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Proc. nº 589/93
1ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I Relatório
1. Os herdeiros de A, representados por B, recorreram para o Tribunal Judicial da Comarca de Silves da decisão arbitral que havia fixara em
2.410.300$00 o montante a pagar pelo Estado pela expropriação por utilidade pública de uma parcela de 7.705 m2 de terreno com vista à construção de um estabelecimento prisional.
Desde logo os recorrentes vieram pôr em causa a constitucionalidade do Título IV do Código das Expropriações então vigente
(artigos 27º a 38º do Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro) por violação do artigo 62º da Constituição, na medida em que as normas nele contidas não asseguravam 'o autêntico e real conceito de justa indemnização'.
Admitido este recurso, houve inspecção judicial e avaliação, tendo os peritos dado resposta aos respectivos quesitos e indicado valores divergentes para a parcela em questão. O expropriado arguiu a nulidade do relatório e das respostas aos quesitos apresentadas pelos peritos maioritários e, não tendo sido atendido, interpôs recurso de agravo, que foi admitido com subida diferida.
Por sentença de 27 de Agosto de 1990, o tribunal de primeira instância fixou em 2.410.300$00 o montante da indemnização.
2. Dessa sentença apelaram os expropriados para o Tribunal da Relação de Évora.
Já no Tribunal da Relação de Évora, B, C e D, herdeiros de A, foram admitidos a intervir nos autos, sendo-lhes concedido 'apoio judiciário na modalidade de dispensa de preparos para despesa e de dispensa parcial (na proporção de 3/4) de pagamento de custas e do serviço do seu advogado'.
Os expropriados reclamaram deste último despacho para a Conferência, tendo, por acórdão, sido confirmada a decisão antes proferida.
Deste acórdão interpuseram os expropriados recurso para o Tribunal Constitucional, não tendo sido admitido esse recurso.
Os expropriados reclamaram então para o Tribunal Constitucional da não admissão do recurso, mas a sua reclamação foi indeferida por acórdão de
10 de Novembro de 1992.
Entretanto, por acórdão proferido em 27 de Maio de 1993, o Tribunal da Relação de Évora negou provimento ao agravo interposto e julgou parcialmente procedente a apelação da sentença, fixando em 2.900.000$00 o valor da indemnização a pagar aos expropriados.
3. Desse acórdão interpuseram também os expropriados recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 280º da Constituição e da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, para apreciação da conformidade constitucional das normas contidas:
a) no artigo 126º, nº 2, do Código das Custas Judiciais;
b) no Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro;
c) no Título IV (designadamente os artigos 27º, nº 2, e 28º, nº 1, e ainda os artigos 61º, 73º, nº 2, em face do artigo 82º, nº 1) do Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro;
d) nos artigos 523º, 524º e 580º, nº 3, do Código de Processo Civil.
Consideraram os recorrentes que tais normas violam os artigos
12º, nº 1, 13º, nºs 1 e 2, 18º, nºs 1, 2 e 3, 20º, nº 1, 62º, nº 2, 205º, nº 2, e 207º da Constituição, dizendo que a inconstitucionalidade tinha sido suscitada na exposição//requerimento de 18/6/90 (fls. 128), na arguição de nulidade e alegações de 20/8/90 (fls. 152) e nas alegações de 19/11/90 (fls. 180) e conhecida na sentença de 27/8/90 (fls. 173) e no acórdão de 27/5/93 (fls. 292).
Acrescentaram os expropriados que, caso se entendesse que o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora era recorrível na ordem hierárquica dos tribunais judiciais, então o recurso deveria considerar-se interposto para o Supremo Tribunal de Justiça.
4. Por despacho de 28/6/93, foi admitido o recurso para o Tribunal Constitucional.
Nas alegações apresentadas neste Tribunal, os recorrentes pediram que se julgassem inconstitucionais as normas referidas e se ordenasse a reforma da decisão recorrida.
Por sua vez, o Ministério Público concluiu as suas alegações dizendo que:
'1º - O recorrente não suscitou atempadamente, antes de proferida a decisão e esgotado o poder jurisdicional do juiz, a questão da concreta inconstitu-cionalidade dos artigos 523º, 524º, 580º, nº 3, do Código de Processo Civil, do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, do artigo 126º, nº 2, do Código das Custas Judiciais, e do artigo 73º, nº 2, do antigo Código das Expropriações, pelo que se não mostram preenchidos os pressupostos de admissibilidade, decorrentes do preceituado no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional.
2º - Não foram aplicadas, na decisão recorrida, quaisquer normas inconstitucionais, constantes do Título IV do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76, já que o único preceito, aí inserido, sistematicamente, e aplicável ao caso dos autos, que efectivamente é inconstitucional - o artigo 30º - não serviu de suporte à decisão recorrida, não sendo, pois, por ela aplicado.
3º - Ao imputar extemporaneamente e sem qualquer fundamento sério aos peritos designados pelo tribunal comportamento processual censurável, o recorrente altera intencionalmente a verdade dos factos, incorrendo em litigância de má fé, nos termos conjugados das disposições dos artigos 84º, nºs
5 e 6, da Lei do Tribunal Constitucional e 456º do Código de Processo Civil.
Notificados para, querendo, responderem às questões prévias suscitadas pelo Ministério Público e ao pedido de condenação como litigantes de má fé, os recorrentes consideraram-nos improcedentes e, como prova de que tinham relatado a verdade, arrolaram duas testemunhas.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II Fundamentação
5. De acordo com o nº 1 do artigo 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, 'o recurso para o Tribunal Constitucional interpõe-se por meio de requerimento, no qual se indique a alínea do nº 1 do artigo 70º ao abrigo da qual o recurso é interposto e a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie'. É, assim, o requerimento de interposição do recurso que delimita o seu objecto.
No caso, os recorrentes indicaram as normas contidas:
a) no artigo 126º, nº 2, do Código das Custas Judiciais;
b) no Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro;
c) no título IV (designadamente nos artigos 27º, nº 2, 28º, nº
1, 61º e 73º, nº 2) do Código das Expropriações;
d) nos artigos 523º, 524º e 580º, nº 3, do Código de Processo Civil.
6. Sendo o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional torna-se necessário, para que o tribunal o possa conhecer, que:
a) os recorrentes tenham suscitado durante o processo a inconstitucionalidade das normas que pretendem que o tribunal aprecie;
b) tais normas tenham sido aplicadas na decisão recorrida.
O Tribunal entende que, salvo em casos excepcionais - em que o recorrente não teve oportunidade processual de colocar a questão antes de interpor o recurso de constitucionalidade - a questão só é suscitada durante o processo se o for a tempo de o tribunal recorrido se poder pronunciar sobre ela, ou seja, antes de esgotado o seu poder jurisdicional. Tem, portanto, uma concepção funcional desse pressuposto (cf., nomeadamente, o Acórdão nº 80/92, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 21º vol., 1992, p. 265 e ss., e Cardoso da Costa, A jurisdição constitucional em Portugal, 2ª edição, 1992, p. 51).
Para além disso, a questão de constitucionalidade tem de ser suscitada com a suficiente precisão, de forma a que o tribunal recorrido se possa concretamente aperceber do problema que lhe é colocado e que deve resolver. Desta forma, não se considera colocada correctamente a questão de constitucionalidade quando apenas é indicado todo um título de um Código, sem precisão das normas concretas em relação às quais o problema se coloca (cf., entre outros, os Acórdãos nºs 21/92, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 21º vol., 1992, p. 125 e ss., e 253/93, inédito).
7. Analisando o caso concreto verifica-se que os recorrentes não suscitaram atempadamente, ou seja, antes de proferido o acórdão do Tribunal da Relação, a questão da constitucionalidade do artigo 126º, nº 2, do Código das Custas Judiciais, do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, e dos artigos
523º, 524º e 580º, nº 3, do Código de Processo Civil.
Daí que não possa o tribunal, nesta parte, conhecer o objecto do recurso.
8. Quanto ao Código das Expropriações verifica-se que os recorrentes, durante o processo, apenas suscitaram o problema da conformidade constitucional dos artigos 30º, nº 2, e 33º, nºs 1 e 3, do Decreto-Lei nº
845/76, de 11 de Dezembro. Fizeram-no nas alegações do recurso de agravo.
Para além dessa ocasião, os recorrentes não sustentaram, em qualquer outro momento, que qualquer outra norma padecesse de inconstitucionalidade. Apenas no requerimento de interposição do recurso da decisão arbitral consideraram inconstitucional todo o título IV do Código das Expropriações. Trata-se, como se disse, de um modo processualmente inadmissível de suscitar uma questão de constitucionalidade normativa.
Analisando os autos, verifica-se, porém, que nenhuma das normas contidas nas disposições questionadas durante o processo integra o objecto deste recurso. Só o integram as normas contidas nos artigos 27º, nº 2, e 28º, nº 1, do Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro. E quanto a elas não foi, de um modo processualmente admissível, suscitado qualquer problema de constitucionalidade durante o processo.
9. Tendo o Ministério Público pedido, nas contra- alegações, a condenação dos recorrentes como litigantes de má fé, importa conhecer tal pedido. Não havendo, contudo, nos autos elementos suficientes para apreciar a questão, nem cabendo na tramitação deste recurso a realização de diligências de prova para esse efeito, deve considerar-se improcedente esse pedido.
Não pode, pois, também na parte restante, o tribunal conhecer o objecto deste recurso.
III Decisão
10. Assim, e pelo exposto, decide-se não conhecer o objecto do presente recurso e não condenar os recorrentes como litigantes de má fé.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 5 UCs.
Lisboa, 17 de Abril de 1996
Maria Fernanda Palma
Vitor Nunes de Almeida
Alberto Tavares da Costa
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Diniz
José Manuel Cardoso da Costa