Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 22-01-2009   Emissão de mandado de detenção europeu. Condenação em cúmulo. Liberdade condicional
Não há impedimento à emissão de mandado de detenção europeu desde que o mesmo seja relativo a condenação transitada em julgado. Ainda que a mesma se encontre numa relação de cúmulo com outra condenação não há tal impedimento desde que resulte haver prisão para cumprir - art.º 81.º n.º 1 do C.Penal.
Proc. 8916/08 9ª Secção
Desembargadores:  José Eduardo Martins - Adelina Oliveira - -
Sumário elaborado por Paulo Antunes
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Processo n.º 8916/08-9

Acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de LISBOA:

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A - Relatório:
1. Nos autos de Processo Comum (tribunal colectivo) n.º (...), que correm termos na 5ª Vara Criminal de Lisboa, foi, em 27/6/2008, decidido, após apreciação do requerimento de fls. 5960/5962, formulado pelo arguido (...), que “não se verifica qualquer nulidade ou irregularidade do processado após a prolação do Acórdão do Tribunal Constitucional, sendo válidos os mandados de captura do arguido entretanto emitidos”, pelo que se indeferiu o requerido, sendo, ainda acrescentado que “assim que o arguido for detido se procederá – como em tantos outros processos similares – às diligências atinentes ao necessário cúmulo jurídico”.
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2. Inconformado com este despacho, recorreu, em 17/7/2008, o arguido (...), pedindo a revogação do citado despacho e sua substituição por decisão que ordene a sua notificação para estar presente ou fazer-se representar em audiência destinada à efectivação do cúmulo jurídico, com a consequente recolha dos mandados de detenção emitidos bem como do pedido formulado às autoridades inglesas destinado à sua extradição, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:
1ª A decisão recorrida pela qual resultou a emissão de mandados de detenção fora de flagrante delito enferma, salvo o devido respeito, de erro de Direito.
2ª Em primeiro lugar padece de nulidade pela sua não fundamentação com violação do n.º 5 do artigo 97º e da alínea c) do número 1 do artigo 257 do CPP ao não especificar os motivos de facto e de direito que a determinam e nomeadamente, quanto a esta última parte, ao não indicar qual o fundamento jurídico da privação da liberdade face ao catálogo típico previsto no artigo 254º do CPP.
3ª Em segundo lugar a decisão recorrida manda efectuar uma detenção fora de flagrante delito sem se ter assegurado previamente que o «visado se não apresentaria espontaneamente perante autoridade judiciária no prazo que lhe fosse fixado» o que viola o estatuído no n.º 1 do artigo 257º do CPP.
4ª O artigo 257º do CPP quando prevê que possa ser emitido mandado de detenção sem prévio asseguramento de que o visado se não apresentará em juízo é materialmente inconstitucional por violação do artigo 27º da CRP.
5ª Em terceiro lugar, o Mmº Juiz Presidente, ao ter formulado este juízo antecipado sobre o produto final do cúmulo jurídico a operar como resulta de fls. 6015 e seguintes, sem intervenção do colectivo, praticou acto para o qual não tinha competência [artigo 471º e 14º do CPP] o que torna a decisão insanávelmente nula nos termos do disposto na alínea e) do artigo 119º do CPP., pois que conclui que há que deter para um cúmulo do qual resultará necessariamente uma prisão.
6ª Em quarto lugar, a decisão recorrida enferma de erro de Direito por incumprimento do artigo 78º do CP porquanto omite a efectivação de um cúmulo jurídico a que o arguido tem direito, antecipando ao acto uma detenção para cumprimento de pena não fixada como decorrência do dito cúmulo.
7ª Com a alteração do Código Penal operada com a entrada em vigor da Lei 59/2007 de 04.09.07, foi dada nova redacção ao n.º 1 do artigo 78º passando a ser aplicável as regras do cúmulo jurídico aos casos em que a pena já tenha sido cumprida, estatuindo-se mesmo que «sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.»
8ª Tratando-se de norma penal mais favorável a sua aplicação obrigatória ao ora arguido decorre do disposto no n.º 4 do artigo 2º do CP assegurando-se desta forma o cumprimento do n.º 4 do artigo 29º da CRP.
9ª Em quinto lugar, tendo sido clarificado, a requerimento, por despacho de fls. 5949, que o cúmulo jurídico emergente da ponderação da pena decretada nestes autos com condenações anteriores, só se efectuaria após a detenção do arguido, tal gera como efeito que a decisão recorrida significa uma antecipação do juízo de mérito concluindo que a privação da liberdade resultante do cúmulo a operar era uma realidade segura, pelo que a decisão em causa enferma de erro de direito por violação dos artigos 260º, 192º n.º 2 do CPP.
10ª. A decisão recorrida enferma aliás de erro de Direito na medida em que se antecipa ao previsto no artigo 477º do CPP nos termos do qual em cinco dias após o trânsito, o MP procederá à liquidação da pena, apurando a medida concreta da mesma a benefício do cúmulo jurídico subsequente.
11ª. Erro de Direito que continua pela preclusão que assim ocorre da notificação ao arguido prevista no n.º 4 do artigo 477º do CPP e da observação do disposto nos artigos 470º e 480º n.º 1 do CPP
12ª O artigo 78º do CP, quando prevê que ocorra início de cumprimento de pena por omissão de cúmulo jurídico da pena a cumprir com penas antecedentes, por ser esta operação relegada para momento posterior ao início da privação da liberdade, é materialmente inconstitucional por violação do disposto no artigo 30º da CRP, ao pôr em crise um princípio geral de justiça e direitos fundamentais do cidadão.
13ª Em sexto lugar, a decisão recorrida enferma de erro de direito por violação do disposto nas alíneas a) e b) do artigo 61º do CPP porquanto subtrai ao arguido o direito a estar presente, sujeitando-o a uma presença compulsiva já privado da sua liberdade ambulatória e, além disso, fá-lo sem audiência prévia do mesmo para que exerça o direito de presença previsto na mencionada disposição. 14ª. A norma do artigo 113º n.º 9 do CPP enferma de inconstitucionalidade material ao não determinar a notificação dos arguidos das Sentenças dos Tribunais Superiores mesmo que delas resulte por trânsito em julgado das mesmas, a privação da liberdade, o que ocorre por violação do disposto nos artigos 32º n.º 1, 1º e 25º n.º 2 da CRP.
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3. O Ministério Público junto da 1ª instância respondeu, em 29/7/2008, defendendo a improcedência total do recurso, apresentando as seguintes conclusões:
1º - O arguido recorrente perde-se em considerações sobre prisão em flagrante delito e violação de disposições legais aplicáveis nas fases preliminares de inquérito ou instrução, que nada têm que ver para o caso dos autos, pois o arguido encontra-se condenado, por acórdão transitado em julgado, o qual tem força executiva em todo o território nacional e ainda em território estrangeiro, conforme os tratados, convenções e regras de direito internacional, nos termos do art. 467º nº1 do CPP.
2º - O despacho que ordenou a passagem de mandados de detenção contra o arguido não tinha de ser fundamentado, pois não constituía um acto decisório da previsão do art.97º do CPP, mas apenas um acto processual destinado a comunicar aos órgãos de polícia criminal que deveriam dar execução ao decidido no acórdão já transitado (este sim, acto decisório, imediatamente exequível, porque transitado, e obrigatoriamente mencionado no mandado nos termos do art. 258º do CPP).
3º - O douto despacho recorrido também não formulou qualquer juízo antecipado sobre o cúmulo a efectuar ao arguido, apenas o esclareceu, com citação das disposições legais sobre o cúmulo, de que a pretensão formulada no seu requerimento de fls.5956/5957, de já não ter pena para cumprir quando lhe fosse feito o cúmulo das penas, e não se justificar a sua detenção, não colhia.
4º - O art. 78º do CP não ofende os preceitos constitucionais, nomeadamente por preterição dos direitos de liberdade, e porque é aplicado após condenação transitada em julgado, e portanto imediatamente exequível, pressupõe a detenção do arguido.
5º - O art.113º nº9 do CPP ao não determinar a notificação pessoal do arguido das Sentenças dos Tribunais Superiores, bastando-se com a notificação do seu mandatário, não ofende os preceitos constitucionais, nomeadamente por preterição dos direitos fundamentais de defesa, pois o vocábulo “sentença” aí referido reporta-se apenas à decisão da 1ª instância, uma vez que é aí que se conhece a final do objecto do processo e não apenas do objecto dos recursos, embora nestes esteja implicada a totalidade ou parte daquele objecto. E decorre do nº1 do art.63º do CPP que “o defensor exerce os direitos que a lei reconhece ao arguido, salvo os que ela reservar pessoalmente a este”, sendo que a lei não reserva pessoalmente ao arguido a sua intervenção no julgamento dos recursos.
6º - Não foi violada qualquer disposição legal.
7º - Deve, pois, ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido e confirmado inteiramente o douto despacho recorrido.
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4. O recurso foi, em 16/9/2008, admitido. Instruídos os autos e remetidos a este Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em 16/10/2008, emitiu douto parecer, no qual considerou “que a emissão do mandado de captura contra o arguido não se mostra ferida de qualquer invalidade”.
Foi ordenado o cumprimento do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP.
O arguido, em 7/11/2008, veio exercer o seu direito de resposta e “manter tudo quanto disse na motivação do recurso”.
Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.
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B – Fundamentação:
São estes os elementos de facto relevantes e decorrentes do processo:
I. No dia 16/5/2008, após decisão transitada em julgado em 2/5/2008, o Ministério Público promoveu nos autos a emissão de mandados de captura contra o arguido, a fim de este cumprir a pena.
II. Em 19/5/2008, foi proferido nos autos o seguinte despacho: “Passe e entregue mandados, como promovido”.
III. Em 21/5/2008, foram entregues ao Ministério Público quatro séries de mandados de detenção para cumprimento da pena de sete anos e seis meses de prisão, relativos ao ora recorrente, pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.ºs 1, als. a) e b), 3 e 4, por referência aos artigos 255.º e 386.º, todos do C. Penal, e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, al. a), por referência ao artigo 202.º, al. b), todos do C. Penal.
IV. Em 27/5/2008, o Ministério Público promoveu nos autos a emissão de MDE contra o ora recorrente, bem como mandado de detenção internacional.
V. Em 28/5/2008, foi proferido nos autos o seguinte despacho: “Passe e entregue mandados, como promovido”.
VI. Nesse mesmo dia, o arguido formulou o seguinte requerimento:
“…, arguido nos autos à margem identificados, na sequência de notícias dispersas publicadas na comunicação social, vem requerer a V. Exa. lhe seja certificado o estado da causa bem como da existência de uma qualquer determinação judicial no que respeita à sua liberdade, atento o disposto nos artigos 78.º e 80.º, do C. Penal, na redacção introduzida pela Lei 59/2007.”
VII. Em 29/5/2008, foi proferido nos autos o seguinte despacho:
“Informe o arguido, face ao teor de fls. 5944, que foi judicialmente determinada a emissão de mandados de captura nacionais, bem como de mandados de detenção europeu e internacionais em relação ao arguido para cumprimento da pena única de 7 anos e 6 meses de prisão em que foi condenado nestes autos por acórdão já transitado em julgado.
Qualquer cúmulo jurídico a efectuar com anteriores condenações do arguido será realizado assim que o mesmo for detido.”
VIII. Na sequência, o ora recorrente, em 9/6/2008, formulou nos autos o seguinte requerimento:
“(...), arguido nos autos à margem identificados, tendo sido notificado na pessoa do seu mandatário do despacho de fls. 5949, vem expor e requerer a V. Exa. O seguinte: 1. O sistema legal português caracteriza-se pelo seguinte:
(i) relativamente a sentenças dos Tribunais Superiores a não aplicação do artigo 113.º, n.º 2, do CPP, já que ocorre mera notificação aos seus mandatários.
(ii) Não comunicação nem ao arguido nem ao seu mandatário da data do efectivo trânsito das decisões que nos Tribunais Superiores ponham termo a processos penais dos quais resulte a perda da liberdade.
(iii) Não comunicação nem ao arguido nem ao seu mandatário da data em que o processo criminal contendo sentença penal privativa da liberdade transitada baixou à 1ª instância para fins de execução.
2. Daqui resulta que, tendo recorrido e ante o esgotamento das vias de recurso, o arguido não só fica na ignorância desse facto, como do momento a partir do qual pode efectuar a sua apresentação voluntária para efeitos de cumprir a sentença que o privou da liberdade: isto porque, mesmo que seja seu desejo, essa apresentação voluntária tem de aguardar o momento em que a decisão seja coercivamente executada por lhe ser vedado o conhecimento do momento exacto em que a apresentação voluntária pode ocorrer.
3. No caso dos autos, verificou-se que o arguido não foi notificado de nenhuma sentença do Tribunal Superior senão através dos seus mandatários, não tomou conhecimento de que o processo havia baixado, foi-lhe vedada a eventualidade de poder apresentar-se voluntariamente e soube primeiro por rumor público e agora por confirmação judicial feita a requerimento do seu defensor de que haviam sido emitidos mandados de detenção.
4. Por este requerimento, o arguido pretende impugnar a legalidade deste procedimento bem como a inconstitucionalidade material das normas que o sustentam, porquanto: (i) do catálogo de casos em que é legalmente admissível a detenção, enunciado pelo artigo 254.º do CPP, não consta a emissão de mandados de detenção para cumprimento de pena, pelo que a emissão dos presentes mandados enferma de ilegalidade; (ii) a norma do artigo 113.º, n.º 9 do CPP enferma de inconstitucionalidade material ao não determinar a notificação aos arguidos das sentenças dos Tribunais Superiores mesmo que delas resulte, por trânsito em julgado das mesmas, a privação da liberdade, o que ocorre por violação do artigo 32.º, n.º 1 da CRP; (iii) existindo norma legal pela qual ao menos o mandatário do arguido é notificado da subida do processo penal para um Tribunal Superior não existe norma legal pela qual ao menos o mandatário do arguido seja notificado de que o mesmo desceu, se encontra na primeira instância em condições de poder dar-se execução a uma pena privativa da liberdade, omissão legislativa esta que é causa de inconstitucionalidade por omissão, nos termos do artigo 32.º, n.º 1 da CRP.
5. Este acervo de ilegalidades determina uma situação de invalidade processual que, por atacar direitos, liberdades e garantias primários – o direito de defesa, artigo 32.º, n.º 1 da CRP e o direito à liberdade, artigo 27.º da CRP, só podem integrar uma situação de nulidade insanável ou, entendendo-se que os casos de nulidade têm que respeitar uma regra de tipificação formal – por mais grave que seja a lesão respectiva – uma situação de irregularidade (artigo 118.º, n.º 1 e 2 e artigo 123.º do CPP), o que, desde já, se invoca.
6. Além disso, no caso, há lugar a cúmulo jurídico desta decisão com decisões penais pretéritas já transitadas em julgado (artigo 78.º do CP), ou assim não se entendendo, verifica-se uma situação de desconto obrigatório da privação de liberdade sofrida pelo arguido nesses outros processos (artigo 80.º do CP, na sua nova redacção).
7. Ante o que foi certificado ao mandatário do arguido, o cúmulo jurídico em causa só será feito com o arguido já detido e não com ele em liberdade.
8. Daqui resulta que, ante o complexo normativo citado, numa parte ilegal e em outra desconforme com a lei constitucional, o arguido está sujeito à impossibilidade de apresentação voluntária e obtenção dos respectivos benefícios bem como a um cúmulo jurídico obrigatoriamente sob prisão, ainda que no limite das coisas da operação desse cúmulo pudesse resultar a sua libertação.
9. Fundamenta de facto o presente requerimento a circunstância de o arguido, que está em liberdade há vários anos, se ter apresentado a todos os actos processuais, incluindo interrogatórios em vários processos e audiências de julgamento ao longo de 8 anos, e não pretender eximir-se ao cumprimento das responsabilidades a que haja lugar.
10. Acresce que no presente caso extinguiram-se todas as medidas coactivas em vigor, sucedendo que o arguido nunca esteve privado da liberdade à ordem do presente processo.
11. Mostrando a disparidade de critério, no processo n.º (...)TDLSB, que correu termos na 8ª Vara Criminal do Tribunal Criminal de Lisboa, o arguido, ante o trânsito em julgado da decisão, viu ser-lhe concedida a liberdade condicional, sem prévia sujeição à sua privação da liberdade por detenção.
Nestes termos se requer a V. Exa. Se digne decretar a nulidade ou, se assim não for, a irregularidade de todo o processado, a partir do momento em que ocorreu a prolacção do acórdão do Tribunal Constitucional, nisso incluindo a invalidade dos mandados de detenção que deverão ser recolhidos.”
IX. Em 27/6/2008, após o Ministério Público e os assistentes se terem pronunciado quanto ao dito requerimento, no sentido da inexistência de qualquer irregularidade ou nulidade, foi, então, proferido o despacho ora em crise, cujo teor é o seguinte:
“Vem o arguido, a Fls. 5960/5962, requerer que se decrete a nulidade ou irregularidade de todo o processado a partir do momento em que ocorreu a prolação do Acórdão do tribunal Constitucional, incluindo a invalidade dos mandados de detenção entretanto passados e que, por isso, deverão ser recolhidos.
Notificados, quer o M.P., quer os assistentes se pronunciaram pela inexistência de qualquer irregularidade ou nulidade.
Decidindo.
Com o devido respeito por opinião contrária, entende-se não assistir razão ao arguido.
Com efeito, o disposto no Artº 113 nº9 do CPP não exige a notificação pessoal as arguido das decisões proferidas pelos tribunais superiores em sede de recurso, bastando-se a lei que tais notificações sejam efectuadas na pessoa do respectivo mandatário.
Compreende-se que assim seja.
A preocupação da Lei atende-se à decisão de 1ª instância – a sentença de que fala aquele normativo legal – pois aí é que há uma primeira decisão definitiva da sorte do arguido, razão pela qual, essa tem de lhe ser pessoalmente notificada.
Seguindo os autos os termos dos recursos que vierem entretanto a ser interpostos, as notificações dos mesmos deverão ser feitas aos respectivos mandatários, não se vislumbrando que daí decorra qualquer inconstitucionalidade, designadamente, por preterição dos direitos fundamentais de defesa.
Sendo seguro que um arguido, por via do seu mandatário, tem conhecimento do trânsito em julgado de uma decisão condenatória que sobre si impende, pode o mesmo, a qualquer momento e perante qualquer autoridade policial ou judiciária do País, apresentar-se voluntariamente para cumprimento da pena em que foi condenado.
Exigir da lei uma notificação do arguido para se apresentar à prisão, para além de desnecessário e irrazoável, seria, em muitos casos, um verdadeiro convite à fuga!
Nessa medida, não se verifica qualquer nulidade ou irregularidade do processado após a prolação do Acórdão do Tribunal Constitucional, sendo válidos os mandados de captura do arguido entretanto emitidos, assim se indeferindo o requerido.
Notifique.
x
A Fls. 5956/5957, veio o arguido, por meio de Mandatário inglês, requer que a sua detenção não seja efectuada apenas para cálculo do cúmulo jurídico e ainda que não seja sujeito a extradição.
Notificado, o Ilustre Mandatário do arguido veio explicitar ao Tribunal o contexto em que o mesmo foi emitido esclarecendo que dele não decorre qualquer derrogação do seu mandato forense nos autos.
Cumpre assim dar resposta ao que ali se requer.
O requerimento do arguido assenta na ideia de dever beneficiar de cúmulo jurídico, o qual, nunca poderia exceder os 8 anos de prisão, pelo que, tendo já cumprido cerca de 6 anos de prisão, não faz sentido executar o mandado de detenção entretanto emitido, na medida em que já teria cumprido mais de metade da pena que, em cúmulo jurídico, lhe será fixada.
Com o devido respeito, são várias as incorrecções deste raciocínio, as quais por certo, radicarão no desconhecimento da lei portuguesa.
O cúmulo jurídico é uma figura regulada pelos Artsº 77 e 78 do C. Penal, destinada a aplicar a um arguido, condenado em mais do que uma pena, uma única pena, resultante da apreciação global dos factos criminosos e da personalidade do agente.
Só existe cúmulo jurídico, com penas transitadas em julgado, ou seja, nos termos do Artº 78 do C. Penal, só se deve aplicar este instituto com condenações transitadas em julgado, pois só com a definitividade da condenação é que se torna seguro que a mesma deve integrar o conjunto das penas da respectiva operação cumulatória.
Esta foi a razão, evidente, clara e objectivamente cumpridora dos requisitos legais, pela qual, aquando da condenação do arguido em 1ª instância, por acórdão de 26/10/06, não se procedeu, na altura ao cúmulo jurídico, por ser previsível que de tal condenação fosse interposto recurso – como foi – sendo assim possível que tal condenação fosse alterada ou até completamente anulada.
Nessa medida, só agora, transitado em julgado o acórdão dos autos, é que se coloca a questão do cúmulo jurídico das penas que aqui foram aplicadas com anteriores condenações do arguido.
Por outro lado, o cúmulo jurídico, onde, como se disse, se apreciam, em conjunto, os factos delituosos e a personalidade do agente, tem balizas penais, entre as quais se fixa a pena única, as quais se reportam às penas parcelares que foram aplicadas e não às penas resultantes de anteriores cúmulos jurídicos.
Tais limites são fixados no Art.º 77.º, nº2 do C. Penal, nos termos do qual, a pena mínima, corresponde à mais elevada das penas parcelares concretamente aplicadas e a pena máxima, traduz-se na soma de todas.
Cotejando estes critérios ao arguido, constata-se que a pena mínima a aplicar-lhe será de 6 anos de prisão, pois essa foi a sua pena parcelar mais grave, aplicada neste autos, pela prática de um crime de burla qualificada.
No que se refere à pena máxima - apesar de nos autos ainda não constarem as certidões alusivas às suas anteriores condenações – a mesma rondará, somando todas as penas parcelares em que foi condenado, os 18 anos de prisão.
Nessa medida, não se entende a razão pela qual o arguido afirma que o seu cúmulo jurídico não poderia exceder os 8 anos de prisão.
Certo é, que na liquidação da pena resultante de um cúmulo jurídico, se tem em conta todo o tempo de prisão sofrida por um arguido à ordem de qualquer um dos processos cumulados.
Todavia, este desconto de pena, reportado ao Art.º 78.º, do C. Penal, apenas se reporta à pena de prisão efectivamente cumprida, seja por via do cumprimento de pena, seja por força de prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação, sendo que o período de liberdade condicional de que o arguido gozou não é descontado na pena única em que será condenado por via do cúmulo jurídico.
Ora, é expressamente afirmado pelo arguido, que apenas cumpriu cerca de 3 anos e 6 meses de prisão.
Ora, se assim é – e nenhuma dúvida existe quanto a esse facto, na medida em que o arguido, erroneamente, acresce a tal período o tempo em que esteve em liberdade condicional – facilmente se constata que o arguido está bem longe de ter cumprido tempo de prisão que se aproxime, sequer, do mínimo do seu cúmulo jurídico, não lhe assistindo assim qualquer razão ao dizer que com a sua detenção facilmente se concluiria que já não teria tempo a cumprir.
O arguido, face ao que acima se disse, sempre terá de cumprir pena de prisão, podendo-se dizer, sem perigo de errar, que o tempo de prisão por si já sofrido não atinge metade da pena única de prisão que lhe será aplicada por via do cúmulo jurídico, não estando, por isso, em condições de beneficiar de qualquer liberdade condicional, a qual, em todo o caso, será apreciada pelo Tribunal de Execução de Penas, exigindo, por isso, a prévia detenção do arguido.
Assim sendo e atento o exposto, assim que o arguido for detido se procederá – como em tantos outros processos similares – às diligências atinentes ao necessário cúmulo jurídico.
Notifique, solicitando ao Ilustre Mandatário constituído pelo arguido nos autos e face ao por si afirmado a Fls. 5995/5996, o envio de cópia deste despacho aos Advogados ingleses subscritores do requerimento agora em análise.
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Em resposta ao ofício do Gabinete Nacional da Interpol de Fls. 6011/6013, informe e esclareça o seguinte :
1) Nestes autos, trata-se de uma condenação transitada em julgado ;
2) O julgamento iniciou-se em Fevereiro de 2006, tendo terminado em 26/10/06, com a condenação do arguido e ainda da arguida (...), a qual foi condenada, pela prática de um crime de falsificação de documentos, p.p. pelo Artº 256 nsº1 als. a) e b), 3 e 4, por referência ao Artsº 255 e 386, todos do C. Penal, na pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de 5 anos, condenação esta, que também transitou em julgado ;
3) A condenação do arguido de 7 anos e 6 meses de prisão resulta de um cúmulo jurídico resultante da aplicação de duas penas: uma de 3 anos de prisão pela prática de um crime de falsificação de documento, p.p. pelo Artº 256 nsº1 als. a) e b), 3 e 4 e outra de 6 anos de prisão pela prática de um crime de burla qualificada, p.p. pelos Artsº 217 nº1 e 218 nº2 al. a), por referência ao Artº 202 al. b), todos do C. Penal ;
4) Os factos pelos quais o arguido foi condenado ocorreram em 1997, o processo crime iniciou-se em 1998 e prolongou-se até 2006 por ser um processo complexo, com necessidade de recorrer a prova documental e bancária, que foi difícil obter.
A data da condenação é a supra referida – 26/10/06 – e o arguido esteve presente na leitura do decisão condenatória, como aliás, em todas as sessões de julgamento.
5) O arguido, já sofreu outras condenações em Tribunal, pelas quais cumpriu cerca de 3 anos e 6 meses de prisão.
Com tais condenações será efectuado cúmulo jurídico com a deste processo, assim que o arguido for detido, na medida em que a fixação da pena única desse cúmulo jurídico se balizará entre um mínimo de 6 anos e um máximo de 18 anos de prisão.”
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Cumpre apreciar e decidir:
De harmonia com o disposto no n.º1, do artigo 412.º, do C.P.P., e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do S.T.J. – Ac. de 13/5/1998, B.M.J. 477/263, Ac. de 25/6/1998, B.M.J. 478/242, Ac. de 3/2/1999, B.M.J. 477/271), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).
São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – artigo 403.º, n.º 1 e 412.º, n.º1 e n.º2, ambos do C.P.P. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões extraídas da correspondente motivação (artigos 403.º, n.º 1 e 412º, nº 1 do Código de Processo Penal), as questões colocadas pelo recorrente à apreciação deste tribunal são as seguintes:
1) saber se a decisão pela qual resultou a emissão de mandados de detenção fora de flagrante delito padece de nulidade pela sua não fundamentação com violação do artigo 5.º do artigo 97.º e da al. c) do n.º 1 do artigo 257.º, do CPP, ao não especificar os motivos de facto e de direito que a determinam, nomeadamente, ao não indicar o fundamento jurídico da privação da liberdade face ao catálogo típico previsto no artigo 254.º, do CPP;
2) saber se o artigo 257.º, do CPP, quando prevê que possa ser emitido mandado de detenção sem prévio asseguramento de que o visado se não apresentará em juízo, é materialmente inconstitucional, por violação do artigo 27.º, da CRP;
3) saber se o tribunal, ao ter formulado juízo antecipado sobre o produto final do cúmulo jurídico a operar, praticou acto para o qual não tinha competência, decorrendo daí decisão insanavelmente nula, nos termos do disposto na al. e), do artigo 119.º, do CPP;
4) saber se a decisão recorrida enferma de erro de direito, por incumprimento do artigo 78.º, do CP, por omitir a efectivação de cúmulo jurídico;
5) saber se a decisão recorrida viola os artigos 260.º e 192.º, n.º 2, 470.º, 477.º, n.º 4 e 480.º, n.º 1, do CPP;
6) saber se a decisão decorrida viola o disposto nas alíneas a) e b), do artigo 61.º, do CPP;
7) saber se o artigo 113.º, n.º 9, do CPP, enferma de inconstitucionalidade material.
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Questões 1 e 2:
As duas enunciadas questões, por uma razão de lógica, podem e devem ser analisadas em conjunto:
É o que passamos a fazer.
Dispõe o artigo 254.º, do CPP:
“1 – A detenção a que se referem os artigos seguintes é efectuada:
a) Para, no prazo máximo de quarenta e oito horas, o detido ser apresentado a julgamento sob forma sumária ou ser presente ao juiz competente para primeiro interrogatório judicial ou para aplicação ou execução de uma medida de coacção; ou
b) Para assegurar a presença imediata ou, não sendo possível, no mais curto prazo, mas sem nunca exceder vinte e quatro horas, do detido perante a autoridade judiciária em acto processual.
2 – O arguido detido fora de flagrante delito para aplicação ou execução da medida de prisão preventiva é sempre apresentado ao juiz, sendo correspondentemente aplicável o disposto no artigo 141.º”
Consagra o artigo 257.º, do CPP:
“1 – Fora de flagrante delito, a detenção só pode ser efectuada, por mandado do juiz ou, nos casos em que for admissível prisão preventiva, do Ministério Público, quando houver fundadas razões para considerar que o visado se não apresentaria espontaneamente perante autoridade judiciária no prazo que lhe fosse fixado.
2 – As autoridades de polícia criminal podem também ordenar a detenção fora de flagrante delito, por iniciativa própria, quando:
a) Se tratar de caso em que é admissível a prisão preventiva;
b) Existirem elementos que tornem fundado o receio de fuga; e
c) Não for possível, dada a situação de urgência e de perigo na demora, esperar pela intervenção da autoridade judiciária.”
No artigo 258.º, n.º 1, al. c), do CPP, pode ser lido o seguinte:
“1 – Os mandados de detenção são passados em triplicado e contêm, sob pena de nulidade:
c) A indicação do facto que motivou as circunstâncias que legalmente a fundamentam.”
Por sua vez, de acordo com o n.º 5, do artigo 97.º, do CPP, “os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”.
Por seu turno, o artigo 27.º, da CRP, com relevo para o caso em apreço, consagra o seguinte:
1. Todos têm direito à liberdade e à segurança. 2. Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.
3. (…)
4. Toda a pessoa privada da liberdade deve ser informada imediatamente e de forma compreensível das razões da sua prisão ou detenção e dos seus direitos.
5. (…)”
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Relativamente às duas questões ora em causa, não assiste qualquer razão ao recorrente, a menos que este, sem nada que o possa justificar, pretenda recolocar o processo que está a chegar ao fim numa fase inicial…
Desde logo, é manifesto que o despacho que ordena a passagem de mandados de detenção contra o arguido para cumprimento de pena não tem de ser fundamentado, pois não se trata de um acto decisório, segundo o que prevê o artigo 97.º, do CPP.
Com efeito, como bem refere o Ministério Público, na sua resposta ao recurso, “estamos face a um acto processual destinado a comunicar aos órgãos de polícia criminal que devem dar execução ao decidido num acórdão já transitado (este sim acto decisório, imediatamente exequível, porque transitado, e obrigatoriamente mencionado no mandado nos termos do artigo 258.º, do CPP).”
Que fundamentação poderia existir num despacho que se limita a concretizar o cumprimento de uma pena, na sequência de uma decisão transitada em julgado?...
Iria o tribunal de 1ª instância explicar o motivo pelo qual ordenava a emissão de mandados de captura, na sequência de uma decisão do Tribunal Constitucional?...
Com todo o respeito, não se crie um imbróglio numa matéria onde impera a clareza!...
Além disso, não se justifica que o arguido faça apelo, neste momento processual, em que está em causa um acórdão transitado em julgado, a disposições legais aplicáveis nas fases preliminares de inquérito ou instrução, isto é, próprias de uma fase inicial de um processo. Na verdade, os artigos 257.º e 258.º, ambos do CPP, surgem na sua Parte II, Livro VI – Das Fases Preliminares, Titulo I – Disposições Gerais, Capítulo III – Da detenção.
Assim sendo, não há sequer fundamento legal para fazer apelo aos citados artigos, ficando, por isso, prejudicado o conhecimento da sua inconstitucionalidade.
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Questões 3, 4, 5 e 6:
Também quanto às agora enunciadas questões, por uma razão lógica, se impõe uma análise conjunta.
Comecemos por salientar que, no que tange ao tribunal recorrido ter formulado um juízo antecipado sobre o produto final do cúmulo jurídico a operar, não assiste razão ao recorrente.
Na realidade, limitou-se o Tribunal a balizar o mínimo e o máximo de um cúmulo jurídico a ser, oportunamente, efectuado, perante os elementos existentes nos autos.
Tal é uma prática comum nos tribunais. O titular do processo entende que deve ser efectuado um cúmulo jurídico, pondera as penas parcelares a considerar e remete o processo para audiência em colectivo (situemo-nos em penas superiores a cinco anos, como o caso dos autos). Mais tarde, em audiência, realiza-se o cúmulo ou, eventualmente, constata-se que, por alguma razão, entretanto ocorrida, não há lugar á sua efectivação.
Neste desenvolvimento processual, não há, pois, qualquer antecipação do produto final de um cúmulo jurídico. O tribunal colectivo em nada fica vinculado.
Também aqui, e pela razão já acima aludida, é destituído de sentido fazer apelo aos artigos 260.º e 192.º, n.º 2, do CPP, visto que o processo se encontra numa fase em que se visa a captura de um arguido, a fim de cumprir pena de prisão, transitada em julgado, e não está em causa a aplicação de uma medida de coacção e de garantia patrimonial.
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Avançando um pouco mais, entende o recorrente que houve incumprimento do artigo 78.º, do C. Penal, porquanto o tribunal recorrido omitiu a efectivação de um cúmulo jurídico a que o arguido tem direito, antecipando ao acto uma detenção para cumprimento de pena não fixada como decorrência do dito cúmulo.
Dispõe o actual artigo 78.º, n.º 1, do C. Penal:
“1 – Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.”
Acontece que não se vislumbra que o tribunal recorrido tenha omitido o que quer que seja.
Consta do despacho ora em crise “…apesar de nos autos ainda não constarem as certidões alusivas às suas anteriores condenações…”
Ora, desde logo, não constando dos autos todos os elementos respeitantes a anteriores condenações do arguido, não devia o tribunal avançar para a realização de um cúmulo jurídico que não iria englobar todas aquelas.
Mas, mesmo que se entendesse que devia, na altura, ser elaborado já um determinado cúmulo jurídico, o que não se concede, não se pode concluir que o arguido iria ser detido para cumprimento de uma pena não fixada como decorrência do dito cúmulo.
Na verdade, estando balizado o cúmulo jurídico entre os seis e os dezoito anos de prisão, a afirmação feita pelo recorrente, na sua Motivação, de que já se encontra cumprida uma pena de seis anos (na sua versão, cumpriu 3 anos e 4 meses e 24 dias em prisão preventiva e obrigação de permanência na habitação e o restante em liberdade condicional) em nada pode levar a concluir, sem mais e desde já, que não terá tempo a cumprir de prisão.
O recorrente parte do princípio de que o período correspondente à liberdade condicional deve ser descontado na íntegra no cumprimento da referida pena de prisão, como forma de justificar, nesta matéria, a sua pretensão.
Mas onde encontra o arguido apoio para essa posição?
Certamente que não na letra da lei.
Com efeito, o artigo 80.º, n.º 1, do C. Penal dispõe o seguinte:
“A detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas.”
Além disso, consagra o artigo 81.º, do C. Penal:
“1 – Se a pena imposta por decisão transitada em julgado for posteriormente substituída por outra, é descontada nesta parte a pena anterior, na medida em que já estiver cumprida.”
Resulta daqui, sem qualquer dúvida, que a lei não prevê que o período de liberdade condicional seja descontado no cumprimento da pena de prisão - a este propósito, vejam-se os seguintes acórdãos:
1.ACRL, processo n.º 7993/04, 9ª Secção, de 2/12/2004, in www.dgsi.pt.:
“.IV- A liberdade condicional já não é uma medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, sendo antes entendida como um período de transição entre a prisão efectiva e a liberdade, e durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social, fatalmente enfraquecido pelo período de reclusão já suportado; e sendo um período de transição não corresponde a tempo de privação de liberdade, mas sim uma fase submetida ao cumprimento de certas condições, num certo período.V- Termos em que o período temporal de liberdade condicional não deve ser descontado no cômputo global da prisão já cumprida, para efeitos de contagem e liquidação da pena resultante do cúmulo jurídico.”
2. ACRC, processo n.º 2606/00, de 18/10/2000, in www.dgsi.pt.
“I - É ao tribunal de condenação e não ao T.E.P. quem compete fixar a medida da pena de prisão. A este compete conceder e revogar a liberdade condicional e declarar a extinção da execução da pena de prisão. II - O tempo da liberdade condicional, como de suspensão que é da execução da pena, não entra no cômputo do tempo desta, pelo que o 'desconto', referido no artº 81º do C.Penal, não pode compreender o tempo daquela.” Decisão Texto Integral:
E não se diga que uma pena, porque integralmente cumprida e, por isso, declarada extinta, não pode deixar de ser descontada na sua totalidade, nos casos em que tenha havido a concessão de liberdade condicional, numa pena a cumprir, resultante de cúmulo jurídico.
Com todo o respeito por aqueles que defendem tal posição, expressa no Acórdão da Relação de Évora, de 19/2/2008, referido pelo recorrente na sua Motivação, não estão os mesmos a levar em consideração um aspecto fundamental da questão que consiste na circunstância do período de liberdade condicional não ser um tempo de privação de liberdade na vida do arguido, ao qual o acima citado artigo 80.º se refira.
Basta pensar na hipótese de dois arguidos terem sido condenados em penas de seis anos de prisão. Um deles vem a beneficiar de liberdade condicional e o outro não. Decorridos os seis anos, há a necessidade de elaborar cúmulo jurídico quanto aos dois. Será adequado, proporcional e equitativo descontar, de forma igual, a totalidade da pena em relação a ambos, sendo certo que um deles esteve privado da liberdade durante seis anos e o outro não?
Não temos dúvidas de que a resposta tem que ser negativa.
Em boa verdade, o facto do artigo 81.º, n.º 1, do C. Penal conter a expressão “na medida em que já estiver cumprida”, e para ter sentido útil numa interpretação sistemática, só pode querer significar que deve ser atendido o tempo real de privação de liberdade que o arguido sofreu, pois, de outra forma, bastaria afirmar “é descontada nesta a pena anterior”.
Estamos perante realidades diferentes. Por um lado, o cumprimento de pena de prisão e, por outro lado, a extinção da pena de prisão, pelo decurso, sem revogação, da liberdade condicional.
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O arguido, nas suas conclusões, faz, ainda, referência a violações aos artigos 470.º, 477.º e 480.º, n.º 1, do CPP.
No entanto, não é válida a respectiva argumentação, já que tais normas legais pressupõem que o arguido se encontra em cumprimento de pena, como resulta da sua própria localização no CPP – Livro X – Das Execuções, Título I – Disposições Gerais, Título II – Da Execução da Pena de Prisão, Capítulo I – Da Prisão.
Uma vez que o arguido se encontra, ainda, em liberdade, não se vislumbra como possam ter aquelas normas legais sido, de alguma forma, postas em causa pelo tribunal recorrido.
O próprio artigo 78.º, do C. Penal, a propósito do conhecimento superveniente do concurso, refere que “…sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.”
Tal implica o início de cumprimento de uma pena.
E não se diga, como o faz o recorrente, que há aqui violação do disposto no artigo 30.º, da CRP.
O arguido parece esquecer que estamos perante condenações transitadas em julgado, ou seja, perfeitamente definidas e exequíveis, as quais resultaram de processos judiciais onde o arguido usou todos os direitos processuais inerentes à sua defesa, onde não há lugar a qualquer pena restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida.
Há apenas que fazer terminar um processo, pelo cumprimento da respectiva pena de prisão.
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Questão 7:
Resulta das disposições conjugadas dos artigos 425.º, n.º 6 e 113.º, n.º 9, do C.P.P., que foi intenção do legislador, ao fazer a ressalva deste n.º 9, e no que diz respeito, entre outros, à “sentença”, não a estender às decisões dos tribunais superiores, donde, as notificações das decisões de recursos não fazerem parte do núcleo de notificações ressalvadas que têm de ser concretizadas na pessoa do arguido e na do seu defensor, conforme consta de recente ACRL, de 28/3/2007, Processo n.º 1832/07 – 3ª secção, in www.pgdlisboa.pt.
Com efeito, as notificações, em sede processual penal, são efectuadas nos termos do artigo 113.º, do Código de Processo Penal. Relevante para o caso em concreto é o seu nº 9, que reza assim: “As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da notificação efectuada em último lugar.” Assim só naqueles casos específicos, expressamente descritos nesta norma, é o arguido também notificado (e só nesses). Não se vê, por outro lado, como foi violado o disposto no artigo 32.º, da Constitui¬ção: prescreve esta norma da Constituição da República Portuguesa que o arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo. E o arguido beneficiou de todas as garantias e direitos que a Lei fundamental lhe confere, sendo certo que, de há muito, tem constituído nos autos mandatário. Ora, a notificação do acórdão condenatório ora em causa ao seu mandatário, associado aos deveres deontológicos que sobre este recaem, designadamente o de dar conhecimento ao seu constitutinte do teor das notificações recebidas e de acertar com ele os procedimentos posteriores a utilizar, surgem, à partida, como suficientes para assegurar tais garantias e direitos. Tal assim é, porque o mandato, derivado de uma escolha do próprio arguido, assenta, em regra, numa relação de confiança pessoal. Pelo que nenhuma violação existiu à citada norma, já que não foi posta em causa a normal comunicação entre o recorrente e o seu ilustre mandatário – ver, a este propósito, Acórdão do TC n.º 275/2006, Processo n.º 23/06, 2.ª Secção, de 2/5/2006.
Neste pode ler-se o critério a atender:
“ Resulta da fundamentação dos Acórdãos n.ºs 59/99, 109/99 e 378/2003 que se deu por adquirido um relacionamento normal e de efectivo acompanhamento entre defensor oficioso (desde que se tratasse do defensor primitivo) ou mandatário constituído e arguido, que tornavam segura a efectiva comunicação por aqueles a este do conteúdo das decisões que lhes foram notificadas ou a cuja leitura assistiram; quando a efectivação dessa comunicação foi posta em crise, como ocorreu nos casos sobre que versaram os Acórdãos n.ºs 476/2004 e 418/2005, já aquela notificação ou leitura perante o defensor ou mandatário não foi tida como suficiente.”
E não se esgrima, também, que há violação do artigo 25.º, n.º 2, da CRP, segundo o qual “ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos”, na sequência de violação das alíneas a) e b), do artigo 61.º, do CPP, decorrendo daí a sujeição a uma presença compulsiva do arguido já privado da sua liberdade ambulatória.
A partir do momento em que um arguido é condenado em 1ª instância a uma determinada pena de prisão, ele passa a saber que, casos os recursos que vier a interpor não tenham provimento, terá que cumprir essa mesma pena.
É o que se espera de qualquer cidadão, num Estado de Direito, enquanto regra básica de uma sociedade civilizada.
A emissão de mandados de captura para fazer executar uma decisão de um Tribunal, transitada em julgado, numa democracia, certamente que está nos antípodas de um acto cruel, degradante ou desumano, por maior amplitude que se queira atribuir a estes conceitos…
E é inequívoco que a emissão de mandados de captura para cumprimento de pena não cabe na previsão das alíneas a) e b), do artigo 61.º, do CPP. Pela simples razão de que, como já acima vimos, se trata de um acto processual destinado a comunicar algo aos órgãos de polícia criminal e não de um acto decisório.
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C. Decisão:
Nesta conformidade, acordam os Juízes que compõem esta 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso, confirmando o douto despacho recorrido.
Custas a cargo do arguido, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC.
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Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Lisboa, 22 de Janeiro de 2009,

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(José Eduardo Fernandes Martins)

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(Adelina Barradas de Oliveira)
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