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 - ACRL de 16-11-2017   Interdição ou inabilitação. Conselho de família. Tutela.
1. Na petição inicial da acção em que requeira interdição ou inabilitação, deve o autor, depois de deduzida a sua legitimidade, mencionar os factos reveladores dos fundamentos invocados e do grau de incapacidade do interditando ou inabilitando e indicar as pessoas que, segundo os critérios da lei, devam compor o conselho de família e exercer a tutela ou curatela.
2. A composição do conselho de família é a indicada no art° 143° do C. Civil. Este artigo indica a ordem por que é deferida a tutela.
3. Havendo um familiar que pode ser designado tutor, mostra-se conveniente manter esse laço familiar, pelo que deve ser constituído o conselho de família e o juiz deve nomear o tutor após ouvi-lo, não se devendo aplicar, sem logo o disposto no art. 1962 do C.Civil.
Proc. 13877/15.6T8LSB 8ª Secção
Desembargadores:  Octávia Viegas - Luís Correia de Mendonça - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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P. 13 877/ 15.6T8LSB.L l
O Ministério Público requereu contra HN, acção com processo especial (arts 891° e segs C.P. Civil), pedindo seja declarada a interdição por anomalia psíquica do mesmo. Disse, em síntese, que o Requerido tem 60 anos de idade, que sofre de deficiências mental e física, irreversíveis, que o impossibilitam de realizar os actos básicos de higiene e sustento, em termos de ser incapaz de governar a sua pessoa e bens, razão porque é assistido permanentemente, desde há vários anos em lar em que está internado, o Lar Mansão de SMM, sendo que o seu único familiar era o pai também residente no mesmo lar.
Dada publicidade à acção, foi tentada a citação do próprio Requerido, o que não se mostrou possível em função da sua incapacidade para o entender.
O pai do Requerido, MSA, foi nomeado curador provisório para a lide, e citado não deduziu oposição.
Foi nomeado Patrono ao Requerido, que citado se pronunciou não se opondo ao pedido.
Na pendência da lide faleceu o pai do Requerido, tendo sido nomeado para exercer as funções de curador provisório o Sr. Director do Lar Mansão de SMM, actualmente a Sra Dra LFP.
Foi proferida decisão que:
a) julgou procedente a acção e decretou a interdição de HN (Assento de nascimento n° 688-A da Conservatória dos Registos Centrais), sujeito a tutela, declarando o começo da incapacidade total no dia 31.12.1998.
b) Declarou que nos termos do artigo 1962° C. Civil, não há lugar a Conselho de Família, e nomeou tutor do Interdito, o Director do Lar Mansão de SMM, actualamente a Sra Dra LFP.
Inconformado, HN recorreu, apresentando as seguintes conclusões das alegações:
1- Vem o Apelante interpor o presente Recurso da sentença, proferido pelo Tribunal a quo, que determinou: b) Declaro que nos termos do artigo 1962° C. Civil, não há lugar a Conselho de Família, e nomeio tutor do interdito, o Director do Lar Mansão de SMM, actualmente a Sra. Dra. LFP.
2- Para tal, o Douto Tribunal recorrido alegou o seguinte: quando o Interdito está institucionalizado como agora sucede, no Lar Mansão de SMM, então observar-se-à o regime do artigo 1962.° do C. Civil, não havendo lugar a Conselho de Família, e assumindo o Director do estabelecimento onde aquele esteja internado as funções de tutor, actualmente a Sra. Dra. LFP (id. A fls 6).
3- Salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo não procedeu a uma correcta interpretação do regime da interdição constante nos artigos 138.° a 151.° do Código Civil.
4- Consta na sentença que o único familiar era o pai também residente no mesmo Lar o qual na pendência da lide veio a falecer.
5- Ora, tal facto não é verdade pois o Interdito tem um irmão, Sr. MFAA, com domicilio na Praceta Padre Álvaro Proença, Casal de São Brás, 2700-631 Amadora.
6- Familiar esse que acompanha o Interdito e o visita frequentemente no Lar onde o mesmo reside e zela pela sua saúde e bem estar.
7- Alias, o irmão do Interdito tinha já manifestado a sua intenção de exercer as funções de tutor no Conselho de Família, no requerimento apresentado a 27 de Junho de 2016, com a Refa 230020868.
8- Também o Ministério Público disse que nada tinha a opor quanto á composição do Conselho de família constante a fls.81.
9- No entanto, o Tribunal a quo recorrido entendeu que quando o Interdito está institucionalizado como agora sucede, no Lar Mansão de SMM, então observar-se-à o regime do artigo 1962.° do C. Civil, não havendo lugar a Conselho de Família, e assumindo o Director do estabelecimento onde aquele esteja internado as funções de tutor, actualmente a Sra. Dra. LFP (id. A fls 6).
10- Ora, o interdito não concorda com esta posição.
Porquanto,
11- Como decorre do disposto no art. 143° do Código Civil - a tutela será deferida aos familiares ali indicados e pela ordem aí estabelecida, dispondo o n° 2 que Quando não seja possível ou razões ponderosas desaconselhem o deferimento da tutela nos termos do número anterior, cabe ao tribunal designar tutor, ouvido o conselho de família, disposição que, como vimos, é igualmente aplicável à inabilitação e à nomeação de curador.
12- No caso em análise, não era possível o deferimento da curatela nos termos do n° 1 da citada disposição legal, porquanto o Interdito é solteiro, não tem descendentes e também já não tem ascendentes uma vez que o pai do Interdito faleceu na pendência da acção.
13- Assim, e como determina o n° 2, da norma citada, caberia ao tribunal designar o curador o que foi feito.
14- Mas, segundo ali se preceitua, o tribunal, com vista à nomeação de curador, deverá ouvir o conselho de família o que não foi feito.
15- Aliás, o Tribunal nem justifica o motivo pelo qual não nomeia como Tutor um familiar mais próximo do Interdito apenas referindo que nos casos em que o interdito está institucionalizado aplica-se o art. 1962.° do Código Civil.
16- Quando é o próprio n.° 2 do art. 143.° do Código Civil que permite ao tribunal designar tutor, ouvido o conselho de família.
17- A verdade é que, tem sido entendimentos dos Tribunais darem preferência para exercer a Tutela aos familiares vivo dos Interditos para que não ocorra um progressivo afastamento entre o Interdito e a sua família.
18- O que não sucedeu, de todo e infelizmente, nos presentes autos.
19- Como bem se sabe a consequente perda de laços familiares não vai de encontro ao dos próprios interdito.
20- Ora, nos presentes autos, um familiar próximo do interdito, neste caso o irmão, já tinha inclusivamente manifestado o seu interesse em desempenhar a função de Tutor no Conselho de Família.
21- Pelo que, deveria o Tribunal ter nomeado o irmão do interdito, o Sr. MFAA, como tutor do interdito nos termos do n.° 2 do art. 143.° do Código Civil.Termos em que, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em sua consequência, deve ficar prejudicada e ser dada sem efeito a nomeação como Curadora ao Interdito a Directora do Lar Mansão de SMM, a Exma. Sra. Dra. LFP, porquanto a sua nomeação não foi precedida de audição ao Conselho de Família, tal como impunha o caso concreto e o artigo 143°, n° 2, in fine, do CC, e 901°, n° 1, in fine, do CPC, devendo ser ordenado que se proceda em conformidade.
Caso assim não se entenda, deve sempre revogar-se a decisão (Sentença) recorrida, na medida do presente Recurso, devendo ser nomeada como Curador ao Interdito o Irmão do mesmo, o Exmo. Sr. Fernando MFAA.
Em 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:
A) Em 27.06.1964 nasceu em Luanda - Angola, HNAA, actualmente no estado civil de solteiro, sem filhos.
B) Em 04.01.1998, com 33 anos de idade, o Requerido foi admitido, na sequência da morte da mãe, no Lar Mansão de SMM, então já evidenciando a necessidade de ajuda e orientação de terceiros, situação de internamento naquele que se mantém desde então.
C) Situação que se consolidou em termos de actualmente o Requerido usar fraldas 24 horas por dia, não ter autonomia na higiene e vestuário, não sair à rua sozinho, e carecer de quem lhe prepare a alimentação, sendo auxiliado na sua ingestão, em que se engasga com frequência.
D) O Requerido desloca-se em cadeira de rodas, conseguindo alguma autonomia na mobilidade, mas necessitando de apoio para deslocações mais longas.
E) O Requerido não consegue ler nem escrever, bem como não consegue falar sendo o seu discurso dificilmente perceptível, e no seu relacionamento com terceiros, especialmente outros residentes no Lar, mostra.se ocasionalmente agressivo, sobretudo quando contrariado.
F) O Requerido sofre de Atraso mental SOE, em grau moderado a grave, com compromisso significativo do comportamento, requerendo vigilância e tratamento associado a Epilepsia SOE, havendo quanto ao seu comportamento, pensamento e afectividade, importante deterioração cognitiv, que o impossibilitam de governar a sua pessoa e bens.
G) Incapacidade com natureza perante e irreversível desde pelo menos 31.12.1998, e que sendo aconselhável a manutenção da situação na instituição onde se encontra há vários anos.
Cumpre decidir
O art° 891° do CPC diz que na petição inicial da acção em que requeira a interdição ou inabilitação, deve o autor, depois de deduzida a sua legitimidade, mencionar os factos reveladores dos fundamentos invocados e do grau de incapacidade do interditando ou inabilitando e indicar as pessoas que, segundo os critérios da lei, devam compor o conselho de família e exercer a tutela ou curatela.
A composição do conselho de família é a indicada no art° 143° do C. Civil. Este artigo indica a ordem por que é deferida a tutela.
AS pessoas a quem incumbe, em primeira linha, a tutela são, pela ordem indicada, as enumeradas no n° 1 do art° 143°, sendo em todos os casos a sua designação feita pelo tribunal.
O art. 143, n°2, do C.Civil diz que quando não seja possível ou razões ponderosas desaconselhem o deferimento da tutela nos termos do número anterior, cabe ao tribunal designar tutor, ouvido o conselho de família.
O art. 139 do C.Civil diz que sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, o interdito é equiparado ao menor, sendo-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições que regulam a incapacidade por menoridade e fixam os meios de suprir o poder paternal.
Nos termos do art. 1951 do C.Civil o conselho de família é constituído por dois vogais, escolhidos nos termos do artigo seguinte, e pelo agente do Ministério Público, que preside.
O art. 1952 do C.Civil diz que os vogais do conselho de família são escolhidos entre os parentes ou afins da pessoa a que se refere, tomando em conta, nomeadamente, a proximidade do grau, as relações de amizade, as aptidões, a idade, o lugar de residência e o interesse manifestado pela pessoa a que se destina.
Nos termos do art. 1962 do CC quando não exista pessoa em condições de exercer a tutela, o interdito (o artigo refere-se ao menor) é confiado à assistência pública, nos termos da respectiva legislação, exercendo as funções de tutor o director do estabelecimento público ou particular onde tenha sido internado (n°1). Neste caso, não existe conselho de família nem é nomeado protutor.
No caso dos autos verifica-se que o interdito tem um familiar, irmão, que foi indicado como tutor, tendo sido indicada também a composição do conselho de família.
Havendo um familiar que pode ser designado tutor, mostra-se conveniente manter esse laço familiar, pelo que deve ser constituído o conselho de família e o juiz deve nomear o tutor após ouvi-lo, não se devendo aplicar, sem logo o disposto no art. 1962 do C.Civil.
Face ao exposto, acorda-se em alterar a decisão recorrida, devendo manter-se o tutor já nomeado, director da instituição em que o interdito foi acolhido, como provisório, até ser constituído conselho de família e nomeado tutor pelo juiz, após ouvir o referido conselho de família.

Sem custas.
Lisboa, 16 de Novembro de 2017
Octávia Viegas
Rui da Ponte Gomes
Luís Correia de Mendonça
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