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 - ACRL de 21-09-2017   Sustento minimamente digno. RMMG.
1 - O art. 239° n° 3 b) - i) do CIRE não define o que seja razoavelmente necessário para o sustento minimente digno do devedor, mas temos como correcto que não deverá ser inferior à RMMG.
2 - Cabe pois, ao insolvente ora apelante, adaptar o seu anterior padrão de vida aos sacrifícios decorrentes da situação de ruptura financeira a que chegou em consequência do recurso ao crédito bancário para aquisição de três imóveis.
3 - É inadmissível que o apelante pretenda manter um nível de vida aproximado daquele que tinha antes de se apresentar à insolvência, tanto mais que o sacrifício que se lhe impõe é limitado ao período de cinco anos e há muitas famílias que têm como única fonte de rendimento a RMMG.
Proc. 4838/17.1T8SNT-B.L1 6ª Secção
Desembargadores:  Anabela Calafate - Eduardo Petersen Silva - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Sumário
I - O art. 239° n° 3 b) - i) do CIRE não define o que seja razoavelmente necessário para o sustento minimente digno do devedor, mas temos como correcto que não deverá ser inferior à RMMG.
II - Cabe pois, ao insolvente ora apelante, adaptar o seu anterior padrão de vida aos sacrifícios decorrentes da situação de ruptura financeira a que chegou em consequência do recurso ao crédito bancário para aquisição de três imóveis.
III - É inadmissível que o apelante pretenda manter um nível de vida aproximado daquele que tinha antes de se apresentar à insolvência, tanto mais que o sacrifício que se lhe impõe é limitado ao período de cinco anos e há muitas famílias que têm como única fonte de rendimento a RMMG.

Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I - Relatório:
F... apresentou-se à insolvência em 10/03/2017, tendo requerido na petição inicial a exoneração do passivo restante.
Tendo sido declarada por sentença a sua insolvência, foi admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante por decisão de 14/05/2017, determinando-se que o rendimento disponível que o devedor venha a auferir no prazo de cinco anos a contar da data do encerramento do processo de insolvência se considera cedido ao fiduciário com exclusão da quantia mensal equivalente a um salário mínimo nacional.
Consignou-se nessa decisão, nomeadamente:
«O devedor reside sozinho em casa arrendada, não dispõe de crianças ou de outras pessoas a seu cargo. Aufere o vencimento mensal de €1.201,48 €.
O devedor alega enfrentar despesas mensais no valor total de €1.177,00. (...)
Assim, o valor indispensável para prover ao sustento, com o mínimo de dignidade, do devedor, tendo em conta as suas características e as suas concretas necessidades, podendo e devendo ser imposto ao devedor que reduza as suas despesas até ao patamar do mínimo que seja indispensável à sua sobrevivência em condições mínimas de dignidade e que suporte o sacrifício inerente a tal redução. Ou seja, o montante dispensado ao insolvente no período da cessão não visa assegurar o padrão de vida que porventura teria antes da situação de insolvência, mas apenas uma vivência minimamente condigna, cabendo ao visado adequar-se à especial condição em que se encontra, ajustando as despesas ou encargos e o seu nível de vida, em geral, e na medida do possível à nova realidade que enfrenta.»

Por sua vez, no relatório do administrador da insolvência lê-se, designadamente:
«Análise dos elementos incluídos no documento referido em a) do n° 1 do Art° 24 do CIRE
1 - Actividade e rendimentos
. F... e exerce a profissão no Ministério da Defesa Nacional da Marinha.
. Pela profissão que desempenha aufere um vencimento mensal de €1.201,48.
. De acordo com as pesquisas efectuadas junto das Conservatórias, o insolvente é proprietário de dois imóveis, melhor identificados no inventário e certidões prediais que se juntam.
2 - Causas da insolvência
Das informações obtidas através da PI verifica-se que o insolvente se encontra numa situação económica bastante complicada, resultante dos vários créditos contraídos.
O insolvente é divorciado de (...) desde 10 de abril de 205, conforme consta da certidão de nascimento do insolvente junto à P.I.
3 - Insolvente deixou de cumprir as suas obrigações perante as instituições bancárias, tendo vários Processos executivos a correr, um desses processos executou a sua moradia sita na …………….., tendo sido vencida devido à hipoteca constituída para garantia do crédito contraído junto da C………………
4 - Insolvente não é proprietário de qualquer veículo automóvel, segundo a nossa pesquisa efectuada junto das Finanças e Conservatória do Registo Automóvel. O estado de insolvência resultou de dívidas contraídas para aquisição de imóveis, que não conseguiu liquidar atempadamente.
5 - agregado familiar é apenas composto pelo insolvente e indica as seguintes despesas mensais:
1) Electricidade - € 40,00
2) Água - € 33,00
3) Gás - 22,00 €
4) Telecomunicações - € 79,00
5) Alimentação - cerca de € 300,00
6) Transportes - € 80,00
7) Gastos (vestuário, calçado) - cerca de € 50,00
8) Medicamentos e saúde - € 50,00
9) Renda de casa - € 273,70»

Inconformado com a decisão que fixou em um salário mínimo nacional o rendimento que o devedor venha a auferir durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência e que não pode ser cedido ao fiduciário, apelou o devedor, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões:
1 - Foi arbitrado ao insolvente apenas um salário mínimo, sendo remetido ao Sr. Fiduciário o remanescente;
2 - É impenhorável o valor correspondente a um salário mínimo.
3 - O insolvente tem despesas absolutamente no limite da pobreza de € 1.177,00 - mil cento e setenta euros.
4 - Deve ser atribuído 2 salários mínimos como rendimento mensal do insolvente, podendo o remanescente ser entregue ao Fiduciário.

Não há contra-alegações.

Cumpre decidir.
II - Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, pelo que a questão a decidir é esta:
- se o valor indisponível mínimo no período de exoneração do passivo restante deve ser fixado em dois salários mínimos

III - Fundamentação
A factualidade a considerar é a que consta no relatório. Posto isto. O art. 239° do CIRE dispõe, na parte que ora interessa:
«(..)
2 - O despacho inicial determina que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, neste capítulo designado período de cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade, neste capítulo designada fiduciário, escolhida pelo tribunal (...)
3 - Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão:
a) (...)
b) Do que seja razoavelmente necessário para:
i) O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional.
ii) (....)Esta norma não define o que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor, mas temos como correcto que nãodeverá ser inferior à RMMG, que está fixada em 557 € a partir de 1 de Janeiro de 2017, o que foi respeitado no caso concreto.
iii) Cabe pois, ao insolvente ora apelante, adaptar o seu anterior padrão de vida aos sacrifícios decorrentes da situação de ruptura financeira a que-chegou em consequência do recurso ao crédito bancário para aquisição de três imóveis. Para tal, deverá adequar as suas despesas à quantia de que pode dispor no período de cessão.
iv) Ora, não resulta dos autos que as suas necessidades básicas inerentes a uma vida minimamente condigna imponham despesas mensais de 40 € com electricidade, 79 € com telecomunicações, 300 € com alimentação, cerca de 50 € com vestuário e calçado e ainda 50 € com medicamentos e outras despesas de saúde, sendo certo que não vem sequer alegado que o apelante padeça de alguma doença. Ressalta da petição inicial e da alegação recursiva que o apelante pretende, afinal, manter um nível de vida aproximado daquele que tinha antes de se apresentar à insolvência, o que é inadmissível, tanto mais que o sacrifício que se lhe impõe é limitado ao período de cinco anos e há muitas famílias que têm como única fonte de rendimento a RMMG.
Improcede assim apelação.
IV - Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela massa insolvente.
Lisboa,
21/9/2017
Anabela Calafate
António Manuel Fernandes dos Santos
Eduardo Peterson Silva
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