Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 20-04-2016   Arresto preventivo. Admissibilidade de oposição interposta por terceiro. Pressupostos.
1. A posição jurídica de arrestado/requerido, em arresto dependente de processo-crime promovido pelo M° P°, em representação do Estado, depende da invocação, quanto a tal sujeito processual, da existência de um direito por parte dessa entidade, decorrente de uma dívida relacionada com o crime; isto é, o sujeito passivo do arresto tem de ter a posição de obrigado, de devedor, face ao requerente da providência - Estado.
2. Perante uma decisão de arresto, proferida sem contraditório prévio, este imputado obrigado pode opor-se ao mesmo, de dois modos (em alternativa, note-se, e não cumulativamente): a) Pode recorrer do despacho que determinou tal providência; b) Pode deduzir oposição.
3. Por seu turno, quem não for obrigado/arrestado/requerido (isto é, quem não se possa considerar como sujeito passivo da relação fundamentadora do pedido de aplicação da providência cautelar) mas entenda que a decisão de apreensão decretada (o arresto) violou algum direito seu sobre esse bem (nomeadamente, o seu direito de propriedade), pode defender-se interpondo embargos de terceiro.
4. A oposição constitui um meio processual reservado aos arrestados e não aos terceiros.
5. O que decorre do que se deixa dito é simples - a oposição formulada pela ora recorrente nem sequer deveria ter sido admitida e decidida, pois estamos perante um terceiro, que não pode defender-se por esse meio processual mas sim interpondo embargos de terceiro.
Proc. 324/14.0TELSB-LO.L1 3ª Secção
Desembargadores:  Margarida Ramos de Almeida - Ana Lourdes Paramés - -
Sumário elaborado por Ana Paula Vitorino
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA Proc. n° 324/14.0 TELSB-W.LI
Tribunal Central de Instrução Criminal (Apenso de Arresto)
Acordam em conferência na 3a secção do Tribunal da Relação de Lisboa
1- RELATÓRIO
1. Por despacho de 15 de Maio de 2015, foi decretado o arresto preventivo do prédio urbano sito na (…), freguesia de (…), descrito na 1a Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.° (…) da freguesia de (…) e inscrito na correspondente matriz predial sob o artigo (…) da freguesia de Cascais e Estoril.
2. Veio então (….), deduzir oposição ao arresto, pedindo que fosse ordenado o seu levantamento, no que se reporta ao imóvel supra mencionado.
3. Por despacho de 12 de Novembro de 2015, foi indeferida tal oposição e mantido o arresto.
4. Inconformada, veio a requerente interpor recurso de tal decisão, pedindo novamente que seja levantado o referido arresto daquele bem.
5. O M° P° apresentou resposta, manifestando-se no sentido da improcedência do recurso.
6. Neste tribunal, o Ex° PGA apôs visto.
7. Foram pedidas informações ao tribunal a quo, que se mostram prestadas.
II - QUESTÕES A DECIDIR.
A. DA ADMISSIBILIDADE DA OPOSIÇÃO AO ARRESTO INTERPOSTA POR TERCEIRO.
B. VÍCIOS DA DECISÃO (falta de fundamentação e omissão de pronúncia).

C. INAPLICABILIDADE DO DISPOSTO NO ART° 111 DO C. PENAL À RECORRENTE
(por não ser arguida nos autos e não ter praticado os ilícitos aí em apreciação).
D. INEXISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS DE QUE DEPENDE A IMPOSIÇÃO DO ARRESTO (inexiste fumus boni iuris, bem como fundado receio de perda das garantias patrimoniais).
E. O ARRESTO DOS BENS DA REQUERENTE SEMPRE DEPENDERIA, NOS TERMOS DO ART. 392°, N.° 2, DO C.P. CIVIL, DA PRÉVIA IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA AQUISIÇÃO OU DA DEMONSTRAÇÃO DA PROBABILIDADE DE PROCEDÊNCIA DUMA IMPUGNAÇÃO EFECTUADA NESSES TERMOS.
III - FUNDAMENTAÇÃO.
A. DA ADMISSIBILIDADE DA OPOSIÇÃO AO ARRESTO INTERPOSTA POR TERCEIRO.
1. A decisão ora alvo de recurso tem o seguinte teor:
Oposição manifestada pela Requerida (....), que ora faz .fls. 6065 a 6133 e que aqui se dá por integralmente reproduzida, por mera economia processual.
O M ° P. ° pronunciou-se nos termos constantes da douta promoção que ora faz fls. 6136 a 6138, que infra se transcreve:
«Veio a sociedade (…) deduzir oposição ao arresto preventivo decretado no dia 15-05-2015, invocando em síntese que:
a) é proprietária do bem imóvel sobre que incidiu a medida de arresto preventivo, sendo que não mantém, ou manteve, qualquer tipo de relacionamento com qualquer entidade do grupo Espírito Santo;
b) desconhece a existência de crédito contra si que pudesse sustentar a aplicação de tal medida ao seu património;
c) não existe justo receio de perda de garantia patrimonial que possa ter fundamentado o decretamento do arresto preventivo.
Concatenando a fundamentação da decisão de decretamento da medida de arresto preventivo, no que respeita à oponente (…), e tendo presente os argumentos invocados por aquela na peça que ora se aprecia, o Ministério Público entende que não foram trazidos aos autos elementos adicionais que permitam colocar em crise a decisão em apreço.
A circunstância de ser a sociedade (…) a proprietária dos bens abrangidos pela medida de arresto preventivo não é por si só determinante da conclusão de que o arresto preventivo decretado padeça de ilegalidade por ter sido dirigido a património de terceiro em relação à pessoa visada no processo criminal.
Nos termos da decisão proferida, o arresto preventivo decretado em relação ao património agora em causa baseou-se nas circunstâncias, que a oponente não logra desmentir, de (…) se constituir como suspeito da prática dos factos ali descritos (e, nessa medida, como suspeito de ser dos mesmos beneficiário para efeitos do disposto no art.° 111 °, n. °s 2, 3 e 4, do Código Penal), e de manter parte do seu património imobiliário (designadamente, o imóvel que é a sua residência) na esfera patrimonial da ora oponente.
Ora, são únicos accionistas da Oponente os filhos daquele. Além disso, constata-se que aquele, juntamente com o seu cônjuge, renunciou ao cargo que mantinha no conselho de administração da oponente no dia 31-10-2014, meses após o afastamento de todos os membros da família (…) dos órgãos de governo do Banco (…), e apresentação das principais empresas do grupo (…) a medidas de protecção de credores, muito embora tivesse sido designado para exercer o referido cargo no quadriénio de 2013/2016.
Este conjunto de factos sustenta o forte juízo de que, por um lado, a oponente, muito embora formalmente um terceiro em relação àquele, se encontre, de facto, sujeita à satisfação dos interesses patrimoniais de (…), até porque é a mesma a proprietária do imóvel que serve de sua habitação.
Esclareça-se que não contraria esta asserção a circunstância de a oponente ter alegado que (…) é arrendatário do imóvel em causa, considerando que tal factualidade, suportada por documentos que a oponente juntou, não permite abalar a convicção, sustentada nas apontadas circunstâncias, de que (…) utiliza tal sociedade em completa desconsideração pela sua personalidade jurídica, tratando-a, no fundo, como depositária material daquele património imobiliário, de que dispõe e que só formalmente a oponente titula.
A oponente alegou que a sociedade teve uma gestão orientada para o lucro (e não de mera estagnação e imobilidade da respectiva estrutura financeira, que seria característica de uma sociedade cujo fim seria, meramente, encobrir património alheio') e fez acompanhar a sua oposição por cópia de certificações legais das suas contas e por atas do conselho de administração que revelam que este órgão aprovou os sucessivos relatórios e contas apresentados. Contudo, não juntou aos autos elementos contabilísticos que permitissem perceber, desde logo, que os alegados lucros não provêm exclusivamente da gestão, à medida dos interesses de (…), do património agora em causa.
Acrescente-se que, no presente caso, o arresto foi decretado com vista a evitar a dissipação do património necessário para assegurar o confisco do valor correspondente ao benefício patrimonial auferido com a prática do crime, razão pela qual não poderá deixar de se considerar que toda a argumentação expendida pela oponente, no que à subsistência do periculum in mora e do fumus boni iuris respeita, assenta num silogismo falacioso, na medida em que pressupõe o Estado como credor e as vantagens do crime como um direito de crédito.
Não é do que aqui se trata.
Por tudo o exposto, entende-se que os pressupostos que determinaram o arresto não foram ilididos, mais se entendendo dever subsistir a medida de arresto preventivo decretada.
Recorde-se que a(...) basta que sumariamente (summaria cognitio') se conclua pela séria probabilidade da existência do crédito (`fumus boni iuris') e pelo justificado receio de que a natural demora na resolução definitiva do litígio conduza à perda da garantia patrimonial (periculum in mora')» para fundamentar o arresto de bens (acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 27-05-2008, disponível em www.dgsi.pt).
Com efeito, uma vez que aquela medida não priva definitivamente o visado dos bens em causa, mas tão só a título provisório e enquanto se mantiverem atuais os pressupostos que determinaram a sua aplicação, não se poderá concluir que a mesma não é proporcional aos fins que se pretendem garantir - a não dissipação definitiva dos bens enquanto decorre a investigação - nem que configure verdadeiro confisco.
Perante o exposto, o Ministério Público promove que, por ora, seja mantida a medida de arresto provisório, nos precisos termos em que a mesma foi decretada.» (sic).
Cumpre decidir:
Concorda-se, na íntegra com o doutamente promovido pelo titular da acção penal, supra transcrito, ao qual me arrimo por ilustrar com suficiência de argumentos o entendimento que partilhamos e aqui dou por reproduzido, não por falta de avaliação e ponderação própria da questão, mas por simples economia processual (remissão admitida pelo próprio Tribunal Constitucional - vidé Ac. TC de 30/07/2003, proferido no P.' 485/03, publicado no DR II Série de 04/02/2004 e pela própria Relação de Lisboa, vidé Ac. TRL de 13/10/2004, proferido no P.' 5558/04-3).
Assim, com tais fundamentos e face ao que tudo se disse também em apreciação à oposição apresentada pela (…), que aqui se reitera, por mera economia processual, julgamos procedente o pedido de arresto, por se verificarem cumulativamente os requisitos que exige a invocação de factos que revelem a provável existência do crédito:
- A probabilidade da existência do crédito,
- O justo receio da perda da garantia patrimonial.
Conclusivamente, mantem-se, por ora, o arresto decretado, julgando improcedente a oposição.
Notifique e DN.

Oposição manifestada pela Requerida (…), que ora faz fls. 6065 a 6133 e que aqui se dá por integralmente reproduzida, por mera economia processual.
O M. ° P. ° pronunciou-se nos termos constantes da douta promoção que ora faz fls. 6136 a 6138, que infra se transcreve:
«Veio a sociedade (…) deduzir oposição ao arresto preventivo decretado no dia 15-05-2015, invocando em síntese que:
a) é proprietária do bem imóvel sobre que incidiu a medida de arresto preventivo, sendo que não mantém, ou manteve, qualquer tipo de relacionamento com qualquer entidade do grupo Espírito Santo;
b) desconhece a existência de crédito contra si que pudesse sustentar a aplicação de tal medida ao seu património;
c) não existe justo receio de perda de garantia patrimonial que possa ter fundamentado o decretamento do arresto preventivo.
Concatenando a fundamentação da decisão de decretamento da medida de arresto preventivo, no que respeita à oponente (…) e tendo presente os argumentos invocados por aquela na peça que ora se aprecia, o Ministério Público entende que não foram trazidos aos autos elementos adicionais que permitam colocar em crise a decisão em apreço.
A circunstância de ser a sociedade a (…) a proprietária dos bens abrangidos pela medida de arresto preventivo não é por si só determinante da conclusão de que o arresto preventivo decretado padeça de ilegalidade por ter sido dirigido a património de terceiro em relação à pessoa visada no processo criminal.
Nos termos da decisão proferida, o arresto preventivo decretado em relação ao património agora em causa baseou-se nas circunstâncias, que a oponente não logra desmentir, de (…) se constituir como suspeito da prática dos factos ali descritos (e, nessa medida, como suspeito de ser dos mesmos beneficiário para efeitos do disposto no art.° 111 °, n. °s 2, 3 e 4, do Código Penal), e de manter parte do seu património imobiliário (designadamente, o imóvel que é a sua residência) na esfera patrimonial da ora oponente.
Ora, são únicos accionistas da Oponente os filhos daquele. Além disso, constata-se que aquele, juntamente com o seu cônjuge, renunciou ao cargo que mantinha no conselho de administração da oponente no dia 31-10-2014, meses após o afastamento de todos os membros da família (…) dos órgãos de governo do Banco (…), e apresentação das principais empresas do grupo (…) a medidas de protecção de credores, muito embora tivesse sido designado para exercer o referido cargo no quadriénio de 2013/2016.
Este conjunto de factos sustenta o forte juízo de que, por um lado, a oponente, muito embora formalmente um terceiro em relação àquele, se encontre, de facto, sujeita à satisfação dos interesses patrimoniais de (…), até porque é a mesma a proprietária do imóvel que serve de sua habitação.
Esclareça-se que não contraria esta asserção a circunstância de a oponente ter alegado que (…) é arrendatário do imóvel em causa, considerando que tal factualidade, suportada por documentos que a oponente juntou, não permite abalar a convicção, sustentada nas apontadas circunstâncias, de que (…) utiliza tal sociedade em completa desconsideração pela sua personalidade jurídica, tratando-a, no fundo, como depositária material daquele património imobiliário, de que dispõe e que só formalmente a oponente titula.
A oponente alegou que a sociedade teve uma gestão orientada para o lucro (e não de mera estagnação e imobilidade da respectiva estrutura financeira, que seria característica de uma sociedade cujo fim seria, meramente, encobrir património alheio') e fez acompanhar a sua oposição por cópia de certificações legais das suas contas e por atas do conselho de administração que revelam que este órgão aprovou os sucessivos relatórios e contas apresentados. Contudo, não juntou aos autos elementos contabilísticos que permitissem perceber, desde logo, que os alegados lucros não provêm exclusivamente da gestão, à medida dos interesses de (…), do património agora em causa.
Acrescente-se que, no presente caso, o arresto foi decretado com vista a evitar a dissipação do património necessário para assegurar o confisco do valor correspondente ao beneficio patrimonial auferido com a prática do crime, razão pela qual não poderá deixar de se considerar que toda a argumentação expendida pela oponente, no que à subsistência do periculum in mora e do fumus boni iuris respeita, assenta num silogismo falacioso, na medida em que pressupõe o Estado como credor e as vantagens do crime como um direito de crédito .
Não é do que aqui se trata.
Por tudo o exposto, entende-se que os pressupostos que determinaram o arresto não foram ilididos, mais se entendendo dever subsistir a medida de arresto preventivo decretada.
Recorde-se que «(...) basta que sumariamente (summaria cognitio') se conclua pela séria probabilidade da existência do crédito (`fumus boni iuris') e pelo justificado receio de que a natural demora na resolução definitiva do litígio conduza à perda da garantia patrimonial (periculum in mora')» para fundamentar o arresto de bens (acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 27-05-2008, disponível em www.dgsi.pt).
Com efeito, uma vez que aquela medida não priva definitivamente o visado dos bens em causa, mas tão só a título provisório e enquanto se mantiverem atuais os pressupostos que determinaram a sua aplicação, não se poderá concluir que a mesma não é proporcional aos fins que se pretendem garantir - a não dissipação definitiva dos bens enquanto decorre a investigação - nem que configure verdadeiro confisco.
Perante o exposto, o Ministério Público promove que, por ora, seja mantida a medida de arresto provisório, nos precisos termos em que a mesma foi decretada.» (sic).
Cumpre decidir:
Concorda-se, na íntegra com o doutamente promovido pelo titular da acção penal, supra transcrito, ao qual me arrimo por ilustrar com suficiência de argumentos o entendimento que partilhamos e aqui dou por reproduzido, não por falta de avaliação e ponderação própria da questão, mas por simples economia processual (remissão admitida pelo próprio Tribunal Constitucional - vidé Ac. TC de 30/07/2003, proferido no P.' 485/03, publicado no DR II Série de 04/02/2004 e pela própria Relação de Lisboa, vidé Ac. TRL de 13/10/2004, proferido no P.° 5558/04-3).
Assim, com tais fundamentos e face ao que tudo se disse também em apreciação à oposição apresentada pela (…), que aqui se reitera, por mera economia processual, julgamos procedente o pedido de arresto, por se verificarem cumulativamente os requisitos que exige a invocação de factos que revelem a provável existência do crédito:
- A probabilidade da existência do crédito;
- O justo receio da perda da garantia patrimonial.
Conclusivamente, mantém-se, por ora, o arresto decretado, julgando improcedente a oposição.
2. Alega a recorrente, em sede conclusiva, o seguinte:
1. A decisão recorrida desconsiderou os argumentos constantes da oposição ao arresto deduzido pela Recorrente.
2. Verificou-se omissão de pronúncia e ausência de fundamentação da decisão de improcedência da oposição ao arresto deduzida pela Recorrente.
3. A Recorrente é dona e legítima possuidora, desde 15.4.1993, do prédio urbano sito na Rua (…), no concelho e freguesia de (…), descrito na Ia Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.° (…) da freguesia de Cascais, e inscrito na correspondente matriz predial sob o artigo (…) da freguesia de Cascais e Estoril.
4. A única ligação existente entre a Recorrente e o universo das empresas que constituem o Grupo em que se insere o Banco (…), reside na pessoa de (…), que ocupou cargos de administração em empresas várias desse grupo, e que exerceu, entre 16.3.1993 e 31.10.2014, o cargo de administrador na sociedade Recorrente.
5. O bem arrestado não é propriedade de (…), mas, continuamente, desde 15.4.1993, da sociedade Recorrente.
6. A medida judicial preventiva determinada por despacho de 15.5.2015 nos presentes autos, consubstanciou arresto de bem de entidade terceira em relação ao(s) directamente visado(s) pelo seu decretamento.
7. Dispõe o art.° 391 °/1 do C.P.C. que O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor , pelo que, ao contrário do que consta da decisão recorrida, para que se fale de arresto, teremos, forçosamente, que estar perante um crédito a garantir - mesmo que o mesmo resulte de responsabilidades de natureza criminal, ainda por apurar.
8. O decretamento do arresto depende da verificação cumulativa (i) de existência provável do direito a garantir (o fumus boni juris), e (ü) de justo receio de frustração desse direito - no caso do arresto, de um direito de crédito, que está por apurar nos presentes autos.
9. O justo receio de frustração do direito de crédito do arrestante deve resultar de actos concretos do requerido, que manifestem o propósito de subtrair do alcance do credor os bens que constituiriam a garantia do direito deste - nomeadamente, o património do requerido, na sua acepção genérica.
10. Tais actos devem consistir, nomeadamente, na dissipação e/ou ocultação de património, através da sua alienação a entidades terceiras, por qualquer forma que evite a possibilidade de actuação da parte do credor arrestante, e devem ser contemporâneos ou posteriores ao momento de nascimento do crédito.
11. Tendo em conta a estrutura do processo de natureza criminal em investigação, cujo objecto é, entre outros, a investigação das condutas dos membros de órgãos sociais das várias sociedades do Grupo (…), deverá fixar-se o momento do nascimento concreto da obrigação garantida pelo arresto em 3.8.2014, data da deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal sobre a aplicação de uma medida de resolução ao Banco (…).
13. Estando em causa, quanto à Recorrente, o arresto de um bem de terceiro, maiores serão as exigências de discriminação dos actos que se consideraram execução da vontade de dissipar ou ocultar património por parte do devedor, sedo que a decisão recorrida, estabelecendo unia ligação entre a Recorrente e (…), limitou-se a afirmar que, tendo este último deixado de pertencer, a partir de 31.10.2014, à Administração da Recorrente, e tendo transmitido as acções representativas do respectivo capital aos seus Filhos, tal (...) se dever ao propósito de eximir o património a ela [sociedade Recorrente] afecto a eventuais acções judiciais.
14. Os actos relativos às participações sociais no capital da Recorrente praticados por (…) apenas relevariam para o caso de terem sido estas o objecto do arresto, não sendo já válidos para sustentar qualquer medida judicial preventiva sobre o imóvel em causa nestes autos.
15. O imóvel objecto do arresto ingressou na sociedade Recorrente como entrada para perfazer participação no respectivo capital social, em 15.4.1993, pelo que não existem quaisquer dúvidas quanto ao facto de, relativamente à titularidade do direito de propriedade sobre o bem imóvel arrestado, não se verificar o justo receio de perda da garantia patrimonial do credor de que os artigos 391 °/1 e 362°/l, ambos do C.P. C., fazem depender o decretamento desta medida cautelar.
16. A Recorrente é dona do imóvel arrestado desde 15.4.1993 - portanto há 22 anos e 8 meses - sem que se tenha modificado o que quer que seja na estrutura desse direito de propriedade desde a data indicada.
17. A decisão recorrida não tomou em conta que o visado no arresto, para o que interessa à Recorrente - o citado (…) - é arrendatário do imóvel arrestado desde 1.4.1999, tendo pago, e continuando a pagar, à Recorrente todas as rendas vencidas desde essa data.
18. A gestão da sociedade Recorrente foi conduzida no sentido da obtenção de lucros, e não da mera estagnação e imobilidade da respectiva estrutura financeira, que seria característica de uma sociedade cujo fim seria, meramente, encobrir património alheio, como a decisão recorrida afirma infundadamente.
18.A decisão recorrida manifestou a sua discordância quanto à argumentação da Recorrente, constante das conclusões que antecedem, mas não permitiu que, para sua fundamentação, fosse produzida a prova requerida pela Recorrente.
19. Não existiu qualquer facto juridicamente relevante, ocorrido desde 3.8.2014, ou, sequer, desde 15.4.1993, que justifique o arresto do bem imóvel propriedade da Recorrente, por constituir suposto fundamento de um justo receio de frustração do direito de crédito garantido, uma vez que a transmissão do mesmo bem imóvel para o património da sociedade Recorrente teve, apenas, em vista uma optimização da exploração do prédio urbano em causa, através do melhor enquadramento fiscal das despesas com origem na sua exploração, fruição e transmissão por morte, situação absolutamente legítima e comum desde há muito no nosso ordenamento jurídico, que nunca foi qualificada como constituindo consumação de dissipação de património.
20. Mesmo que os actos recentes de alteração na estrutura societária da Recorrente pudessem constituir fundamento para um arresto, apenas o seriam para a aplicação de tal medida às acções representativas do capital da sociedade, o que não foi o caso nos autos.
21. Soçobrando um dos requisitos cumulativos de que os artigos 39171 e 36271, ambos do C.P.C., fazem depender o decretamento da providência cautelar de arresto, não poderia o determinado nestes autos ter abrangido o imóvel propriedade da Recorrente.
22. Ao decidir nos termos do despacho recorrido, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 39171, 39272 e 36271, todos do C.P.C., 818° do C.C. e 22871 do C.P.P.
23. Pelo exposto, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, ordenando-se o levantamento do arresto decretado em 15.5.2015 quanto ao prédio urbano sito na Rua da Saudade n. ° 11, no concelho e freguesia de Cascais, descrito na Ia Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.° 5840 da freguesia de Cascais, e inscrito na correspondente matriz predial sob o artigo 267 da freguesia de Cascais e Estoril.
3. Apreciando.
Pese embora o recurso interposto e as questões nele suscitadas (e acima sucintamente enunciadas), o que se constata é que nem sequer se mostra compreensível a razão pela qual a requerente interpôs oposição ao arresto, nem porque foi o mesmo conhecido. Por uma razão singela - a oposição ao arresto não é meio processual adequado para um terceiro impugnar e tentar alterar a decisão de uma apreensão de um bem que entende ser seu.
Expliquemos concisamente o que acabámos de enunciar e que, segundo cremos, não oferece qualquer dificuldade ou disputa, face à clareza da lei, bem como aos ensinamentos da doutrina e da jurisprudência que, pacífica e unanimemente, têm mantido tal interpretação, ao longo de décadas.
4. Vejamos então.
O arresto do bem aqui em discussão surge no âmbito de um processo-crime, no decurso da respectiva fase de inquérito, em despacho proferido em 15 de Maio de 2015.
No que aqui nos importa, consta o seguinte em tal despacho:
(...) Quanto a (…), o mesmo constitui-se como suspeito beneficiário de todos os factos supra descritos, e para efeitos do disposto no art. ° 111°, n. °s 2, 3 e 4, do Código Penal.
Mantém parte do seu património imobiliário (designadamente, o imóvel que é a sua residência) na esfera patrimonial da sociedade (…), de que são únicos accionistas (…) (seus filhos) - cf fls. 142 e 143, do vol. 5, do anexo 4, do apenso X.
(…), juntamente com o seu cônjuge (…), ocuparam, desde a sua constituição, o conselho de administração da referida sociedade, tendo sido, no dia 25-03-2013, designados para o mesmo cargo para o quadriénio de 2013/2016. Renunciaram a tal cargo no dia 31-10-2014, meses após o afastamento de todos os membros da família (…) dos órgãos de governo do (…), e apresentação das principais empresas do (…) a medidas de protecção de credores.
A 12-11-2014 foram designados (…), seus filhos, para ocuparem os cargos de gestão da sociedade em causa (cf fls. 183 a 190, do vol. 4, do anexo 2, do apenso X).
Estes factos evidenciam que a sociedade em causa se encontra sujeita à satisfação dos interesses patrimoniais de (…), sendo que a circunstância de as participações sociais se encontrarem em nome dos seus filhos se deve ao propósito de eximir o património a ela afecto a eventuais acções judiciárias. (... )
Da prova trazida aos autos e dos elementos aqui em apreciação resulta haver créditos dos lesados, entendendo-se como tais os investidores e accionistas do (…) sobre os requeridos. (... )
O detentor da acção penal veio invocar factos, alicerçados em prova que apontam a aparência da existência de crédito sobre os Requeridos. (...)
Assim, face ao que tudo aqui se disse, julgamos procedente o pedido de arresto, por se verificarem cumulativamente os requisitos que exige a invocação de factos que revelem:
- A probabilidade da existência do crédito;
- O justo receio da perda da garantia patrimonial.
Consequentemente, face aos fundamentos supra aduzidos, deferindo ao doutamente promovido pelo detentor da acção penal, atenta a existência de fumus boni iuri e o periculum in mora, sem audiência prévia do visado, de modo a acautelar que a vantagem da actividade criminosa aqui em investigação, assim como as garantias de pagamento de eventuais penas pecuniárias e outros créditos, se dissipem, ordeno o arresto à ordem dos presentes autos, dos imóveis abaixo identificados, para garantia do pagamento de valor de cerca de 1.835 milhões de euros (correspondentes a: 200 milhões de euros relativos a papel comercial (…),, 800 milhões de euros relativos a mais valias com as operações com as obrigações (…) de cupão zero, 256 milhões de euros relativos à recompensa pelo (…) de divida própria e 379 milhões de euros relativos a papel comercial da (…), em retalho) - ex vi das disposições conjugadas nos art. °s 111. °, n. °s 2, 3 e 4, do Código Penal, 228° do Código de Processo Penal e 391 ° a 393.° do Código de Processo Civil. Bens a Arrestar: (... )
22. (…) (cf fls. 204 e ss. e 223 e ss. do vol. 4, do anexo 2 do apenso X): (... )
Prédio urbano sito na (…), Rua da (…), inscrito na matriz sob o artigo (…), e descrito na 1 ° Conservatória do Registo Predial de Cascais, freguesia de (…), sob o n.° (…) da freguesia de Cascais, e inscrito na correspondente matriz predial sob o artigo (…)da freguesia de Cascais e Estoril.
5. Por seu turno, a lei processual civil (aqui aplicável face ao disposto no art° 228 n°1, Ia parte, do C.P. Penal), dispõe o seguinte:
Art. °391:
1 - O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor.
Artigo 372. °
Contraditório subsequente ao decretamento da providência
1 - Quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, é-lhe lícito, em alternativa, na sequência da notificação prevista no n.° 6 do artigo 366.
a) Recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida;
b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução, aplicando-se, com as adaptações necessárias, o disposto nos artigos 367. ° e 368. °.
Artigo 342.°
Fundamento dos embargos de terceiro
1 - Se a penhora, ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.
6. O que daqui resulta é simples:
Em primeiro lugar, a posição jurídica de arrestado/requerido, em arresto dependente de processo-crime promovido pelo M° P°, em representação do Estado (como é o caso dos autos), depende da invocação, quanto a tal sujeito processual, da existência de um direito por parte dessa entidade, decorrente de uma dívida relacionada com o crime; isto é, o sujeito passivo do arresto tem de ter a posição de obrigado, de devedor, face ao requerente da providência - Estado.
Assim, perante uma decisão de arresto, proferida sem contraditório prévio, este imputado obrigado pode opor-se ao mesmo, de dois modos (em alternativa, note-se, e não cumulativamente):
a) Pode recorrer do despacho que determinou tal providência;
b) Pode deduzir oposição.

7. Por seu turno, quem não for obrigado/arrestado/requerido (isto é, quem não se possa considerar como sujeito passivo da relação fundamentadora do pedido de aplicação da providência cautelar) mas entenda que a decisão de apreensão decretada (o arresto) violou algum direito seu sobre esse bem (nomeadamente, o seu direito de propriedade), pode defender-se interpondo embargos de terceiro.

8. Como se constata dos excertos acima transcritos - e como resulta da informação pedida ao tribunal a quo - a ora recorrente não é obrigada nos autos supra referidos, pois não lhe é apontada qualquer dívida para com o Estado relacionada com o crime; isto é, o requerente da providência não invoca ter, quanto a si, directamente, qualquer crédito (não sendo sequer arguida nos autos), tendo pois a posição processual de terceiro, uma vez que é alheia à relação jurídica controvertida.

9. Assim sendo - como é - cabia-lhe defender-se (face ao decretamento do arresto que, no seu entender, viola o seu direito de propriedade sobre o bem – vide conclusão 5. O bem arrestado não é propriedade de (…), mas, continuamente, desde 15.4.1993, da sociedade Recorrente.) através de embargos de terceiro e não, manifestamente, mediante a interposição de oposição, pois este meio processual é reservado aos arrestados e não aos terceiros.
10. Efectivamente, como resulta da mera leitura dos artigos supra transcritos, existe uma razão muito concreta para a distinção entre os vários meios de oposição, consoante a posição jurídica do recorrente/opositor.
De facto, enquanto no recurso do despacho que decretou o arresto ou na oposição a esse arresto, o thema decidendum, a causa de pedir, se reconduz à questão de saber se o sujeito passivo é obrigado e se existe receio de perda de garantia patrimonial (pois o decretamento do arresto depende da verificação cumulativa (i) de existência provável do direito a garantir (o fumus boni juris) e (ü) de justo receio de frustração desse direito, como a própria recorrente alega neste recurso), já nos embargos de terceiro a causa de pedir é radicalmente diversa.
Na verdade, o que aí se terá de apurar (e o que constitui a causa de pedir respectiva) será, tão-somente, se a apreensão judicial de um determinado bem afecta a posse ou o direito de propriedade de um terceiro que, por não ser obrigado, é alheio à relação jurídica, sendo portanto indiferente ao sucesso da pretensão de qualquer urna das partes, em sede de embargos de terceiro, que exista ou não fundado receio de perda de garantia patrimonial, precisamente porque a definição de terceiro implica necessariamente que o requerente da providência não tem sobre o arrogado proprietário do bem, qualquer direito de crédito.

11. Estamos, pois, perante o uso de um meio processual impróprio e inadequado, face ao sujeito e ao fim pretendido (pedido) e que, atenta a sua própria natureza, se mostra de insusceptível convolação. Na verdade, seja em termos de legitimidade, seja no que se refere à causa de pedir, seja em termos de processamento, os embargos de terceiro são manifestamente diversos e essencialmente incompatíveis relativamente ao incidente de oposição (basta atentar no teor dos artigos já acima transcritos, bem como nas normas relativas à tramitação processual, constantes nos


TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
art°s 344 a 350 e 372, 376 e 393, todos do C.P. Civil e ao que acabámos de expor no ponto imediatamente anterior).
12. O que decorre do que se deixa dito é simples - a oposição formulada pela ora recorrente nem sequer deveria ter sido admitida e decidida, pois estamos perante um terceiro, que não pode defender-se por esse meio processual mas sim por outro (diga-se, aliás, que a ora recorrente até terá pleno conhecimento de tal, uma vez que interpôs embargos de terceiro, como lhe competia, como decorre da informação prestada pelo tribunal a quo).
13. Assim, e no caso que ora nos ocupa, a petição de oposição apresentada pela requerente deveria ter sido alvo de despacho liminar de indeferimento, por manifesta improcedência, face ao disposto no art° 226 n°4 do C.P. Civil, em conjugação com o vertido no art° 590 n°1 do mesmo diploma legal (art° 226 n° 4 - A
citação depende, porém, de prévio despacho judicial: (...) b) Nos procedimentos cautelares e em todos os casos em que incumba ao juiz decidir da prévia audiência do requerido; art° 590 n°1 - Nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto
no artigo 560). Efectivamente, a ora requerente não tem legitimidade para interpor tal oposição, pois não é titular da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor (no caso, o M° P°), como estabelece o art° 30 do C.P. Civil.
14. E se assim é, não pode a ora recorrente, através da imposição de um recurso, pretender que se apreciem fundamentos que se reportam a um meio processual cujo uso lhe está vedado e que não tem legitimidade, enquanto sujeito processual, para no mesmo intervir.

15. O art° 226 n°5 do C.P. Civil determina que, ainda que haja lugar à citação dos requeridos, não se consideram precludidas as questões que podiam ter sido motivo de indeferimento liminar.
Assim, resta-nos apenas daí retirar as devidas ilações, determinando o indeferimento da petição de oposição apresentada pela ora recorrente e consequentemente, resta-nos concluir que o recurso interposto se mostra fadado ao insucesso, pois o meio processual usado não é susceptível de poder produzir a apreciação e o eventual deferimento do pedido que aqui formula.

IV - DECISÃO. 
Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso interposto pela (…), por fundamentos diversos dos constantes na decisão proferida pelo tribunal a quo. Custas pela recorrente, fixando-se a TJ em 5 UC.

Lisboa, 20 de Abril de 2016

(Maria Margarida Ramos de Almeida-relatora)

(Ana Paramés)
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