma concluindo não existir direito a que a Autora se possa subrogar, , pedindo , a final , que seja declarada a improcedência da acção com a sua consequente absolvição do pedido ( cfr. cópia de contestação de fls. 43-vº e ss );
3- A 2ª Ré M... também contestou a acção defendendo-se por excepção e por impugnação , arguindo a sua ilegitimidade para a causa e alegando ainda que no momento do sinistro o condutor do veículo … , de que é proprietária , foi confrontado com lençóis de água no pavimento , que terão dificultado a manobra do veículo na via , colocando o dito condutor perante uma situação imprevisível , para a qual o mesmo não conseguiu adaptar o veículo da melhor forma , fazendo-o perder o controlo da direcção do dito veículo ( cfr. cópia de contestação de fls. 33 a 35-vº deste apenso );
4- A ora Requerente L... foi admitida como interveniente principal nos autos principais ( cfr. cópia de acta de fls. 16 a 18 );
5- Consta dos autos a fls. 23-vº a cópia de um cheque com o nº 6..., emitido pela Autora à ordem da ora Requerente L... datado de 19/12/2014 , sacado sobre o Banco BI... , no montante de € 14.500,00, estando aposta no seu verso no local de endosso o nome L... tendo a conta a creditar o nº 1...do B...;
6- A Requerente L... apresentou em 13/10/2017 requerimento nos autos principais peticionando um exame pericial à assinatura constante do endosso do cheque referido em 5- através do L.N.P.C. sustentando nunca ter visto este último , menos ainda lhe ter sido entregue , consequentemente , não o ter depositado , ou endossado , mais afirmando que a assinatura do seu nome aposta no endosso do dito cheque não foi feita pelo seu punho ( fls. 19 a 21-vº deste apenso );
7- O exame pericial mencionado em 6- foi judicialmente deferido no processo principal , mas não foi possível de realizar pelas razões invocadas no oficio enviado pelo L.P.C. da Polícia Judiciária datado de 07/02/2018, cujo teor, no essencial , se passa a reproduzir: ...verificou-se que o documento onde se encontra aposta a assinatura questionada, que constitui a amostra problema, foi obtido por reprodução mecânica, ou seja, trata-se de uma assinatura não original, e para escritas desta natureza , quer se trate de fotocópias, documentos em duplicado ou microfilmados, não passam todos os detalhes indispensáveis e que são fundamentais para a realização de uma análise comparativa eficaz.
Pelo exposto, não se encontram assim, reunidas as condições técnicas necessárias à realização da perícia com resultados conclusivos do confronto da assinatura questionada com os autógrafos de L... ( Cópia de oficio de fls. 14- 15 deste apenso );
8- Perante a impossibilidade de realização adequada da perícia a Requerente apresentou nos autos principais o requerimento a que já se aludiu logo no 1° parágrafo do Relatório deste acórdão.
IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Diz-nos o artigo 417° , n°1, do Código de Processo Civil ( doravante C.P.C. ) que , Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados. A recusa é , porém , legítima , se a obediência implicar violação de sigilo profissional ( cfr. artigo 417° , nº3 , alínea c) , do C.P.C. ).
Na sistemática do Código de Processo Penal ( doravante C.P.P. ) , surge-nos com relevância e a este propósito o artigo 135° , n° 1, que prevê que , Os ministros de religião ou confissão religiosa e os advogados , médicos , jornalistas , membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo podem escusar-se a depor sobre os factos por ele abrangidos , esclarecendo ainda , o artigo 182° do mesmo diploma legal que:
' 1 – As pessoas indicadas nos artigos 135º a 137º apresentam à autoridade judiciária, quando esta o ordenar, os documentos ou quaisquer objetos que tiverem na sua posse e devam ser apreendidos, salvo se invocarem, por escrito, segredo profissional ou de funcionário ou segredo de Estado;
2- Se a recusa se fundar em segredo profissional ou de funcionário, é correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 135º e do nº 2 do artigo 136.º.
Dispõe , por seu turno , o artigo 78° do Dec-Lei n° 298/92 de 31/12 , Regime Geral das
Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras , ( doravante RGICSF ) , epigrafado Dever de Segredo o seguinte:
1 - Os membros dos órgãos de administração ou fiscalização das instituições de crédito, os seus colaboradores, mandatários, comissários e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.
2 - Estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias.
3 - O dever de segredo não cessa com o termo das funções ou serviços.
Por seu turno , decorre do artigo 79º do RGICSF , epigrafado exceções ao dever de segredo , o seguinte :
1 - Os factos ou elementos das relações do cliente com a instituição podem ser revelados mediante autorização do cliente, transmitida à instituição.
2 - Fora do caso previsto no número anterior, os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados:
a) Ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições;
b) À Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, no âmbito das suas atribuições;
c) À Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, no âmbito das suas atribuições;
d) Ao Fundo de Garantia de Depósitos, ao Sistema de Indemnização aos Investidores e ao Fundo de Resolução, no âmbito das respetivas atribuições;
e) Às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal;
f) À administração tributária, no âmbito das suas atribuições;
g) Quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo.
Segundo refere o Juiz-Desembargador Luís Filipe Sousa ( Prova Testemunhal , Almedina , 2013 , pág 235 ) , normas do tipo das supra salientadas ( artigo 417º , nº3 , alínea c) , do CPC e 1352 , nº1 , do CPP ) , têm um caráter anti-epistémico na medida em que não perseguem nem facilitam a busca da verdade, visando — pelo contrário — tutelar outros interesses extrínsecos ao processo que vão desde a privacidade individual até à credibilidade e confiança que devem ser inerentes ao exercício de determinadas profissões... A demanda da verdade detém-se ou fica mitigada cada vez que é invocado com sucesso o sigilo profissional.
Dito isto , afigura-se que haverá que encontrar um ponto de equilíbrio entre os valores em conflito , quais sejam o da busca da verdade material e por esse modo da realização efectiva da justiça , por um lado e o interesse que legitima a recusa em revelar certos factos por estar a coberto do sigilo profissional , por outro.
Cada sigilo profissional visa proteger determinados valores socialmente relevantes , não havendo , como parece lógico , necessária coincidência entre tais valores nos diversos sigilos. Ainda segundo Luis Filipe Sousa ( Prova Testemunhal , pag. 248 ) , O sigilo bancário apresenta-se , por um lado , com a faceta de protecção dos interesses dos clientes ( sigilo das relações Banco/cliente ) e , por outro , com a protecção das próprias instituições de crédito sigilo dos factos respeitantes à instituição ) , podendo sustentar-se , como o faz o Autor referido , que o mesmo se fundamenta quer na defesa da privacidade individual do cliente , valor consagrado no artigo 26º , nº 1 , da Constituição da República Portuguesa ( doravante CRP) , enquanto direito de personalidade , quer no direito da instituição financeira/bancária ao seu bom nome , o que constitui direito de personalidade da pessoa colectiva , reconhecido nos artigos 12º , nº 2 e 26º , nº 1, da CRP.
Por seu turno , o objectivo final da busca da verdade alicerça-se em diversos direitos e princípios, entre os quais se pode e deve destacar o direito à prova e o princípio da igualdade de armas.
O direito à prova está constitucionalmente consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa , enquanto princípio geral do acesso ao direito e aos tribunais , que a todos é assegurado , para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
Continuando a acompanhar o entendimento de Luís Filipe Sousa ( Prova testemunhal , pág. 236 e 237 ) O direito à prova é um direito subjetivo processual cuja função é a de favorecer a realização dos direitos subjetivos substantivos. E a restrição incomportável da faculdade de apresentação de prova em juízo pode impossibilitar a parte de fazer valer o direito de acesso aos tribunais e/ou a uma tutela jurisdicional efetiva.
As garantias constitucionais do acesso ao direito e ao processo equitativo seriam meramente formais se não fosse facultada às partes a possibilidade de apresentar os meios de prova relevantes e pertinentes (desde que obtidos de forma lícita) , para lograr provar os factos alegados e cuja prova lhe incumbe. Deste modo , o reconhecimento constitucional do direito à prova exige uma leitura flexível ou ampla das normas legais tendente a favorecer a máxima atividade probatória.
Tratando-se de um direito fundamental constitucionalizado , a sua interpretação deve ser ampla e flexível tendo em vista favorecer a sua máxima vigência.
Por sua vez, o princípio da igualdade de armas constitui manifestação do princípio mais geral da igualdade das partes , conhecendo reconhecimento designadamente na parte final do nº 4 do já mencionado artigo 20º da C.R.P. , ao prever-se que todos têm direito a que uma causa em que intervenham se desenrole mediante um processo equitativo .
Em conformidade com o exposto , devemos reter que a reserva de sigilo bancário , conforme , aliás, decorre do artigo 79º do RGICSF , não tem carácter absoluto, havendo que equacionar em cada caso concreto a delimitação da área de tutela da norma impositiva do sigilo bancário.
Por conseguinte não se estando , como já acima se viu , perante um direito absoluto , podendo o mesmo ceder perante a necessidade de salvaguardar o interesse público da cooperação com a justiça e outros interesses constitucionalmente protegidos , as restrições ao segredo bancário apenas poderão derivar da lei formal expressa e a sua aplicação concreta
deve ser objecto de um adequado controlo jurisdicional. ( Luís Filipe Sousa , Prova
Testemunhal , pag. 250 ).
Enquadrada a questão no plano jurídico , vejamos a sua pertinência no caso em apreço em face da factualidade apurada.
Na 1ª Instância , por despacho exarado em 14/09/2018 ( cfr. fls. 2 e 2-vº deste apenso) , proferido em fase vestibular do incidente , a Mmª Juíza considerou ser legítima a recusa da entidade bancária B... em fornecer as informações pretendidas pela Requerente L....
Face ao já supra exposto e à fundamentação aduzida no dito despacho concordamos com a apreciação feita.
Resta , pois, nesta segunda e derradeira fase de apreciação do incidente suscitado junto deste Tribunal da Relação decidir se existe justificação in casu para a escusa , ou pelo contrário , fundamento para o levantamento do sigilo bancário invocado.
Ora , atendendo ao enquadramento fáctico subjacente à acção afigura-se essencial apurar quem recebeu efectivamente a quantia titulada no cheque emitido pela Autora no montante de € 14.500,00 , de que a mesma pretende ver-se ressarcida através da acção principal , emitido à ordem e alegadamente entregue directamente à Interveniente principal na dita acção , aqui Requerente , L... , para pagamento da reparação da viatura sinistrada de matrícula ... , propriedade da mesma , impondo-se por isso chegar à identidade do titular da conta bancária com o nº 1...sediada no B... referida no verso do dito cheque , bem como saber se o dito cheque foi efectivamente depositado nessa conta bancária e se o mesmo foi objecto de endosso , na medida em que a ora Requerente alega nunca ter visto tal cheque e menos ainda tê-lo recebido directamente da Autora , tê-lo depositado e/ou endossado a quem quer que fosse. Tal diligência probatória afigura-se relevante no âmbito da discussão da causa principal , pois permitirá saber a um tempo se foi efectivamente a entidade ( oficina ) , responsável pela reparação da viatura da Requerente que recebeu a quantia paga pela Autora , já que a Requerente sustenta não lhe ter sido efectuado a si tal pagamento e por outro lado se o endosso indiciado no verso do cheque existiu efectivamente dado que a Requerente alega ter sido falsificada a sua assinatura no mesmo.
Acresce que está factualmente assente inexistir via alternativa à ora suscitada pela Requerente dado não haver viabilidade para realizar adequadamente prova pericial ao cheque em apreço com o n° 6..., por já não existir o original do mesmo , o que poderia esclarecer pelo menos a questão da existência , ou não , de endosso firmado pela Requerente , pelo que neste momento apenas o B... pode trazer aos autos as três informações pretendidas de forma definitiva e clara.
Nesta conformidade estamos em crer que os valores da realização da justiça , não esquecendo que a ordem jurídica elege como seus pilares o direito de acesso à justiça , que tem subjacente , como acima se viu , o direito à prova e a um processo equitativo ( igualdade de armas) , bem como o dever do Estado em garantir a realização dos direitos dos cidadãos ( vide artigos 20° e 202° , n° 2 da CRP. e 2 , n° 2 do CPC ) , devem prevalecer no caso sobre o sigilo profissional do B... , invocando-se ainda , em conjugação com as normas ora acabadas de descriminar , a previsão da alínea g ) , do n° 2 , do artigo 79º do RGICSF.
A este propósito e apenas para finalizar este segmento do presente acórdão permitimo-nos reproduzir o seguinte excerto do recente acórdão proferido em 09/02/2017 por esta mesma Relação de Lisboa no processo n° 19498/16.9T8LSB — A L1, acessível in www.dgsi.pt
'I Os valores protegidos pelo sigilo bancário são, por um lado, o regular funcionamento da actividade bancária, baseada num clima generalizado de confiança e segurança nas relações entre os bancas e seus clientes e o direito à reserva da vida privada desses clientes. II Conquanto encontrando arrimo constitucional o direito ao sigilo bancário não é um direito absoluto. III Já a garantia de acesso aos tribunais, é uma garantia plena. IV Sempre que sejam postergados instrumentos da defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares e, nomeadamente, o direito de acção, que se materializa através de um processo, é violado o direito fundamental de acesso aos tribunais. V Para que efetiva colisão de valores se verifique, necessário é que a quebra do sigilo e correlativa restrição do direito por este protegido se revelem indispensáveis à exercitação do direito da parte ao efetivo acesso ao direito e à tutela jurisdicional.
V - A DECISÃO
Pelo exposto , sem necessidade de mais considerações , acorda-se em julgar procedente por provado o incidente de levantamento de sigilo bancário , ordenando-se em consequência que o B...:
1- Identifique o titular da conta com o seguinte nº: 1....
2 - Informe se o cheque com o n° 6...foi depositado na conta bancária acima referida em 1 -;
3 — Informe , ainda , se o cheque acima referido em 2 - foi efectivamente objecto de endosso.
Custas pelo B... (artigos 527º nº 1 e 539º, n9 1, parte final , ambos do CPC ).

Lisboa , 08 de Novembro de 2018.
(José António Moita)
( A. Ferreira de Almeida )
( Maria Alexandrina B Biquinho )
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