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    Jurisprudência da Relação Cível
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 - ACRL de 02-11-2017   Responsabilidade civil do estado. Erro grosseiro. Prévia revogação. Decisão que se considera danosa.
O erro de direito susceptível de fundar a responsabilidade civil do Estado deve ser um erro grosseiro, crasso, palmar, manifestamente inconstitucional, ilegal ou injustificado, para tanto não bastando a assunção de uma interpretação jurídica diversa da de outras decisões judiciais (a mais simples busca de jurisprudência atesta essa diversidade), situando-se o acto interpretativo das normas de direito no cerne da função jurisdicional.
Para além do preenchimento do requisito mencionado no ponto anterior, exige-se a prévia revogação, pelo órgão jurisdicional competente, da decisão que se considera danosa, o que se prende com o instituto do caso julgado e a inerente estabilidade e segurança das decisões judiciais e é, em regra, assegurado pelo esgotamento das vias do recurso.
Proc. 68/17.0T8LRS 2ª Secção
Desembargadores:  Tibério da Silva - Maria José Mouro - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Acordam, em conferência,no Tribunal da Relação de Lisboa.

Foi, pelo relator do presente recurso, proferida decisão em singular, ao brigo do disposto no art. 656º do CPC, nos seguintes termos:
I
J…, com os sinais dos autos, veio propor acção declarativa comum de condenação contra o ESTADO PORTUGUÊS, pedindo que:
- previamente se revoguem as decisões danosas para o Autor, nas diversas fases do Proc. Nº 43/06.OTCLRS, que correu no Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Loures, 2 Vara de Competência Mista;
- seja o Estado Português condenado, ao abrigo da lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, no pagamento ao A. «de uma indemnização, por danos morais e patrimoniais nunca inferior à quantia de €84.624,34, correspondendo esta a €51.822,46, liquidada com juro à taxa legal desde a data da propositura 2006.01.04, o que na presente data monta ao valor de €74.624,34, a título de danos patrimoniais, acrescida de 10.000,00€ a título de danos morais».
Alega que:
Em 4 de Janeiro de 2006, propôs no então Tribunal Judicial da Comarca de Loures, uma acção cível de condenação, por danos patrimoniais, contra:
F…, e;
J…C…, a qual era peticionado o pagamento da quantia de €25.911,23.
Foi proferido saneador-sentença, ao abrigo do disposto no artigo 510º, nº1, b), do anterior Código de Processo Civil, em 15-02-2012.
Deveria ter-se cumprido o artigo 508ºA do dito Código, convocando-se a audiência preliminar, uma vez que esta seria obrigatória, por ter havido contestação.
Tal formalidade só poderia ser postergada, nos termos do art. 508º-B do mesmo Código, quando o juiz a dispensasse formalmente, em despacho prévio, nos casos aí previstos. Ora, nem se aplicou o artigo 508-A, nem se invocou formalmente a dispensa prevista no art. 508-B.
Refere o A. que, tendo interposto recurso, foi por esta Relação entendido estar-se perante uma nulidade que deveria ter sido arguida no prazo de 10 dias a contar da notificação da sentença, nos termos do 201º do CPC e, não o tendo sido, estava sanada, adoptando o Supremo Tribunal de Justiça a mesma posição e tendo o Tribunal Constitucional rejeitado o recurso com fundamento em inadequação formal, invocando a regra do art.º 78º-A, n.º1, da LTC.
Acrescenta o Apelante que há diversos acórdãos, de diferentes Relações, que não classificam a nulidade em causa como secundária, mas sim como inominada, não sujeita ao art. 201º mas sim aos arts. 195 e seguintes do C.P.C.
Cita, a propósito, o Acórdão da Relação de Lisboa de 09-10-2014 (Rel. Jorge Leal), proferido no Proc. Nº 2164/12.1TVLSB.L1-2, publicado em www.dgsi.pt., e o Ac. da Relação de Coimbra, de 05-04-2014 (Rel. Garcia Calejo), proferido no proc. Nº947/04, publicado na mesma base de dados.
Considera que a classificação da nulidade como secundária, feita no processo que instaurou, contende com outras decisões que declararam a mesma como uma nulidade essencial e lesou-o, moral e patrimonialmente, estando-se perante danos decorrentes do exercício da função jurisdicional. Foi proferido despacho de indeferimento liminar, do seguinte teor:
«Invoca o A. uma situação responsabilidade civil do Estado por erro judiciário, com base na qual pede a revogação de decisões judiciais que considerou danosas, reclamando do Estado uma indemnização por alegados danos patrimoniais e não patrimoniais.
Dispõe o art. 13º da Lei nº67/2007, de 31.12:
1. Sem prejuízo do regime especial aplicável aos casos de sentença penal condenatória injusta e de privação injustificada da liberdade, o Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto.
2 - O pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente.
Entende o A. que a não realização da audiência preliminar que era obrigatória em acção que identificou e que propôs no então Tribunal Judicial da Comarca de Loures, vindo a ser julgada improcedente no despacho saneador, configurou uma nulidade susceptível de influenciar o exame e decisão da causa e que a apreciação por parte do poder jurisdicional do tipo de nulidade, classificando-a como secundária, quando deveria ter sido outro o entendimento, lesou gravemente o A. moral e patrimonialmente.
Não tem razão o A., não se verificando situação alguma de erro judiciário subsumível à previsão do art. 13º nº1 da Lei nº67/2007, de 31.12 e que possa fundamentar um pedido de indemnização contra o Estado.
Com efeito, a situação posta em crise pelo A. foi apreciada e decidida superiormente com trânsito em julgado, quer pelo Tribunal da Relação de Lisboa, quer pelo Supremo Tribunal de Justiça, que negaram provimento ao recurso interposto, considerando estar em causa uma nulidade secundária entretanto sanada por ter sido arguida extemporaneamente, quando já havia decorrido o prazo de 10 dias contado da notificação da sentença, tendo o A. recorrido ainda para o Tribunal Constitucional, que rejeitou o recurso.
Sustenta o A. que existe jurisprudência na 2ª instância que diferentemente não classificou o mesmo tipo de nulidade como secundária, mas sim como inominada, não sujeita ao art. 201º mas sim aos arts. 195 e segs. do C.P.C. (art. 37º da p.i.), acrescentando no art. 41º que a classificação de simples nulidade secundária no processo do AA, contende com outras decisões que declaram a mesma como uma nulidade essencial, que determina ou pode determinar em potência o desenrolar da lide e a sua sentença final.
Só que, as regras sobre as nulidades dos actos previstas nos arts. 195º e segs. do C.P.C. que o A. invoca em abono da sua posição respeitam precisamente às nulidades secundárias, sendo nulidades principais apenas as que estão sujeitas ao conhecimento oficioso do juiz (cfr. ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 390) e que no C.P.C. de 2013 se encontram previstas no art. 1964, não estando em causa na situação em apreço nenhuma nulidade principal mas sim secundária, pelo que se mostra ininteligível e inconsistente a argumentação desenvolvida pelo A.
De todo o modo, o que se verificou foi simplesmente que os recursos interpostos pelo A. para o Tribunal da Relação e Supremo Tribunal de Justiça improcederam, não porque tenha havido qualquer erro judiciário, mas sim porque neles se entendeu, com base na argumentação jurídica aí expendida, não poderem merecer acolhimento e não assistir razão ao A., não tendo manifestamente sido proferida qualquer decisão inconstitucional ou ilegal ou injustificada por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto.
Assim, e sem necessidade de outras considerações, indefere-se liminarmente a petição inicial, por ser evidente a improcedência da pretensão do A. (art. 590º nº1 do C.P.C.).»
Inconformado com esta decisão, dela recorreu o A., concluindo as suas alegações pela seguinte forma:
«1) O indeferimento liminar da presente acção, com fundamento que tal matéria já tinha sido objecto de apreciação por parte de instâncias superiores.
2) E pelo facto de não atingir onde é que o AA tinha sido lesado, nomeadamente quanto ao seu pedido de indemnização cível ao estado.
3) Salvo o devido respeito e melhor opinião, Venerando Desembargadores, é facilmente atingível, tendo em conta que acção original, sendo uma acção de responsabilidade cível onde se pedia uma quantia indemnizatória contra outros intervenientes foi ab initio coarctada com tal decisão do poder jurisdicional.
4) É certo, que se não o tivesse sido, poderia ter havido provimento a tal pedido, condenando os seus intervenientes.
5) Com este dúplice entendimento, entre a reclamação e o recurso, sobretudo que cada vez mais o entendimento vai no sentido do meio apropriado para arguir a nulidade de falta de audiência prévia em despacho/sentença é o recurso. Entende o AA que a presente acção contra o estado deverá prosseguir os seus termos, na estrita medida em que se encontra preenchida a premissa do art. 13 /1 da Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro.
6) O mesmo se verificado quanto ao estatuído no seu /2, pois no presente caso, a decisão original é insusceptível de revogação pois há muito já trânsito em julgado.
7) Face às presentes conclusões, deverá o despacho de indeferimento liminar do Meritíssimo Juiz a quo ser revogado, ordenando-se o prosseguimento da presente acção até aos seus ulteriores termos.
8) Nomeadamente até fase de audiência discussão e julgamento.»
O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Sendo o objecto dos recursos definido pelas conclusões de quem recorre, para além do que for de conhecimento oficioso, assume-se como questão a apreciar in casu, a de saber se, diversamente do decidido, a acção reúne condições para prosseguir.
II
Os elementos a considerar são os que emanam do ponto anterior.
Dispõe o art. 12º da Lei nº 67/2007, de 31-12:
«Salvo o disposto nos artigos seguintes, é aplicável aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime da responsabilidade por ilícitos cometidos no exercício da função administrativa.»
E no art. 13º da mesma Lei vem previsto:
«Sem prejuízo do regime especial aplicável aos casos de sentença penal condenatória injusta e de privação injustificada da liberdade, o Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto.
2 - O pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente.»
No Ac. do STJ de 10-05-2016 (Rel. Fonseca Ramos), publicado em www.dgsi.pL, ponderou-se o seguinte:
«No caso de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais, ou ilegais ou injustificadas, por erro grosseiro, na apreciação dos respectivos pressupostos de facto ou de direito, o Estado só está incurso no dever de indemnizar se, como resulta de lei, se tratar de erro grosseiro e se a decisão for manifestamente ilegal, ou inconstitucional ou injustificada.
A previsão legal não postula qualquer erro, seja por violação da lei, seja por errada apreciação dos factos, antes exige um erro qualificado, grosseiro e que na causa dele esteja uma percepção/julgamento manifestamente inconstitucional ou ilegal ou injustificado, que partindo da decisão de facto exprima, faça emergir uma solução a todas as luzes indefensável, patentemente ilegal por inconstitucionalidade ou inadmissível, por numa perspectiva lógica a aprecição dos factos ou a operação de subsunção deles ao direito ser insustentável à luz de uma criteriosa avaliação exigível ao julgador.
Bem se compreende que assim seja, não só porque, não sendo de deificar a função dos juízes, a sua responsabilidade social é do maior alcance do ponto em que se lhes exige isenção, equanimidade, eficácia; em suma, soluções justas sem as quais os cidadãos, directa ou indirectamente afectados por elas e a comunidade, não encontram nesse reduto a mínima segurança e confiança inerentes à paz social.
Também não podem ser afastadas de tal ponderação as circunstâncias em que os Juízes proferem as suas decisões, seja sob o ponto de vista das condições em que exercem o seu múnus, seja pelo elevado grau de conhecimento das leis e da doutrina nacional e comunitária com que têm de operar, sem esquecer que, por largos anos se debatem questões na doutrina e na jurisprudência que, tardiamente, são objecto de uniformização (cuja doutrina deixou de ser obrigatória após a revogação do instituto dos assentos).
Assim, não basta de modo algum que um tribunal de recurso tenha revogado uma decisão para se considerar que tal decisão está errada, que o julgador da decisão recorrida cometeu um erro grosseiro, se, por exemplo, acolheu esta e não aqueloutra corrente doutrinária da qual discorda o tribunal ad quem: se assim fosse os Tribunais estariam pejados de pedidos de indemnização com base em alegados erros grosseiros.
A independência dos juízes, a liberdade de julgar, segundo critérios legais e de harmonia com as leis vigentes, comporta a possibilidade de entendimentos divergentes sem que se possa falar em erro judicial, muito menos em erro grosseiro: a opção por uma corrente doutrinária, ou por um enquadramento factual divergente, só por si não evidenciam erro judiciário.
As decisões judiciais, em regra, são corrigíveis por via de recurso tendo em conta, naturalmente, os critérios legais definidores da recorribilidade das decisões, como sejam o valor da causa, o da alçada do tribunal e a sucumbência.
O Juiz não pode proferir decisões caprichosas, com base naquilo que considera ser justo em função de uma lei de que discorda, mas antes deve actuar no quadro legal aplicável, presumindo que o legislador adoptou as melhores soluções - arts. 84, n22, e 9Q, n42, do Código Civil -, cabendo-lhe interpretar a lei segundo as regras da hermenêutica jurídica, onde cabe a interpretação actualista, ponderando os factos com sabedoria, prudência e objectividade. Infringindo estes ditames proferirá uma sentença injusta porque incursa em erro grosseiro, indesculpável.»
Noutro ponto deste douto aresto, refere-se:
«Sob pena de se paralisar o funcionamento da justiça e perturbar a independência dos juízes, impõe-se aqui um regime particularmente cauteloso, afastando, desde logo, qualquer hipótese de responsabilidade por actos de interpretação das normas de direito e pela valoração dos factos e da prova».
No Ac. do STJ de 30-10-2014 (Rel. Carlos Portela), publicado em www.dgsi.pt., já se considerara que:
«I- Constituem o núcleo essencial da função jurisdicional e por isso não são sindicáveis, os actos de interpretação das normas de direito e de valoração jurídica dos factos e das provas;
II - O erro de direito só constituirá fundamento de responsabilidade civil, quando, salvaguardada que esteja o antes aludido núcleo essencial da função jurisdicional, o mesmo seja grosseiro, evidente, crasso, palmar, indiscutível e de tal modo grave que torne a decisão judicial numa decisão claramente arbitrária porque assente em conclusões absurdas».
No citado Ac. do STJ de 10-05-2016, escreveu-se, a propósito do pressuposto definido no nº 2 do art. 13º da Lei nº 67/2007, o seguinte:
«Para lá do requisito de erro grosseiro de facto ou de direito, envolvendo este a decisão manifestamente inconstitucional, a Lei nº61/2007, exige no nº2 do art. 13º a prévia revogação pelo órgão jurisdicional competente da decisão que se considera danosa e que despoleta a ulterior acção de responsabilidade civil do Estado-juiz pelos actos da função jurisdicional: trata-se de um pressuposto processual deste tipo de pretensão indemnizatória, que se prende com a jurisdictio da sentença e o instituto do caso julgado, como factores de estabilidade e segurança das decisões judiciais: por via de regra essa estabilidade é assegurada pelo esgotamento das vias do recurso.»
No Ac. do STJ de 24-02-2015 (Rel. Pinto de Almeida), igualmente publicado em www.dgsi.pt, exarou-se, relativamente ao mesmo preceito (13º, nº2), o seguinte (com negrito nosso):
«Trata-se de opção do legislador derivada da necessidade, já acima aflorada, de compatibilizar o instituto da responsabilidade civil com a segurança e certeza jurídica do caso julgado.
Assim, o erro de julgamento deve ser demonstrado no próprio processo judicial em que foi cometido e através dos meios de impugnação que forem aí admissíveis; não na acção de responsabilidade em que se pretenda efectivar o direito de indemnização.
Não pode, pois, atribuir-se qualquer relevo a um alegado erro judiciário sem que ele seja reconhecido como tal pela competente instância jurisdicional de revisão. Sem tal reconhecimento, o «erro» (o puro «erro») só o será do ponto de vista ou no plano da análise crítico-doutrinária da decisão, não num plano jurídico-normativo: neste outro plano, o que subsiste é a definição do direito do caso, emitida por quem detém justamente o múnus e a legitimidade para tanto
Constituiria, na verdade, evidente ilogismo institucional, como acima se referiu, que uma decisão jurisdicional consolidada, por não ter sido impugnada, pudesse vir a ser posteriormente desautorizada por outro tribunal, porventura de diferente espécie ou da mesma espécie mas de grau inferior.
Acompanhando Cardoso da Costa, pode acrescentar-se que a revogação da decisão danosa há-de constar de uma decisão definitiva, isto é transitada em julgado, e é aí que terá de ser reconhecido o pressuposto substantivo da responsabilidade - o carácter manifesto do erro de direito ou o carácter grosseiro do erro na apreciação dos factos. Por outro lado, a revogação deve emanar de um tribunal superior em via de recurso ou do próprio tribunal que proferiu a decisão questionada, quando tal seja admissível (através de reclamação ou pedido de reforma - cfr. art. 616º do CPC).
Onde não caiba ou não seja viável qualquer destes instrumentos processuais, ficará também precludida a possibilidade da acção de responsabilidade .
Podemos, pois, concluir que, se não se fizer a prova, no processo destinado a efectivar a responsabilidade civil, da revogação da decisão que tenha incorrido em erro judiciário, não será possível considerar verificada a ilicitude, pelo que a acção deverá necessariamente improceder. Se a decisão pretensamente ilegal ou inconstitucional não é recorrível ou se o tribunal de recurso, que poderia pronunciar-se em última instância sobre a matéria em causa, manteve o entendimento do tribunal recorrido, não pode dar-se como existente um erro de julgamento para efeitos de responsabilidade civil».
No caso que nos ocupa, verifica-se que está em causa uma questão de interpretação da lei, no que tange à classificação de uma nulidade e ao prazo para a arguir, que se considerou excedido, tendo-se dado a nulidade por sanada, sucedendo que, conforme o próprio A. refere na petição inicial, tendo interposto recurso do Acórdão da Relação, que manteve a sentença da 12 Instância, para o Supremo Tribunal de Justiça e depois para o Tribunal Constitucional, não logrou obter qualquer decisão revogatória, verificando-se uma situação de caso julgado (em sentido diverso do propugnado pelo Autor).
Assim, para além de se configurar um mero caso de interpretação da lei, sem que se possa vislumbrar aí qualquer erro palmar, crasso, indiscutível, sendo vulgares as situações de divergência entre os Tribunais na aplicação do direito e surgindo, por isso, em muitos casos, a necessidade de uniformização da jurisprudência (da qual, só por si, não decorre, naturalmente a existência de erro judiciário relativamente às decisões em sentido diverso do uniformizado), verifica-se a falta de um pressuposto essencial à prova da ilicitude, ou seja, a ausência de
decisão revogatória daquela que o Apelante considera danosa. Daí que, conforme se extrai do expendido no último Acórdão citado, uma acção desta natureza, não estando preenchido esse pressuposto, tenha que improceder.
III
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo Apelante, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.»
-B-
Inconformada com esta decisão, proferida em singular, o Apelante veio reclamar para a conferência, concluindo o seguinte:
«A), Os diversos acórdãos apresentados, como fundamento da decisão do presente recurso improceder, apenas apontam uma linha de pensamento que é defensável, e que terá não força obrigatória geral, mas sim um valor de precedente persuasivo que naturalmente, poderá ser considerado pelos outros tribunais, dada a publicidade que lhe está legalmente conferida.
B) Contudo tais precedentes não têm força obrigatória geral, como acontece no ordenamento anglo-saxão.
C) Não raras vezes, muitas decisões dos tribunais superiores, que criaram um precedente persuasivo, são alteradas por outras diametralmente opostas às anteriores.
D) O que está aqui em causa, e segundo melhor opinião, um erro de direito grosseiro, que afecta e afectou o Recorrente, pois não foram cumpridas as exigências que a lei processual civil, determinava, para que seja validamente proferido um despacho/sentença art. 510/1 B do anterior C.P.C revogado.
E) Face a este circunstancialismo, e porque está em causa um erro grosseiro, que viola a lei de processo civil, indo nos seus últimos termos até à violação na lei fundamental e dos princípios que ela plasma.
F) Estamos perante uma situação que se encontra regulada pela Lei 67/2007 de 31 de Dezembro, e que implica uma responsabilidade civil por parte do estado, máxime através do previsto nos art.s 12 e 13.
Pelo que respeitosamente se requer, ao abrigo do citado artigo 652 no seu parágrafo /3 do C.P.C, que a decisão singular, seja à Conferencia, para que sobre o referido Despacho seja proferido Acórdão.»
O Ministério Público respondeu à reclamação, defendendo a confirmação da decisão em causa.
Salvo o devido respeito, os acórdãos citados na decisão reclamada foram-no, penas, como não podia deixar de ser, como apoio ou sustento da posição defendida por quem subscreveu tal decisão.
Sucede que não se vê que o Apelante, continuando a defender a existência de erro grosseiro (que nos parece patente não existir, pelas razões expostas na decisão liminar), não rebate suficientemente os fundamentos aduzidos, designadamente o da ausência de decisão revogatória daquela que o Apelante considera danosa.
A reclamação improcede.
Pelo exposto, mantém-se a decisão proferida em singular, desatendendo-se a reclamação.
1.O erro de direito susceptível de fundar a responsabilidade civil do Estado deve ser um erro grosseiro, crasso, palmar, manifestamente inconstitucional, ilegal ou injustificado, para tanto não bastando a assunção de uma interpretação jurídica diversa da de outras decisões judiciais (a mais simples busca de jurisprudência atesta essa diversidade), situando-se o acto interpretativo das normas de direito no cerne da função jurisdicional.
2. Para além do preenchimento do requisito mencionado no ponto anterior, exige-se a prévia revogação, pelo órgão jurisdicional competente, da decisão que se considera danosa, o que se prende com o instituto do caso julgado e a inerente estabilidade e segurança das decisões judiciais e é, em regra, assegurado pelo esgotamento das vias do recurso.

Lisboa, 2 de Novembro de 2017
(Tibério Silva)
(Maria José Mouro)
(Maria Teresa Albuquerque)
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