ACSTJ de 12-03-2009
Despedimento sem justa causa Dever de respeito Dever de urbanidade Direito de crítica
I – O art. 396.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2003 recuperou integralmente o conceito de justa causa que constava do pretérito art. 9.º, n.º 1 da LCCT, pressupondo para o efeito a verificação de dois requisitos cumulativos: um comportamento culposo do trabalhador violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, que seja grave em si mesmo e nas suas consequências; um nexo de causalidade entre esse comportamento e a impossibilidade da subsistência da relação laboral, reconduzindo-se esta à ideia da “inexigibilidade da manutenção vinculística”. II – Exige-se para a verificação do segundo requisito uma “impossibilidade prática”, com necessária referência ao vínculo laboral em concreto, e “imediata”, no sentido de comprometer, desde logo e sem mais, o futuro do contrato. III – São critérios de apreciação da justa causa: o grau de lesão dos interesses do empregador -em que, sem embargo da previsão específica da alínea e) do n.º 3 do art. 396.º, não se exige a verificação de danos -, o carácter das relações entre as partes e entre o visado e demais trabalhadores e todas as outras circunstâncias que relevem ao caso, a aferir no contexto da gestão da empresa (art. 396.º, n.º 2 do Código do Trabalho). IV – Ao trabalhador assiste a faculdade de exprimir livremente as suas opiniões e críticas, mas impõe-se que tal direito seja exercido com respeito pelos deveres que para ele emergem do vínculo laboral, nos termos das obrigações contratualmente assumidas e da própria lei. V – É violador dos deveres de respeito e urbanidade o comportamento do trabalhador electricista que, num momento de pausa na sala de café da empresa, após consultar o mapa de férias ali afixado nesse dia e verificar que lhe havia sido atribuído um período divergente daquele que combinara com o engenheiro Director de Produção do empregador, abordou este, que ali passava naquele instante, e disse em tom exaltado, perante os trabalhadores que se encontravam na sala: “Está a brincar comigo?” e“Não gosto que brinquem comigo”. VI – Há que atentar, contudo, em que tais expressões não são objectivamente ofensivas e foram proferidas num estado de exaltação emocional de quem vê frustradas, sem explicação, as legítimas expectativas que a empresa lhe criara quanto ao período de férias, circunstância que mitiga também a reacção ulterior do trabalhador quando, depois de o aludido engenheiro reagir com um sorriso às expressões proferidas e o agarrar com um braço para abandonar o local, se recusou a sair e se aproximou fisicamente do seu interlocutor. VII – Tendo-se apurado que, já após todos se terem acalmado, os dois interlocutores conversaram calmamente no gabinete do engenheiro, tendo-se este apercebido de que havia de facto uma discrepância entre o período de férias combinado com aquele trabalhador e o que ficara a constar do mapa de férias, não pode afirmar-se que o descrito comportamento do trabalhador inviabilizou definitivamente a relação laboral.
Recurso n.º 2589/08 -4.ª Secção Sousa Grandão (Relator)* Pinto Hespanhol Vasques Dinis
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