ACSTJ de 12-03-2009
Transferência do local de trabalho Prejuízo sério Interesse da empresa Objecto do recurso Interpretação do negócio jurídico
I – Nos termos do art.º 24.º, n.º 1, da LCT (regime jurídico do contrato individual de trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 24.11.69), os sujeitos do contrato de trabalho podiam acordar em alargar ou restringir a faculdade conferida por lei ao empregador de transferir o trabalhador para outro local de trabalho. II – Constando do contrato de trabalho escrito uma cláusula (cláusula 6.ª), nos termos da qual a trabalhadora declarou aceitar a possibilidade de ser deslocada, dentro do território continental português, para qualquer um dos estabelecimentos do empregador, nada obstaria, em princípio, a que a ordem da sua transferência da loja sita em Senhora da Hora/Matosinhos para a loja sita na Covilhã fosse considerada legítima, independentemente dos prejuízos que essa transferência lhe causasse. III – Tendo a Relação decidido que a cláusula em questão era nula e que, no caso, o exercício do direito de transferência com base naquela cláusula sempre seria abusivo, ainda que a mesma fosse válida; e não tendo a recorrente/empregadora impugnado o assim decidido pela Relação relativamente ao abuso do direito, torna-se desnecessário apreciar a questão da validade da referida cláusula, uma vez que a eventual procedência daquela questão não teria qualquer efeito útil para a decisão do mérito do recurso, porquanto, ainda que se viesse a entender que a cláusula era válida, a ordem de transferência do local de trabalho continuaria a ser ilegítima, face ao trânsito em julgado da decisão na parte relativa ao abuso do direito. IV – Apesar de no contrato de trabalho constar uma cláusula (cláusula 4.ª), nos termos da qual a trabalhadora se comprometeu a exercer sob a direcção do empregador, no território referido na clausula 1.ª, ou seja, no continente português e nas Ilhas Adjacentes, todas as actividades necessárias ao desempenho dos objectivos comerciais do empregador, não é possível concluir com segurança, com base nessa cláusula, que o local de trabalho acordado abrangia todas e qualquer uma das lojas do empregador sitas naquela área geográfica, pois, se assim fosse, a cláusula 6.ª seria perfeitamente inútil, o mesmo acontecendo com as cláusulas 7.ª, 8.ª e 10.ª uma vez que estas expressamente se referem à mudança de local de trabalho. V – E, em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, há que dar primazia, nos contratos onerosos, como é o contrato de trabalho, ao sentido que conduzir ao maior equilíbrio das prestações (art.º 237.º do C.C.) VI – E, face ao valor da retribuição acordada no contrato (60.000$00) e ao leque de interesses de ordem pessoal, familiar e social que, de modo geral, são inerentes à estabilidade do local de trabalho, a interpretação que conduz ao maior equilíbrio das prestações contratuais é a de que o local de trabalho não tem a amplitude que, à primeira vista, parecia resultar do teor da cláusula 4.ª. VII – A transferência do local de trabalho, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 315.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27/8, só é admissível se o interesse da empresa o exigir e se a transferência não implicar prejuízo sério para o trabalhador. VIII – Tendo a Relação extraído, com base nos elementos constantes dos autos, a ilação de que a autora sempre tinha exercido funções no estabelecimento sito na Senhora da Hora/Matosinhos, e estando provado que a autora era casada e mãe de dois filhos menores, que residia em Freixieiro, Matosinhos, com o seu agregado familiar, e que aí tinha centrada a sua vida sócio-familiar, é de concluir que a transferência do seu local de trabalho para a Covilhã lhe acarretaria prejuízos sérios. IX – De qualquer modo, não estando provado que a transferência do local de trabalho era exigida pelo interesse da empresa, a ordem sempre teria de ser julgada ilegítima, por caber ao empregador alegar e provar os factos que permitissem concluir pela existência daquele interesse.
Recurso n.º 3054/08 -4.ª Secção Sousa Peixoto (Relator)* Sousa Grandão Pinto Hespanhol
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