Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
Actualidade | Jurisprudência | Legislação pesquisa:


    Jurisprudência da Relação Cível
Assunto    Área   Frase
Processo   Sec.                     Ver todos
 - ACRL de 14-09-2017   Privilégio imobiliário especial. Privilégio imobiliário geral.
1 - Ao contrário do privilégio especial que, por se basear numa relação entre o crédito garantido e a coisa que o garante, se constitui sempre no momento da formação do crédito, os privilégios imobiliários gerais, constituem-se em momento posterior, sendo aplicável ao concurso de credores a lei vigente nesta data.
2 - A alteração introduzida ao artigo 751.° do CC, pelo DL n.° 38/2003, de 08-03, deve considerar-se efectuada por lei interpretativa, o que significa que apenas os privilégios imobiliários especiais são oponíveis a terceiros.
3 - Nos termos do art. 686.° e 749.° do CC, o crédito garantido por hipoteca preferem ao crédito garantido por privilégio imobiliário geral.
Proc. 1924/10.2TBCTX-B.L1 8ª Secção
Desembargadores:  Catarina Manso - Maria Alexandrina Branquinho - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
_______
1924/10.2TBCTX-B.L1
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
I - Por apenso aos autos de execução comum em que é Exequente B….S.A., e executada I... e outros, o Instituto de Segurança Social, I.P., reclamou créditos sobre a executada I.., pedindo o reconhecimento e graduação do seu crédito no montante global de € 6.397,19 de contribuições relativas aos meses de Dezembro de 2010 a Março de 2012, devidas pelos trabalhadores e juros de mora vencidos até Julho de 2013. A Reclamante juntou aos autos certidão de dívida. Foram notificados Exequente e o Executado e a reclamação não foi impugnada.
Foi proferida decisão que graduou os créditos: 1° - Instituto de Segurança Social, I.P; 2° - Crédito exequendo;
Não se conformando com a decisão apelou o exequente/reclamante concluindo nas alegações:
1.A Sentença a quo graduou o crédito do Instituto da Segurança Social IP em primeiro lugar e logo após o crédito do exequente, esquecendo e fazendo tábua rasa que o crédito exequendo para além de estar garantido pela penhora efectuada nos autos, está igualmente garantido por hipoteca.
2. A hipoteca incide sobre os seis imóveis penhorados nos autos, todos eles descritos na Conservatória do Registo Predial da A ..., sob os n°s 843, 485, 846, 849, 850 e 154 da freguesia de A… e inscritos nas matrizes urbanas n°s 1192, 1194, 1195, 1198, 1199 e 45-H, respectivamente, na referida freguesia.
3. A hipoteca foi registada através da Ap. n° 1 de 2008/01/24 e a penhora foi registada pela Ap. 308 de 21/06/2013.
4. Os créditos da Segurança Social referem-se aos meses de Dezembro de 2010 a Março de 2013.
5. Conclui-se que a exequente para além de ter a seu favor a penhora registada, goza igualmente de hipoteca para garantia do crédito exequendo.
6. Atendendo às diversas alterações legislativas e à prolação do Acórdão do Tribunal Constitucional (n° 363/2002, de 17.9.2002, publicado no D.R., I série-A, de 16.10.2002) é claro que os créditos da segurança social gozam apenas de privilégio mobiliário geral.
7. Assim, também se tornou claro que o regime previsto no art. 751 do Código Civil se aplica apenas aos privilégios imobiliários especiais, sendo que aos privilégios imobiliários gerais se aplica o disposto no art. 749 do código Civil.
8. O que nos leva a concluir que os créditos garantidos por hipoteca prevalecem sobre os créditos que beneficiam de privilégio imobiliário geral, designadamente os créditos da segurança social reclamados nestes autos, sendo certo que a hipoteca foi constituída em data anterior à constituição dos créditos da Segurança social
Factos
1.Nos autos de execução a que estes se encontram apensos, no dia 05-07-2013, foram penhorados os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de A…. sob o n.° 843, 845, 846, 849, 850 e 154 da freguesia de A..., inscritos na matriz predial sob o artigo 1192, 1194, 1195, 1198, 1199 e 45 da secção H.
2.Essas penhoras foram registadas a favor do Exequente, pela AP. 308 de 2013/06/21.
3.A Executada está inscrita na Reclamante Instituto de Segurança Social - Centro Distrital de Lisboa sob o regime dos contribuintes trabalhadores.
4.A Executada não entregou a esse Centro as contribuições sociais devidas sobre a remuneração convencional e respectivo escalão referentes aos meses de Dezembro de 2010 a Março de 2013 no valor de € 5.657,00
Não houve contra alegações
Dispensados os vistos legais, nada obsta ao conhecimento
II - Apreciando
O Instituto da Segurança Social em 30.7.2013 reclamou créditos decorrentes da falta de pagamento das contribuições de I..., das contribuições dos trabalhadores, referentes aos meses de Dezembro de 2010 a Março de 2012. Invocou os privilégios que são conferidos à Segurança social nos artigos 204.°, n.° 1, e 205.° do Código dos Regimes Contributivos do Regime Previdencial do Sistema de Segurança Social (CRCSPSS), aprovado pela Lei n.° 110/2009, de 16 de Setembro.
Decidiu-se que a penhora foi efectuada depois do vencimento dos créditos reclamados pela Segurança Social e graduou-o em primeiro lugar. Mas o crédito reclamado pelo apelante tem hipoteca que incide sobre os imóveis penhorados nos autos, todos eles descritos na Conservatória do Registo Predial da A... sob os n°s 843, 485, 846, 849, 850 e 154 da freguesia de A... e inscritos nas matrizes urbanas n°s 1192, 1194, 1195, 1198, 1199 e 45-H. A hipoteca foi registada através da Ap. n° 1 de 2008/01/24
O art. 11.° do DL n.° 103/80, de 9 de Maio, e art. 2.° do DL n.° 512/76, de 3 de Julho, foram declaradas a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral conferido à Segurança Social prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751.° do CC.
Beneficiando o recorrente de hipoteca e o recorrido de privilégio sobre os prédios urbano, portanto, sobre a coisa imóvel, e foi constituída para garantia dos direitos de crédito garantindo à credora o direito de ser paga pelo valor da coisa imóvel hipotecada, pertencente ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo - cf. art. 686.° do Código Civil. O privilégio geral não vale contra terceiros titulares de direitos que recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente - artigo 749.°, n.° 1, do CC -; o privilégio imobiliário especial, é oponível a terceiros que adquiram o prédio, e prefere à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores - artigo 751.° do CC. A referida redacção do artigo 751.° foi introduzida pelo DL n.° 38/2003, de 8 de Março, excluindo claramente do artigo 751.° do CC os privilégios imobiliários gerais.
A doutrina e a jurisprudência maioritárias inclinaram-se no sentido de que o artigo 751.° do CC na redacção anterior que apenas se referia a privilégios imobiliários, não distinguindo entre os gerais e os especiais, continha um princípio geral insusceptível de aplicação ao privilégio imobiliário geral, fundando este entendimento, em síntese, em primeiro lugar, no facto dos privilégios imobiliários gerais não serem conhecidos aquando do início da vigência do actual Código Civil; e em segundo lugar, porque, não estando sujeitos a registo, afectavam gravemente os direitos de terceiro, violando os princípios da segurança jurídica e da confiança no direito.
Na aplicação o citado DL n.° 38/03, surgiram divergentes interpretações sobre a norma em apreço, conferindo-lhe uma nova redacção na qual veio estabelecer que apenas os privilégios imobiliários especiais preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores, deve concluir-se que o legislador interveio para decidir aquela questão controvertida, razão pela qual estamos perante uma norma interpretativa a qual se aplica retroactivamente, salvaguardados os efeitos já produzidos (artigo 13.°, n.° 1, do CC) e sendo, consequentemente, aplicável aos casos em que outras leis tenham estabelecido privilégios imobiliários gerais. Assim, deve concluir-se que apenas os privilégios imobiliários especiais são oponíveis a terceiros. Como vimos, os privilégios imobiliários conferidos pelo Código Civil, são sempre especiais. Porém, os privilégios imobiliários conferidos à Segurança Social não se contam entre eles, porquanto os mesmos foram consagrados por leis extravagantes. O Código Civil não subdistingue, no quadro dos privilégios imobiliários, entre os gerais e os especiais, por, na concepção adoptada, todos eles incidirem sobre determinados bens imóveis, ou seja, todos eles eram sempre privilégios especiais, porque incidiam apenas sobre o valor dos bens ali concretamente identificados. O privilégio não se refere a bens determinados pelo que não só não há qualquer relação directa entre os imóveis do executado e a dívida à Segurança Social, sendo patente a afinidade ou paralelismo existente entre o privilégio mobiliário geral do Código Civil que é independente da existência de qualquer relação entre o crédito e o bem que o garante, e o legalmente conferido para os créditos devidos à Segurança Social. O regime legal a que aludem estas disposições entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2011, em face da redacção conferida pela Lei n.° 119/2009, de 30 de Dezembro, ao artigo 6.° do citado CRCSPSS.
Ora, o privilégio creditório geral «surge com a constituição do direito de crédito que garante, mas a eficácia depende do acto de penhora sobre os bens que são objecto da sua incidência, o que significa que a sua constituição se verifica quando ocorrerem os actos ou os factos de que a lei faz depender a sua atribuição, e que se concretizam nos bens penhorados na acção executiva ou apreendidos no processo de falência». Portanto, a lei competente para a graduação de créditos no concurso de credores é a lei vigente ao tempo deste concurso, salvo os créditos hipotecários, relativamente aos quais os efeitos de direito produzidos no domínio da lei antiga são respeitados na vigência da lei nova, como resulta do artigo 12.°, n.°s, 1 e 2, do CC. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 362/2002, de 17.9.2002, publicado no D.R., I série-A, de 16.10.2002, decidiu-se que determinada interpretação da lei punha em causa o princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no art.° 2.° da Constituição, o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do citado art.° 104.° do CIRS, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nele conferido à Fazenda Pública prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751.° do Código Civil. Igual juízo foi proferido pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.° 363/2002, de 17.9.2002, publicado no D.R., 1 série-A, de 16.10.2002, relativamente às normas constantes do art.° 11.° do DL 103/80, de 09.05, e do art. 2.° do DL 512/76, de 03.06, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nelas conferido à segurança social prefere à hipoteca, nos termos do art.751.° do Código Civil. Os acórdãos foram proferidos antes da alteração legislativa introduzida ao referido preceito do Código Civil pelo DL n.° 38/2003, de 08-03, e evidentemente ao novo Código dos Regimes Contributivos do Regime Previdencial do Sistema de Segurança Social, aprovado pela Lei n.° 110/2009, de 16 de Setembro.
A lei confere aos créditos da segurança social apenas um privilégio imobiliário geral, e reportando-se a norma do artigo 751.° do CC na redacção actualmente em vigor, apenas aos privilégios imobiliários especiais, conclui-se que o privilégio imobiliário concedido pelo artigo 205.° do CRCSPSS, é um privilégio geral, sendo-lhe aplicável o regime do artigo 749.° do CC e não o do artigo 751.° do mesmo diploma.
Por tudo o exposto, o crédito hipotecário da reclamante, ora recorrente, deve, sem dúvida, prevalecer sobre os créditos da segurança social.
Concluindo
- Ao contrário do privilégio especial que, por se basear numa relação entre o crédito garantido e a coisa que o garante, se constitui sempre no momento da formação do crédito, os privilégios imobiliários gerais, constituem-se em momento posterior, sendo aplicável ao concurso de credores a lei vigente nesta data.
- A alteração introduzida ao artigo 751.° do CC, pelo DL n.° 38/2003, de 08-03, deve considerar-se efectuada por lei interpretativa, o que significa que apenas os privilégios imobiliários especiais são oponíveis a terceiros.
- Nos termos do art. 686.° e 749.° do CC, o crédito garantido por hipoteca preferem ao crédito garantido por privilégio imobiliário geral.
III - Decisão: em face do exposto, julga-se procedente a apelação devendo ser graduado em primeiro lugar o crédito hipotecário do apelante.
Sem custas
Lisboa, 14 de setembro de 2017
Maria Catarina Manso
Maria Alexandrina Branquinho
António Valente
   Contactos      Índice      Links      Direitos      Privacidade  Copyright© 2001-2024 Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa