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 - ACRL de 14-12-2023   A adequação do meio processual utilizado pelo autor deve ser aferida face ao pedido efectivamente formulado na PI.
Sumário (da responsabilidade da Relatora) : A adequação do meio processual utilizado pelo autor deve ser aferida face ao pedido efectivamente formulado na petição inicial.
Proc. 14310/22.2T8LSB.L1 4ª Secção
Desembargadores:  Francisca da Mata Mendes - Alves Duarte - Leopoldo Soares -
Sumário elaborado por Carolina Costa
_______
Acórdão
Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa :
1-Relatório
O Sindicato dos Trabalhadores do Grupo AAA, instaurou a presente especial de interpretação de cláusulas de convenções colectivas contra BBB, S.A., CCC, DDD, S.A., EEE, FFF, GGG, HHH, III, JJJ, KKK, LLL, MMM, NNN, OOO e PPP, pedindo que seja interpretado o ponto 6 do Protocolo 2018 do Acordo Colectivo de Trabalho da BBB, publicado no BTE n.° 00 de 00/00/2018 que consigna o seguinte: 6 — Incrementar a retribuição dos trabalhadores no activo com vencimentos base inferiores a 3.000,00E, entre 10,006 e 25, 00€ nos seguintes termos:
a. A interpretação de mencionado o ponto 6 do Protocolo 2018 do Acordo Coletivo de Trabalho da BBB, publicado no BTE n.° 00 de 00/00/2018, deverá ser realizada no sentido de que o incrementar a retribuição dos trabalhadores do activo tem o mesmo âmbito e efeitos que uma actualização salarial dos trabalhadores no activo;
b. E que os trabalhadores no activo com vencimentos base inferiores a 3.000,00e têm direito a atualizações salariais entre 10,00e e 25,00e
c. Para quaisquer efeitos, o mencionado incremento da retribuição dos trabalhadores no activo corresponde a uma actualização salarial dos trabalhadores no activo.
O Autor fundamentou a sua pretensão, alegando:
«1°
Foi publicado no BTE n.° 29 de 08/08/2018 o Acordo Colectivo da BBB o qual foi subscrito pelo Autor e por todos os R.R., acima identificados, conforme cópia do Boletim do Trabalho e Emprego que se anexa.

Para além do A. e dos R.R. acima identificados o ACT foi também outorgado pelo Sindicato Português dos QQQ, sindicato este que foi extinto, sendo esta decisão de extinção publicada no BTE no 00 de 00/00/2021.
3.
Nos pontos 6 e 7 do Protocolo 2018 do ACT da BBB, identificado no artigo anterior e que integra este ACT, a folhas 2784 do BTE referido, as entidades empregadoras, ora 1' a 6' R.R., e as associações sindicais, 7a a 18' R.R., bem o Autor acordaram o seguinte relativamente a aumentos das retribuições dos trabalhadores no ativo:
6 — Incrementar a retribuição dos trabalhadores no activo com vencimentos base inferiores a 3.000,00€, entre 10,00€ e 25,00€.
7 — Manter sem actualização os valores da tabela de remunerações mínimas, constante do anexo IV do presente ACT, sem prejuízo da alteração decorrente da actualização do salário mínimo nacional.

Ou seja, aquele incremento de retribuição dos trabalhadores do activo teve carácter geral e universal, para todos os trabalhadores que aufiram vencimentos base inferiores a 3.000,00€.

Apesar de formalmente ter sido estabelecido no Protocolo que se mantinham sem actualizações os valores da tabela de remunerações mínimas, constante do anexo IV do ACT, efetivamente verificaram-se atualizações salariais dos trabalhadores do ativo, conforme alegado no artigo anterior.

Aliás, a AAA, Grupo a que pertencem as ia a 6' R. R., divulgou amplamente na comunicação social que se verificaram aumentos salariais em 2018 na AAA, entre 1/prct. e 4/prct., conforme se exemplifica com os documentos que se juntam. (doc.1 a 4)

E, segundo anunciou na comunicação social, tais aumentos salariais começarem nos 4/prct. para aqueles colaboradores que têm salários mais baixos e que, em média, chegam, para a maioria dos colaboradores, próximo do 1/prct. em termos médios. (doc. 1 a 4)

Em termos concretos a R. efetuou as seguintes atualizações salariais: -Salários até 800€ inclusive, aumento de 25€.
-Salários a partir de 801€ até 1000€ inclusive, aumento de 20€.
-Salários a partir de 1001€ até 1500€ inclusive, aumento de 15€.
-Salários a partir de 1500 até 3000€ inclusive, aumento de 10€. (de 3001 a 3009 euros passa para 3010)
-Salários acima de 3010€ inclusive, sem atualização.

Sucede que as 1ª a 6ª R.R. não interpretam o Incrementar a retribuição dos trabalhadores no activo com vencimentos base inferiores a 3.000,00€, entre 10,00€ e 25,00€, que consta do Ponto 6 do Protocolo 2018 do ACT da BBB, acima mencionado no artigo 2° desta p.i., como sendo uma efetiva actualização salarial dos trabalhadores do activo.
10°
Ou seja, por constar do Ponto 7 do Protocolo 2018 do ACT da BBB, acima mencionado no artigo 2° desta p.i. que se mantém sem actualização os valores da tabela de remunerações mínimas, constante do anexo IV do ACT de 2018, as 1ª a 6ª R.R. concluem que não se verificaram face ao ACT em causa quaisquer atualizações dos trabalhadores no ativo.
11°
Ora efetivamente o consignado no ponto Ponto 6 do Protocolo 2018 do ACT da BBB, acima mencionado no artigo 2° desta p.i., consagrou uma actualização salarial dos trabalhadores do ativo, concretizada nos termos do artigo 7° desta p.i..
12°
A interpretação realizada pelas mencionadas R.R. empregadoras do Ponto 6 do Protocolo 2018 do ACT da BBB, no sentido de que não existiram atualizações salariais dos trabalhadores do ativo não corresponde, ao que foi literalmente consagrado.
13°
Ora a interpretação das R.R de que não existiram atualizações salariais dos trabalhadores no ativo, face ao Protocolo citado do ACT de 2018, tem implicações jurídicas.
14°
Designadamente para com trabalhadores das P a C R.R. que se encontram em situação de suspensão de contratos de trabalho e em pré-reforma, nos quais se encontra consignado que os montantes da prestação serão atualizados anualmente, simultaneamente com a atualização salarial dos trabalhadores do ativo e com base na aplicação do valor percentual idêntico ao que vier a ser fixado, em termos médios, para a tabela salarial dos mesmos.
15°
Pois as 1ª a 6ª R.R., com base na interpretação dos Pontos 6 e 7 do Protocolo 2018 do ACT da BBB, não atualizaram as prestações de pré-reforma e de suspensão de contrato dos seus trabalhadores, pois consideram que não existiram atualizações salariais dos trabalhadores do activo.
16°
Houve trabalhadores pré-reformados que instauraram ações individuais a quem foi reconhecido o direito à atualização da sua prestação de pré-reforma como foi o caso de ARCJ a quem foi reconhecido por sentença, proferida no Juiz 7 deste Tribunal, no processo no 0000/19.1T8LSB o direito à atualização da respetiva prestação de pré-reforma por aquele auferida nos mesmos termos dos pontos 6 e 7 do Protocolo 2018 do ACT da BBB. (doc. 5)»
Pela Exma Juiz a quo foi proferido a seguinte decisão :
« Resulta do artigo 183°, n.° 1, do Código de Processo de Trabalho que, [Nas acções respeitantes à anulação e interpretação de cláusulas de convenções colectivas de trabalho, deve o autor, na petição inicial, identificar todas as entidades outorgantes e expor os fundamentos da sua pretensão.
Para que se possa recorrer a esta forma de processo especial é necessário que cláusula do instrumento de regulamentação colectiva esteja em desconformidade com a lei ou que a sua interpretação seja dúbia.
Como resulta do artigo 4° do Código de Processo de 'Trabalho, as associações sindicais e as associações de empregadores outorgantes de convenções colectivas de trabalho, bem como os trabalhadores e os empregadores directamente interessados, são partes legítimas nas acções respeitantes à anulação e interpretação de cláusulas daquelas convenções.
No caso resulta que o autor, pretende obter com esta acção é a actualização dos vencimentos dos trabalhadores no activo inferiores a € 3.000,00 de € 10,00 e € 25,00.
A acção a que o autor se refere e junta a sentença aos autos procedeu à interpretação da cláusula 4.ª contida no acordo celebrado entre o aí autor e ré.
O autor, em rigor, não põe em crise a validade ou interpretação do referido Protocolo mas pretende que o Tribunal decrete a sua aplicação em concreto aos trabalhadores.
O que o Sindicato pretende é a pronúncia do Tribunal sobre os aumentos salariais de vencimentos inferiores a € 3.000,00, que conclua pela sua aplicação em concreto.
Assim e porquanto não estamos perante uma situação de validade ou interpretação de cláusulas de convenções colectivas a pretensão do autor apenas podia e pode ser apreciada no processo comum, com a apresentação de uma petição e demais termos regulados nos arts. 54° e ss. CPT e relativamente aos trabalhadores identificados em concreto.
Houve, pois, erro na forma do processo.
Dispõe o art. 193° CPC, o erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei (n.° 1). Por seu turno o n.° 2 estabelece que não devem porém, aproveitar-se os actos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu.
No caso subscrevemos a opinião, que o erro cometido não permite o aproveitamento de qualquer acto do processo. E a esta conclusão chegamos, tendo mesmo presente que a partir da apresentação das alegações/articulados pelas partes a acção em apreço segue os termos do processo comum ainda que com algumas especificidades (artigo 185°, n.° 1, CPT).
Contudo, a petição inicial apresentada não contém os requisitos de uma petição inicial porquanto dela não consta, nomeadamente, os casos concretos, um pedido concreto que terá naturalmente de ser formulado em relação a cada um dos trabalhadores que se encontre naquela situação com a alegação dos respectivos factos.
Acresce que o n.° 2 do art. 193° CPC refere que apenas se devem aproveitar os actos já praticados, se desse facto não resultar uma diminuição de garantias do réu.
Nesta conformidade, considerando o disposto no art. 193° n.° 1 e 2 CPC impõe-se que seja declarada a nulidade de todo o processo, excepção dilatória insuprível de conhecimento oficioso (artigos 278.°, n.° 1, al. b) e 557.°, al. b) do CPC) e que nesta fase conduz ao indeferimento liminar da petição inicial.
Nos termos e fundamentos expostos indefiro liminarmente a petição inicial.
Custas a cargo do autor sem prejuízo da isenção que beneficia
Fixo o valor da causa em € 5.000,01 (cinco mil euros e um cêntimo).»
O A. recorreu desta decisão e formulou as seguintes conclusões :
1-O tribunal a quo concluiu, indevidamente, que aquilo que o Autor pretende obter com esta ação é a atualização dos vencimentos dos trabalhadores no ativo inferiores a € 3.000,00.
2-Expressamente consignou que aquilo que o Sindicato pretende é a pronúncia do Tribunal sobre os aumentos salariais de vencimentos inferiores a € 3.000,00, que conclua pela sua aplicação em concreto.
3- Ora as conclusões contidas na douta sentença, ora recorrida, não têm correspondência nem com o alegado pelo Autor, nem com o pedido formulado.
4- O pedido essencial formulado pelo Autor foi no sentido de ser interpretado o ponto 6 do Protocolo 2018 do Acordo Coletivo de Trabalho da BBB, publicado no BTE n.° 00 de 00/00/2018 que consigna o seguinte: Incrementar a retribuição dos trabalhadores no ativo com vencimentos base inferiores a 3.000,00€, entre 10,00€ e 25,00€
5- Devendo a peticionada interpretação ser realizada no sentido de que o incrementar a retribuição dos trabalhadores do ativo tem o mesmo âmbito e efeitos que uma atualização salarial dos trabalhadores no ativo.
6 - O Autor não pede ao tribunal a atualização dos vencimentos dos trabalhadores no ativo, assim como a causa de pedir não é conducente ao pedido de atualização dos vencimentos dos trabalhadores no ativo inferiores a € 3.000,00 de € 10,00 e 25,00.
7 — Como matéria de facto, sujeita a prova, o A. alegou, no artigo 8° da sua p.i., os termos em que a R. BBB deu cumprimento ao incremento da retribuição dos trabalhadores no ativo, com vencimentos base inferiores a 3.000,00€, para auxiliar na interpretação da expressão incrementar a retribuição dos trabalhadores do ativo, porquanto, a mesma é dúbia.
8- Pois para as entidades empregadoras, que subscreveram o mencionado ACT de 2018, tal expressão não é interpretada como uma atualização salarial dos trabalhadores do ativo, enquanto o Autor entende que a mesma deve ser interpretada como se tratando de uma atualização salarial dos trabalhadores no ativo.
9 - A interpretação é tanto mais dúbia e contraditória, porquanto, no ponto 7 do Protocolo 2018 do Acordo Coletivo da BBB publicado no BTE n.° 00 de 00/00/2018, a folhas 2784 do BTE, foi consignado o seguinte: — Manter sem atualização os valores da tabela de remunerações mínimas, constante do anexo IV do presente ACT, sem prejuízo da alteração decorrente da atualização do salário mínimo nacional.
10 - Ou seja, o ACT consigna que é incrementada a retribuição dos trabalhadores do ativo com vencimentos base inferiores a 3.000,00€, entre 10,00€ e 25,00€, por um lado e, por outro, consigna que são mantidas sem atualização os valores da tabela de remunerações mínimas, constante do anexo IV do presente ACT.
11 - Por conseguinte, é desta contradição que se suscitam dívidas de interpretação da expressão incrementar a retribuição dos trabalhadores do ativo, sendo que o Autor considera que a mesma, em termos interpretativos, tem o mesmo sentido que uma atualização salarial dos trabalhadores no ativo.
12 — Contrariamente ao consignado na douta sentença, o Autor não pretende obter quaisquer efeitos individuais para cada um dos trabalhadores no ativo com remunerações inferiores a €3000,00, nem tal resulta do seu pedido.
13- Mas a interpretação da expressão incrementar a retribuição dos trabalhadores do ativo é relevante para outros efeitos.
14- A título de exemplo, se em futura negociação coletiva as entidades empregadoras alegarem que no Acordo Coletivo da BBB publicado no BTE n.° 00 de 00/00/2018 não existiram atualizações salariais dos trabalhadores, tal não corresponde à realidade face ao incremento da retribuição dos trabalhadores do ativo com vencimentos base inferiores a 3.000,00€.
15- Não está sequer em causa discutir quais os valores concretos em que foram incrementadas as retribuições dos trabalhadores do ativo com vencimentos base inferiores a €3.000,00 e também dúvidas interpretativas não há, pela própria redação da norma convencional, que o incremento de retribuição dos trabalhadores do ativo teve carácter geral e universal, para todos os trabalhadores que aufiram vencimentos base inferiores a 3.000,00€.
16 - Não há assim fundamento jurídico para a afirmação, contida na douta sentença, de que ora se recorre, de que o Autor pretende obter a actualização dos vencimentos dos trabalhadores no ativo, com vencimentos inferiores a 3.000,00€, de €10,00 e €25,00.
Terminou, pugnando pela revogação da decisão recorrida e pela continuação dos autos, nos termos do disposto no artigo 184° e seguintes do Código do Processo do Trabalho.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
II- Importa apreciar no âmbito do presente recurso se ocorre erro na forma do processo.

III- Apreciação
Conforme resulta do disposto no art. 193°, n°1 do CPC, o erro na forma do processo configura uma nulidade e tem como consequência «a anulação dos actos que não podem ser aproveitados, devendo praticar-se os actos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei».
Estatui o art. 183°, n°1 do CPT : « Nas acções respeitantes à anulação e interpretação de cláusulas de convenções colectivas de trabalho, deve o autor, na petição, identificar todas as entidades outorgantes e expor os fundamentos da sua pretensão.»
Os arts. 184° a 186° do CPT regulam os termos posteriores desta forma de processo especial, sem a previsão de despacho liminar.
No caso concreto foi proferido despacho liminar, tendo a decisão recorrida considerado que não tinham sido efectuados os pedidos concretos necessários ao aproveitamento dos actos praticados
Ora, é face ao pedido formulado que deve ser aferida a forma de processo.
O que significa que é relevante, neste domínio, o pedido efectivamente formulado e não, ao contrário do referido na decisão recorrida, o pedido que deveria ter sido formulado.
Na situação em apreço, verificamos que o autor pede que normas protocolares ( de cariz programático ) inseridas numa convenção colectiva sejam interpretadas no sentido por si defendido, o que se ajusta à forma de processo especial indicada.
Conforme refere o Acórdão desta Relação, de 22.02.2007- www.dgs.pt : « (...) importa, desde logo, não confundir a impropriedade da forma de processo com a inadequação da pretensão deduzida em relação ao fundamento invocado (...) Ou seja: a forma de processo é aferível em função do tipo de pretensão formulada pelo autor e não em referência à pretensão que devia ser por ele deduzida.»
Concluímos, por isso, que não ocorre erro na forma do processo.
Procede, desta forma, o recurso de apelação.
IV- Decisão
Em face do exposto, o Tribunal acorda em julgar procedente o recurso de
apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir
os ulteriores termos processuais, caso a tal nada obste.
Sem custas.
Registe e notifique.
Lisboa, 14 de Dezembro de 2023
Francisca Mendes
Alves Duarte
Leopoldo Soares
Sumário : A adequação do meio processual utilizado pelo autor deve ser aferida face ao pedido efectivamente formulado na petição inicial.
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