Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 30-01-2018   Número de membros que compõem o agregado familiar. FGADM. IAS. Subsídio de Natal e o subsídio de férias.
A alteração do número de membros que compõem o agregado familiar é relevante para a determinação dos pressupostos legais de que depende a prestação substitutiva a cargo do FGADM, nos termos dos Art.s 4.º e 5.º do Dec. Lei n.º 70/2010 de 16/6 “ex vi” do art. 3.º n.º 3 do Dec.Lei n.º 164/99 de 13/5, no quadro da reavaliação periódica sobre a manutenção do pagamento dessas prestações (Art. 4.º da Lei n.º 75/98 de 19/11)
A “condição de recursos” estabelecida nos Arts 1.º n.º 1 da Lei n.º 75/98 de 19/11, Art. 3., n.º 1 al. b), e n.º 3 do Dec.Lei n.º 164/99 de 13/5 e Arts. 3.º a 6.º do Dec.Lei n.º 70/2010 de 16/6, que pressupõe uma operação de capitação do rendimento ilíquido do agregado familiar dos menores beneficiários da prestação de alimentos, deve ser interpretada no sentido de que a mesma continua a verificar-se se os menores ficarem numa situação de factos em que durante 10 meses do ano ficam a viver com um rendimento “per capita” inferior ao IAS, excetuando-se desse efeito apenas os dois meses em que a progenitora, única titular de rendimentos do agregado, recebe o subsídio de Natal e o subsídio de férias.
Interpretação que não tenha em conta esse efeito perverso, não é conforme ao espírito do legislador e colocaria em causa o direito a uma existência minimamente condigna dos menores, que o Estado tem por obrigação proteger no quadro da Segurança Social (Art.s 24.º, 63.º , n.º 1 e n.º 3, 67.º e 69.º da C.R.P.).
Proc. 25091/13.0T2SNT-A.L1 7ª Secção
Desembargadores:  Carlos Oliveira - Maria Amélia Ribeiro - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Proc. n.° 25091/13.0T2SNT-A.L1 - Apelação
Recorrente: L....
Recorrido: O M.° P.°. Requerido: K....

Sumário (art.° 663° n° 7 do CPC) - Da responsabilidade exclusiva do relator)
1. A alteração do número de membros que compõem o agregado familiar é relevante para a determinação dos pressupostos legais de que depende a prestação substitutiva a cargo do FGADM, nos termos dos Art.s 4.° e 5.° do Dec.Lei n.° 70/2010 de 16/6 ex viArt. 3.° n.° 3 do Dec.Lei n.° 164/99 de 13/5, no quadro da reavaliação periódica sobre a manutenção do pagamento dessas prestações (Art. 4.° da Lei n.° 75/98 de 19/11.
2. A condição de recursos estabelecida nos Art.s 1.° n.° 1 da Lei n.° 75/98 de 19/11, Art. 3.°n.°1 al. b), n.° e n.° 3 do Dec.Lei n.° 164/99 de 13/5 e Art.s 3.° a 6.° do Dec.Lei n.° 70/2010 de 16/6, que pressupõe uma operação de capitação do rendimento ilíquido do agregado familiar dos menores beneficiários da prestação de alimentos, deve ser interpretada no sentido de que a mesma continua a verificar-se se os menores ficarem numa situação de facto em que durante 10 meses do ano ficam a viver com um rendimento per capita inferior ao IAS, excetuando-se desse efeito apenas os dois meses em que a progenitora, única titular de rendimentos do agregado, recebe o subsídio de Natal e o subsídio de férias.
3. Interpretação que não tenha em conta esse efeito perverso, não é conforme ao espírito do legislador e colocaria em causa o direito a uma existência minimamente condigna dos menores, que o Estado tem por obrigação proteger no quadro da Segurança Social (Art.s 24., 63.° n.° 1 e n.° 3, 67.° e 69.° da C.R.P.).
ACORDAM OS JUÍZES NA 7ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
I- RELATÓRIO
L... intentou o presente incidente de incumprimento das responsabilidades parentais contra K..., pai dos seus filhos I... e H..., porquanto o Requerido não cumpriu com a prestação de alimentos que havia sido fixada no processo principal.
Por sentença proferida em 17.12.2015, transitada em julgado, foi julgado verificado o incumprimento quanto à falta de pagamento das pensões de alimentos, prosseguindo os autos para apreciação da eventual intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos, em substituição do progenitor incumpridor (cfr. fls 30 a 33).
Foi solicitada a elaboração de relatório social à Segurança Social, constando de fls. 42 a 44 o resultado do inquérito realizado para efeitos do Art.° 4.0, n.°s 1 e 2 do Dec.Lei n.° 164/99 de 13-05.
O M.° P.°, com vista de 28/6/2016, promoveu que se fixasse em montante não inferior a €100,00 mensais, para cada menor, a quantia a pagar pelo FGADM, em substituição do progenitor (cfr. fls. 46).
Por sentença de 15 de julho de 2016, foi determinada a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, pois verificou-se o incumprimento do Requerido pai e, reunida a prova, resultou que o mesmo não se encontrava em situação que permitisse a cobrança coerciva no que concerne às prestações de alimentos vencidas e vincendas.
Assim, foi então decidido o seguinte:
1. Fixar em €90,00 (noventa euros), o montante mensal a pagar pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, na qualidade de gestor do Fundo de Alimentos Devidos a Menores, a título de pensão de alimentos devida à menor H...;
2. Fixar em €90,00 (noventa euros), o montante mensal a pagar pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, na qualidade de gestor do Fundo de Alimentos Devidos a Menores, a título de pensão de alimentos devida ao menor I...;
3. Que tal valor deverá ser remetido diretamente à mãe dos menores enquanto subsistir a situação de menoridade e a falta de pagamento por parte do pai, enquanto obrigado a alimentos (cfr. fls 52 a 56).
O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social veio informar que iniciou o pagamento da prestação substitutiva no mês de agosto de 2016 (cfr. fls 67 e 68).
Entretanto, a Requerente veio a ser notificada a 8/6/2017 para no prazo de 10 dias fazer prova de que se mantêm as condições pelas quais foi atribuído o pagamento da prestação substitutiva pelo FGADM (cfr. fls 80), tendo a mesma vindo requerer aos autos a prorrogação desse pagamento pelo Fundo, juntando recibo de vencimento, declaração de IRS do ano fiscal de 2016, algumas despesas de farmácia, de condomínio, água, eletricidade e telecomunicações (cfr. fls 81 e ss).
O M.° P.°, com vista a 19/9/2017, na sequência de informação da Segurança Social, veio a expressar o entendimento de que, em função do entretanto apurado, nomeadamente da alteração de composição do agregado familiar da Requerente e dos menores, não se mantinha a situação de carência económica que determinou a atribuição da prestação substitutiva, já não se verificando os pressupostos dessa decisão, promovendo assim a cessação da atribuição da prestação social considerada (cfr. fls 101 a 103).
Cumprido o contraditório, a Requerente veio dizer que exerce atividade de balconista, recebendo mensalmente €740,00 líquidos, paga €220,00 de ATL, €345,00 de prestação da casa, ficando assim só com €165,00 por mês para as demais despesas (cfr. fls 106).
Na sequência, veio a ser proferido o despacho de 6 de novembro de 2017, que decidiu declarar cessada a obrigação de pagamento a cargo do FGA em beneficio dos menores I..., nascido a 10.02.2011, e H..., nascida a 15.04.2006, o que produziria efeitos a partir do 1.° dia do mês seguinte ao da data da reavaliação, nos termos do Art. 25.°, n.° 2 do Dec.Lei n.° 70/2010, de 16/6 (cfr. fls 108 a 109 verso).
E dessa decisão que a Requerente veio interpor recurso, apresentando as seguintes conclusões:
1.° (...).
2.° O presente recurso tem como objeto a decisão que declarou cessada a obrigação de pagamento a cargo do FGA em beneficio dos menores I..., nascido a 10.02.2011, e H..., nascida a 15.04.2006.
3.° A Recorrente L... deduziu incidente de incumprimento do pagamento da prestação alimentícia devida aos seus filhos menores I..., nascido a 10.02.2011, e H..., nascida a 15.04.2006, e a fixação da pensão de alimentos a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.
4.° Deduzido o incumprimento e decidida a obrigação de pagamento a cargo do FGA em benefício dos já mencionados menores Ibrahaim e Hanana Samira, em Junho de 2017 foi a Recorrente notificada para fazer prova de que se mantinham as condições pelas quais havia sido atribuído o Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores.
5.° Face à prova efetuada decidiu o Tribunal a quo nos seguintes termos:
6.° «(...) Preceitua o Art. 1.° da Lei 75/98, de 19/11, com a redação introduzida pela Lei n.° 66-B/2012, de 31-12, que: 1 - Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida (...) e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efetivo cumprimento da obrigação. 2 - (...)».
7.° «Entretanto, no âmbito do contexto de crise económica e financeira internacional, o Decreto-Lei n.° 70/2010, de 16 de Junho (publicado no DR, 1.a Série, de 16.06.2010), harmonizou as condições de acesso às prestações sociais não contributivas».
8.° «As regras previstas no citado DL n.° 70/2010, de 16-06, são aplicáveis, por força do disposto pela alínea c) do n.° 2 do seu Art. 1.0, ao pagamento das prestações de alimentos, no âmbito do Fundo de Garantia de Alimentos a Menores. Tendo em consideração o disposto pelo Art. 3.° do Dec.Lei n.° 70/2010, os rendimentos a considerar para efeitos da verificação da condição de recursos são: a) rendimentos de trabalho dependente; b) rendimentos empresariais e profissionais; c) rendimentos de capitais; d) rendimentos prediais; e) pensões; f) prestações sociais; g) apoios à habitação com carácter de regularidade; h) bolsas de estudo e de formação».
9.° «Por outro lado, no apuramento da capitação dos rendimentos do agregado familiar, a ponderação de cada elemento é agora efetuada de acordo com a escala de equivalência constante do Art. 5.° do diploma em referência.
«Aplicando estes conceitos ao caso sub judice, verifica-se que, apesar do Ibrahaim e da Hanana serem menores e continuarem a viver com a mãe, os rendimentos deste agregado, resultantes do vencimento auferido pela progenitora dos menores, ascendem a €10.442,20 anuais, tendo como referência a mais recente declaração de rendimentos da Requerente».
10.° Por outro lado, importa considerar a ponderação a efetuar de cada elemento que compõe este agregado familiar (a Requerente, com o peso de 1, e dois menores, com o peso de 0,5 cada - cfr. Art. 5.° do Dec.Lei n.° 70/2010, de 16-6), e o valor do I.A.S., atualmente fixado em €421,32 (cfr. Portaria n.° 47/2017, de 3-01). Assim, e de acordo com os citados parâmetros, efetuada a condição de recursos prevista pelo DL n.° 70/2010, obtém-se agora um rendimento per capita de €435,09».
11.° «Tal montante, por ser superior ao do I.A.S., não permite agora a manutenção da prestação paga pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores. Não entram, para estes cálculos, as despesas suportadas pela Requerente (...) Nos termos dos factos e disposições legais supra invocados, decide-se:
«- declarar cessada a obrigação de pagamento a cargo do FGA em benefício dos menores I..., nascido a 10.02.2011, e H..., nascida a 15.04.2006 ...»
12.° Sucede que, conforme documentos apresentados pela Recorrente, as condições pelas quais foi atribuído o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, se mantêm.
13.° Pelo que, nos parece ter existido erro nas contas do apuramento da capitação dos rendimentos do agregado familiar constituído pela Recorrente e os Menores, dado o peso de cada um e os rendimentos da Recorrente no último ano, tendo em conta o auferido pela Recorrente nos feriados, domingos e noturnos que podem existir ou não, não sendo um rendimento fixo.
14.° Assim, por todo o exposto parece-nos ter havido manifesto lapso do Tribunal a quo ao decidir da forma como o fez.
Em conformidade, entende a Recorrente que houve entendimento errado do Tribunal a quo, sobre a decisão recorrida, devendo reformar o douto despacho, nos termos do disposto no artigo 616.°, n.° 2 do C.P.C., o que requer. Mas, caso, assim se não entendesse, deveria ser dado provimento ao recurso interposto, declarando manter a obrigação de pagamento a cargo do FGA em benefício dos menores I..., nascido a 10.02.2011, e H..., nascida a 15.04.2006.
O M.° P.° apresentou contra-alegações de onde se destacam as seguintes conclusões:
1.a A concessão do apoio do FGADM está circunscrita aos menores cujo agregado familiar reúna condição de recursos para o efeito, nos termos regulados no Decreto-Lei n° 70/2010 de 16 de junho.
2.a Anteriormente o agregado dos menores Hanane e Ibrahim Tehmaoui era composto por quatro pessoas; para além destes, compunham-no a mãe de ambos e também uma outra pessoa adulta. Com essa composição e visto o respetivo rendimento, reuniam a aludida condição de recursos, e em função disso foi-lhes atribuída uma prestação substitutiva da pensão não paga pelo respetivo progenitor.
3.a Atualmente o agregado é formado por três pessoas: a progenitora e os dois menores. Assim composto o agregado e considerado o rendimento da primeira, a família deixou de reunir a aludida condição de recursos.
4.a Em face desta alteração da composição do agregado, o Tribunal decidiu corretamente ao determinar a cessação da intervenção do FGADM.
Em face disso, a intervenção do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores deve cessar, devendo confirmar-se a decisão recorrida em conformidade com o regulado nos Art.s 1.° e 2.° do Regime Jurídico de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, Art.s 2.° e ss. da Regulamentação da Garantia de Alimentos Devidos a Menores, e no Decreto-Lei n.° 70/2010 de 16 de junho.
II- QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Art.s 635°, n.° 4 e 639°, n.° 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. Art. 5° n.° 3 do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Vide: Abrantes Geraldes, Ob. Loc. Cit., pág. 107).
Assim, em termos sucintos, a questão essencial a decidir é saber se alteraram ou não os pressupostos que obrigam o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores a suportar as prestações de alimentos devidas aos menores filhos da Requerente em substituição do Requerido e se as alterações verificadas justificam a cessação do pagamento dessas prestações.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A decisão recorrida assenta na seguinte factualidade:
1 - A Requerente trabalha como balconista, auferindo um vencimento base mensal ilíquido de €629,79, acrescido de subsídio de alimentação e de subsídio de trabalho noturno;
2 - No ano de 2016, a Requerente auferiu rendimentos anuais ilíquidos no montante global de €10.442,20.
3 - A Requerente vive com os filhos I..., nascido a 10.02.2011, e H..., nascida a 15.04.2006.
Tudo visto, cumpre apreciar.
IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Pela Lei n.° 75/98, de 19 de novembro, o Estado assumiu a obrigação de garantir o pagamento das prestações alimentares devidas a menores quando o respetivo progenitor o não satisfaça.
Decorre do n.° 1 do Art. 1.° desse diploma legal que: «Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida (...) e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS), nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efetivo cumprimento da obrigação».
As prestações atribuídas são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS, independentemente do número de filhos menores (Art. 2.° n.° 1 da mesma Lei).
O montante fixado pelo tribunal perdura enquanto se verifiquem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado (Art. 3.° n.° 4 da Lei n.° 75/98).
Acresce que, nos termos do Art. 4.° n.° 1 do mesmo diploma, estabelece-se que o representante do menor, ou da pessoa à guarda de quem o mesmo se encontre, deve comunicar ao tribunal ou à entidade responsável pelo pagamento das prestações previstas nessa lei a cessação ou qualquer alteração da situação de incumprimento ou da situação do menor.
No caso dos autos, por sentença de 15 de julho de 2016 foram julgados verificados os pressupostos necessários à prestação pelo FGADM (Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores), constituído pelo Art. 6.° da mesma Lei, tendo este Fundo sido notificado para proceder em conformidade.
Nos termos da Lei n.° 64/2012, de 20 de dezembro, que alterou, entre outras normas, as dos n.°s 4 e 5 do Art. 4.° do Dec.Lei n.° 164/99: «4 - O IGFSS, I. P., inicia o pagamento das prestações, por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, não havendo lugar ao pagamento de prestações vencidas. 5 - A prestação de alimentos é devida a partir do 1.° dia do mês seguinte ao da decisão do tribunal.» O que no caso foi cumprido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social a partir do mês de agosto de 2016 (cfr. fls 67 e 68).
Com vista à continuação do pagamento da prestação social paga pelo Fundo, veio a Requerente juntar documentos comprovativos da sua situação económica (cfr. fls 81 e ss.). Mas o M.° P.° promoveu a cessação dos pagamentos a cargo do FGADM por entender que não se mantinha a situação de facto que justificava a continuação dessa prestação social substitutiva.
A Requerente alegou que recebe €740,00 mensais de vencimento e suporta despesas mensais de €565,00, incluindo o ATL dos menores e pagamento da prestação bancária da casa, sobejando-lhe €165,00 para as despesas de alimentação, vestuário e calçado, água, luz e telefone (cfr. fls. 105 a 107).
No entanto, a decisão recorrida concordou com a promoção do M.° P.°, resultando do teor da mesma a seguinte fundamentação: «(...) no
âmbito do contexto de crise económica e financeira internacional, o Decreto-Lei n.° 70/2010, de 16 de Junho (publicado no DR, 1.a Série, de 16.06.2010), harmonizou as condições de acesso às prestações sociais não contributivas.
«As regras previstas no citado DL n.° 70/2010, de 16-06, são aplicáveis, por força do disposto pela alínea c) do n. ° 2 do seu Art. 1. 0, ao pagamento das prestações de alimentos, no âmbito do Fundo de Garantia de Alimentos a Menores.
«Tendo em consideração o disposto pelo Art. 3.° do Dec.Lei n.° 70/2010, os rendimentos a considerar para efeitos da verificação da condição de recursos são: a) rendimentos de trabalho dependente; b) rendimentos empresariais e profissionais; c) rendimentos de capitais; d) rendimentos prediais; e) pensões, j) prestações sociais; g) apoios à habitação com carácter de regularidade, h) (...)».
«Por outro lado, no apuramento da capitação dos rendimentos do agregado familiar, a ponderação de cada elemento é agora efetuada de acordo com a escala de equivalência constante do Art. 5. ° do diploma em referência.
«Aplicando estes conceitos ao caso sub judice, verifica-se que, apesar do Ibrahaim e da Hanana serem menores e continuarem a viver com a mãe, os rendimentos deste agregado, resultantes do vencimento auferido pela progenitora dos menores, ascendem a €10.442, 20 anuais, tendo como referência a mais recente declaração de rendimentos da Requerente.
«Por outro lado, importa considerar a ponderação a efetuar de cada elemento que compõe este agregado familiar (a Requerente, com o peso de 1 , e dois menores, com o peso de 0,5, cada - cfr. Art. 5.° do DL n.° 70/2010, de 16-6), e o valor do I.A.S., atualmente fixado em €421,32 (cfr. Portaria n.° 4/2017, de 3-01).
«Assim e de acordo com os citados parâmetros, efetuada a condição de recursos prevista pelo DL n.° 70/2010, obtém-se agora um rendimento per capita de €435,09. Tal montante, por ser superior ao do I.A.S., não permite agora a manutenção da prestação paga pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.
«Não entram, para estes cálculos, as despesas suportadas pela Requerente, que apenas relevam para a determinação da quantia a fixar como contribuição do Fundo de Garantia de Alimentos, no caso de estarem preenchidos os pressupostos da respetiva intervenção.»
Como se pode constar do confronto entre as duas decisões, a diferença de cálculo do rendimento per capita da sentença de 15 de julho de 2016 para o despacho ora recorrido, de 6 de novembro de 2017, deve-se essencialmente ao facto do agregado familiar da Requerente ter agora menos um elemento, um adulto. No mais, o rendimento anual do trabalho, mesmo tendo subido, não representa uma subida significativa, passando de €10.356,83 anuais para €10.442,20.
O resultado destas alterações é que, do modo como as contas foram feitas na 1.a instância, o rendimento per capita subiu de €319,65 para €435,09 (€10.442,20 : 12 : 2 = €435,09). O que é superior ao indexante de ação social aplicável, que no ano considerado é de €421,32 (Art. 2° da Portaria 4/2017, de 3 de Janeiro) e, nessa medida, deveria determinar que o FGADM tivesse deixado de ficar obrigado a pagar mensalmente à Requerente a prestação social substitutiva da pensão de alimentos que estava a cargo do Requerido.
A Recorrente opõe-se a esta conclusão, porque entende que decorre dos documentos por si apresentados que a sua situação económica não se alterou, havendo assim erro nas contas do apuramento da capitação dos rendimentos do agregado familiar constituído pela Recorrente e os Menores, dado o peso de cada um. Mas, na verdade, não pôs em causa o facto essencial de que o seu agregado familiar se alterou e tem menos um membro.
Como realça do M.° P.°, nas suas contra-alegações, relevam para o caso dois factos fundamentais, que não foram postos em causa:
1.° No ano fiscal de 2016 o agregado dos menores teve o rendimento ilíquido de €10.442,20 (cfr. doc. de fls. 85)
2.° O agregado da Recorrente é atualmente formado por três pessoas: a Recorrente e os dois filhos menores (cfr. fls. 83 e fls. 100).
Conjugando estes factos com o Decreto-Lei n.° 70/2010, de 16 de Junho, que harmonizou as condições de acesso às prestações sociais não contributivas, nomeadamente do seu Art. 1.° n.° 2 al. c), Art. 5.° e Art. 6.°, e o Art. 1.° n.° 1 da Lei n.° 75/98 de 19/11, que manda atender ao rendimento ilíquido do agregado familiar do agregado familiar, não parece que seja possível, nos termos da lei vigente e para os efeitos da condição de recursos assim estabelecida, considerar as invocadas despesas com empréstimos à habitação, despesas de condomínio, ATL ou outras, como as que a Requerente pretendeu invocar.
Em causa está, de todo o modo, o acesso a uma prestação da Segurança Social, sendo que decorre do Art. 63.° n.° 1 da Constituição que todos têm direito à Segurança Social, e do n.° 3 do mesmo preceito, que o sistema de segurança social [que deve ser organizado pelo Estado] protege os cidadãos (...) em situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho.
O sistema de Segurança Social, nos termos da lei, é assim um sistema universal (Art. 6.° da Lei de Bases da Segurança Social - L.B.S.S. - aprovada pela Lei n.° 4/2007 de 16/1), devendo garantir-se a toda a população, independentemente da respetiva situação profissional, proteção em todas as situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho.
No contexto do Art. 63.° da Constituição, referem Jorge Miranda e Rui de Medeiros (in Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2005, pág. 639) que: «a jurisprudência constitucional portuguesa - cuja evolução está sintetizada no acórdão n.° 509/02, a propósito do direito ao rendimento social de inserção, e que foi objeto de importante anotação de Vieira de Andrade -, tem vindo a reconhecer, a partir dos n.°s 1 e 3 do artigo 63.° e do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (e, em rigor, a questão também se coloca à luz do direito à vida (...), a garantia do direito a uma sobrevivência minimamente condigna ou a um mínimo de sobrevivência (...)».
No mesmo sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.a Ed. Revista, pág.s 817 a 818) que, reportando-se ao n.° 3 do Art. 63.° da Constituição, referem que o mesmo acrescenta uma cláusula genérica que admite outras situações de carência de meios de subsistência ou de perda ou diminuição de capacidade de trabalho, onde se inclui o rendimento mínimo garantido e o rendimento social de inserção, destinados a dar concretização ao direito a uma existência condigna. Concretizando, dizem esses Autores: «(...) até para garantia do direito à vida, o direito a uma prestação social que garanta aos carenciados uma existência minimamente condigna deve ser considerado como um direito positivo imediatamente vinculante e
justificável, mesmo à margem da lei (cfr. AcTC n.° 509/02, sobre o rendimento social de inserção). Por identidade de razão, esse direito justifica que ninguém deve ser privado de rendimentos (mesmo que por causa de cumprimento de obrigações para com terceiros), de modo a ficar abaixo do limiar da existência minimamente condigna.»
Para além destes, o legislador ordinário está igualmente subordinado aos princípios constitucionais da igualdade, proporcionalidade e da proteção da confiança. Ao que acresce que, a família é reconhecida como um direito fundamental da sociedade, nos termos do Art. 67.° da Constituição, sendo igualmente devida proteção pelo Estado às crianças com vista ao seu desenvolvimento integral (Art. 69.° da Constituição).
A já mencionada Lei n.° 75/98 de 19/11, depois regulada pelo Dec.Lei n.° 164/99 de 13/5 e Dec.Lei n.° 70/2010 de 16/6, visou dar consagração legal a estes normativos constitucionais, estabelecendo as condições de acesso a prestações sociais no quadro da Segurança Social.
Em função da organização do sistema de Segurança Social adotado pelo Estado Português, resulta da Lei de Bases (aprovada pela Lei n.° 4/2007 de 16/1) que se distingue hoje o subsistema de ação social - destinado à prevenção e reparação de carência e desigualdade socioeconómica, de dependência, de disfunção, exclusão ou vulnerabilidade sociais (Art. 29.° desse diploma legal) - do subsistema de proteção familiar - que visa assegurar a compensação de encargos familiares acrescidos quando ocorram as eventualidades legalmente previstas (Art. 44.° ainda da mesma lei).
As prestações previstas na Lei n.° 75/98 de 19/11, compreendem-se no subsistema de proteção familiar, que prevê essencialmente a concessão de prestações pecuniárias devidas pelas eventualidades prevista na lei (Art.s 44.° e 48.° n.° 1 e n.° 2 da L.B.S.S.), aí se estabelecendo também que «os montantes das prestações pecuniárias a atribuir no âmbito da proteção prevista na presente secção são estabelecidos em função dos rendimentos, da composição e da dimensão dos agregados familiares dos beneficiários e, eventualmente, dos encargos suportados, sendo modificados nos termos e condições a fixar por lei» (Art. 49.° da L.B.S.S.).
Não há dúvida que a Lei n.° 75/98 de 19/11, no seu Art. 1.° n.° 1, veio a estabelecer um direito a uma prestação social não contributiva, sujeita a uma condição de recursos, pois o Estado só se substitui ao devedor da obrigação de alimentos devidos a menores se «o alimentado não [tiver] rendimento ilíquido superior ao valor indexante dos apoios sociais (IAS)».
O estabelecimento de condições de recurso, em função da finalidade de proteção social que está subjacente ao subsistema em causa e à própria natureza da prestação substitutiva assim estabelecida, é perfeitamente legítima, mas da mesma não pode decorrer que se possa por em causa o direito a uma existência minimamente condigna ou a um mínimo de sobrevivência.
Refira-se que o indexante dos apoios sociais (IAS), criado pela Lei n.° 53-B/2006 de 29/12, é anualmente revisto com efeitos a 1 de janeiro, conforme decorre dos seus artigos 4.° e 5.0, mas acaba por funcionar como um valor de referência mensal abaixo do qual se pode dizer que o legislador considera não estar assegurada a sobrevivência com um mínimo de dignidade.
E nesse contexto que foi aprovada a Portaria n.° 4/2017 de 3/1 que estabeleceu o IAS para o ano de 2017 em €421,32, por referência ao qual devem ser interpretadas as previsões legais dos Art.s 1.° n.° 1 e 2.° da Lei n.° 75/98 de 19/11 o Art. 3.° do Dec.Lei n.° 164/99 de 13/5 e Art.s 3.° a 6.° do Dec.Lei n.° 70/2010 de 16/6.
Sucede que, a aplicação cega destes preceitos pode ter um efeito perverso que não nos parece conforme ao espírito do legislador, sob pena de podermos estar a por em causa o direito a uma existência minimamente condigna dos menores, que o Estado tem por obrigação proteger no quadro da Segurança Social (Art.s 24.°, 63.° n.° 1 e n.° 3, 67.° e 69.° da C.R.P.).
De facto, o Art. 1.° n.° 1 da Lei n.° 75/98 de 19/11 condiciona o direito à prestação social ao «rendimento ilíquido» não ser superior ao IAS.
Depois, o Art. 3.° n.° 1 al. b) do Dec.Lei n.° 164/99 de 13/5 repete a mesma condição de recursos, esclarecendo no n.° 2 que se considera que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, quando a capitação do rendimento do respetivo agregado familiar não for superior ao valor do IAS.
Finalmente, temos os Art.s 3.° a 6.° do Dec.Lei n.° 70/2010 de 16/6, para os quais remete o n.° 3 do Art. 3.° Dec.Lei n.° 164/99 de 13/5.
No Art. 3.° n.° 1 do Dec.Lei 70/2010 são discriminados os rendimentos compreendidos na condição de recurso, aí se estabelecendo na alínea a) que devem ser considerados os rendimentos de trabalho dependente. No n.° 2 esclarece-se que são relevados os rendimentos reportados ao ano anterior à data da apresentação do requerimento.
No Art. 4.° são mencionados os membros do agregado familiar que relevam para a capitação do rendimento ilíquido apurado e no Art. 5.° o fator de ponderação relativo a cada membro do agregado familiar, tudo nos termos já atrás mencionados e que foram relevados pela sentença recorrida.
Finalmente o Art. 6.° do Dec.Lei n.° 70/2010 de 16/6 vem dizer que, no que se refere aos rendimentos do trabalho dependente, devem ter-se em conta os rendimentos anuais ilíquidos com tal considerados nos termos do disposto no Código do IRS.
Sucede que a lei deve aplicar-se à vida real e, como todos sabemos, os rendimentos do trabalho dependente são pagos 14 vezes por ano, considerando os subsídios de férias e de Natal.
Daqui decorre que, feita a capitação do rendimento ilíquido mensal do agregado familiar dos menores em causa neste processo, em função do rendimento mensal efetivo chegaríamos à rápida conclusão de que 10 meses por ano o rendimento ilíquido apurado era inferior ao IAS.
A demonstração é fácil: €10.442,20: 14 : 2 = €372,94.
Ou, se tivermos em conta o recibo de vencimento apresentado pela recorrente: €740,00 : 2 = €370,00 (cfr. fls. 105 a 107).
Não há dúvida que €372,94, ou €370,00, são sempre inferiores aos €421,32 mencionados no Art. 2° da Portaria 4/2017, de 3 de Janeiro.
Ora, o Estado enquanto entidade responsável pela garantia da proteção social devida aos seus cidadãos, nomeadamente à família e em particular às crianças, não pode permitir que este efeito perverso da aplicação cega da lei possa vir a verificar-se.
As crianças não têm um interruptor que se possa desligar 10 meses por ano, por forma que possam passar um tempo a vegetar abaixo do limiar da pobreza.
Também não faria qualquer sentido institucionalizar estes menores, retirando-os da guarda da sua mãe por falta de condições económicas para sustentar os seus filhos, quando estes estão perfeitamente inseridos na sua família.
A solução justa, que se mostra mais adequada ao espírito da lei e às finalidades para que este esquema de proteção social da família e dos menores funcione dentro dos limites da Constituição, é interpretar os Art.s 3.° a 6.° do Dec.Lei n.° 70/2010 de 16/6, no que se refere aos rendimentos do trabalho dependente, de forma a não se permitir que o rendimento mensal ilíquido possa ser inferior ao IAS durante a maior parte dos meses do ano, como no caso concreto se iria verificar.
Assim, a condição de recursos estabelecida nos Art.s 1.° n.° 1 da Lei n.° 75/98 de 19/11, Art. 3.° n.° 1 al. b), n.° e n.° 3 do Dec.Lei n.° 164/99 de 13/5 e Art.s 3.° a 6.° do Dec.Lei n.° 70/2010 de 16/6, que pressupõe uma operação de capitação do rendimento ilíquido do agregado familiar dos menores beneficiários da prestação de alimentos, deve ser interpretada no sentido de que a mesma continua a verificar-se se os menores ficarem numa situação de facto tal que, durante 10 meses do ano, ficam a viver com um rendimento per capita inferior ao IAS, excetuando-se apenas os dois meses em que a progenitora, única titular de rendimentos do agregado, recebe o subsídio de Natal e o subsídio de férias.
Assim interpretadas estas normas, julgamos dever revogar o despacho recorrido de 6 de novembro de 2017, que decidiu declarar cessada a obrigação de pagamento a cargo do FGADM em beneficio dos menores I..., nascido a 10.02.2011, e H..., nascida a 15.04.2006, com efeitos a partir do 1.° dia do mês seguinte ao da data da reavaliação, por motivo de julgar não verificada a condição de recursos.
Esse despacho deverá ser substituído por outro que aprecie o pedido de manutenção da prestação substitutiva em função dos elementos documentais oportunamente fornecidos pela Recorrente.
V- DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente por provada, julgamos revogar o despacho recorrido de 6 de novembro de 2017, que decidiu declarar cessada a obrigação de pagamento a cargo do FGADM em benefício dos menores I..., nascido a 10.02.2011, e H..., nascida a 15.04.2006, com efeitos a partir do 1.° dia do mês seguinte ao da data da reavaliação, por motivo de julgar não verificada a condição de recursos de que legalmente depende, devendo ser substituído por outro que aprecie o pedido de manutenção da prestação substitutiva em função dos elementos fornecidos pela Recorrente.
- As custas seriam a cargo do apelado (Art. 527° n.° 1 do C.P.C.) que, no entanto, delas está isento (Art. 4.° n.° 1 al. a) do R.C.P.).
Lisboa, 30 de janeiro de 2018
Carlos Oliveira
Maria Amélia Ribeiro
Diva Monteiro
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