ACSTJ de 25-03-2009
Avença Contrato de trabalho Subordinação jurídica Violação do direito a férias Administração Pública Direcção-Geral de Viação Danos não patrimoniais Admissibilidade de recurso Sucumbência
I – Na vigência da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 3.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro de 2001 -que estabelece ser de € 14.963,94 a alçada dos tribunais da Relação, em matéria cível (artigo 24.º, n.º 1) -, não é admissível recurso de revista, formalmente independente da revista pedida pela parte contrária, da decisão da Relação que fixou a indemnização por danos não patrimoniais decorrentes da não concessão de licença de maternidade em € 2.500,00, por inverificação do pressuposto da medida da sucumbência exigido no n.º 1 do art. 678.º do Código de Processo Civil (CPC), se a autora pediu na petição inicial a condenação do réu no pagamento da indemnização de € 10.000,00, a este título, e não impugnou no recurso subordinado de apelação a sentença da 1.ª instância que fixou tal indemnização em € 6.000,00, pelo que a utilidade económica da pretensão a alcançar se cifra em € 3.500,00, valor que é inferior a metade da alçada do tribunal recorrido (€ 7.481,97). II – A decisão que admite o recurso não vincula o tribunal superior — artigo 687.º, n.º 4, do CPC — e o despacho do relator sobre a admissibilidade é, também, provisório, não formando caso julgado, por ser modificável pela conferência, quer por iniciativa do relator, dos seus adjuntos e das próprias partes — artigos 700.º a 708.º do mesmo diploma. III – A autora (trabalhadora) carece de legitimidade para impugnar, em recurso, o juízo de não imputação de responsabilidade por custas ao réu empregador, na medida em que tal juízo não colide com qualquer interesse da autora, em nada a afectando (artigo 680.º, n.º 1, do CPC). IV – Constitui contrato de trabalho subordinado aquele que, embora designado como contrato de avença, tem por objecto a elaboração de propostas de decisão nos autos de contra-ordenação resultantes de infracção ao direito estradal, e era executado por uma jurista sem qualquer autonomia técnico-jurídica ou discricionária, utilizando modelos pré-figurados, actuando sob a direcção e inspecção de representantes da Direcção Geral de Viação (DGV), não lhe sendo permitido interpretar disposições legais e aplicar a medida da coima e sanção que entendesse adequadas, estando ainda sujeita a um rigoroso horário de trabalho, que deveria ser cumprido nas próprias instalações da DGV. V – É insuficiente para alterar esta conclusão, e destina-se apenas a manter a aparência de um contrato de avença, a subsistência de certos requisitos formais mais consentâneos com a originária qualificação do contrato, como a não inscrição na Segurança Social, o não pagamento de subsídios de férias e de Natal, a passagem de “recibos verdes” e o pagamento do IVA pelo valor das remunerações pagas. VI – Ao estabelecer que “[s]ão nulos todos os contratos de prestação de serviços, seja qual for a forma utilizada, para o exercício de actividades subordinadas, sem prejuízo da produção de todos os seus efeitos como se fossem válidos em relação ao tempo durante o qual estiveram em execução”, o artigo 10.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 184/89, de 14 de Junho estriba-se no necessário pressuposto de que outro contrato não haja sido o contrato efectivamente celebrado. VII – Se um dado contrato celebrado entre a Administração e um particular é susceptível de ser qualificado como contrato de trabalho, apesar de lhe ser atribuído um outro nomen iuris,a consequência é esse contrato passar a reger-se pela lei geral do trabalho ou pelo regime da constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego público consignado no Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, consoante o contrato em causa possa ser considerado contrato de trabalho por tempo indeterminado ou contrato de trabalho a termo certo. VIII – Assumida a natureza laboral do convénio, e sendo-lhe aposto um termo, tal contrato de trabalho é nulo por violação do disposto no artigo 18.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 427/89, havendo que coligir o regime do artigo 15.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969 (LCT), tanto por virtude do que dispõe o artigo 294.º do Código Civil, quanto daquilo que preceitua o n.º 5 do referido artigo 18.º, ou seja, o convénio “…produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução.” IX – Para beneficiar do direito indemnizatório previsto no artigo. 13.º do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro – Regime Jurídico de Férias, Feriados e Faltas (LFFF) -, o trabalhador tem o ónus de provar que ocorreu um efectivo impedimento ao gozo de férias, visto que se trata de um facto constitutivo do direito que se arroga. X – Verifica-se uma efectiva obstrução ao gozo de férias, se a DGV distribui processos para despachar à jurista todos os dias úteis do ano e efectua regularmente a contagem dos processos distribuídos ainda não despachados, suspendendo a remuneração daquela até que recuperasse os atrasos constatados, assumindo particular relevância a recusa expressa manifestada pelos Chefes de Divisão da DGV quando os juristas avençados os questionavam sobre o gozo de férias e o seu pagamento, ao lhes responderem que não tinham direito a tais regalias e prestações face à natureza dos acordos celebrado. XI – Assiste à autora o direito a uma indemnização por danos não patrimoniais pelo facto de a DGV lhe ter indeferido a concessão de uma licença de maternidade de 120 dias pelo nascimento do seu filho, apesar de suspender a distribuição de processos durante 15 dias, demonstrando-se que o regresso ao trabalho da autora após esses 15 dias se revelou penoso, “quer do ponto de vista físico (porque se encontrava a amamentar e por isso dormia mal, tendo emagrecido), quer do ponto de vista psicológico [porque se angustiava por deixar o seu filho (primogénito) em casa com uma empregada doméstica, enquanto se deslocava às instalações da DGV para trabalhar]', levando-a 'a desistir de amamentar o seu filho, face à dificuldade que sentiu em compatibilizar as deslocações à DGV para trabalhar com a amamentação”, e causando-lhe “tristeza, angústia, preocupação e ansiedade'.
Recurso n.º 3260/08 -4.ª Secção Vasques Dinis (Relator)* Bravo Serra Mário Pereira
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