ACSTJ de 01-04-2009
Pluralidade de empregadores Subordinação jurídica Ónus da prova Declaração tácita Ilações Retribuição Constitucionalidade
I -Embora o Regime Jurídico do Contrato de Trabalho (LCT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969, não previsse expressamente a figura da “pluralidade de empregadores”, como ulteriormente veio a ocorrer com as codificações laborais (artigos 92.º do Código do Trabalho de 2003 e 101.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro), nada impedia que o trabalhador se vinculasse a trabalhar, simultânea ou sucessivamente, para vários empregadores que dirigem a sua prestação subordinada, ao abrigo do mesmo vínculo laboral. II - Para aferir se o trabalhador se encontra vinculado a um único empregador ou a vários empregadores, no âmbito dessa legislação, o que releva é o critério da subordinação jurídica, não alterando a relação os vínculos de natureza económica porventura existentes entre as empresas: se houver subordinação jurídica do trabalhador em relação a vários empregadores, estamos perante uma pluralidade de empregadores; se essa subordinação jurídica se revelar apenas em relação a um empregador, haverá um (esse) único empregador. III - Não basta a mera demonstração de que um trabalhador vinculado a uma sociedade prestou também a sua actividade em benefício de duas outras sociedades, dentro do seu horário de trabalho, sem oposição das beneficiárias, para afirmar que estas emitiram uma declaração negocial tácita, no sentido de aceitarem que o vínculo contratual firmado com a primeira também as abrangesse. IV - O vocábulo “factos” constante do artigo 217.º do Código Civil, tem o significado de atitudes ou comportamentos assumidos por aquele a quem se imputa a manifestação de vontade orientada em determinado sentido negocial e traduz-se em condutas declarativas que, não aparecendo como visando directamente, de modo frontal, a exteriorização da vontade que se considera declarada por essa forma, permitem, desde que revestidas de um grau de inequivocidade aferido por um critério prático, que um destinatário de tais comportamentos declarativos, dotado de normal capacidade de entendimento e medianamente diligente, deles infira, que o declarante quis também exteriorizar a sua vontade em determinado sentido não directamente e frontalmente expresso V -Não havendo regra da lei, dos usos ou de convenção que, no caso do contrato de trabalho, atribua ao silêncio valor declarativo (artigo 218.º do Código Civil), a inexistência de quaisquer comportamentos ou atitudes de carácter declarativo assumidos por estas duas sociedades perante o autor, com relação à actividade por ele prestada em seu benefício, impede a afirmação da existência de factos concludentes susceptíveis de alicerçar uma declaração tácita no sentido da vinculação delas a uma relação de natureza laboral. VI - A Relação, conhecendo de facto, pode extrair dos factos materiais provados as ilações que deles sejam decorrência lógica — bem como sindicar as presunções judiciais tiradas pela 1.ª instância, no que respeita a saber se essas ilações alteram, ou não, a factualidade provada e, bem assim, se elas constituem, ou não, decorrência lógica de uma concreta factualidade apurada —, actividade esta que, por norma, não é sindicável pelo Supremo, por ser a factualidade pertinente baseada em meios de prova livremente apreciáveis pelo julgador (artigos 722.º e 729.º do Código de Processo Civil). VII - Mas se a ilação extraída contraria ou entra em colisão com um facto que foi submetido a concreta discussão probatória e que o tribunal houve como não provado, o Supremo pode intervir correctivamente nos termos do artigo 729.º, n.º 3 do Código de Processo Civil. VIII - Não é suficiente para se afirmar uma vinculação laboral, e a consequente responsabilização pelos créditos emergentes do negócio que se considere vincular as partes, a mera circunstância de determinadas entidades beneficiarem da prestação de uma actividade desenvolvida por outrem, sem que se demonstre o quid caracterizador de um vínculo desta natureza, tal como este se mostra definido na lei aplicável (artigos 1152.º do Código Civil e 1.º da LCT): a subordinação jurídica. IX - Recai sobre o autor o ónus de alegar e provar, por se tratar de factos constitutivos do seu direito, os factos necessários à conclusão pela existência de subordinação jurídica em relação aos vários réus que demanda em juízo, para ver acolhidas as suas pretensões de declaração da existência de uma relação laboral plúrima e de condenação de todos eles no pagamento de créditos laborais. X - O princípio constitucional de que todos os trabalhadores têm direito à retribuição do trabalho segundo a sua qualidade, natureza e qualidade (artigo 59.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa), só vale quando esteja em causa a retribuição devida no âmbito de uma relação contratual de trabalho subordinado.
Recurso n.º 3254/08 -4.ª Secção Vasques Dinis (Relator)* Bravo Serra Mário Pereira
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