ACSTJ de 12-03-2009
Abuso do direito Conhecimento oficioso Nota de culpa Factos concretos Despedimento sem justa causa Atestado médico Faltas justificadas Caducidade do contrato de trabalho Danos não patrimoniais Nexo de causalidade Subsídio de doença Objecto do r
I – Decorrendo a apreciação do problema do abuso do direito em termos paramétricos de «oficiosidade», não se encontra vedado à parte, ao impugnar determinada decisão judicial, brandir com uma tal figura, ainda que, antes do proferimento dessa decisão, não tenha equacionado essa questão e, ao menos, se o acórdão recorrido se não tiver pronunciado em termos de concluir pela existência de exercício abusivo do direito. II – Não tendo a ré, instituição bancária, invocado, na nota de culpa, a falta de autorização do autor, bancário, para o exercício da actividade docente, bem como a omissão, perante a ré, dessa situação profissional de docência, com o intuito de receber o correspondente subsídio de doença, não podem essas eventuais infracções ser tidas em conta para justificar o despedimento deste. III – Não se verifica justa causa de despedimento num circunstancialismo em que se apura que exercendo o autor, ao serviço da ré, as funções de bancário, no período de 13 de Outubro de 2003 até 5 de Junho de 2005 (com excepção do período compreendido entre 2 e 26 de Janeiro de 2004) foi justificando a sua ausência ao serviço com a apresentação periódica de atestados médicos, passados pelo médico que acompanhava a sua situação clínica, que o davam como incapaz para o trabalho por doença do foro psiquiátrico, sendo-lhe aconselhado o exercício de outras actividades que não a de bancário, nomeadamente a de docência, a qual era benéfica ao seu estado de saúde, actividade de docência esta que, no referido período, ele veio a exercer. IV – Para que se verifique a caducidade do contrato de trabalho, nos termos previstos na alínea b) do artº 387º do Código do Trabalho, é necessário, para além do carácter superveniente e absoluto da incapacidade, que ela seja definitiva, definitividade essa que pressupõe a irreversibilidade da situação, no caso, do impedimento do autor para exercer a actividade de bancário. V – No circunstancialismo descrito em III, não ocorre impossibilidade absoluta e definitiva de o autor prestar o trabalho, pois, para além de este apresentar periodicamente atestados médicos que o davam como incapaz para o trabalho por doença do foro psiquiátrico, e, em conformidade com o aconselhamento médico, desempenhava a actividade docente, como forma de ajudar a sua recuperação, não demonstrou a entidade empregadora a irreversibilidade de ele vir novamente a exercer a actividade bancária. VI – Ao intentar a acção de impugnação do despedimento, o autor não viola os princípios da boa fé, nem excede os limites impostos pelo fim social e económico do direito, porquanto se encontra demonstrado que a sua incapacidade temporária se reportava unicamente ao exercício das suas funções de bancário na ré e que lhe eram aconselhadas pelo seu médico outras actividades que não a bancária, nomeadamente a de docência, a qual ajudaria à recuperação. VII – Encontrando-se provado que o autor entrou em depressão, vendo-se obrigado a entrar de «baixa» médica, tendo entregue os atestados do foro psiquiátrico, que tentou regressar ao serviço no início de 2004 – sendo que anteriormente a essa data os atestados médicos de carácter psiquiátrico apenas referiam a especificidade de o autor se encontrar incapacitado para o exercício das suas funções –, e que o autor tem dificuldade em conciliar o sono, vivendo num estado de permanente ansiedade e isolamento, o que se reflecte na mulher e filhos, sintomas que se vinham manifestando com o decorrer do tempo, não resulta que os padecimentos de origem psíquica que afectaram o autor só se vieram a manifestar após a instauração do processo disciplinar que conduziu ao despedimento agora judicialmente impugnado, e que foi com base nessa instauração e posterior desenvolvimento que o autor veio a apresentar os sobreditos sintomas, razão pela qual, por inexistência de nexo de causalidade, se não deve conferir indemnização por danos não patrimoniais decorrentes do despedimento. VIII – É inútil o Supremo Tribunal de Justiça pronunciar-se sobre o acórdão recorrido, na parte em que condenou o autor a restituir à ré os subsídios de doença referentes ao aludido período de «baixa» médica, se esse acórdão, para alcançar um tal juízo se suportou em dois fundamentos [quais fossem: (i) que pelo recurso à analogia, poder-se-ia sustentar que, pela lacuna de disposição regulamentar constante do acordo colectivo de trabalho previsora da restituição dos percebidos subsídios de doença nas situações em que o trabalhador bancário se encontre a prestar uma outra actividade que não a bancária, seria aplicável o regime geral consagrado para a Segurança Social; e (ii) a não se entender assim – dada a natureza negocial instituidora do regime previdencial específico dos trabalhadores bancários –, sempre a integração daquela lacuna, por apelo ao artº 239º do Código Civil, teria de atender aos ditames da boa-fé, razão pela qual, congregando, no caso, o artº 334º do mesmo compêndio normativo, se haveria de chegar à conclusão de que os recebidos subsídios, em tal situação, haveriam de ser restituídos], e se, na revista, o recorrente apenas impugna o primeiro. IX – Na verdade, numa tal situação, mesmo que o Supremo desaguasse num juízo de harmonia com a qual a aventada analogia era imprestável, sempre subsistiria o outro fundamento invocado e que levou o acórdão recorrido à decisão no ponto que tomou em concreto.
Recurso n.º 4116/08 -4.ª Secção Bravo Serra (Relator)* Mário Pereira Sousa Peixoto
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