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 - ACRL de 03-10-2017   Incidente de qualificação de insolvência como culposa. Possibilidade de o credor provar os factos por si alegados.
No incidente de qualificação de insolvência como culposa, requerido por um credor, em que foi emitido parecer pelo administrador de Insolvência onde conclui pela qualificação da Insolvência como culposa e pronúncia pelo Ministério Público no mesmo sentido, a circunstância de em momento posterior ao artigo 188.º, n.º 5, do CIRE, virem estes últimos a alterar a sua posição para insolvência fortuita, não permite que imediatamente se conclua no sentido agora proposto, sem que se faculte ao credor a possibilidade de provar os factos por si alegados tendentes à verificação dos pressupostos da qualificação da insolvência.
Proc. 2774/15.5T8FNC-B 7ª Secção
Desembargadores:  Carla Inês Câmara - Higina Castelo - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
Processo n 2774/15.5T8FNC-B - Recurso de Apelação
Recorrente: M…
Recorrido: A…;
L…, S.A.

Sumário:
No incidente de qualificação de insolvência como culposa, requerido por um credor, em que foi emitido parecer pelo administrador de insolvência onde conclui pela qualificação da insolvência como culposa e pronúncia pelo Ministério Público no mesmo sentido, a circunstância de em momento posterior ao artigo 188, n 5, do CIRE, virem estes últimos a alterar a sua posição para insolvência fortuita, não permite que imediatamente se conclua no sentido agora proposto, sem que se faculte ao credor a possibilidade de provar os factos por si alegados tendentes à verificação dos pressupostos da qualificação da insolvência.
(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no artigo 663, n 7, do CPC).

Acordam na 7 Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
M…, credor nos autos de que estes constituem apenso, requereu, em 03.02.2016, INCIDENTE DE QUALFICAÇÃO DE INSOLVÊNCIA CULPOSA contra A…, presidente do conselho de administração de L…, S.A..
Para além de prova documental, apresentou prova testemunhal.
Tal incidente foi declarado aberto, na sequência do que foi determinada a notificação do administrador de insolvência, nos termos do artigo 188, n 3, do CIRE, que veio a apresentar parecer onde conclui pela qualificação da insolvência como culposa, identificando como abrangido o presidente do Conselho de Administração da referida sociedade.
O MINISTÉRIO PÚBLICO pronunciou-se, nos termos do n° 4 do artigo 188 do mesmo diploma, no sentido propugnado pelo administrador de insolvência.
Procedeu-se, subsequentemente, à citação e notificação referidas n° 6 do mesmo preceito, vindo a ser deduzida oposição pelo requerido e pela insolvente.
Apresentaram prova documental e testemunhal.
Designada data para audiência prévia, veio a nela ser proferido despacho que identificou o objecto do litígio, elencou os factos provados e enunciou os temas da prova tendo, subsequentemente, sido apresentado requerimento, exarado em acta, pelo Administrador da Insolvência, nos seguintes termos:
«Atenta a não existência de prova, o Administrador da Insolvência altera a posição do seu parecer para insolvência fortuita, por se entender que a não apresentação à insolvência e a dação de activos prevista no Plano Especial de Revitalização homologado por sentença, em nada alterou a situação financeira e patrimonial da empresa.»
Dada a palavra ao MINISTÉRIO PÚBLICO, pelo mesmo foi requerido nada ter a opor a que a insolvência seja qualificada como fortuita.
Na sequência destes requerimentos foi proferida sentença que qualificou a insolvência da sociedade como fortuita, que aqui se reproduz:
«O presente incidente de qualificação da insolvência foi instaurado contra a sociedade L…, S.A. e o administrador A…, por impulso do Sr. Administrador da Insolvência e do MINISTÉRIO PÚBLICO, que ambos defendem nos seus pareceres que a presente insolvência deverá ser qualificada como culposa, (i) por a insolvente se ter apresentado tardiamente à insolvência, nos termos do artigo 186.°, n.º 3, alínea a), do CIRE e (ii) por a mesma (insolvente) ter feito desaparecer da sua esfera jurídica patrimonial bens móveis, em data posterior à da homologação do plano de recuperação da sociedade L…, S.A. (cfr. artigo 186.°, n.º 2, alínea a), do CIRE).
Ora, considerando que a sociedade L…, S. A. foi declarada insolvente por sentença proferida em 23 de Novembro de 2015 (cfr. FACTO F)), por impulso processual do requerente M… em 27 de Maio de 2015 (cfr. FACTO E)), constata-se que o período relevante para efeitos de qualificação da presente insolvência como culposa é essencialmente o hiato temporal que decorre entre o dia 27 de Maio de 2012 e o dia 23 de Novembro de 2015 (cfr. FACTOS E. e F. supra), nos termos dos artigos 4. °, n.º 2 e 186. °, n.º 1, ambos do CIRE.
In casu, o plano de recuperação da sociedade L…, S.A. foi homologado por sentença datada de 27 de Janeiro 2015 (cfr. FACTO C))
Nos termos do disposto na cláusula 3.g, ponto 3.4, do plano de recuperação, os créditos privilegiados - entre os quais, os créditos dos trabalhadores - deveriam ter sido pagos, no prazo de 30 (trinta) dias a contar da homologação do plano de recuperação (cfr. FACTO D.), ou seja, até ao dia 26 de Fevereiro de 2015.
Ora, não tendo pago os referidos créditos até ao dia 26 de Fevereiro de 2017, a sociedade L…, S.A. entrou em mora no dia 27 de Fevereiro de 2015.
Por conseguinte, nos termos dos artigos 18.°, n.os 1 e 3 e 20.°, n.° 1, alínea g), subalínea iii), do CIRE, a devedora L…, S.A. tinha a obrigação de se apresentar à insolvência até ao dia 27 de Junho de 2015, sob pena de poder vir a ser qualificada como culposa a sua insolvência (cfr. artigo 186.g, n. g 3, alínea a), do CIRE).
Para o efeito, cabe salientar que o Tribunal não pode ter em conta os factos que ocorreram em data anterior à da homologação do plano de recuperação da insolvente, por da sentença homologatória datada de 27 de Janeiro de 2015 (cfr. FACTO C)) decorrer tacitamente que naquela data a devedora L…, S.A. ainda não se encontrava numa situação de insolvência [a saber: o processo especial de revitalização pressupõe que a devedora se encontra numa situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente - artigo 17.2-A, n. g 1, do GIRE].
Assim sendo, e considerando que M… requereu que fosse declarado o estado de insolvência da sociedade L… S.A. em 27 de Maio de 2015 (cfr. FACTO E)), é manifesto que naquela data ainda não tinha decorrido o prazo previsto nos artigos 18.°, n.os 1 e 3 e 20.°, n.° 1, alínea g), subalínea iii), do CIRE.
Conclui-se, assim, que a matéria de facto alegada nos pareceres do Sr. Administrador da Insolvência e do MINISTÉRIO PÚBLICO não é susceptível de ser subsumida ao disposto no artigo 186.g, n.'2 3, alínea a), do GIRE.
Para além do fundamento que antecede, o Sr. Administrador da Insolvência e o MINISTÉRIO PÚBLICO alegaram ainda nos seus pareceres, que, após a homologação do plano de recuperação referido em C), a R. L…, S.A. tenha feito desaparecer os seus bens móveis das instalações da empresa.
Porém, para além de não identificarem os bens concretos que foram subtraídos [a saber: com excepção da matéria alegada no ponto 17., subalínea ii), do parecer do administrador da insolvência, a restante matéria alegada não integra, em rigor, quaisquer factos, mas antes meras conclusões, suposições e conceitos indeterminados], os referidos AA. não juntaram aos autos os seus requerimentos probatórios que deviam acompanhar os respectivos pareceres, nos termos dos artigos 188.°, n.° 8, 134, n.° 1 e 25.°, n.° 2, todos do CIRE.
Assim sendo, é manifesto que a realização de uma audiência de julgamento nestas condições sempre seria inútil, por caber aos AA. o ónus de provar os factos que alegaram nos seus pareceres.
Face ao exposto, e considerando o teor dos pareceres emitidos pelos AA. na presente audiência prévia, o Tribunal decide qualificar a insolvência da sociedade L…, S.A. como fortuita.
DECISÃO
Termos em que, o Tribunal decide julgar o presente incidente de qualificação da insolvência totalmente improcedente e, por conseguinte, qualificar a insolvência da sociedade L…, S.A. como fortuita.
Não se conformando com tal decisão, dela apelou o requerente do incidente, formulando as seguintes conclusões:
A) A douta sentença a quo refere que por impulso do Sr. Administrador da Insolvência e do Ministério Público, ambos defenderam nos seus pareceres que a presente insolvência deverá ser qualificada como culposa por a insolvente se ter apresentado tardiamente à insolvência, nos termos do artigo 186., n.3, alínea a) do CIRE e (ii) por a mesma ter feito desaparecer da sua esfera jurídica patrimonial bens móveis, em data posterior à da homologação do plano de recuperação da sociedade.
B) A douta sentença refere que a sociedade L…, S.A., foi declarada insolvente a 23 de Novembro de 2015 (facto F dado como provado) por impulso processual do requerente a 27 de Maio de 2015 (facto E dado como provado). Mais refere que conforme o PER os créditos privilegiados, entre os quais, os créditos dos trabalhadores, ora requerente, deveriam ter sido pagos até 26 de Fevereiro de 2015. Não tendo pago os créditos a insolvente entrou em mora a 27 de Fevereiro de 2015.
C) A sentença conclui que, nos termos do artigo 18. do CIRE, a insolvente tinha a obrigação de se apresentar à insolvência até ao dia 27 de Junho de 2015 e considerando que o Requerente requereu que a mesma fosse declarada insolvente em 27 de Maio de 2015 é manifesto que naquela data ainda não tinha decorrido o prazo previsto nos artigos 18., n. 1 e 3 e 20., n.1, alínea g), subalínea iii) do CIRE
D) O prazo legal previsto no artigo 18. do CIRE é de três meses sobre o incumprimento generalizado.
E) Se foi dado como provado que a insolvente entrou em mora no dia 27 de Fevereiro, no dia em que o Requerente requereu a insolvência da empresa o prazo de três meses foi ultrapassado, sendo por isso matéria subsumível ao disposto na alínea a) do n. 3 do artigo 186. do CIRE.
F) Relativamente ao fundamento ii) para qualificação da insolvência como culposa, ou seja, por a insolvente ter feito desaparecer da sua esfera jurídica patrimonial bens móveis, em data posterior à da homologação do PER o douto Tribunal a quo considerou que os AA não juntaram aos autos os seus requerimentos probatórios que deviam acompanhar os respectivos pareceres e, consequentemente é manifesto que a realização de uma audiência de julgamento nestas condições sempre seria inútil, por caber aos AA o ónus de provar os factos que alegaram nos seus pareceres
G) Por requerimento de 3 de Fevereiro de 2016 o requerente alegou fundamentadamente, oferecendo prova quer documental quer testemunhal para a qualificação da insolvência como culposa.
H) No dia 10 de Fevereiro a douto Tribunal a quo declarou aberto o incidente de qualificação. Quer o MP quer o Sr. A… deram pareceres no sentido de qualificar a insolvência como culposa.
1) A tramitação processual aplicável é a que consta nos artigos 132. a 139. do CIRE (remissão do n.8 do artigo 188.).
J) Em sede de audiência preliminar o douto Tribunal emitiu despacho de que ora se recorre.
K) Não entende o ora recorrente o porquê de o Tribunal a quo não o considerar parte processual, não tendo permitido a produção de prova por este para subsumir os factos alegados para considerar a insolvência como culposa.
L) Se se aplica o regime dos artigo 132. a 139. à tramitação do incidente, não foi emitido parecer pela comissão de credores previsto do artigo 135. nem foi respeitado o previsto no n.7 do artigo 136..
M) Conclui-se que a sentença recorrida, ao julgar improcedente o incidente de qualificação da insolvência violou o disposto no artigo 607. do CPC, bem como do artigo 188. do CIRE.
Conclui do seguinte modo:
Termos em que, deverá julgar-se procedente o presente recurso e, em consequência alterar-se o direito aplicável aos factos dados como provado, nos termos supra expostos, como deverá ser revogada a douta sentença recorrida e ser substituída por outra que permita produção de prova pelo requerente e, consequentemente, qualificar a insolvência da sociedade L…, como culposa, fazendo-se JUSTIÇA.
Foram apresentadas contra-alegações.
Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635, n° 4, e 639, n 1, do CPC, as questões a decidir são as seguintes:
1. Se ocorreu apresentação tardia à insolvência;
2. Se deverá ser permitido ao requerente do incidente, a produção de prova aos factos alegados.
3. Se era devido o cumprimento do disposto nos artigos 135 e 136, n 7, do CIRE.

OS ELEMENTOS PROCESSUAIS RELEVANTES PARA O CONHECIMENTO DAS QUESTÕES OBJECTO DO RECURSO SÃO OS ENUNCIADOS NO RELATÓRIO QUE ANTECEDE. Considerar-se-ão, ainda os
FACTOS PROVADOS elencados em sede de audiência prévia e para a qual a sentença remete.
A) A sociedade L.., S.A. tem um capital social no valor de 945.000,00€, tendo por objecto social a exploração de estabelecimentos turístico-hoteleiros e similares, próprios ou alheios e o desenvolvimento de todas as actividades conexas; promoção e administração de imóveis próprios ou alheios (cfr. prova documental de fl. 92 - autos principais);
B) Da certidão de registo comercial da sociedade L…, S.A. consta que fazem parte do Conselho de Administração (cfr. prova documental de fI. 92 - autos principais):
A… - Presidente;
M… Vogal;
J… - Vogal;
C) No âmbito do processo n.° 2474/14.3TBFUN, que correu termos na Comarca da madeira - Funchal - Instância Central - Secção de Comércio - J1, foi homologado por sentença datada de 27 de Janeiro de 2015 o plano de recuperação referente a sociedade L…, S.A. (cfr. prova documental de fls. 5 a 16 - autos principais);
D) Dá-se por reproduzido o plano de recuperação que está a fls. 139 verso a 141 verso.
E) Por requerimento datado de 27 de Maio de 2015, M… requereu que fosse declarado o estado de insolvência da sociedade L…, S.A. (cfr. fls. 2 a 20 verso);
F) Por sentença datada de 23 de Novembro de 2015, foi declarado o estado de insolvência da sociedade L…., S.A. no âmbito do processo n. 2774/15.5T8FNC (cfr. prova documental de fls. 106 a 116).

ENQUADRAMENTO JURÍDICO
Considerando as questões a decidir, acima elencadas pela ordem porque foram deduzidas, constata-se que o conhecimento da questão elencada em 2. tem que preceder a elencada em 1..
De facto, o apuramento de factos alegados pelo recorrente, passíveis de integrarem a previsão das alíneas que o mesmo identifica do artigo 186, n 2, do CIRE, constitui um dos fundamentos para a procedência do incidente de insolvência culposa. A proceder a sua pretensão, considerado que seja o direito à prova dos factos alegados pelo recorrente, os autos terão que prosseguir para a aferição destes pressupostos, perdendo razão de ser a apreciação com autonomia da primeira questão enunciada.
Vejamos, então, se deverá ser permitido ao requerente do incidente, a produção de prova aos factos relativos à qualificação da insolvência como culposa.
Nos termos estabelecidos pelo artigo 185 do CIRE, a insolvência é qualificada com culposa ou fortuita, dispondo o artigo 186 sobre os casos em que deve ser qualificada como culposa.
De facto, dispõe o artigo 186, n 1, do CIRE que «A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência»,
estatuindo o n 2 do mesmo preceito sobre os casos em que a insolvência é sempre considerada culposa em virtude da prática, pelos seus administradores, de actos ali identificados.
Por seu turno, no n 3 do artigo 186 do CIRE consagra-se a presunção de existência de culpa grave: «Presume-se a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor (...) tenham incumprido: a) o dever de requerer a declaração de insolvência».
Aquele identificado n 2 prevê situações que, a verificarem-se, impõem que se qualifique, necessariamente, a insolvência como culposa, sem necessidade de efectuar juízo casuístico para efeitos de qualificação da insolvência.
0 que importa então aferir é se, tendo o requerente do incidente alegado factos susceptíveis de integrar a previsão daquele n 2, lhe era permitido produzir a prova que apresentou com o requerimento inicial ou se, na falta de prova apresentada pelo Administrador de insolvência e pelo Ministério Público, cabia ao Tribunal recorrido, como fez, julgar inútil, por falta de prova a produzir, a realização de audiência final.
Nos termos do artigo 188, n 1, do CIRE, «Até 15 dias após a assembleia de apreciação do
relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155.°, o administrador da insolvência ou qualquer interessado pode alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento autuado por apenso, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação, cabendo ao juiz conhecer dos factos alegados e, se o considerar oportuno, declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência, nos 10 dias subsequentes.
Declarado aberto o incidente, de acordo com o disposto no n 2, do artigo 188, o administrador de insolvência deverá elaborar um parecer, devidamente fundamentado e documentado, sobre os factos que contribuíram para a situação de insolvência culposa, referindo ainda quais as pessoas que podem vir a ser afectadas pela qualificação, o que ocorreu na situação em apreço, sem contudo ter apresentado qualquer meio de prova (fls 19 a 23), o mesmo tendo ocorrido com o parecer do MP (fls 29 e 30).
Ocorre que, não obstante tenham emitido pronúncia sobre a qualificação da insolvência culposa vieram, o Administrador de Insolvência e o Ministério Público, já depois de deduzida oposição, em sede de audiência prévia, alterar a posição nos termos do requerimento que formularam e que acima se transcreveu, «atenta a não existência de prova».
Ora, com a suas alegações, o recorrente invocou factos que, em seu entender, se poderão subsumir à previsão das alíneas do n 2 do artigo 186 do CIRE, factos estes que determinaram a prolação de despacho que declarou aberto o incidente.
Mais, os pareceres juntos propugnaram no mesmo sentido da qualificação da insolvência, sem que o Tribunal recorrido tivesse - podendo tê-lo feito - convidado a concretizar o alegado, não tendo formulado qualquer convite ao aperfeiçoamento, não obstante refira agora a falta de concretização dos bens concretos que foram subtraídos.
Os interessados que podem alegar são todos aqueles que demonstrarem serem titulares de um interesse legítimo e é detentor deste qualquer credor, como ocorre com o recorrente.
«É titular de um interesse legítimo, para efeitos de apresentação de alegações no presente incidente, toda a pessoa que se viu de alguma forma afectada juridicamente pela declaração da situação de insolvência, desde que essa afectação não tenha sido negada por decisão judicial. O conceito lato que adoptámos relativamente à delimitação do conceito de interesse legítimo, para efeitos de incidente de qualificação, tem presente o propósito do legislador de recolher a maior extensão de factualidade possível, através destes interessados, de facultar ao administrador da insolvência e ao Ministério Público o retrato mais fiel possível do comportamento do devedor e ou dos administradores. Este propósito surge concretizado na circunstância de a intervenção destes últimos ter lugar só depois da apresentação das alegações em análise.(...)
Apresentadas as alegações, o apresentante passa a ser considerado parte processual e, como tal, deve ter personalidade judiciária, capacidade judiciária, legitimidade e deve fazer-se representar por advogado. »
Nada permite considerar que esta parte processual perde tal qualidade, ficando desprovida de qualquer possibilidade de intervenção, sendo arredado dos autos, por via da posterior intervenção do Administrador da Insolvência e do Ministério Publico, excepção feita à situação a que aludo o artigo 188, n 5, do CIRE.
Ora, o momento de apresentar o parecer está ultrapassado e a pronúncia foi no sentido da qualificação da insolvência como culposa.
A fase em que os autos se encontram é a da audiência prévia, a que havia que seguir-se, elencados os temas da prova que foram, a audiência final do incidente (artigos 138 e 139 ex vi do artigo 188, n 8, do CIRE).
0 que ocorreu em audiência prévia, por via dos requerimentos apresentados pelo Administrador de Insolvência e pelo Ministério Público constitui uma desistência, em matéria indisponível.
«No incidente de qualificação da insolvência estamos perante interesses que se relacionam com o comportamento dos responsáveis da insolvente perante a declarada insolvência e que são tutelados por normas de carácter imperativo. Tais interesses, que, a serem violados, fundamentarão a aplicação de uma sanção civil aos responsáveis, estão excluídos do âmbito de disponibilidade das partes. Ou seja, estamos perante factos relativos a direitos acerca dos quais a vontade das partes é ineficaz ou para os constituir ou para os extinguir, ou para constituir ou extinguir uma situação equivalente à do seu exercício».
Por força do referido artigo 188, n1, a lei atribui a «qualquer interessado» a legitimidade para intervir no incidente de qualificação de insolvência, deduzindo-o, munido de informação que permita a indagação e apuramento dos pressupostos da procedência do incidente.
Seria, no mínimo, ilógico que apenas conferisse tal legitimidade de dedução do incidente, retirando-lhe em momento posterior tal legitimidade deixando-o, conhecedor de factos com que fundamentadamente ocasionou a abertura do incidente, à margem do seu apuramento.
Sendo concedido ao interessado alegar factualidade tendente ao preenchimento dos pressupostos da responsabilidade qualificadora, também lhe assistirá, na qualidade de parte, o direito à prova dos mesmos.
Veja-se que, nos termos do artigo 11. do CIRE «No processo de insolvência, embargos e incidente de qualificação de insolvência, a decisão do juiz pode ser fundada em factos que não tenham sido alegados pelas partes». Por maioria de razão, está-lhe vedado omitir o conhecimento daqueles alegados por parte a quem a lei confere legitimidade para dar início ao incidente de qualificação de insolvência.
Existindo no processo factos susceptíveis de indiciar a responsabilidade na situação de insolvência do devedor, não pode o Tribunal deles não conhecer, impedindo a produção de prova requerida nos autos.
Cabe, pois, ao Tribunal recorrido prosseguir a tramitação do incidente com vista ao conhecimento dos factos alegados.
Nesta medida, fica prejudicado o conhecimento das demais questões a decidir.

DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e, em consequência, determina-se que o tribunal a quo prossiga os termos do incidente com a produção de prova requerida.
Custas pela parte vencida a final.
LISBOA, 03.10.2017
(Carla Câmara)
(Higina Castelo)
(José António Capacete)
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