Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Laboral
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ACSTJ de 22-04-2009
 Justa causa de despedimento Ónus da prova Dever de lealdade
I -A noção de justa causa de despedimento prevista no n.º 1 do art. 396.º do Código do Trabalho exige a verificação cumulativa de 2 requisitos: (i) um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, grave em si mesmo e nas suas consequências; (ii) que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.
II - Existe a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador, susceptível de criar no espírito do primeiro a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral.
III - Face à estrutura e princípios que regem os termos do processo disciplinar e a acção de impugnação de despedimento constantes do Código do Trabalho e aos princípios gerais do ónus da prova, constantes do Código Civil, cabe ao empregador, na acção de impugnação judicial do despedimento, a prova dos factos constantes da decisão de despedimento, isto é, integradores da respectiva justa causa.
IV - O empregador não está onerado com a prova de factos alheios à justa causa que invocou, nomeadamente com a prova dos invocados pelo trabalhador, tenham ou não sido por este alegados no processo disciplinar.
V - O dever de lealdade previsto na al. e) do n.º 1 do art.º 121º do CT tem um alcance normativo que supera os limites do sigilo e da não concorrência, impondo ao trabalhador que aja, nas relações com o empregador, com franqueza, honestidade e probidade, em consonância, aliás, com a boa fé que deve presidir à execução do contrato, nomeadamente, vedando-lhe comportamentos que determinem situações de perigo para o empregador ou para a organização da empresa, por um lado, e, por outro, impondo-lhe que tome as atitudes necessárias quando constate uma ameaça de prejuízo.
VI - Não está demonstrada a violação do dever de lealdade e de honestidade por parte de um trabalhador motorista/agente único de serviço público que foi acusado de vender 2 bilhetes a um casal com entrega apenas de um e tentativa de apropriação do valor do outro, se não ficou provada a intenção de se lucopletar com a importância correspondente ao valor do bilhete (€ 1,20), podendo a situação ter-se reconduzido a um mero lapso ou esquecimento.
VII - Mas já integra violação deste dever a conduta do mesmo trabalhador ao preencher e entregar à sua chefia um questionário sobre as circunstâncias de um acidente em que foi interveniente com o veículo pesado de passageiros do empregador, assinando tal questionário com o nome de uma testemunha que indicou ter presenciado o referido acidente e assim fazendo com que fosse apresentada, em nome da testemunha, e como tendo sido emitida por esta, uma declaração que, afinal, fora emitida por ele próprio.
VIII - Tratou-se de uma actuação desleal e desonesta, em si mesma, independentemente de saber se o preenchimento do questionário pelo autor teve lugar a pedido daquela pessoa e se esse preenchimento correspondeu ou não à versão que, do acidente, a mesma haja tido.
IX - Este comportamento integra justa causa de despedimento, tendo-se como razoável e justificada, a perda objectiva de confiança do empregador na conduta futura do trabalhador, maxime atendendo a que do seu passado disciplinar constam dois sancionamentos (por agressão a um cliente e por comportamento incorrecto com outro cliente), que se situaram num domínio susceptível de afectar a imagem do empregador perante o público, nomeadamente, os utentes do seu serviço.
Recurso n.º 153/09 -4.ª Secção Mário Pereira (Relator)* Sousa Peixoto Sousa Grandão