ACSTJ de 22-04-2009
Trabalho igual salário igual Princípio da igualdade Discriminação Ónus da prova
I -O artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa, concretiza, no que diz respeito à retribuição do trabalho, visando garantir um justo e equitativo valor, o princípio da igualdade consignado no artigo 13.º do mesmo diploma. II - O direito de igualdade reporta-se a uma igualdade material que exige se tome sempre em consideração a realidade social em que as pessoas vivem e se movimentam, e não a uma igualdade meramente formal, massificadora e uniformizadora, devendo, pois, tratar-se por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual. III - O que decorre do princípio para trabalho igual salário igual é a igualdade de retribuição para trabalho igual em natureza, quantidade e qualidade, e a proibição de diferenciação arbitrária (sem qualquer motivo objectivo) ou com base em categorias tidas como factores de discriminação (sexo, raça, idade e outras) destituídas de fundamento material atendível, proibição que não contempla, naturalmente, a diferente remuneração de trabalhadores da mesma categoria profissional, na mesma empresa, quando a natureza, a qualidade e quantidade do trabalho não sejam equivalentes, atendendo, designadamente, ao zelo, eficiência e produtividade dos trabalhadores. IV - Nos casos em que a acção tem por fundamento algum dos factores característicos da discriminação consignados no n.º 1, do artigo 23.º do Código do Trabalho de 2003 e no artigo 35.º do Regulamento do Código do Trabalho (Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho), ou outros equiparáveis, segundo o critério da igual dignidade sócio-laboral, o trabalhador que se sente discriminado não tem de alegar e demonstrar factos relativos à natureza, qualidade e quantidade das prestações laborais em comparação, pois que, provados os factos que integram o invocado fundamento, actua a presunção de que a diferença salarial a ele se deve, invertendo-se, apenas, quanto ao nexo causal presumido, o ónus da prova. V - Mas tem, em tais casos, de alegar e provar, além dos factos que revelam a diferenciação de tratamento, também, os factos que integram um daqueles factores característicos da discriminação. VI - Isto significa que a presunção de discriminação não resulta da mera prova dos factos que revelam uma diferença de remuneração entre trabalhadores da mesma categoria profissional, ou seja, da mera diferença de tratamento, pois, exigindo a lei que a pretensa discriminação seja fundamentada com a indicação do trabalhador ou trabalhadores favorecidos (artigo 23.º, n.º 3, do Código do Trabalho de 2003), naturalmente, tal fundamentação há-de traduzir-se na narração dos factos que, reportados a características, situações e opções dos sujeitos em confronto, de todo alheias ao normal desenvolvimento da relação laboral, atentem, directa ou indirectamente, contra o princípio da igual dignidade sócio-laboral, que inspira o elenco de factores característicos da discriminação exemplificativamente consignados na lei. VII - Deste modo, numa acção em que se não invocam quaisquer factos que, de algum modo, possam inserir-se na categoria de factores característicos de discriminação, no sentido referido, não funciona a aludida presunção, por isso que compete ao autor, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, alegar e provar factos que, referindo-se à natureza, qualidade e quantidade de trabalho prestado por trabalhadores da mesma empresa e com a mesma categoria, permitam concluir que o pagamento de diferentes remunerações viola o princípio para trabalho igual salário igual, pois que tais factos, indispensáveis à revelação da existência de trabalho igual, se apresentam como constitutivos do direito a salário igual, que se pretende valer. VIII - Nesta conformidade, numa acção em que a autora alega a violação do princípio para trabalho igual salário igual, não constando dos seus fundamentos qualquer dos factores característicos da discriminação, e tendo-se apenas provado que desde 2001 até Setembro de 2003 aquela integrou o quadro de pessoal da ré, com a categoria de técnica jurista, e que, a partir desta última data, passou a desempenhar ao serviço da mesma ré novas funções, concretamente as funções de assessoria jurídica num determinado gabinete, auferindo, em Abril de 2004 a quantia mensal ilíquida de € 878,00, e a partir de Fevereiro de 2005 o valor de € 897,40, e que a jurista admitida para o exercício das funções anteriormente desempenhadas pela autora auferia, desde Setembro de 2003, € 1.250,00, e a partir de Setembro de 2004, € 1.500,00, tais factos são insuficientes para se concluir que o trabalho prestado pela autora, antes e depois de mudar de funções, é igual ou objectivamente semelhante em natureza, quantidade e qualidade ao prestado pela outra trabalhadora jurista que, com a mesma categoria de assessora jurídica, a substituiu no lugar por aquela anteriormente ocupado.
Recurso n.º 3040/08 -4.ª Secção Vasques Dinis (Relator)* Bravo Serra Mário Pereira
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