ACSTJ de 22-04-2009
Ónus de alegação Ónus de concluir Matéria de direito Justa causa de despedimento Dever de lealdade
I -Independentemente do tribunal para que se recorre, tratando-se de recurso que verse matéria de direito, deve o recorrente, nas conclusões da alegação, proceder às especificações a que se refere o n.º 2 do artigo 690.º, do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pela reforma de 1995/1996. II - No caso de recurso para o Supremo Tribunal, que, por ser estruturalmente um tribunal de revista, conhece essencialmente de matéria de direito, a indicação das normas violadas funciona sempre como delimitação do objecto do recurso. III - O mesmo já não acontece nos recursos para a Relação, cujos poderes de cognição abarcam a faculdade de alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, bastando para tal que do processo constem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão (artigo 712.º, n.º 1, 1.ª parte do Código de Processo Civil), pelo que a indicação da lei violada deixa aqui de ter a importância fundamental que tem nos recursos para o Supremo Tribunal de Justiça. IV - De qualquer modo, versando o recurso para a Relação matéria de direito, a indicação, nas conclusões, das normas violadas e demais especificações consignadas no n.º 2 do artigo 690.º não é pura e simplesmente dispensável, pois da sua falta pode decorrer, no contexto do resumo da exposição dos motivos da discordância do recorrente, deficiência ou obscuridade que ponha em causa, por um lado o cabal exercício do contraditório pela parte recorrida e, por outro, a própria decisão do recurso, casos em que não pode deixar de convidar-se o recorrente a suprir a falta. V - Cumprem o normativo legal indicado (artigo 690.º, n.º 2), as conclusões das alegações de recurso de apelação, nas quais o recorrente revela, claramente, quais as normas jurídicas que entende terem sido violadas pela decisão impugnada, permitindo, outrossim, sem dificuldade determinar em que sentido, no entendimento do recorrente, essas normas deveriam ter sido interpretadas. VI - O dever de execução leal do contrato veda ao trabalhador comportamentos que determinem situações de perigo para o empregador ou para a organização da empresa, por um lado, e, por outro, impõe-lhe que tome as atitudes necessárias quando constate uma ameaça de prejuízo. VII - Configura justa causa de despedimento, o comportamento de um trabalhador bancário que, aproveitando-se das funções de caixa móvel/prospector que exercia – funções que consistiam, entre o mais e com vista a proceder à recolha de depósitos, em efectuar visitas em dias úteis às instalações do supermercado de um cliente da sociedade bancária ré, em viatura própria desta –, subtraiu, por três ou quatro vezes, diversos produtos (garrafas de vinho, champanhe, whisky, etc.), que se encontravam expostos e que levou consigo, no valor aproximado de € 70,00 a €100,00, tendo, em consequência, sido impedido pelo aludido cliente da ré de voltar a entrar nas ditas instalações, que, por isso, deixou de efectuar depósitos bancários através do caixa móvel, passando tais depósitos a ser efectuados pessoalmente num balcão da ré pela esposa do cliente. VIII - No circunstancialismo descrito, a inexistência de prejuízos, como a perda de clientes por parte da ré ou do próprio cliente da ré (pois o autor veio, posteriormente, a pagar os produtos subtraídos) em nada diminui a culpa ou a ilicitude dos comportamentos do autor para efeitos de se perspectivar, à luz dos critérios de um empregador normal, a quebra do estado de confiança, assente na honestidade, indispensável à subsistência da relação laboral.
Recurso n.º 3083/08 -4.ª Secção Vasques Dinis (Relator)* Bravo Serra Mário Pereira
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