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 - ACRL de 27-10-2016   Promoção e protecção. Insuficiência da medida de apoio junto dos pais. Necessidade de acolher as crianças junto de outro familiar.
Quando os progenitores dos menores são reconhecidamente incapazes de assegurar os cuidados básicos necessários às crianças e não se mostram permeáveis á mudança, apesar da longa intervenção de que beneficiaram, entende-se que a medida de apoio junto dos pais, prevista no artigo 35°, n.° 1, alínea a), da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo não se mostra adequada a afastar as menores da situação de perigo em que se encontram para a sua saúde, bem-estar, desenvolvimento integral e educação.
Proc. 87/12.3TBNRD 6ª Secção
Desembargadores:  Fátima Galante - Teresa Soares - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
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APELAÇÃO N° 87/12.3TBNRD.Ll
6ª Secção

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I - RELATÓRIO

As menores I… e V…, nascidas a 6-11-2005 e 18-01-2012, respetivamente, filhas de J… e de M…, foram sinalizadas em 2012 na Comissão de Proteção de Crianças e Jovens do N…, que já acompanhava o irmão mais velho das menores, por falta de prestação de cuidados básicos de higiene e deficiências ao nível dos cuidados alimentares.
Dada a falta de adesão da progenitora o processo foi remetido para o extinto Tribunal da Comarca do N…, sendo firmado em 25-10-2012 acordo de promoção e proteção de aplicação de medida de apoio junto dos pais.
A referida medida foi sendo sucessivamente prorrogada, porquanto apesar dos acompanhamentos disponibilizados aos progenitores as crianças continuaram a ser negligenciadas ao nível da higiene pessoa! e das roupas e da alimentação, e bem assim da sua supervisão, mantendo a progenitora as práticas educacionais punitivas, e ambos os pais falta de limpeza e de organização da habitação.
A EMAT face à resistência dos progenitores à intervenção dos serviços sociais e reduzindo potencial de mudança, emitiu parecer no sentido da substituição da medida de apoio junto dos pais, peia medida de acolhimento residencial. Os progenitores manifestaram oposição à aplicação de qualquer medida que implique a saída de casa das filhas.
Realizou-se o debate judicial com intervenção dos Srs. Juizes sociais, por força do disposto nos artigos 62.° e 114.°, n.°5, al. a), da LPCJP, tendo sido documentadas as declarações prestadas.
Foi, então proferido acórdão que decidiu aplicar às menores I…, nascida a 6-] 1-2005, e V…, nascida a 18-01-2012, pelo período de um ano, a medida de apoio junto de familiar, no caso junto da tia paterna M…, nos termos dos artigos 35.0, n.° 1, al b), da LPCJP.
Recorre o progenitor J… do decidido, tendo para o efeito, apresentado, no essencial, as seguintes conclusões:
1. Deverá ser revogada a douta sentença na parte em que substitui a medida de promoção e protecção aplicada junto dos progenitores das menores Í… e V… pela medida de promoção e protecção junto da tia paterna.
2. Com a douta sentença não se demonstra que as menores se encontrem em situação que integre o conceito de perigo presente no artigo 3.°, n.° 2 da LPCJP.
3. As menores têm vindo a apresentar melhorias significativas, tendo ajudado as medidas que têm vindo a ser aplicadas, estando as mesmas neste momento inseridas quer no seio familiar como escolar, existindo ainda uma vigilância e apoios da Segurança Social.
4. É de concluir, portanto, que foi esgotado o objecto deste processo, tendo sido atingidos os objectivos de inserção das menores que já não estão em situação de perigo.
Contra-alegou o M°P°, para, no essencial, concluir pela manutenção da sentença recorrida.

Corridos os Vistos legais,

Cumpre apreciar e decidir.
São as conclusões das alegações que delimitam o objecto do recurso e o âmbito do conhecimento deste tribunal (arts. 684°, n° 3 e 690°, n° 1 do CPC), pelo que fundamentalmente importa decidir se existe fundamento para, revogando a sentença, alterar a medida de protecção nos termos pretendidos pelo Recorrente.

II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1.– I…. nascida a 6-11-2005, e V…. nascida a 18-01-2012, são filhas J… e de M….
2.- Foram sinalizadas em 2012 à Comissão de Proteção de Crianças e Jovens do N…, que já acompanhava o irmão mais velho das menores, por falta de prestação de cuidados básicos de higiene e deficiências ao nível dos cuidados alimentares.
3.- Dada a falta de adesão da progenitora, o processo foi remetido para o extinto Tribunal da Comarca do N…, sendo firmado em 25-10-2012 acordo de promoção e proteção, no âmbito do qual foi aplicada às menores, pelo período de 6 meses, a medida de apoio junto dos pais, que se comprometeram a promover a frequência e assiduidade escolar da menor Iris, a providenciar por urna alimentação adequada à menor V…, com exclusão do leite de vaca, e a aceitar a supervisão das técnicas do IDSA.
4.- A referida medida foi sendo sucessivamente prorrogada, por se constatar manterem-se as problemáticas associadas à falta de organização doméstica. negligência no que respeita aos cuidados básicos de vestuário, de higiene e alimentação das menores I… e V…, e também ao nível do acompanhamento escolar.
5.- Por estar excedido o prazo de duração máxima da medida de apoio junto dos pais, em 4-09-2015 o tribunal realizou novas diligências instrutórias e nova conferência, no âmbito da qual foi firmado novo acordo de promoção e proteção de aplicação de medida dc apoio junto dos pais, pelo período de 6 meses, fixando-se obrigações aos pais de prestação dos cuidados de alimentação, vestuário, saúde e educação às menores, concretizando-se que deviam tudo fazer para garantir a limpeza e organização da casa e das roupas das filhas, aceitar a intervenção da equipa de integração familiar, fazer comparecer a filha íris ao acompanhamento psicológico e a filha Vitória às sessões da equipa de intervenção precoce, e a progenitora sujeitar-se a acompanhamento psicológico para avaliação do seu problema dc ansiedade.
6.- A menor I… frequenta o 3° ano de escolaridade e beneficia dc apoio escolar, por ter dificuldades de aprendizagem, decorrentes de falta de estimulação e do fraco acompanhamento escolar.
7.- As menores são levadas pelo progenitor à escola, o qual passa o dia no café ou fechado na oficia de sua casa. A progenitora sai de casa muito cedo e mesmo quando não está em formação ou a trabalhar passa pouco tempo em casa.
8.- As menores apesar de terem passado a ser assíduas à escola, continuam a ai comparecer sem higiene pessoal e nas roupas. É frequente a madrinha da menor V…. Sra. M…, que reside nas proximidades da escola. ser chamada para ir buscar a menor I… à escola c fazer-lhe a higiene pessoal, por esta aí comparecer a cheirar a urina, com pediculose e roupas mal lavadas, e os pais não assegurarem estes cuidados, cm especial a mãe/encarregada de educação que apesar de convocada não comparece na escola.
9.- Nenhum dos progenitores reconhece a falta de higiene das meninas, imputando a responsabilidade da higiene pessoal da Iris e da irmã à própria menor, nem tão pouco a falta de cuidados básicos ao nível do vestuário e alimentação das crianças, ou a Falta de limpeza e de organização da habitação.
10.- O casal apesar de ter beneficiado do acompanhamento da equipa de integração familiar, atribui os problemas referidos em 9) a queixas infundadas da comunidade, em razão do que não alteraram a qualidade dos cuidados prestados às filhas.
11. A progenitora Maria de Jesus Medeiros é de trato difícil. impondo regras e limites às filhas através da punição física e da agressividade verbal. evidenciando a menor Iris sinais de nervosismo, corno sejam tremores. quando a mãe a repreende.
12.- A progenitora da menor foi incentivada a fazer  acompanhamento psicológico da menor Iris através do Centro de Saúde do Nordeste, o que não fez, em razão do que foi a própria EMAT que providenciou pelo agendamento de consulta de psicologia da iris no Centro de Saúde do Nordeste.
13.- E frequente as menores I… e V… ficarem em casa e andarem na rua, sem a supervisão de um adulto, tendo a menor Vitória sido encontrada sozinha no dia 8-2-2016 sentada à porta de casa, contígua à via de circulação, enquanto a menor Iris se encontrava em casa, também sozinha.
14.- Apesar de ter beneficiado de rendimento social de inserção o ajudante sociofamiliar interveio no agregado familiar durante pouco tempo e com pouco sucesso, por os progenitores não lhe darem acesso à casa.
15.- A progenitora esteve a fazer formação durante uni ano e meio e fez estágio na Casa do N…, auferindo bolsa, mas apesar disso e de o progenitor das menores auferir subsídio de desemprego (377,00€) c o casal receber 75,00E de abono dc família de ambas as menores, por razões dc má gestão dos recursos do agregado é frequente faltarem bens alimentares, cm razão do que a progenitora mandava a menor Iris pedir alimentos, tabaco e dinheiro às vizinhas, designadamente a Maria dos Anjos. cuja casa fica distante da sua residência, mesmo no final do dia, fazendo esta menor o percurso sem a supervisão de um adulto.
16.- Recentemente M… fez requerimento para voltar a beneficiar de rendimento social de inserção,
17.- A tia paterna das menores, D. G…, trabalha como segurança, e reside em Ponta Delgada. Vive com o seu companheiro, que apesar de desempregado faz trabalhos eventuais, na área da jardinagem e como pedreiro. Mostra-se disponível, a par do companheiro, para acolher em sua casa as sobrinhas, de forma a evitar o acolhimento residencial das mesmas. Trata-se de agregado familiar estruturado e organizado, cuja casa tem espaço e tem condições de asseio e organização para acolher as menores.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. As medidas de promoção dos direitos e de proteção das crianças e dos jovens em perigo visam, nomeadamente. proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral - artigo 34°, alínea b) da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo.
Em causa está, nestes autos, garantir o bem-estar e desenvolvimento integral, nos termos do artigo 1° da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, das menores I… e V….
Com efeito, a Convenção Sobre os Direitos da Criança, aprovada em Nova Iorque em 20 de Novembro de 1989, aprovada por Portugal e publicada no D.R., I série, de 12.9.1990, estabelece que todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança (art.° 3.° n.° 1 da LPCJP).
A intervenção judicial deve, como é sabido, atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança ou do jovem, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade de interesses presentes no caso concreto - artigo 4°, alínea a), daLPCJP.
O art.° 4.° do mencionado diploma enuncia os princípios pelos quais se deve reger a intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo, estabelecendo, por seu lado, o art. 34° da LPCJP, finalidades das medidas a adoptar:
a) Afastar o perigo em que a criança e o jovem se encontrem;
Proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral;
Garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso.
Incumbe, assim, ao tribunal ponderar qual o interesse das menores nas atuais circunstâncias.
Considerou-se que, no caso concreto, não obstante o decurso de prazo máximo da medida aplicada neste processo a I9101/2012, «por força da resistência dos progenitores à intervenção dos serviços, não foram supridas as problemáticas de organização e gestão do espaço habitacional; de adoção de estratégias educativas punitivas por parte da progenitora; e de negligência parenta! das menores em termos de higiene e de supervisão, e bem assim ao nível da prestação de cuidados de alimentação».
2. Discorda o Recorrente, se bem que não tenha sido posta em causa a matéria de facto provada, defendendo que a decisão não respeita o conceito de criança em perigo tal qual se encontra consagrados desde logo no artigo 1918° CC e no artigo 3°, n°2 da Lei de Promoção e Proteção de Crianças e Jovens em Perigo.
Segundo o progenitor, o tribunal, ao dar por assente que a medida anteriormente aplicada de apoio junto dos pais não se mostra adequada a afastar as menores da situação de perigo em que se encontram, não atentou no Relatório Social onde a Técnica Dra E… afirma que os pais conseguem prestar cuidados básicos, embora com lacunas.
Por outro lado, o Recorrente não coloca em causa tais lacunas mas entende que o arquivamento dos autos com a manutenção do apoio a nível de assistente sócio-familiar é suficiente para que se afaste o perigo para s crianças e estas se mantenham no seu agregado. Mais alega que as crianças já melhoraram nas escolas tanto em assiduidade, como em comportamento e rendimento e conclui que os progenitores lhes têm prestado os cuidados necessários e que os podem continuar a prestar com apoios, pelo que a segurança, a saúde, a formação moral e a educação das filhas não se encontram em perigo.
3. Importa, pois, trazer à colação os factos provados e elencados na sentença que dão conta do percurso das meninas desde a sinalização em 2012 à Comissão de Proteção de Crianças e Jovens e aquilatar da relevância das apelidadas lacunas para efeitos de determinação da medida judicial a aplicar.
3.1. Com efeito, a primeira medida judicial foi aplicada a 25.10.12, mediante Acordo, com apoio junto dos pais, tendo sido sucessivamente prorrogada até à presente decisão.
A verdade é que as medidas previstas nas alíneas a) a d) do artigo 35° da LPCJP não podem ter duração superior a um ano, podendo todavia ser prorrogadas até 18 meses (art.° 60.° da I.PCJP).
Ora, as crianças em causa esgotaram o período de aplicação de medida de apoio em meio natural de vida (cfr. o artigo 60°, n°2 LPCJP).
Como decorre da decisão recorrida, os factos provados apontam que as menores apesar de terem passado a ser assíduas à escola, continuam a aí comparecer sem higiene pessoal nas roupas; ainda, com pediculose, cheiro a urina e que os pais não aceitam esta falta de cuidados de higiene como de sua responsabilidade.
Alude-se ainda à punição física e agressividade verbal por parte da mãe, o que não mudou com a intervenção.
Também se apurou que os progenitores administrarem mal os rendimentos, com carência de alimentos, determinando a filha Iris a ir a casa de vizinhos pedir comida.
3.2. Por outro lado, o tribunal, feitas as necessárias averiguações, entendeu que a tia paterna, é a figura adequada a evitar o inevitável acolhimento residencial das crianças.
É certo que, quanto à Iris, melhorou o comportamento e a postura na Escola pois é assídua e não tem prolemas de socialização.
Quanto à Vitória, verifica-se que a mesma frequenta o jardim de infância onde tem apoio e toma refeições.
Há duas madrinhas de baptismo que dão apoio às menores (cfr. o último relatório social).
No entanto o problema identificado mantém-se no que concerne à falta de limpeza da casa, de higiene das crianças e de alimentação das mesmas.
Entendeu o tribunal que os pais, contando com as duas madrinhas ouvidas em audiência e a Assistente sócio-familiar, não seriam o suficiente para remover os mencionados problemas e conclui pela necessidade de acolher as crianças junto de um familiar, dando tempo aos pais de se reorganizarem, por forma a propiciar, no imediato, a higiene, o conforto, o acompanhamento escolar que em casa e apesar dos esforços ainda não tinham.
Segundo o M°P° nas suas contra-alegações, a decisão recorrida, «respeita ainda o conceito de criança em perigo tal qual se encontra consagrado desde logo no artigo 1918° CC e no artigo 3°, n°2 da na Lei de Promoção e Proteção de Crianças e Jovens em Perigo. Sempre tendo em vista o próximo regresso ao lar.
Os factos apurados ainda se mostram suficientes para que se esteja perante crianças em perigo aplicando medida de promoção e proteção, preferindo o acolhimento temporário em casa da tia a institucionalização».
3.3. Assim, como a decisão recorrida refere «porque os progenitores das menores são reconhecidamente incapazes de assegurar os cuidados básicos necessários às crianças e não se mostram permeáveis à mudança, apesar da longa intervenção de que beneficiaram, entende-se que a medida de apoio junto dos pais, prevista no artigo 35°, n.° 1, alínea a), da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo não se mostra adequada a afastar as menores da situação de perigo em que se encontram para a sua saúde, bem-estar, desenvolvimento integral e educação».
Conclui-se, pois, tal como a decisão recorrida, pela necessidade de acolher as crianças junto de um familiar - tia materna M… - pelo período de um ano, dando tempo aos pais de se reorganizarem, por forma a propiciar, no imediato, a higiene, o conforto, o acompanhamento escolar que em casa e apesar dos esforços ainda não tinham e assim.

IV - DECISÃO

Termos em que se acorda em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo Apelante sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.
Lisboa, 27 de Outubro de 2016.
(Fátima Galante)
(Teresa Soares)
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