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ACSTJ de 01-07-2009
 Acidente de trabalho Caso julgado Seguro de acidentes de trabalho Violação de regras de segurança Nexo de causalidade Descaracterização de acidente de trabalho Ónus da prova
I – O nosso sistema jurídico consagra a responsabilização das pessoas singulares ou colectivas de direito privado e de direito público não abrangidas por legislação especial pela reparação e demais encargos previstos na lei advindos dos acidentes sofridos pelos trabalhadores ao seu serviço, prescrevendo ainda que as entidades empregadoras são obrigadas a transferir a responsabilidade por aquela reparação para as entidades legalmente autorizadas a realizar o seguro de acidentes de trabalho (art. 37.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro e art. 11.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril). II – Por via desse sistema, impende sobre as seguradoras, por força do contrato de seguro realizado pelas entidades empregadoras, o asseguramento da realização das prestações devidas aos trabalhadores sinistrados ao serviço destas. III – Essa substituição no cumprimento da obrigação de reparação dos danos causados pelos acidentes de trabalho abarca, em princípio, tudo o que for devido em consequência desses acidentes, gizando a lei, contudo, não obstante a imposição do sistema de seguro obrigatório, dois tipos de situações em que não impenderá sobre a entidade seguradora a responsabilidade pelo pagamento total dos danos sofridos: (i) quando a responsabilidade das entidades empregadoras não se encontra totalmente transferida; (ii) quando o acidente tiver ocorrido nas hipóteses contempladas no artº 18 da Lei nº 100/97. IV – Se porventura a entidade empregadora impugnar a decisão judicial que a considerou responsável (seja a título de responsabilização meramente «em primeira linha», seja a título «agravado»), a consequência dessa impugnação não poderá deixar de ter repercussão nas obrigações da entidade empregadora decorrentes do contrato de seguro que outorgou com a entidade seguradora, pelo que o não trânsito da decisão que veio a considerar como responsável a entidade empregadora – não trânsito esse operado pelo recurso interposto por esta – igualmente se repercutirá no passo decisório que, no seguimento daquela decisão, veio a estabelecer qual a forma pela qual a entidade seguradora seria responsável. V – Por isso, não obstante se ter decidido não tomar conhecimento, qua tale, do objecto do recurso subordinado interposto pelos autores/beneficiários do sinistrado vítima de acidente de trabalho, no sentido da condenação da entidade seguradora, isso não significa, na hipótese do Supremo eventualmente vir a tomar uma decisão no sentido de o acidente dos autos se não dever ter como «descaracterizado» ou que o mesmo deva dar lugar à reparação nos termos do artº 18º, nº 1, da Lei nº 100/97, com a consequência de cobrar aplicação o que se comanda no nº 2 do artº 37º, que não possa a entidade seguradora ser condenada, a «título principal», a reparar os danos advindos do acidente. VI – Ainda que se admita que viola as regras de segurança (nomeadamente aquelas que constam do artº 41 do Regulamento de segurança aprovado pelo decreto nº 41.821, de 11 de Agosto de 1958) a entidade empregadora que dispõe de uma «placa» do tecto do rés-de-chão com vigas de betão afastadas entre si com espaços ou aberturas desprotegidos suficientemente largos de modo a permitir a queda em altura de uma pessoa, não se verifica nexo de causalidade entre essa violação e o acidente de trabalho que ocorre porque o sinistrado, desobedecendo às instruções daquela – no sentido de proceder à descarga das paletes de abobadilhas do camião para o solo e, só posteriormente, as abobadilhas serem transportadas para a placa, consoante o «andamento dos trabalhos» -, procedia à descarga directamente do camião para a placa, tendo sido precisamente quando separava um «porta-paletes» que o «garfo» da palete embateu em si, desequilibrando-o e fazendo-o cair do local onde se encontrava, isto é, na placa do tecto do rés-do-chão. VII – A descaracterização do acidente de trabalho prevista na alínea a) do artº 7º da Lei nº 100/97 exige, cumulativamente, os requisitos de (i) existência de regras ou condições de segurança estabelecidas pela lei ou pela entidade empregadora, (ii) verificação, por parte do sinistrado, de uma conduta violadora dessas regras ou condições, (iii) voluntariedade na assunção dessa conduta, sem que, para tanto, haja causa justificativa, e (iv) a existência de um nexo causal entre a conduta e a ocorrência do acidente. VIII – As condições de segurança a que alude o referido preceito são as normas ou instruções que visam acautelar ou prevenir a segurança dos trabalhadores, visando eliminar ou diminuir os riscos ou perigos para a sua saúde, vida ou integridade física.IX – Tendo a entidade empregadora dado instruções ao sinistrado para a descarga das paletes de abobadilhas ser feita, directamente, do camião para o solo e, só posteriormente, as abobadilhas serem transportadas para a placa (do imóvel em construção), consoante o «andamento dos trabalhos», o que o sinistrado conhecia, não é possível concluir, sem mais, que tais instruções se destinassem, por via directa ou indirecta, a acautelar ou proteger a segurança dos trabalhadores intervenientes na operação de descarga das abobadilhas do camião (podiam, por exemplo, tais instruções destinarem-se à organização e planificação da obra de construção que a empregadora levava a cabo). X – Em tal circunstancialismo não há lugar à descaracterização do acidente, ao abrigo da alínea a) do artº 7º da Lei 100/97, sendo que ónus da prova dos factos integradores da descaracterização, como impeditivos da responsabilidade accionada, cabia às entidades sobre as quais a lei faz impender a obrigação reparadora do acidente (artº 342º, n.º 2 do CC). XI – De igual modo, não se verifica descaracterização do acidente ao abrigo da alínea b) do referido artº 7.º , pois a violação ou desobediência, por parte do sinistrado – da instrução no sentido de as abobadilhas serem descarregadas do camião para o solo e só depois, serem transportadas para a placa, consoante o andamento dos trabalhos –, move-se marginal ou lateralmente à questão da negligência do sinistrado.
Proc. n.º 823/06.7TTAVR.C1.S1 -4.ª Secção Mário Pereira (Relator) Sousa Peixoto Bravo Serra (votou vencido quanto ao n.º IX e 1.ª parte do n.º X)
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