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 - ACRL de 27-09-2023   Notificação prevista no artigo 98-1 n.° 4, al.a) do CPT
Sumário (art.663.° n.° 7 do CPC) da responsabilidade da Relatora
Considera-se efectuada a notificação prevista no artigo 98-1 n.° 4, al.a) do CPT se, na audiência de partes que antecedeu a audiência final de procedimento cautelar de suspensão do despedimento, foi proferido despacho a ordenar a notificação da empregadora que se encontrava devidamente representada por mandatário com poderes especiais.
Proc. 5879/23.5T8LSB-A.L1 4ª Secção
Desembargadores:  Maria Celina Nóbrega - Albertina Pereira - -
Sumário elaborado por Carolina Costa
_______
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
Relatório
AAAA, residente na Rua ... intentou procedimento cautelar especificados de suspensão do despedimento contra BBBB, com sede no … Lisboa, pedindo que seja decretada a suspensão judicial do despedimento do Requerente e, em consequência, seja este reintegrado no seu posto de trabalho e a Requerida condenada ao pagamento das retribuições que aquele deixou de auferir desde a data do seu despedimento e, para efeitos dos art.° 34° n.° 4 e 98°-C n.° 2, ambos do Código de Processo do Trabalho, a impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento.
Em 28.03.2023, no âmbito dos autos de procedimento cautelar de suspensão do despedimento, realizou-se a audiência de partes e a audiência final.
Da respectiva acta consta, além do mais, o seguinte:
Presentes: o Requerente/Trabalhador, acompanhado pelo seu I. Mandatário, Dr. PPPP, com procuração com poderes gerais junta aos autos a fls. 13 verso, bem como, uma das três testemunhas arroladas pelo Requerente/Trabalhador, e que foi hoje apresentada, IIII; o I. Mandatário da Requerida/Entidade Empregadora, Dr. MGP, que juntou aos autos no dia 27-03-2023 procuração com poderes especiais juntamente com a oposição.
Ausente: a Requerida/Entidade Empregadora, devidamente representada por mandatário judicial.
(...).
Cerca das 14:36 horas, compareceu nesta secção do Juiz 1 o I. Mandatário da Requerida/Entidade Empregadora, e após ter informado a funcionária judicial signatária de que não iria apresentar nesta audiência nenhuma das testemunhas indicadas na oposição, foi ainda por este pedido algum tempo ao Tribunal para conversações com a outra parte, o que prontamente transmiti ao Mm° Juiz que assim ordenou que se aguardasse pelo seu resultado.
Pelas 15:35 horas, os I. Mandatários das partes vieram a esta secção informar não haver possibilidade de acordo no âmbito dos presentes autos, do que informei o Mm° Juiz que assim ordenou que se encaminhasse os I. Mandatários das partes até à sala de audiências, ao que procedi, e de imediato acionei o sistema de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, no Módulo H@bilus Media Studio, nos termos e para os efeitos do art. 155.° n. °s 1 e 2 do Código de Processo Civil (CPC) de 2013.
Declarada reaberta a audiência de partes pelo Mm° Juiz, quando eram cerca de 15:41horas, os I. Mandatários das partes foram instados a revelarem o teor das conversações tidas até ao momento, ao que procederam.
De seguida, pelo Mm° Juiz foi proferido o seguinte:
DESPACHO
Uma vez que não é possível a conciliação das partes em sede de audiência de partes, após concertação de agendas com os I. Mandatários das partes, para realização da audiência final no âmbito do processo principal, designa-se todo o dia 28 de junho de 2023, de manhã a iniciar às 09:30 horas, e à tarde às 14:00 horas.
Notifique a Ré/Entidade Empregadora para apresentar, no prazo de 15 (quinze) dias, querendo, o articulado para motivar o despedimento, sob pena de, não o fazendo, ser declarada a ilicitude do despedimento do Requerente/Trabalhador e ser a Requerida/Entidade Empregadora condenada a reintegrar o Requerente/Trabalhador, ou, caso este tenha optado pela indemnização, a pagar ao Requerente/Trabalhador, no mínimo, uma indemnização correspondente a 30 (trinta) dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, bem como, ao pagamento das retribuições que o Requerente/Trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado.
Nos termos do Artigo 36.°-A, aL b) do Código de Processo do Trabalho (CPT) extraia certidão do requerimento inicial e da presente ata, e remeta à distribuição como ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento (AIJRLD), devendo a mesma ser atribuída a este Juiz 1, procedendo-se após à sua competente apensação aos presentes autos.
Na medida em que não foi possível o acordo, proceder-se-á de imediato à realização da Audiência Final no âmbito do presente Procedimento Cautelar.
Notifique.

Seguidamente, cerca das 15:48 horas, pelo Mm° Juiz foi ordenado que se prosseguisse
de imediato com a inquirição da testemunha presente neste Tribunal:
(...)
Terminada a inquirição da testemunha o Mm° Juiz proferiu o seguinte despacho. Determino que os autos sejam conclusos a fim de proferir decisão final
Após o que se fez constar na acta Logo, todos os presentes foram notificados, de cujo teor declararam ficar cientes, após o que o Mm° Juiz declarou encerrada a audiência quando eram 16:40 horas.
Extraída a certidão e instruídos os autos de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, em 11 de Maio de 2023 foi proferida a seguinte decisão:
I. No âmbito da audiência realizada a 29/03/2023, em sede de providência cautelar especificada de suspensão do despedimento, teve lugar a audiência de partes (nos termos do disposto no art. 36°-A, a), do CPT), no âmbito da qual a R. foi notificada para, no prazo legal de 15 dias, apresentar o articulado motivador.
Decorridos aqueles 15 dias, a R. não apresentou o articulado motivador.
II. Dispõe o art. 98°-J, do CPT, que:
3 - Se o empregador não apresentar o articulado referido no número anterior, ou não juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, o juiz declara a ilicitude do despedimento do trabalhador, e:
a) Condena o empregador a reintegrar o trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, ou, caso o trabalhador tenha optado por uma indemnização em substituição da reintegração, a pagar-lhe, no mínimo, uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, sem prejuízo do disposto nos n. °s 2 e 3 do artigo 391.° do Código do Trabalho,.
b) Condena ainda o empregador no pagamento das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial que declare a ilicitude do despedimento;
c) Ordena a notificação do trabalhador para, querendo, no prazo de 15 dias, apresentar articulado no qual peticione quaisquer outros créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou da sua cessação, incluindo a indemnização prevista na alínea a) do n.° 1 do artigo 389.° do Código do Trabalho.
4 - Na mesma data, o empregador é notificado da sentença quanto ao referido nas alíneas a) e b) do número anterior.
5 - Se o trabalhador apresentar o articulado a que se refere a alínea c) do n.° 3, o empregador é notificado para, no prazo de 15 dias, apresentar contestação, observando-se seguidamente os restantes termos do processo comum regulados nos artigos 57.° e seguintes.
Como é sabido o trabalhador pode optar, até ao termo da discussão em audiência final, pela reintegração ou pela indemnização em substituição da reintegração (art. 391, n.° 1, do Cl).
Uma vez que, face à falta e apresentação de articulado motivador, importa proferir já decisão final versando a ilicitude do despedimento, e condenando a R. nos efeitos a ele associados pela lei, estando nós numa fase embrionária (e não tendo o A. efectuado aquela opção na audiência de partes), cumpre averiguar se, antes de proferirmos decisão, se deve notificar o A. para que exerça, querendo, aquela opção, ou se, pelo contrário, se deve avançar, sem mais, para a condenação da R. na reintegração do A., trabalhador despedido.
III A questão não é nova, e tem merecido vários entendimentos na doutrina e jurisprudência dos Juízos do Trabalho.
Por nós, temos seguido o entendimento de JOANA VASCONCELOS (in, Comentário aos Artigos 98°-B a 98°-P, do Código do Trabalho, pág. 85 e ss.) que, aqui, transcrevemos:
São várias as dificuldades com que se defronta a aplicação deste preceito, todas tendo como denominador comum a ausência de elementos que permitam a definição de direitos do trabalhador na decisão condenatória a proferir.
A singular tramitação deste processo especial implica, com efeito, que quando da ocorrência de qualquer das situações que determinam a condenação de preceito do empregador (...) a intervenção das partes no processo se cinja à apresentação pelo trabalhador do formulário e da decisão de despedimento e à audiência de partes, que pode até não se ter realizado (...).
Ora, não sendo nem um nem outra — mas sim o articulado do trabalhador, que haveria de seguir-se — o momento próprio para a alegação de factos essenciais à condenação exigida (S. Silveira, 2011,94), como as suas antiguidade e retribuição (estrutura e montante, total e de cada prestação que a integra), necessário se torna ultrapassar tal impasse.
Várias propostas foram nesse sentido formuladas, ora de âmbito cingido a determinada vertente da decisão condenatória a proferir (como o exercício do direito do trabalhador optar pela indemnização substitutiva ou a quantificação dos salários intercalares), ora mais abrangentes, visando a totalidade dos direitos em causa (retribuições intercalares, exercício da eventual opção pelo trabalhador e, sendo o caso, fixação da indemnização substitutiva da reintegração em montante superior ao mínimo legalmente fixado (...).
Entre as primeiras contam-se a notificação avulsa do trabalhador para optar entre a reintegração e a indemnização (Messias Carvalho, 2011, 322) e a condenação do empregador no pagamento de salários intercalares, não em quantia determinada, mas no montante que se apurar em liquidação de sentença (Ac. RC d 17-1-2013, Proc. n.° 258/12).
Tendo esta última sido muito criticada, por desvirtuar tal expediente, ao remeter para o seu âmbito a apreciação de matéria que tem de ficar contida no objecto da acção declarativa, i.e., de factos que se apresentam como constitutivos do direito do credor, não relevando apenas para efeitos de quantificação da obrigação (neste sentido, S. Silveira, 2011, 95 e V. Reis/D. Ravara, 2012, 200). Nas segundas, cabe destacar o convite ao trabalhador, logo em sede de audiência de partes, para alegar os factos promissores da apontada condenação (S. Silveira, 2011, 94) e a introdução pelo juiz, antes de proferir a sentença, de um processado atípico, forçando o trabalhador a alegar os factos que traduzam a antiguidade e a retribuição e formulando pretensão (M. Bento Fialho, 2012, 148). Contra uma e outra, apontou-se o comportarem, ora o risco da prática de actos inúteis (Y. Reis/D. Ravara, 2012, 199), ora o risco de prolongar o processado, obstando a que seja proferida de imediato sentença condenatória (M. Bento Fialho, 2012, 148), já que a eventual impugnação pelo empregador da antiguidade e da retribuição pode tornar necessária a produção de prova em audiência marcada para o efeito, numa situação em que a lei prevê o efeito cominatório pleno no que representaria um desenvolvimento totalmente incoerente e contraditório com a previsão legal (V. Reis/D. Ravara, 2012, 200).
Diante do que antecede, julgamos preferível a abordagem que vê no articulado para petição de créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação a que se refere a aL c) do n. ° 3 deste art. 98°-J o lugar e momento próprio para o trabalhador alegar todos os factos necessários para a definição e concretização dos seus direitos (V Reis/D. Ravara, 2012, 201).
Tais direitos, desde logo reconhecidos, ainda que em termos necessariamente genéricos, na primeira sentença, de carácter interlocutório, prevista no n.° 3, serão depois concretizados ou liquidados, por via desse articulado, na segunda sentença, que põe fim ao processo, contemplando ou desenvolvendo aquela (V. Reis/D. Ravara, 2012, 201 e 209- 210). Para tanto, deve o trabalhador, nesse articulado, optar, caso queira, pela indemnização substitutiva da reintegração (...), e invocar todos os factos necessários à fixação do montante da mesma (no mínimo legalmente estatuído ou em montante superior) bem como dos salários intercalares.
Concluindo, para nós:
- não há lugar a prévio (anterior à sentença de preceito) convite ao trabalhador a vir aos autos manifestar a sua opção pela reintegração/indemnização de substituição da reintegração;
- a primeira sentença condenatória na reintegração é provisória ou condicional, mantendo-se caso outra coisa não seja decidida pela segunda sentença (quanto a este ponto face a opção manifestada pelo trabalhador no articulado em que peticiona os seus créditos) que põe termo ao processo;
- deve o trabalhador, na sequência da notificação a que alude o art. 98°,1, n.° 3, c), do CPT, declarar no articulado, em que peticiona créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua cessação, também a sua eventual opção pela indemnização em substituição da reintegração decidida pela primeira sentença, alegando os factos para a determinação do seu montante (quando deva ser fixado em valor superior ao mínimo legal).
IV. Face ao exposto, por falta de apresentação do articulado motivador no prazo legal, declaro a ilicitude do despedimento do A. AAAA pela R. BBBB, e, em consequência:
a) condeno a R. a reintegrar o trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
b) condeno a R. no pagamento das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento e até ao trânsito em julgado da decisão judicial que declare a ilicitude do despedimento, deduzindo-se, no entanto, as quantias previstas no art. 390°, n.° 2, a) e c), do CT, a ser caso disso.
Notifique, sendo, ainda, o A. nos termos do disposto no art. 98°-J, c), do CPT, para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado no qual peticione quaisquer outros créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou da sua cessação, incluindo a indemnização prevista na alínea a) do n.° 1 do artigo 389.° do Código do Trabalho, e, a ser caso disso, exerça, querendo, a opção pela indemnização em substituição da reintegração, alegando os factos aptos à determinação do número de dias de retribuição base e diuturnidades a considerar para o seu cômputo
Inconformada com o despacho, a Ré recorreu e formulou as seguintes conclusões:
A. Ao contrário do firmado no despacho em recurso, a R. não foi notificada para apresentar o articulado de motivação do despedimento do A, — nem para o demais previsto na alínea a), do n.° 4, do artigo 98.°-I, do CPT — por motivos a que foi completamente alheia (conforme, nomeadamente, constante dos pontos 9, 10 e 12 ,das Alegações acima);
B. Emerge dos autos que essa notificação não foi realizada pelo Meritíssimo Juiz à R. em sede de audiência de partes, nem foi cumprida pela secretaria judicial apesar de expressamente ordenada a sua realização como consignado na acta escrita dessa audiência (conforme, designadamente, constante dos pontos 2, 5, 6 e 8, das Alegações acima);
C. Não tendo a R. sido notificada para apresentar o articulado de motivação do despedimento, não pode o tribunal a quo declarar liminarmente a ilicitude do despedimento com os inerentes efeitos cominatórios e, ao fazê-lo, incorre em manifesta violação de Lei (conforme, nomeadamente, constante dos pontos 11, 13 a 15, das Alegações acima), por conseguinte;
Nestes termos e nos demais de Direito aplicável, sem prescindir do mui douto suprimento de V. Exas., deve ser julgado procedente o presente recurso e, consequentemente, ser revogado o despacho de 11.05.2023 que declarou a ilicitude do despedimento do A. e revogados todos actos posteriormente praticados, bem com ser ordenada a notificação da R. para apresentar o articulado de motivação do despedimento e das cominações legais pela sua falta.
Não consta do histórico dos autos que o Autor apresentou contra-alegações.
Recebidos os autos neste Tribunal, o Exmo. Procurador Geral Adjunto apôs visto no processo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Objecto do recurso
Sendo pacífico que o âmbito do recurso é delimitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635° n° 4 e 639° do CPC, ex vi do n° 1 do artigo 87.° do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608.° n° 2 do CPC), no presente recurso, a questão a decidir consiste em saber se a Ré não foi notificada para apresentar o articulado de motivação do despedimento do Autor nem para o demais previsto na alínea a), do n.° 4, do artigo 98.°-I, do CPT, pelo que não podia ter sido declarada a ilicitude do despedimento com fundamento na falta de apresentação de tal articulado.
Fundamentação de facto
Os factos que relevam para a decisão são os que decorrem do relatório.
Fundamentação de direito
Invoca a Recorrente, em suma, que, não foi notificada para apresentar o articulado de motivação do despedimento do Autor, nem para o demais previsto na alínea a), do n.° 4, do artigo 98.°-I, do CPT, por motivos a que foi completamente alheia, que essa notificação não foi realizada pelo Meritíssimo Juiz à Ré em sede de audiência de partes, nem foi cumprida pela secretaria judicial apesar de expressamente ordenada a sua realização como consignado na acta e que a reprodução escrita na acta não traduz a exacta expressão do teor da gravação como resulta do seu mero cotejo. Conclui que, na falta dessa notificação, não podia o tribunal ter declarado a ilicitude do despedimento.
Vejamos:
Antes de mais importa referir que, embora a Recorrente não o diga expressamente, ao invocar que a reprodução escrita na acta não corresponde à exacta expressão do teor da gravação parece estar a invocar a falsidade da acta.
Sucede, porém, que a falsidade da acta deve ser invocada em incidente próprio, no caso, perante o tribunal de 1.a instância, no prazo de 10 dias, como resulta do artigo 451.° n.°s 2 e 3 do CPC e não no recurso, sendo certo que, na data da interposição do recurso, já tinha decorrido o referido prazo.
Com efeito, como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16.05.2019, Proc.148/17 .2 T8AGH.L1-6, consultável em www.dgsi.pt, A falsidade de acto judicial, como o explica Salvador da Costa (2), traduz-se na desconformidade entre o que é atestado no processo e o que efectivamente decorreu, designada por ideológica ou intelectual,
o que envolve o poder funcional de certificação, ou na alteração do conteúdo de algum acto judicial inserto, por exemplo, em cota, acta, despacho, sentença ou acórdão.
E vg estando em causa uma acta de audiência, recorda ainda Salvador da Costa (3) que tem a mesma a natureza de documento autêntico, logo, faz a mesma plena dos factos que integram o seu conteúdo, e a sua força probatória, ressalvada possibilidade de rectificação nos termos do n° 3 do artigo 159°, só pode ser ilidida através da prova da falsidade dos actos a que se reporta no incidente de falsidade. Assim, conclui Salvador da Costa (4), a referida acta faz prova plena, por exemplo, de que a diligência de tentativa de conciliação a que se reporta se realizou, só sendo susceptível de ser ilidida através deste incidente de falsidade a suscitar no tribunal onde decorreu o julgamento .
Por conseguinte, não tendo sido deduzido o incidente de falsidade da acta, não se mostra afastada a sua força probatória.
Nos termos do artigo 386.° do Código do Trabalho, O trabalhador pode requerer a suspensão preventiva do despedimento, no prazo de cinco dias úteis a contar da data da receção da comunicação de despedimento, mediante providência cautelar regulada no Código de Processo do Trabalho.
O procedimento cautelar especificado de suspensão do despedimento encontra-se regulado nos artigos 34.° a 40.°-A do CPT.
Nos termos do n.° 4 do artigo 34.° da Lei n.° 107/2019, de 09.09 A impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento deve ser requerida no requerimento inicial, caso não tenha ainda sido apresentado o formulário referido no artigo 98.°-C, sob pena de extinção do procedimento cautelar..
No procedimento cautelar, o Recorrido requereu a suspensão do despedimento e a impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento.
Nos autos de procedimento cautelar foi proferido despacho que, além do mais, determinou a citação da requerida, ora Recorrente, para se opor, querendo, ao procedimento cautelar e para, no prazo da oposição e sob pena de aplicação das consequências previstas no artigo 38.°, n.° 1, do CPT, juntar o competente procedimento disciplinar, bem como foi designada a data para a realização da audiência final nos termos dos artigos 34.° n.° 1, in fine e 36.° do CPT.
Nessa sequência, a Requerida, ora Recorrente, foi citada da data da audiência final e para, querendo, se opor à providência, bem como para juntar o procedimento disciplinar, tudo com as legais advertências relativas à falta de comparência, à falta de apresentação do procedimento disciplinar e à falta de apresentação de documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas.
Nos termos do n.° 2 do artigo 36.° do CPT, na audiência, o juiz tenta a conciliação e, se esta não resultar, ouve as partes e ordena a produção da prova a que houver lugar, proferindo, de seguida, a decisão.
Mas se tiver sido requerida a impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, como foi, nos termos do n.° 4 do artigo 36.° do CPT, aplica-se o disposto no n.° 3 do artigo 98.°-F, sendo dispensada a tentativa de conciliação referida no n.° 2 do artigo 36.°.
Por seu turno, estatui o n.° 3 do artigo 98.°-F do CPT, que tendo sido requerida a suspensão de despedimento, a audiência de partes referida no n.° 1 antecede a audiência final do procedimento cautelar.
E, no caso, conforme resulta da respectiva acta, a audiência de partes antecedeu a audiência final e, cumprindo-se o disposto no artigo 36.°-A do CPT, foi elaborada uma acta documentando os actos próprios da audiência de partes e, na falta de acordo, foi determinada a extracção de certidão da acta e do requerimento inicial a fim de ser autuada como acção de impugnação judicial do despedimento, prosseguindo os autos com a audiência final.
O artigo 98.°-I do CPT regula os termos da audiência de partes determinando que, declarada aberta a audiência pelo juiz, o empregador expõe sucintamente os fundamentos de facto que motivam o despedimento (n.° 1); após a resposta do trabalhador, o juiz procurará conciliar as partes, nos termos e para os efeitos dos artigos 52.° e 53.° (n.° 2); caso verifique que à pretensão do trabalhador é aplicável outra forma de processo, o juiz abstém-se de conhecer do pedido, absolve da instância o empregador, e informa o trabalhador do prazo de que dispõe para intentar acção com processo comum; (n.° 3); frustrada a tentativa de conciliação, na audiência de partes o juiz: a) procede à notificação imediata do empregador para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado para motivar o despedimento, juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas; e b) fixa a data da audiência final (n.°4).
Confonne resulta dos artigos 36.° n.° 1 e 98.°-F n.° 2 do CPT, em caso de justificada impossibilidade de comparência, o empregador pode fazer-se representar por mandatário judicial com poderes especiais para confessar, transigir ou desistir.
No caso, consta da acta que a empregadora não compareceu tendo sido representada por Ilustre Mandatário com procuração com poderes especiais junta com a oposição.
E também resulta da acta que, na audiência de partes, uma vez que se frustrou a conciliação, na presença de todos os presentes, o Mm.° Juiz proferiu o seguinte despacho: Notifique a Ré/Entidade Empregadora para apresentar, no prazo de 15 (quinze) dias, querendo, o articulado para motivar o despedimento, sob pena de, não o fazendo, ser declarada a ilicitude do despedimento do Requerente/Trabalhador e ser a Requerida/Entidade Empregadora condenada a reintegrar o Requerente/Trabalhador, ou, caso este tenha optado pela indemnização, a pagar ao Requerente/Trabalhador, no mínimo, uma indemnização correspondente a 30 (trinta) dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, bem como, ao pagamento das retribuições que o Requerente/Trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado.
Ainda determinou a extracção de certidão nos termos do artigo 36.°-A, al.b) do CPT e rematou o despacho com Notifique prosseguindo com a audiência final do procedimento cautelar.
Ora, é certo que na acta não consta que as partes foram notificadas do despacho e que disseram ter ficado cientes de todo o seu conteúdo.
Mas estando presentes presume-se, de acordo com as regras da vida, que todos ouviram o Mm° Juiz proferir o despacho e, por isso, tiveram conhecimento dele e ficaram cientes que o mesmo, nessa parte, se destinava à Recorrente que estava representada por Ilustre Advogado com poderes especiais.
Ora, nos termos do n.° 2 do artigo 219.° do CPC A notificação serve para, em quaisquer outros casos, chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto.
E embora o n.° 3 do citado artigo refira que as notificações são sempre acompanhadas de todos os elementos e de cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objecto, no caso, atenta a especificidade desta acção, em que o primeiro articulado é apresentado pela Ré, a notificação do artigo 98.°-I n.° 3 do CPT servia apenas para dar a conhecer à Recorrente que tinha o prazo de 15 dias para, querendo, apresentar
o articulado de motivação do despedimento e demais documentos e a cominação em caso de não apresentação.
Acresce que, apesar do despacho referir Notifique a Ré/Entidade Empregadora... , o que pareceria apontar no sentido de que a notificação ainda não tinha decorrido e que estaria dependente da prática de outro qualquer acto, o certo é que, face ao teor do artigo 98.°-I n.° 3 do CPT que determina que, na audiência de partes, frustrada a tentativa de conciliação, é o juiz que procede à notificação imediata do empregador para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado para motivar o despedimento, não há como considerar que o despacho em causa não foi notificado à Recorrente, tanto mais que esta estava representada por Ilustre Mandatário na audiência de partes.
E mesmo que não se considerasse que ocorreu a notificação da empregadora, e considera-se, o certo é que determinando o artigo 98.°- I n.° 3 do CPT que a notificação é feita pelo juiz na audiência de partes, a sua omissão integraria uma nulidade processual secundária (art.195.° n.° 1, do CPC), a ser arguida no acto, conforme estabelece o artigo 199.° n.° 1 do CPC,
o que não sucedeu, pelo que a sua arguição no recurso sempre seria extemporânea (neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12.09.2018, proc. 2195/17.5T8STR-A., consultável em www.dgsi.pt.).
Por último, entendemos que o Acórdão do STJ de 24.03.2021 que vem invocado pela Recorrente e em que se suscitava a questão de saber qual o regime jurídico da notificação ao trabalhador do articulado de motivação do despedimento apresentado pelo empregador, prevista no artigo 98.°-L do CPT quando a notificação seja realizada na pessoa do trabalhador, não tem aplicação ao caso, posto que a Recorrente já tinha sido pessoalmente citada para a audiência final e, por isso, já tinha conhecimento que o Recorrido tinha requerido a impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento e que, assim, a audiência de partes precederia a audiência final.
Resta, pois, concluir, que a apelação não procede.
Decisão
Face aos exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e confirma-se o
despacho recorrido.
Custas pela Recorrente.
Registe e notifique.
Lisboa, 27 de Setembro de 2023
Celina Nóbrega
Albertina Pereira
Paula Santos
Sumário (art.663.° n.° 7 do CPC)
Considera-se efectuada a notificação prevista no artigo 98-1 n.° 4, al.a) do CPT se, na audiência de partes que antecedeu a audiência final de procedimento cautelar de suspensão do despedimento, foi proferido despacho a ordenar a notificação da empregadora que se encontrava devidamente representada por mandatário com poderes especiais.
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