ACSTJ de 29-04-2009
Despedimento sem justa causa Dever de obediência Empregador de facto Danos não patrimoniais
I – O artigo 396.º, n.º 1, do Código do Trabalho/2003 recuperou o conceito de justa causa de despedimento que constava do artigo 9.º, n.º 1, da LCCT (Lei da Cessação do Contrato de Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro), pressupondo a verificação cumulativa de dois requisitos: (i) um comportamento culposo do trabalhador, violador dos deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, que seja grave em si mesmo e nas suas consequências; (ii) um nexo de causalidade entre esse comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral. II – Na ponderação sobre a gravidade da culpa e das suas consequências, importará considerar o entendimento de um “bonus pater famílias”, de um “empregador razoável”, segundo critérios de objectividade e de razoabilidade, em função das circunstâncias de cada caso em concreto. III – A impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho deve ser reconduzida à ideia de “inexigibilidade da manutenção vinculística”, com necessária referência ao vínculo laboral em concreto, e “imediata”, no sentido de comprometer, desde logo e sem mais, o futuro do contrato. IV – O Código do Trabalho de 2003 – artigo 396.º, n.º 2 –, tal como já fazia anteriormente a LCCT (artigo 12.º, n.º 5), estabelece critérios de justa causa: o grau de lesão de interesses do empregador [em que, apesar de tudo e sem embargo da previsão específica do artigo 396, n.º 3, alínea e), não se exige a verificação de danos], o carácter das relações entre as partes e entre o visado e demais trabalhadores e todas as outras circunstâncias que relevem no caso, no contexto da gestão da empresa. V – O dever de obediência representa, na esfera do trabalhador, o correlativo do poder de direcção – na vertente do poder conformativo da prestação – a cargo do empregador. VI – No conteúdo desse poder de direcção incluem-se, genericamente, e para além do poder fiscalizador e instrutivo sobre o desenvolvimento prestacional, as faculdades de indicar ao trabalhador a actividade a desenvolver e o modo e local da sua realização. VII – Mas a observância do dever de obediência só poderá ser exigida do trabalhador quando a voz de comando do empregador seja unívoca (sem conflitos, tensões e ordens e directivas dissonantes), por forma a que não consinta, no espírito do subordinado, qualquer dúvida legítima sobre a entidade a quem deve obediência. VIII – Tal não sucede quando no seio da sociedade ré se assiste, durante o período de 22-02-2005 a 1404-2005, a uma disputa de poder entre, por um lado, um dos proprietários e sócios-gerentes da empresa e, por outro, os demais proprietários e sócios da ré, em que aquele decide “ocupar” o hotel que até então a ré explorava e onde a trabalhadora/autora prestava a sua actividade laboral, vedando, desde então, a entrada no estabelecimento aos demais proprietários e gerentes, do mesmo passo que se assume perante a autora e restantes trabalhadores, como seu único empregador, a quem todos devem obediência, sob pena de despedimento, tendo, simultaneamente, um outro sócio e gerente da ré, que exercia, até então, as funções de Director do hotel e que era o seu directo responsável, deixado de aí estar presente e de supervisionar e dirigir toda a actividade e funcionários do estabelecimento, como fazia anteriormente. IX – Neste contexto, vindo a sociedade ré a (re)assumir a exploração do hotel a partir de 14-04-2005, não configura justa causa despedimento, por desobediência da autora, o facto desta, no período de 22-02-2005 a 14-04-2005, ter obedecido às ordens do referido proprietário e sócio-gerente da ré que”ocupava” o hotel, e não à sociedade ré. X – Face ao circunstancialismo descrito e, ainda, atendendo a que a autora sempre foi reconhecida como pessoa de prestígio, reconhecida e respeitada, que era trabalhadora zelosa, assídua, competente e diligente, que cumpria as suas funções em conformidade com as ordens que recebia directamente da hierarquia, que por causa do despedimento de que foi vítima sentiu profunda tristeza e mágoa, originando nela um estado depressivo de constante angústia e ansiedade, afectando-a psicologicamente, e que auferia o salário mensal de € 501,00, acrescido de €83,50 de subsídio de alimentação, justifica-se uma indemnização a título de danos não patrimoniais, no valor de € 5.000,00.
Recurso n.º 3081/08 -4.ª Secção Sousa Grandão (Relator)* Pinto Hespanhol Vasques Dinis
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