Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Laboral
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ACSTJ de 25-03-2009
 Negligência grosseira Infracção estradal Descaracterização de acidente de trabalho Ónus da prova
I – A negligência ou mera culpa consiste na violação de um dever objectivo de cuidado, sendo usual distinguir entre aquelas situações em que o agente prevê como possível a produção do resultado lesivo mas crê, por leviandade ou incúria, na sua não verificação (negligência consciente) e aquelas em que o agente, podendo e dever prever aquele resultado e cabendo-lhe evitá-lo, nem sequer concebe a possibilidade da sua verificação (negligência inconsciente). II – A negligência pode assumir diferentes graus em função da ilicitude ou da culpa: (i) será levíssima quando o agente tiver omitido os deveres de cuidado que uma pessoa excepcionalmente diligente teria observado; (ii) será leve quando o parâmetro atendível for o comportamento de uma pessoa normalmente diligente; (iii) será grave quando a omissão corresponde àquela em que só uma pessoa excepcionalmente descuidada e incauta teria também incorrido. III – Correspondendo a negligência grosseira à culpa grave, a sua verificação pressupõe que a conduta do agente – porque gratuita e de todo infundada – se configure como altamente reprovável, à luz do mais elementar senso comum. IV – Como a descaracterização do acidente constitui um facto impeditivo do direito reclamado na acção, compete ao demandado a prova da materialidade integradora dessa descaracterização (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil). V – A subsunção da conduta do agente a uma infracção classificada por lei como contra-ordenação grave ou muito grave não é suficiente, só por si, para que se tenha por preenchido o requisito que integra a descaracterização do sinistro, pois o regime jurídico dos acidentes de trabalho é inspirado pela teoria do “risco económico ou da actividade”, segundo o qual a reparação deve recair sobre a entidade empregadora – ou quem a substitua por virtude da transferência da responsabilidade infortunística –, devendo abranger todas as situações em que o acidente se produza, por causa ou em função da actividade profissional do sinistrado. VI – O regime dos acidentes de trabalho assume, pois, um cariz acentuadamente objectivista, reclamando mecanismos diferentes daqueles de que se socorre a legislação rodoviária: sendo aqui mais premente o interesse da prevenção geral – com o recurso a presunções de culpa e à punição de meras situações de perigo –, jamais se poderiam transpor para a sinistralidade laboral os critérios de gravidade adoptados naquela legislação. VII – A afirmação de um nexo causal entre o facto e o dano comporta duas vertentes: (i) a vertente naturalística, de conhecimento exclusivo das instâncias, porque contida no âmbito restrito da matéria factual, que consiste em saber se o facto, em termos de fenomenologia real e concreta, deu origem ao dano; (ii) a vertente jurídica, já sindicável pelo Supremo, que consiste em apurar se esse facto concreto pode ser havido, em abstracto, como causa idónea do dano ocorrido (artigo 563.º do Código Civil). VIII – Não se mostram provados os requisitos de que depende a descaracterização do acidente, por negligência grosseira do sinistrado, se apenas se demonstra que este conduzia o veículo em piso molhado (havia chovido pouco tempo antes), que, atento o sentido de marcha, o local configura uma curva larga à esquerda, situa-se após uma recta com mais de 400 metros e antecede uma outra recta com cerca de 200 metros, que existe no pavimento uma linha longitudinal contínua, que se inicia antes da curva à esquerda, continua nesta e termina alguns metros após a curva atento o sentido de marcha, que existe também, cerca de 200 metros a anteceder a curva, um sinal vertical a proibir a circulação a velocidade superior a 50Km/hora e que, após descrever a referida curva, o sinistrado perdeu o controlo do veículo, passou por cima da linha longitudinal contínua, invadiu a hemi-faixa de rodagem contrária, entrou num largo situado após a curva e foi embater de forma violenta em três veículos que se encontravam ali estacionados, provocando danos em todos eles, além de ter provocado a destruição do próprio veículo que conduzia, mas se desconhecem as concretas razões que provocaram que o sinistrado perdesse o controlo da viatura, designadamente a velocidade a que esta seguia.
Recurso n.º 3087/08 -4.ª Secção Sousa Grandão (Relator) Pinto Hespanhol Vasques Dinis