Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 09-10-2018   Caso julgado. Obrigação alimentícia. Revisão.
1— A excepção de caso julgado visa o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção e opera ainda como meio de fazer valer a preclusão extraprocessual, obstando à admissibilidade de uma acção na qual é alegado um facto que se encontra precludido.
2 — A obrigação alimentícia é uma obrigação duradoura que depende, essencialmente, da verificação de dois pressupostos - as necessidades económicas de quem recebe e as disponibilidades financeiras do familiar que paga -, que podem alterar-se a todo o momento.
3 — Atenta a sua específica natureza, a decisão que fixou a obrigação alimentícia é sempre susceptível de revisão, sem que se possa opor-lhe a autoridade do caso julgado, sendo que a apreciação da sua necessidade e medida deve ser sempre baseada em factos actuais, desde que não ponderados em anterior decisão.
Proc. 135/14.2TBSXL-C.L1 7ª Secção
Desembargadores:  Micaela Sousa - Maria Amélia Ribeiro - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Proc. n.° 135/14.2TBSXL-C.L1 - Recurso de Apelação
Tribunal Recorrido - Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa — Juízo de Família e
Menores do Seixal — Juiz ..
Recorrente — FJG...
Recorrida — SMR...

Sumário (elaborado pela relatora e da sua inteira responsabilidade)
1— A excepção de caso julgado visa o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção e opera ainda como meio de fazer valer a preclusão extraprocessual, obstando à admissibilidade de uma acção na qual é alegado um facto que se encontra precludido.
2 — A obrigação alimentícia é uma obrigação duradoura que depende, essencialmente, da verificação de dois pressupostos - as necessidades económicas de quem recebe e as disponibilidades financeiras do familiar que paga -, que podem alterar-se a todo o momento.
3 — Atenta a sua específica natureza, a decisão que fixou a obrigação alimentícia é sempre susceptível de revisão, sem que se possa opor-lhe a autoridade do caso julgado, sendo que a apreciação da sua necessidade e medida deve ser sempre baseada em factos actuais, desde que não ponderados em anterior decisão.

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I — RELATÓRIO
FJG... intentou contra SMR... acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge que prosseguiu para audiência de discussão e julgamento, no âmbito da qual as partes acordaram na convolação dos autos para a forma de divórcio por mútuo consentimento, declararam pretender divorciar-se e fixaram uma pensão de alimentos no valor de € 400,00 (quatrocentos euros), a ser paga pelo autor marido à ré mulher, a partir de Novembro de 2014, atribuindo ainda a casa de morada de família ao autor, até à partilha; mais indicaram os bens comuns a partilhar.
Em 11 de Novembro de 2014 foi proferida sentença que homologou os acordos e declarou dissolvido, por divórcio, o casamento celebrado pelos requerentes.
Em 14 de Junho de 2016, FJG... apresentou contra SMR... requerimento de alteração/cessação da pensão de alimentos, que constitui o apenso B dos autos principais, em que alegou, em síntese, o seguinte:
Tem avultadas despesas com a casa de habitação, designadamente, renda, seguros de vida, condomínio, água, luz, gás, telefone, impostos, seguros, conforme documentos que juntou;
Tem despesas com alimentação, de saúde, gasóleo, que ascendem a cerca de € 700,00 (setecentos euros);
A requerida tem diversas formações e já esteve a trabalhar numa casa particular, a cuidar de idosos e se não trabalha é porque não quer, não padecendo de qualquer doença;
A requerida não paga renda de casa e não tem necessidade da pensão de alimentos.
Concluiu requerendo a cessação da pensão de alimentos e arrolou testemunhas.
Não tendo sido obtido o acordo das partes, a requerida deduziu oposição em que, para além de suscitar a ineptidão da petição inicial, sustentou que o requerente não alegou quais são os seus rendimentos e reais despesas, mantendo a requerida a necessidade que justificou a atribuição da pensão.
Foi proferido despacho saneador.
Em 10-10-2017, o requerente juntou aos autos documente) comprovativo do casamento por si contraído, no Brasil, em 19-09-2017.
Foi agendada a audiência de julgamento, no decurso da qual o requerente prescindiu da audição das testemunhas por si arroladas.
Em 24-10-2017 foi proferida sentença que enunciou os factos provados e não provados e julgou a acção improcedente, absolvendo a requerida do pedido, relativamente à qual não foi interposto recurso.
Em 3 de Abril de 2018, o requerente FJG... veio deduzir contra SMR... novo pedido de cessação/alteração da pensão de alimentos, que deu origem ao presente apenso C, alegando, em síntese, o seguinte:
- Depois da fixação da pensão de alimentos em Novembro de 2014 a situação do requerente modificou-se, dado que contraiu casamento, em 19 de Setembro de 2017, com MCS..., sendo que esta trabalha no Brasil e apenas consegue suportar, com o seu rendimento, as despesas que tem nesse país com casa, luz e água;
- É o Requerente que suporta todas as despesas com alimentação, água, luz, renda da casa, vestuário, saúde do agregado familiar;
- Paga de empréstimo bancário do imóvel considerado casa de morada de família o valor de € 122,19 mensais e de seguro de vida relativo ao requerente e requerida o valor de 79,85 € mensais;
- Paga de água, luz e internet da casa de morada de família o valor de 227,04 euros mensais;
- Gasta em média 150 euros de gasóleo;
- Mensalmente, o requerente paga o valor de 38,78 € a título de alarme da casa de morada de família;
- Suporta o pagamento do Imposto Municipal de Imóveis da sua residência no valor de 344,00 €;
- Despende com a alimentação do seu agregado familiar um valor não inferior a 400 euros mensais;
- Gasta em média cinquenta euros mensais em medicamentos;
- Suporta o pagamento do seguro do veículo automóvel de matrícula …, no valor de 208,53€;
- Paga as despesas com água e luz dos imóveis sitos em … no valor de 94,40€ mensais;
- O requerente não tem possibilidades de pagar a pensão de alimentos no valor de 400 euros mensais;
- A requerida não tem necessidade de uma pensão de alimentos desse montante, pois reside na Rua …, Corroios, propriedade de ambos, requerente e requerida, não pagando renda de casa e tem capacidade para poder trabalhar.
Concluiu pedindo a cessação em definitivo da obrigação de pagar a pensão de alimentos ou, assim se não entendendo, pela sua redução.
Os autos foram conclusos ao senhor juiz a guo que proferiu a seguinte decisão:
Autue como alteração/cessação da pensão de alimentos. D.N.
Compulsado o apenso B constata-se que aí já foi proferida sentença em Outubro de 2017, notificada às partes em Dezembro de 2017, sem recurso, pelo que há decisão transitada quanto à peticionada alteração/cessação do pagamento de prestação alimentar.
Mais nessa sentença se aborda o ora fundamento de alteração, como, v.g., o apurado casamento do requerente.
Também aí se abordou a condição pessoal e económica do mesmo, tendo em consideração que grande parte do por si alegado não se provou por acto próprio (prescindiu de prova, pelo que sibi imputet, a si próprio deve o decaimento no apenso B).
Assim, verifica-se neste apenso C a existência da excepção dilatória, de conhecimento oficioso, de caso julgado, pelo que, nos termos dos arts. 576°, n°.2, 577°., al. i), 578°., 580° e 581°., todos do CPC, aqui se absolve a R. da instância.
Custas, no mínimo, a cargo do requerente, sem prejuízo de eventual apoio judiciário.
Registe e notifique.
Notificado desta decisão proferida no dia 5 de Abril de 2018 (cf. fls. 30 p.p.), com a Ref. Elect. …, e com ela não se conformando, dela interpôs o presente recurso de apelação, concluindo a respectiva alegação do seguinte modo:
I -No dia 14 de Junho de 2016, o ora recorrente deu entrada de uma acção de alteração da pensão de alimentos pedindo a cessação da obrigação de pagamento da prestação de alimentos com o fundamento de a requerida não ter necessidade da pensão de alimentos e o requerente ter dificuldades financeiras, que deu origem ou apenso B.
II - Realizado o julgamento foi proferida sentença julgando a acção improcedente por não provada, tendo a mesma transitado em julgado.
III - No dia 31 de Março de 2018 deu entrada de uma acção de alteração da pensão de alimentos pedindo a cessação da pensão de alimentos ou a redução do valor da pensão de alimentos, com o fundamento de ter constituído nova família suportando todas as despesas do agregado familiar e de ter problemas de saúde, juntando 24 documentos e protestado juntar, no prazo de 10 dias, dois documentos.
IV - No dia 05 de Abril de 2018, antes de decorrido o prazo de 10 dias para juntar os dois documentos, é o ora recorrente notificado da sentença que absolveu a requerida da instância por se verificar caso julgado nos termos do 576° n° 2, 577° al) i), 578° e 581 do CPC.
V - O caso julgado pressupõe que haja a chamada tríplice identidade entre as causas, quanto aos sujeitos, quanto ao pedido e causa de pedir.
VI - Salvo melhor opinião, entendemos que não existe caso julgado pois a causa de pedir e pedido são diferentes.
VII - No âmbito do apenso B foi pedido a cessação da obrigação de prestar alimentos à requerida, tendo como causa de pedir as dificuldades económicas do requerente e a requerida não ter necessidade da pensão de alimentos.
VIII - Não tendo sido alterado o pedido nos termos do disposto no artigo 265° do CPC.
IX - Nos presentes autos foi pedida a cessação da obrigação de prestação de alimentos ou caso assim não fosse entendido a redução da pensão de alimentos, tendo como fundamento a constituição de nova família suportando todas as despesas do agregado familiar e de ter problemas de saúde.
X - No apenso B apenas foi dado como provado que o requerente contraiu novo casamento a 19/07/2017, não se discutindo a sua situação económica após ter contraído novo casamento, nem isso foi trazido ou discutido no processo face à petição inicial.
XI - Pelo exposto, e salvo melhor opinião não se verifica a excepção dilatória de caso julgado. Nestes termos, deverá ser dado provimento ao presente recurso e revogar-se a douta decisão por outra que faça prosseguir os ulteriores termos do processo.
A recorrida contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

II — OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.°s 635.°, n.° 4 e 639.°, n.° 1 do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação (cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95).
Assim, perante as conclusões da alegação do apelante/requerente, a questão que se coloca consiste em determinar se face aos factos alegados na petição inicial que deu origem ao presente apenso C, ocorre a excepção dilatória de caso julgado, determinando o indeferimento liminar do requerimento inicial.

III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. — FUNDAMENTOS DE FACTO
Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais que se evidenciam do relatório supra, sendo ainda de considerar, por resultar dos documentos juntos aos autos, o seguinte:
1. Os autos que constituem o apenso B iniciaram-se com a entrada em juízo do respectivo requerimento de alteração/cessação da pensão de alimentos deduzido por FJG... contra SMR..., em 14 de Junho de 2016.
2. Em 24 de Outubro de 2017, após audiência de julgamento realizada em 11 de Outubro de 2017, foi proferida decisão no apenso B, transitada em julgado, que julgou improcedente o pedido de cessação da pensão de alimentos e em cuja fundamentação foram considerados provados os seguintes factos:
1. 'A. e R. casaram entre si em 15-1-1977, então, respectivamente, com 22 e 21 anos de idade,
2. O sobredito casamento foi dissolvido por divórcio, em 11-11-2014, transitado em julgado.
3. Nos autos principais, de divórcio, então foi vertido expressamente que desde Janeiro que o A. estava a pagar € 300,00 a título de alimentos à R. e mais acordaram em que continuaria a pagar a título de alimentos definitivos à mesma, a polir de Novembro de 2014, o montante de € 400,00 mensais.
4. O que nessa data foi homologada por sentença, tramitada.
5. O presente apenso deu entrada em juízo em 14-06-2016.
6. No ano de 2017 o A. adquiriu veículo automóvel de marca KIA, modelo Ceed.
7. No ano de 1997 o A. adquiriu apartamento com garagem na … Seixal.
8. No ano de 2017 o A. herdou por óbito de seus pai e mãe.
9. Por essa via sucessória adquiriu sete imóveis em …, Crato, um deles composto de casa com R/ C, 1° andar e logradouro; outro (2°) com R/ C, 1° andar e quintal anexo; outro (3) composto de casa com A/C, 1° e 2° andar; e três com cultura arvense.
10. No ano de 2017 a R. está inscrita no IEFP como “desempregada à procura de novo emprego.
11. A mesma tem incapacidade permanente para o trabalho de 70/prct..
12. É seguida no serviço de endocrinologia do IPO (Instituto Português de Oncologia) por carcinoma papilar da tiróide.
13. Foi submetida a tiroidectomia total em 2001, tratada com iodo radioactivo em 2002.
14. Para tal estava medicada em 2014.
15. O A. pagou IMI em Abril de 2016.
16. O A. apresentou em 2014 declaração de rendimentos de 2013 da qual constam € 26 061,72 de rendimentos anuais.
17. O A. apresentou em 2015 declaração de rendimentos de 2014 da qual constam € 25 972,55 de rendimentos anuais.
18. O A. apresentou em 2016 declaração de rendimentos de 2015 da qual constam € 26 214,16 de rendimentos anuais.
19. O A. apresentou em 2017 declararão de rendimentos de 2016 da qual constam € 26 389,00 de rendimentos anuais.
20. A R apresentou em 2015 declaração de rendimentos de 2014 da qual constam € 3 800,00 de rendimentos anuais.
21. Apresentou em 2016 declaração de rendimentos de 2015 da qual constam € 4 800,00 de
rendimentos anuais.
22. O A. nasceu em 10-07-1954.
23. Casou no Brasil em 19-09-2017 com cidadã de nacionalidade brasileira, funcionária pública federal no Brasil, nascida em 16-11-1966.
24. A R. mantém as necessidades que estiveram na base do mencionado acordo e obrigarão alimentar.
3. Com base nos factos descritos em 2., a decisão proferida no apenso B concluiu pela improcedência da pretensão do requerente considerando que não existia alteração da situação da requerida, sendo que quanto a esta, na ausência de prova nos autos principais, não era possível saber a sua situação económica em 2004, e que ocorreu melhoria das possibilidades do requerente, nomeadamente com o aumento do seu património no ano de 2017, património que pode rentabilizar, assim como não provou as despesas que alegou, pelo que não estava demonstrado que não tinha condições de prestar os alimentos.
4. Os presentes autos que constituem o apenso C, onde foi interposto o presente recurso, iniciaram-se com a entrada em juízo do respectivo requerimento de alteração/cessação da pensão de alimentos, deduzido por FJG... contra SMR..., em 3 de Abril de 2018.
3.2. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
Na decisão recorrida consignou-se, na respectiva parte dispositiva, o seguinte: Assim, verifica-se neste apenso C a existência da excepção dilatória, de conhecimento oficioso, de caso julgado, pelo que, nos termos dos art.s 576°, a.° 2, 577°, al i), 578°, 580° e 581°, todos do CPC, aqui se absolve a R da instância.
Relativamente a tanto cumpre referir, salvo o devido respeito, que se trata de um equívoco por parte do juiz a quo.
Na verdade, a situação processual em consideração é a de indeferimento liminar do requerimento inicial, tal como prevista no art.° 590/prct. n.° 1 do CPC.
Com efeito, ao momento em que foi proferida a decisão colocada em crise, a instância ainda não chegara a constituir-se em relação à requerida, porquanto esta não havia citada (cf. art.° 259°, n.° 2 do CPC). Como tal, considerando ocorrer uma excepção dilatória insuprível, concretamente a excepção de caso julgado, cumpria ao senhor juiz determinar o indeferimento liminar do requerimento inicial, à luz do normativo supra mencionado.
Vejamos, então, se ocorre a referida excepção dilatória de caso julgado determinante do indeferimento liminar do requerimento inicial.
Do Caso Julgado
O art. 577º, i) do CPC classifica o caso julgado como uma excepção dilatória, ou seja, a verificar-se obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância (cf. art. 576º, n.°s 1 e 2 do CPC).
O caso julgado, tal como a litispcndência, implica a repetição de uma causa sendo que o primeiro se verifica quando a repetição tem lugar depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário — cf. art. 580°, n.° 1 do CPC.
A excepção do caso julgado tem como objectivo evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior — cf. art. 580°, n.° 2 do CPC.
O art. 581° do CPC identifica as situações em que existe repetição de uma causa: quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir; há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico; há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico — cf. art. 581°, n.°s 2 a 4 do CPC.
Como refere o Prof. Alberto dos Reis o caso julgado exerce duas funções: a) uma função positiva; b) uma função negativa. Exerce a primeira quando faz valer a sua força e autoridade; exerce a segunda quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo tribunal (cf. Código de Processo Civil Anotado, volume III, 4ª edição, reimpressão, pág. 93), sendo que em ambas as funções, por princípio, são necessárias as três identidades mencionadas no art. 581° do CPC.
O art. 619°, n.° 1 do CPC estabelece que transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 5800 e 5810 do mesmo diploma legal, de onde decorre que, efectivamente, é sempre necessário que ocorra a tríplice identidade acima mencionada.
As sentenças constituem caso julgado nos precisos limites e termos em que julgam — cf. art.° 621° do CPC.
De acordo com a doutrina tradicional, para efeitos da excepção de caso julgado apenas importa a existência de caso julgado material, isto é, o caso julgado que se forma mediante urna sentença de mérito, ou seja, uma sentença que conheça da relação jurídica substancial, declarando os direitos e obrigações respectivos.
Importa reter que apenas se estará perante uma situação de caso julgado quando uma anterior decisão apreciou o mesmo ponto concreto, a mesma questão concreta, de direito ou de facto.
É sabido que o caso julgado material se forma unicamente sobre a decisão relativa ao objecto da acção mas, em certos casos, deverá abranger ainda as decisões preparatórias. Será pelo teor da decisão que se deverá determinar a extensão objectiva do caso julgado. Se ela não estatuir de modo exaustivo sobre a pretensão do autor (o thema decidendum), não excluindo portanto toda a possibilidade de outra decisão útil, essa pretensão poderá ser novamente deduzida em juízo — J. Alberto dos Reis, citando Manuel Andrade, ob. cit., volume V, pág. 174.
Assim, para que se constate a existência de duas decisões sobre a mesma pretensão é necessário que a parte dispositiva das duas sentenças ou de dois despachos tenha resolvido o mesmo ponto concreto, a mesma questão concreta, de direito ou de facto — cf neste sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7-05-2008, relator Mário Pereira, processo n.° 0754005 e de 12-07-2011, relator Moreira Camilo, processo n.° 129/ 07.4TBPST.S1 disponíveis na base de dados do ITIJ em www.dgsi.pt; Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, volume, 2015, pág. 623 — A sua autoridade «faz lei» para qualquer processo futuro, mas só em estrita correspondência com o respectivo conteúdo, nada obstando a que numa nova acção, «se discuta e dirima aquilo que ela mesma não definiu» .
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1-04-2008 mencionado na base de dados do ITIJ já referida concluiu-se que todas as questões e excepções suscitadas e solucionadas na sentença, por imperativo legal e conexas com o direito a que se refere a pretensão do autor, estão compreendidas na expressão precisos termos em que julga, contida no art. 673° do Cód. Proc. Civil, ao definir o alcance do caso julgado material, pelo que também se incluem neste.
A identidade jurídica das partes não tem de coincidir com a identidade física dos sujeitos relevando antes que actuem como titulares da mesma relação substancial — cf. Jacinto Rodrigues Bastos, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 3ª edição Revista e Actualizada, Lisboa 2001, pág. 47.
O pedido consiste no efeito jurídico que se pretende obter, isto é, é a enunciação do direito que o autor quer fazer valer em juízo e da providência que para essa tutela requer - Ana Prata, Dicionário Jurídico pág. 724 citada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1-04-2008 disponível cm www.dgsi.pt.
A causa de pedir consiste, conforme resulta do art.° 581º, n.° 4 do CPC, nos factos concretos da vida a que se virá a reconhecer, ou não, força jurídica bastante e adequada para desencadear os efeitos pretendidos pelo autor, é o facto jurídico concreto em que se baseia a pretensão deduzida em juízo, isto é, o facto ou conjunto de factos concretos articulados pelo autor e dos quais dimanarão o efeito ou efeitos jurídicos que, através do pedido formulado, pretende ver juridicamente reconhecidos.
A causa de pedir, independentemente do entendimento que se perfilhe acerca dos factos que a integram (nomeadamente se abrange todos os necessárias à procedência da acção ou apenas, conforme defende o Prof. Miguel Teixeira de Sousa, aqueles que se reconduzam aos elementos essenciais de um determinado tipo legal, justificando a distinção legal entre factos essenciais e factos complementares, os quais, podendo ser necessários à procedência da acção, não integram, ao contrário dos primeiros, a causa de pedir — cf Blog IPPC em https:/ / blogippc.blogspot.com/2014/07/ factos-complementares-e-causa-de-pedir.html), cumpre sempre uma função individualizadora do pedido e, portanto, do objecto do processo.
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-01-2017, relator Júlio Gomes, processo n.° 3844/15.5T8PRT.S1, refere-se, recorrendo ainda à lição do referido Professor quel Muito embora se entenda que a causa de pedir é representada por factos concretos, não se trata de factos brutos, independentes de qualquer previsão normativa. 1] os factos que constituem a causa de pedir devem preencher uma determinada previsão legal, isto é, devem ser subsumíveis a uma regra jurídica: eles não são factos brutos, mas factos institucionais, isto é, factos construídos como tal por uma regra jurídica acrescentando o mesmo Autor que o recorte da causa de pedir é realizado pelo direito material: são as previsões das regras materiais que delimitam as causas de pedir, pelo que, em abstracto, há tantas causas de pedir quantas as previsões legais. Por outro lado, o conceito de causa de pedir não deve ser entendido de forma extensa já que uma visão mais restrita — deflacionada — é a que melhor se adequa tanto ao princípio dispositivo, que apesar de temperado ou mitigado continua a imperar no nosso sistema processual civil, como à opção do legislador pelo sistema da substanciação da causa de pedir. Os factos concretos que constituem a causa de pedir são pois iluminados e seleccionados por uma certa previsão legal — disponível em www.dgsi.pt.
Se a sentença transitada não esgotou o thema decidendum, se uma parte da pretensão ficou ainda em aberto, não há dúvida de que essa parte pode, de novo, ser submetida à consideração do tribunal. Mas uma coisa é não ter sido apreciada uma parte da pretensão deduzida em juízo, outra, completamente diferente, não terem sido apresentados ou deduzidos alguns meios de defesa do réu, ou algumas razões ou fundamentos do autor. A este respeito o Prof. Andrade afirma: O caso julgado preclude todos os meios de defesa do réu, mesmo os que ele poderia ter deduzido, mas não deduziu, assim como preclude todas as possíveis razões do autor. Desde que a sentença reconhece o direito do autor, ficam precludidos, fica fechada a porta a todos os meios de defesa do réu, mesmo os que ele não chegou a deduzir. É a significação da máxima tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat. Por outro lado, a sentença que julga improcedente a acção preclude incontestavelmente ao autor a possibilidade de, em novo processo, invocar outros factos instrumentais, ou outras razões (argumentos de direito) não produzidas nem consideradas no processo anterior (Andrade, Noções, págs. 120 e 130) — Alberto dos Reis, ob. cit., volume V, pág. 174.
Na apreciação, em concreto, da verificação da identidade de acções, existindo dúvidas, haverá que seguir o princípio de que as acções são idênticas se a decisão da segunda fizer correr ao tribunal o risco de contradizer ou reproduzir a decisão proferida na primeira — cf. Prof. Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 95.
Considerando os sujeitos da presente acção e aqueles outros que figuraram no apenso B, também ele visando a cessação da pensão de alimentos, resulta óbvia a identidade das partes.
No que diz respeito ao pedido importa ter presente que em ambos os processos o requerente pretende obter uma decisão que determine a cessação da prestação de alimentos fixada em sede de homologação dos acordos obtidos entre as partes aquando do seu divórcio.
Ainda que nesta acção o requerente haja deduzido pedido subsidiário de redução da prestação alimentar a que está obrigado, não deixa de subsistir a identidade do pedido, no confronto com a pretérita pretensão de cessação da obrigação já deduzida no apenso B, considerando que a similitude dos pedidos deve ser avaliada em função da posição das partes quanto à relação material, devendo considerar-se que aquela existe sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos, do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objecto do direito reclamado.
O cerne da questão reside, precisamente, na identidade da causa de pedir, sendo que a decisão recorrida fundamentou, precisamente, que o novo pedido de cessação da obrigação de alimentos se baseia no casamento do requerente, facto já provado na decisão do apenso B, assim como na sua situação pessoal e económica, também ali ponderada.
Neste caso, a análise da excepção de caso julgado exige a ponderação sobre se a questão ora submetida à apreciação do tribunal, sob o ponto de vista dos argumentos expendidos, podia e devia ter sido analisada, dentro de tais parâmetros, no âmbito do pedido de cessação da obrigação alimentar deduzido no apenso B e se só o não foi por falta de dedução de tais razões pelo requerente, pois que o caso julgado abrange aquilo que foi objecto de controvérsia, e ainda os assuntos que as partes tinham o ónus (não o dever) de trazer à colação.
Deve ter-se presente que a preclusão é a perda, a extinção ou a consumação de urna faculdade processual (Chiovenda, apud Miguel Teixeira de Sousa, Preclusão e caso julgado, publicado no Blog do IPPC https://blogippc.blogspot.pt/, pág. 1).
Quando a preclusão se reporta a factos corresponde a um ónus de alegação e de concentração, isto é, a parte tem o ónus de alegar todos os factos relevantes no momento adequado; a preclusão só pode ocorrer se e quando houver um ónus de concentração, ou seja, apenas a alegação do facto que a parte tem o ónus de cumular com outras alegações pode ficar precludida.
A preclusão intraprocessual, num processo pendente, impede que um acto possa ser praticado depois do momento definido pela lei ou pelo juiz; tal preclusão transmuta-se em preclusão extraprocessual quando o que não foi praticado num processo não pode ser realizado num outro processo.
O encerramento da discussão em 1ª instância é o último momento preclusivo pois que é até esse momento que a parte tem o ónus de invocar os factos constitutivos, modificativos ou extintivos que forem supervenientes ao articulado apresentado pela parte — cf. art. 588º, n.° 1 do CPC.
A excepção de caso julgado não origina a preclusão do fundamento não alegado no momento adequado, sendo, pelo contrário, um meio para impor a estabilização decorrente da preclusão desse fundamento.
Assim, a excepção de caso julgado também ocorre quando a diferença entre o objecto da primeira acção e o da segunda acção decorre da alegação na última de um fundamento não invocado naquela primeira.
Quando a excepção de caso julgado impede a apreciação de um aliud com base num facto precludido, obsta-se ainda à contradição do decidido numa causa anterior com fundamento na alegação do facto precludido, como previsto no art. 580°, n.° 2 do CPC.
Para além disso, a excepção de caso julgado opera ainda como meio de fazer valer a preclusão extraprocessual, ou seja, não se torna necessário convocar qualquer outra excepção dilatória para obstar à admissibilidade de uma acção na qual é alegado um facto que se encontra precludido — cf. M. Teixeira de Sousa, ob. cit., pág. 19.
Neste caso, a situação que se coloca é, precisamente, a de saber se o requerente vem agora invocar ou concretizar factos integradores do seu direito a obter a cessação/alteração da obrigação alimentar de que já tinha conhecimento e que podia e devia ter invocado na anterior acção.
Ora, julgada improcedente a pretensão por demonstração de factos que revelavam um aumento do património e por falta de prova de factos demonstrativos das despesas a cargo do requerente, o caso julgado formado pela sentença proferida no apenso B não obsta à dedução de novo pedido de cessação da obrigação alimentar no âmbito deste apenso C, uma vez que no respectivo requerimento inicial é alegada nova e diferente factualidade para sustentar a mesma pretensão.
O requerente/apelante aduziu, no âmbito do apenso B, com vista a obter a cessação da pensão de alimentos, que deixara de poder suportar essa obrigação em face das despesas que tinha com a casa de habitação, designadamente, renda, seguros de vida, condomínio, água, luz, gás, telefone, impostos, seguros e, bem assim, despesas com alimentação, saúde, gasóleo, que ascendiam, estas últimas, a cerca de € 700,00 (setecentos euros); por outro lado, convocou a desnecessidade de alimentos por parte da requerida, referindo que esta apenas não trabalha porque não quer, não padecendo de qualquer doença e não tendo despesas com renda de casa.
Os factos então alegados reportavam-se, como não pode deixar de ser, às circunstâncias vigentes à data da interposição do respectivo requerimento (14-06-2016).
Produzida a prova, o Tribunal ponderou na sua decisão os factos demonstrados e ocorridos até à data da respectiva prolação (24-10-2017), entre os quais, a aquisição pelo requerente, no ano de 2017, de um veículo automóvel, um apartamento na … Seixal e, por via sucessória, seis prédios; mais considerou que o requerente pagou IMI, em Abril de 2016, atendeu aos respectivos rendimentos declarados nos anos de 2013 a 2016 e à circunstância de o requerente ter casado no Brasil, em 19-09-2017; quanto à requerida, atendeu ao facto de esta estar desempregada e ter incapacidade permanente para o trabalho de 70/prct., estando a ser medicada.
Proferida a decisão no apenso B, que julgou improcedente o pedido de cessação da obrigação de alimentos por ter ocorrido melhoria das condições de vida do obrigado e este não ter provado os factos atinentes às despesas suportadas, o requerente apresentou então, em 3 de Abril de 2018, novo requerimento com vista a obter a visada cessação daquela obrigação, alegando que a sua situação económica se modificou depois da fixação da pensão de alimentos, dado que por força da celebração do seu novo casamento, em 19 de Setembro de 2017, tem novas despesas com o agregado familiar, dado que a actual mulher obtém rendimentos que apenas lhe permitem pagar as
despesas com casa, luz e água, no Brasil; alude agora à existência de um empréstimo bancário quanto ao imóvel que é tido como casa de morada de família, para além das despesas com alimentação (em média, € 400,00 mensais), água, luz, gasóleo, vestuário e saúde (€ 50,00 mensais) do agregado familiar; suporta ainda o pagamento do seguro do veículo automóvel de matrícula …, no valor de 208,53 € e as despesas com os imóveis que herdou, sitos em …, no valor de 94,40 € mensais;
Sustenta, novamente, que a requerida não tem necessidade de urna pensão de alimentos desse montante, pois reside na R…, Corroios, propriedade de ambos, requerente e requerida, não pagando renda de casa e tem capacidade para poder trabalhar.
Releva para a apreciação do caso julgado a específica natureza da acção em presença, ou seja, trata-se de processo classificado como especial, que segue a tramitação prevista no art.° 936°, n.°4 do CPC.
O Supremo Tribunal de Justiça vem sustentando que a obrigação de prestar alimentos entre ex-cônjuges após o divórcio constitui um efeito jurídico novo, que radica na dissolução do casamento, mas cujo fundamento deriva da recíproca solidariedade pós-conjugal — acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça, de 23-10-2012 relator Hélder Roque, processo 320/10.6TBTMR.C1.S1, disponível em
www.dgsi.pt
A Lei n° 61/2008, de 31-10 introduziu alterações relevantes no regime dos alimentos entre ex-cônjuges no seguimento de divórcio, vertido nos artigos 2016° e 2016°-A do Código Civil, atribuindo-lhe cariz excepcional, pois que o legislador optou pelo princípio da auto-suficiência, conferindo, em regra, ao direito a alimentos entre ex-cônjuges carácter temporário e natureza subsidiária.
Tais características emanam do art.º 2016º do Código Civil, que reconhece a qualquer dos cônjuges o direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio (n.° 2), mas consagra que cada cônjuge deve prover à sua subsistência depois do divórcio (n.° 1) e que o direito a alimentos pode ser negado por razões manifestas de equidade (n.° 3).
Este novo modelo, associado, em grande medida, à transição para o sistema do divórcio pura constatação da ruptura do casamento, reconhece ao cônjuge economicamente dependente um direito a alimentos menos intenso do que aquele que lhe era conferido no sistema de divórcio por violação culposa dos deveres conjugais. Desligando-se do conceito de culpa, o direito a alimentos entre ex-cônjuges depende apenas da verificação dos pressupostos gerais da necessidade e da possibilidade enunciados no artigo 2004° do Código Civil. deve cingir-se ao indispensável para o sustento, habitação e vestuário (artigo 2003° n° 1 do Código Civil), procurando assegurar uma existência digna ao cônjuge economicamente carenciado depois da ruptura do vínculo do casamento, mas sem ter por finalidade proporcionar-lhe um nível de vida equiparado ou sequer aproximado ao que tinha na vigência da comunhão conjugal. — acórdão do Supremo Tribuna/ de Justiça de 3-03-2016, relatora Fernanda Isabel Pereira, processo nº 2836/13.3TBCSC.L1.S1 dirponivel em www.dgsi.pt.
Ora, as obrigações alimentícias em geral e, em particular, as assumidas por ex-cônjuges, ainda que fixadas por decisão judicial ou similar, podem sofrer modificações determinadas pela alteração das circunstâncias que estiveram presentes aquando da sua constituição. Com efeito, como a obrigação alimentícia é uma obrigação duradoura que assenta fundamentalmente sobre dois pilares básicos — as necessidades económicas de quem recebe e as disponibilidades financeiras do familiar que paga -, e estes dois factores podem alterar-se, e de facto a cada passo se modificam, a lei permite que o quantitativo da prestação se adapte a todo o momento à evolução desses factores. — cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume V, 1995, pág. 600.
Essa alteração tanto pode consistir na cessação prevista no art.° 2019° do C. Civil, como na sua redução ou aumento, nos termos do art.° 2012° do mesmo diploma legal.
Sendo este o regime substantivo aplicável à obrigação de alimentos entre ex-cônjuges, tal regime encontra repercussão no plano do direito adjectivo. Desde logo, no art. 619º, n° 2, do CPC, que expressamente admite a modificação da sentença em matéria alimentícia, num desvio ao princípio geral da intangibilidade do caso julgado material. Depois, no art. 282° que prevê a renovação da instância para dedução de pedido de cessação ou de alteração da obrigação de alimentos. A concluir, com o que dispõe o art. 936° que especificamente regula a tramitação da referida pretensão, quer esta seja deduzida por apenso ao processo de execução de alimentos, quer por dependência da acção declarativa em que tenham sido fixados. — cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justica de 23-10-2014, relator Abrantes Geraldes, processo nº 2155/08.7TMLSB-A.L1.S1 disponível em www.dgsi.pt neste sentido, José Lebre de Freitas, Código de Processo Civi/ Anotado, volume 2ª, 3ª edição, pág. 750; Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 601, que, citando Carbonnier, afirmam ser a decisão ou convenção que fixou a obrigação alimentícia sempre susceptível de revisão, sem que se possa opor-lhe a autoridade do caso julgado.
Estando em causa, como e o caso, uma cessação da obrigação alimentar antes fixada, hão-de relevar, necessariamente, as alterações supervenientes relativamente à data em que a obrigação de alimentos foi fixada, seja quanto às necessidades do alimentando, seja quanto às possibilidades do obrigado.
Os pressupostos de facto invocados na primeira acção foram a modificação ou o agravamento das condições económicas do requerente/apelante e a desnecessidade da ré, pressupostos que, naturalmente, se verificariam ao momento em que foi deduzido o pedido.
O direito a alimentos é abstractamente irrenunciável (cf. art.° 2008.°, n.° 1 do C. Civil) e a apreciação da sua necessidade e medida é sempre fundada em factos actuais.
Como tal, o alcance do caso julgado apenas se forma relativamente às concretas questões decididas, nada impedindo, atento o disposto nos art.°s 619°, n.° 2 e 621°do do CPC, a modificação da decisão por alteração superveniente de razões ou circunstâncias, sobremaneira, as atinentes à necessidade do alimentando e à possibilidade do obrigado.
Assim, com mais acuidade em acções desta natureza, o caso julgado apenas se pode formar relativamente aos concretos requisitos que em dado momento temporal são apreciados.
Em consonância, nesta segunda acção em que o requerente pretende obter a cessação/alteração dos alimentos fixados por sentença de divórcio que os homologou, não podem ser considerados os factos que já foram tomados em consideração na acção anterior julgada improcedente (apenso B), sob pena de ofensa do caso julgado (artigo 581.° do C. Civil e art.° 619º, n.° 1 do CPC).
Pelo contrário, podem aqui ser considerados os factos ou circunstâncias supervenientes a essa acção que assumam valor modificativo das circunstâncias que determinaram a condenação em alimentos — cf. neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-09-2012, relator Salazar Casanova 11-09¬-2012, processo n.°1622/ 04.6TBEVR.E1.S1 disponível em www.dgsi.pt
Em face de quanto se deixou acima expendido, verifica-se, é certo, que o requerente, confrontado com a improcedência dos argumentos previamente invocados na primeira acção para cessação da obrigação alimentar, veio reiterar a sua pretensão louvando-se, em grande medida, em factos anteriormente já aduzidos, ainda que não concretamente especificados (circunstância esta que, porém, apenas a si se deve).
Com efeito, a alegação escassa e vaga quanto aos rendimentos por si auferidos e despesas mensais que suportava à data de 14-06-2016 (data da apresentação da petição que deu origem ao apenso B) e a não audição de testemunhas impediram-no de demonstrar os factos relativos às suas despesas com habitação, condomínio, água, luz, gás, telefone, gasóleo e saúde, sendo certo que, por sua própria iniciativa, foi levada àqueles autos a informação sobre o seu novo casamento, celebrado em 19-09-2017.
Cumpre notar que a decisão no apenso B foi proferida em 24-10-2017 e considerou os factos que se verificavam até essa data.
No entanto, há que ter presente que naquela primeira decisão não foram alegados ou demonstrados factos atinente às condições pessoais e económicas do requerente subsequentes ao casamento celebrado em 19-09-2017, como, aliás, dificilmente poderiam ter sido, atendendo à data em que teve lugar a audiência de julgamento (11-10-2017).
As condições de vida do requerente subsequentes ao seu casamento poderão ter-se modificado relativamente ao que se verificava à data do encerramento da audiência de julgamento no primeiro processo de cessação da obrigação alimentar e, em resumo, é precisamente isso que aquele vem sustentar nesta nova petição para cessação/alteração da respectiva obrigação, ao aduzir novas despesas atinentes ao seu novo agregado familiar e do património que entretanto adquiriu.
As novas circunstâncias alegadas podem justificar uma alteração da pensão fixada, precisamente decorrente da invocada constituição de um novo agregado familiar, com as correspondentes despesas surgidas ex novo.
Na verdade, a celebração do casamento, no Brasil, foi, de facto, ponderada naquela primeira decisão, mas nada mais do que isso (de notar, aliás, que o facto — o casamento — só pode ser invocado depois de registado, sendo que o respectivo assento data de 5-12-2017, conforme documento de fls. 5 verso — cf. art.°s 1°, n.° 1, d) e 2° do C. Registo Civil).
O apelante, no presente requerimento, vem aduzir novos factos para demonstrar, por um lado, que os rendimentos da sua actual mulher não são bastantes para prover às necessidades do agregado familiar, e, por outro, que é o próprio a ter de fazer face a tais necessidades decorrentes da sua nova situação familiar.
Acresce que o requerente alude também a encargos que se afiguram ser consequência da aquisição por via sucessória de bens imóveis e que não foram alegados ou ponderados na decisão anterior e que terão ocorrido já posteriormente a esta (pois que tal aquisição ocorreu precisamente no ano de 2017), ou seja, trata-se de factos concretos integradores do direito que o autor pretende exercer (sustentado na previsão legal da cessação da obrigação por alteração das circunstâncias em que esta foi fixada) que não podiam ter sido alegados ou demonstrados no âmbito da pretérita acção e, como tal, estão excluídos do efeito preclusivo decorrente do encerramento da discussão naquela instância, ou seja, não permitem a afirmação da verificação, quanto a eles, da excepção de caso julgado.
Em conformidade, impõe-se revogar a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que determine a observância dos trâmites subsequentes atinentes ao processo especial previsto no art.° 936º, n.° 4 do CPC, a decidir em função dos factos que se vierem a demonstrar.
IV — DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em:
a) julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogar a decisão recorrida,
que deverá ser substituída por outra que dê prosseguimento aos trâmites
processuais subsequentes.
As custas ficam a cargo da requerida/apelada (cf. art.° 527.°, n.°s 1 e 2, do CPC).

Lisboa, 9 de Outubro de 2018
Micaela Souza
Maria Amélia Ribeiro
Dina Maria Monteiro
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