Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
Actualidade | Jurisprudência | Legislação pesquisa:


    Jurisprudência da Relação Cível
Assunto    Área   Frase
Processo   Sec.                     Ver todos
 - ACRL de 28-09-2017   Actualidade do acórdão uniformizador de jurisprudência de 8-05-2013 face à nova redacção do art.° 50.° n.°1 do CIRE. Crédito condicional.
1 - Tal como já foi decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 8 de maio de 2013, transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art.° 287.° do C.P.C.
2 - Esta jurisprudência mantém actualidade e validade mesmo face à nova redacção do art.° 50.° n.°1 do CIRE nos termos do qual consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respectivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto tanto por força da lei, de decisão judicial, ou de negócio jurídico.
3 - O facto de existir uma acção declarativa com vista a obter o reconhecimento de um crédito não lhe confere natureza de crédito condicional. O que torna o crédito condicional é a sua sujeição à existência de um acontecimento futuro e incerto. E essa sujeição à existência de um acontecimento futuro e incerto é que pode fundar-se na lei, numa decisão judicial ou num negócio jurídico.
Proc. 18314/16.6T8LSB-A.L1 6ª Secção
Desembargadores:  Maria de Deus Correia - Nuno Manuel Machado e Sampaio - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
_______
Processo n.° 18314/16T8LSB-A.L 1
Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
Sumário:
I-Tal como já foi decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 8 de maio de 2013, transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art.° 287.° do C.P.C.
II-Esta jurisprudência mantém actualidade e validade mesmo face à nova redacção do art.° 50.° n.°1 do CIRE nos termos do qual consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respectivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto tanto por força da lei, de decisão judicial, ou de negócio jurídico.
III- O facto de existir uma acção declarativa com vista a obter o reconhecimento de um crédito não lhe confere natureza de crédito condicional. O que torna o crédito condicional é a sua sujeição à existência de um acontecimento futuro e incerto. E essa sujeição à existência de um acontecimento futuro e incerto é que pode fundar-se na lei, numa decisão judicial ou num negócio jurídico.
I-RELATÓRIO
F…………F……………e F……………., propuseram acção declarativa de condenação contra:
B……………………….,
B………………………, todos melhor identificados nos autos.
Por sentença proferida em 19/01/2017, o Tribunal a quo julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide quanto ao Réu B...
Inconformados com a decisão, os Autores interpuseram recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
1.Como no processo de insolvência se vai liquidar o património do devedor insolvente e repartir o produto obtido pelos credores, é necessário que estes sejam contemplados e graduados nesse processo, sob pena de nada poderem vir a receber depois de excutido o património.
Para os créditos serem contemplados no processo de insolvência têm naturalmente de ser reclamados (art.° 128.°), não sendo necessário uma sentença com trânsito em julgado.
2. Mesmo o credor que tenha o crédito reconhecido por sentença transitada em julgado não está dispensado de reclamar o seu crédito (art°. 128/3 CIRE), porque só no processo de insolvência esse crédito pode ser executado, por se tratar de um processo de liquidação universal.
3. A declaração de insolvência determina a apensação das acções de natureza exclusivamente patrimonial em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, bem como a suspensão e extinção das acções executivas.
4. Mas, este regime, moldado nos princípios do processo de insolvência, não é extensível às demais acções declarativas.
5. Se essa fosse a intenção do legislador, tê-lo-ia expressado, sem limitações, como, aliás, fez em relação às acções executivas (art.° 88.°).
6. Se o credor, com uma acção declarativa de condenação a correr, não reclamar o seu crédito no processo de insolvência, pode ver extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (art.° 277.° al. e) do CPC), uma vez que deixa de poder ver os seus direitos de crédito satisfeitos relativamente ao devedor insolvente.
7. A natureza célere e urgente do processo de insolvência é incompatível com a tramitação e a necessária ponderação de direitos litigiosos complexos ou especializados.
8. Sendo o processo de insolvência um processo de execução universal, é natural que as acções executivas a correr se suspendam ou se extingam.
11. Naturalmente que, se na acção declarativa, houver outros Réus, a extinção da instância opera apenas quanto ao Réu devedor insolvente, prosseguindo os seus termos contra os demais Réus, como, aliás, está consignado expressamente para as acções executivas (art.° 85.°, n.° 1 in fine e n.° 2).
12. Se o credor reclamar o seu crédito no processo de insolvência, não há lugar a qualquer apensação, suspensão ou extinção da instância das acções declarativas de condenação a correr contra o devedor insolvente.
13. Devendo, nesse caso, o seu crédito ser contemplado e devidamente acautelado no processo de insolvência, nomeadamente como crédito sujeito a condição suspensiva.
14. Nesta conformidade, o art.° 181° n. 1 do CIRE dispõe que Os créditos sob condição suspensiva são atendidos pelo seu valor nominal nos rateios parciais, devendo continuar, porém, depositadas as quantias que por estes lhes sejam atribuídas, na pendência da condição .
15. Com a nova redacção do n.° 1 do art.° 50.0, o legislador tomou posição clara, considerando expressamente as decisões judiciais como condição suspensiva, até ao trânsito em julgado da decisão, pelo que o Acórdão Uniformizador, no domínio do actual quadro legislativo, salvo o devido respeito, perdeu actualidade e validade.
16. Como resulta da nova redacção do preceito, a condição suspensiva não pode ser o crédito objecto do processo judicial, mas a própria decisão judicial, tanto mais que o legislador coloca em alternativa a condição suspensiva dependente de (...) decisão judicial ou de negócio jurídico.
17. No actual quadro legislativo, só na falta da reclamação do crédito, se poderá entender que o credor perdeu o seu interesse na acção declarativa e consequentemente decretar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art.° 287.° al. e) do CPC.
18. Os Autores reclamaram o seu crédito, subjacente à presente acção declarativa, no processo de insolvência do R. ………….. - em Liquidação, como é do conhecimento deste R..
19. A acção declarativa não viola o princípio da igualdade dos credores.
20. A douta decisão recorrida fez uma errada interpretação dos art.s 50° e 90° do CIRE e uma errada aplicação do art.° 277° al.e) do CPC.
21. As causas de liquidação do B………….. são da sua responsabilidade.
22. Pelo que, nos termos da parte final do art.° 536° do CPC, deverá ser o B………, ou, melhor, a massa insolvente, a suportar as custas da extinção da instância.
23. A douta sentença recorrida violou o art.° 536° do CPC.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas, Meritíssimos Desembargadores, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida e substituindo-se por outra que não decrete a extinção da instância e mande prosseguir a presente acção declarativa.
Nas suas contra alegações o B... pugnou pela confirmação da sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- OS FACTOS
Os elementos relevantes para a decisão são os que constam do relatório, sendo que a questão a apreciar é unicamente de natureza jurídica.
III-O DIREITO
Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas que delimitam o respectivo âmbito de cognição, a única questão a apreciar consiste em saber se é legal a decisão de julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, nesta acção declarativa proposta conta o B... (em liquidação).
A sentença recorrida, ao abrigo do disposto no art° 277° alínea e) do Código de Processo Civil, declarou extinta a instância quanto ao réu B..., por inutilidade superveniente da lide.
Importa analisar se essa decisão está conforme com os preceitos legais aplicáveis.
Como resulta dos autos e é do conhecimento público, o Banco Central Europeu, por deliberação de 13/07/16, revogou a autorização para o exercício da actividade de instituição de crédito, ao B...
Na sequência de tal deliberação, veio o Banco de Portugal requerer a liquidação judicial do B...
Nos termos do art.° 8.° n.°1 do D.L.n.° 199/2006 de 25 de Outubro 1, a liquidação judicial das instituições de crédito fundada na revogação de autorização pelo Banco de Portugal faz-se nos termos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. E dispõe o n.°2 do mesmo preceito legal que a decisão de revogação da autorização pelo Banco de Portugal produz os efeitos de declaração de insolvência:
Nos termos do art° 81° do CIRE (Código da Insolvência e Recuperação de Empresas) a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador de insolvência.
Quanto aos efeitos processuais da insolvência sobre as acções pendentes, que é a questão específica que ora cumpre apreciar, dispõe o art° 85°, n° 1 que declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo.
Do preceito resulta que a apensação não ocorre automaticamente, antes depende de requerimento do administrador da insolvência e da verificação de certos requisitos, designadamente a conveniência para os fins do processo. No caso em apreço, não se verificou tal requerimento do administrador.
Nos termos do art.° 128.° do CIRE, dentro do prazo fixado na sentença declaratória da insolvência, devem os credores reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham. E mesmo que o credor já disponha de um crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento, como resulta, expressamente, do disposto no n° 3 do art. 128.°.
E conforme os Autores alegaram, já procederam à reclamação do seu crédito no processo de insolvência.
Nestas condições e atento o enquadramento legal supra descrito, quais as consequências jurídicas no prosseguimento do presente processo em que se pretende obter o reconhecimento de um direito de crédito?
A esta questão respondeu o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 8 de maio de 2013, deste modo:
transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art.° 287.° do C.P.C.
Defendem porém, as Apelantes que por via da nova redacção do n.° 1 do art.° 50.° o citado Acórdão Uniformizador, perdeu actualidade e validade.
Não cremos que assim seja.
Nos termos do art.° 50.° n.°1 consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respectivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto tanto por força da lei, de decisão judicial, ou de negócio jurídico.'
A alteração da redacção do citado preceito não tem a consequência que os Apelantes lhe atribuem. O facto de existir uma acção declarativa com vista a obter o reconhecimento de um crédito não lhe confere natureza de crédito condicional. O que torna o crédito condicional é a sua sujeição à existência de uni acontecimento futuro e incerto. E essa sujeição à existência de um acontecimento futuro e incerto é que pode fundar-se na lei, numa decisão judicial ou num negócio jurídico.
A alteração da redação ocorrida no n°1 do Artigo 50° visou, pois, esclarecer que fonte da condição poderá provir de uma decisão judicial (a par da lei e do negócio jurídico), realidade diversa de afirmar- conforme pretendem os apelantes - que a decisão judicial constitui em si uma condição suspensiva. Para efeitos do n°1 do Artigo 50° do CIRE, a decisão judicial não constitui um acontecimento futuro e incerto porquanto o crédito invocado pelos apelantes assenta em factos passados prévios à revogação da autorização para o exercício da atividade bancária pelo B...
No caso concreto o alegado crédito nada tem de condicional, pelo que este normativo legal nem sequer tem aplicação ao caso em apreço.
Portanto, mantêm-se válidas as razões e argumentação constantes do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência às quais aderimos e, nessa medida, acompanhamos a decisão recorrida nesta parte, ou seja, mantendo a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, relativamente ao Réu B...
IV-DECISÃO
Face ao exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso e, por consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelas Apelantes.
Lisboa, 28/9/2017
Maria de Deus Correia
Nuno Sampaio
Maria Teresa Pardal
   Contactos      Índice      Links      Direitos      Privacidade  Copyright© 2001-2024 Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa